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Inconstitucionalidade do dispositivo legal que isenta a distribuição de lucros ou dividendos

Agenda 13/01/2017 às 14:20

O art. 10, Lei nº 9.249/1995 claramente viola a moldura constitucional delineada pelo art. 145, da CF 88, a partir do qual se irradia o dever da observância do princípio da capacidade contributiva, pois isentou do imposto de renda aqueles com capacidade contributiva elevada.

Neste artigo pretende-se abordar, sucintamente, o art. 10 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, sob a perspectiva da ocorrência de violação do comando previsto no art. 145, da CF/88. Assim, ao lançar alguns dados e análises, espera-se poder contribuir para a reflexão acerca deste tema já conhecido por muitos.

Conforme moldura delineada pela CF 88, no que se refere à capacidade econômica do contribuinte, os impostos devem ter caráter pessoal e serem graduados segundo a capacidade econômica (tributária) do sujeito passivo, verbis:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: (...)

§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.[1](grifei)

É certo que, no caso da distribuição de lucros ou dividendos, é possível a identificação dos beneficiários, bem como graduar a tributação pelo Imposto de Renda segundo a capacidade econômica dos contribuintes, entretanto a Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995 - D.O.U. de 27.12.1995, instituiu a isenção do Imposto de Renda sobre os lucros ou dividendos distribuídos aos sócios/acionistas, conforme dispositivo legal a seguir, verbis:

Art. 10. Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior.

Parágrafo único. No caso de quotas ou ações distribuídas em decorrência de aumento de capital por incorporação de lucros apurados a partir do mês de janeiro de 1996, ou de reservas constituídas com esses lucros, o custo de aquisição será igual à parcela do lucro ou reserva capitalizado, que corresponder ao sócio ou acionista.[2](grifei)

Segundo foi noticiado no site do Senado Federal[3], na audiência pública promovida em 14 de setembro de 2015 pela Subcomissão Permanente de Avaliação do Sistema Tributário Nacional, participaram do debate os pesquisadores Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair, ambos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os quais esclareceram que, verbis:

Até 1995 havia tributação sobre dividendos no Brasil. A justificativa para a isenção, à época, foi evitar que o lucro já tributado na empresa, que paga Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, fosse novamente taxado quando se convertesse em renda pessoal, com a distribuição de dividendos. Com a isenção, segundo os pesquisadores, grande parte do que ganham os ricos não é tributada. Isso faz com que o topo da pirâmide social pague menos impostos que a classe média no país, proporcionalmente à renda. (grifei)

Cabe destacar que os defensores da tese de que o imposto de renda já teria sido pago inicialmente pela pessoa jurídica geradora do lucro e que, portanto, não caberia a tributação na pessoa dos sócios ou acionistas, quando do recebimento dos rendimentos na forma de lucros ou dividendos distribuídos, já que, segundo os defensores da tese, estes seriam os proprietários daqueles, obtiveram êxito no Congresso Nacional que acabou por instituir norma legal isentando-os do pagamento do Imposto de Renda quando do recebimento daqueles lucros ou dividendos. Numa melhor análise, o argumento posto não configura o instituto do “bis in iden”, o que é vedado pelo comando previsto no art. 154, I, da CF 88.

O fenômeno do “bis in iden” ocorreria se a mesma base de cálculo/fato jurídico fosse tributada por duas vezes pelo mesmo ente público, contudo, a rigor não é isso que se verifica na hipótese analisada.

O que ocorre é a tributação inicial do lucro, após deduzidas as despesas, na pessoa jurídica geradora da receita. Posteriormente, atendidos os requisitos, parte do lucro líquido, após incidência do Imposto de Renda, é distribuído aos sócios ou acionistas (pessoas físicas/jurídicas), portanto os beneficiários/destinatários são diversos e tampouco as bases de cálculo são as mesmas, pois enquanto naquele a tributação incide sobre o lucro gerado pela pessoa jurídica, neste a tributação incide sobre os recursos recebidos a título de distribuição de lucros ou dividendos pelos sócios/acionistas.

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Ademais, o efeito resultante do previsto no parágrafo único do art. 10 da lei citada é o mesmo, pois ao considerar como valor de custo de aquisição, decorrente de aumento de capital por incorporação de lucros apurados, igual à parcela do lucro ou reserva capitalizado que corresponder ao sócio ou acionista, quando da alienação futura de participação societária irá deduzir o suposto custo de aquisição (foi beneficiário!), o que reduzirá o montante de imposto de renda a ser apurado a título de ganho de capital.

Assim sendo, não há o que se falar em “bis in iden” e nem em “bitributação”, como alguns mencionam equivocadamente, pois este trata-se de instituto em que dois entes públicos tributam a mesma base de cálculo, um invadindo a competência tributária do outro (por exemplo, cobrança de ICMS e ISS sobre mesmo fato jurídico), enquanto aquele é a tributação da mesma base de cálculo, por duas vezes, pelo mesmo ente público, porém não é o que ocorre, conforme foi esclarecido acima.

Ainda conforme os pesquisadores participantes da audiência pública acima mencionados, caso fosse restabelecida a tributação dos rendimentos sob análise, seria possível uma arrecadação estimada de mais de R$ 43 bilhões ao ano com a cobrança de imposto de renda de 15% sobre tais rendimentos (distribuição de lucros ou dividendos).

Por oportuno, vale mencionar que o entendimento no sentido de que os lucros ou dividendos devem ser tributados alia-se à lógica do previsto no art. 50 do Código Civil Brasileiro[4] que dispõe acerca da possibilidade de “desconsideração da personalidade jurídica”, uma medida extrema em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pela confusão patrimonial, dentre outras situações previstas, quando os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações da pessoa jurídica sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios dessa pessoa jurídica, ou seja, os bens particulares são alcançados para o cumprimento das obrigações assumidas pela pessoa jurídica.

O que a referida norma legal estabelece é que, regra geral, os bens da pessoa jurídica e os do administrador ou sócio não se confundem, mas em ocorrendo a confusão patrimonial maquiada, objetivando dificultar o alcance dos bens da pessoa jurídica pelos credores, excepcionalmente, os bens patrimoniais particulares dos administradores e sócios poderão ser alcançados, o que, portanto, corrobora a tese de que os lucros ou dividendos distribuídos podem e devem ser tributados, pois tanto os fatos geradores quanto as pessoas que auferem os rendimentos são diferentes, desconstituindo o argumento daqueles que alegaram ser indevida a tributação pelo fato de a pessoa jurídica e o lucro ou dividendos, em última instância, pertencerem a mesma pessoa.

Embora o propósito do art. 50, do CC não seja exatamente o mesmo do argumento apresentado visando a reversão da isenção instituída, o importante é compreender que os bens da pessoa jurídica e de seu administrador e sócio não se confundem, pois juridicamente são pessoas diversas e para tributar é necessária a previsão legal do fato gerador que em ocorrendo surge a obrigação tributária, e, portanto, a obrigação de se apurar o imposto devido e recolhê-lo, se for o caso.

Na situação hipotética analisada, verifica-se a ocorrência do fato gerador em dois momentos distintos. Primeiro, quando a pessoa jurídica gera riqueza em decorrência da atividade econômica que lhe é inerente e, posteriormente, o segundo momento em que ocorre o fato gerador é quando os lucros ou dividendos são distribuídos para o sócio ou acionista. Portanto, como demonstrado, são dois fatos geradores que ocorrem em momentos distintos e as pessoas que auferem os rendimentos também são distintos, logo, a tributação é perfeitamente cabível, justa e devida.

Pelo exposto resulta que a norma legal sob análise (art. 10, Lei nº 9.249, de 26/12/1995) claramente viola a moldura constitucional delineada pelo art. 145, da CF 88, a partir do qual irradia-se por todo ordenamento jurídico pertinente o dever da observância do Princípio da Capacidade Contributiva, pois o dispositivo legal analisado isentou do Imposto de Renda aqueles com capacidade contributiva elevada, ao mesmo tempo em que tributou em 2016, por exemplo, aqueles que obtiveram rendimentos tributáveis a partir de R$ 1.903,99 mensais (considerada acima da faixa de isento pela legislação do IRPF), ou seja, contribuintes com capacidade contributiva ínfima ou inexistente, se considerado o recurso mínimo necessário para aquisição da cesta básica, conforme explicado abaixo.

Mais, viola também os Princípios da Isonomia e da Progressividade, ambos decorrentes do mesmo comando constitucional citado acima, por dispensar tratamento tributário privilegiado aos contribuintes com elevada capacidade econômica (contributiva!) e, de forma diversa, onerar quem não tem capacidade contributiva, pois de acordo com estudos realizados pelo DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos[5], em 2016, o salário mínimo nominal e necessário variou de R$ 3.716,77 a R$ 4.016,27, restando assim demonstrado que houve tributação de Imposto de Renda sobre rendimentos de pessoas sem capacidade econômica, ou melhor, contributiva de fato.

Além dos problemas jurídicos enfrentados acima, por oportuno, cabe uma reflexão acerca do efeito decorrente da instituição da isenção dos lucros ou dividendos distribuídos.

É sabido que, em função do referido benefício fiscal concedido, muitas vagas de emprego foram extintas e substituídos pelos prestadores de serviços através de pessoas jurídicas constituídas para tal fim. Assim, muitos trabalhadores optaram por essa via, pois vislumbraram a possibilidade de pagar menos imposto de renda, mas restou demonstrado que foi prejudicial aos próprios trabalhadores no médio prazo, pois abdicaram dos direitos sociais dos trabalhadores e revelaram à classe empresarial a ausência de unanimidade e fragilidade na defesa de seus (trabalhadores) interesses. Este entendimento foi corroborado pela proposta de reforma trabalhista apresentada recentemente pelo Governo, que numa análise preliminar, constata-se que objetiva atender à classe dos empregadores, fortalecendo a negociação coletiva em detrimento do previsto em lei.

Além desse efeito perverso, há que se analisar outro aspecto diretamente relacionado e decorrente da isenção dos lucros e dividendos distribuídos. A tendência é que haja uma distribuição de lucros superior que na hipótese de tais rendimentos serem tributados, cuja consequência imediata é a descapitalização da pessoa jurídica, reduzindo ou anulando a sua capacidade financeira para reinvestimentos necessários na modernização tecnológica da fonte produtora e geradora de riqueza, o que reduz também a oferta de vagas de trabalho disponibilizadas aos trabalhadores e, por consequência, há deterioração das condições remuneratórias e de trabalho, prejudicando mais ainda os trabalhadores.

Por todo exposto, é possível concluir que além de violar diversos Princípios Constitucionais, o efeito colateral decorrente da norma legal combatida é danoso e prejudicial para a necessária modernização, através de reinvestimentos na fonte produtora, para que, além de gerar riqueza e impulsionar a economia como um todo, possa cumprir a sua função social prevista na Carta Maior de 88.


Notas

[1] Brasil.Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.Brasília, 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acessado em: 4 de janeiro de 2017.

[2] Brasil. Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995. Altera a legislação do imposto de renda das pessoas jurídicas, bem como da contribuição social sobre o lucro líquido, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9249.htm. Acessado em: 4 de janeiro de 2017.

[3] Disponível em: http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/09/14/imposto-sobre-lucros-e-dividendos-geraria-r-43-bi-ao-ano-diz-estudo. Acessado em: 4 de janeiro de 2017.

[4] Brasil.Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.Institui o Código Civil.Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm.Acessado em: 4 de janeiro de 2017.

[5] DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Disponível em: http://www.dieese.org.br/analisecestabasica/salarioMinimo.html. Acesso em 04 de janeiro de 2017.

Sobre o autor
Antonio Nakaoka

Graduado em Direito, MBA em Administração Tributária pela FGV/SP, Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pela UNICURITIBA/Curitiba/PR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NAKAOKA, Antonio. Inconstitucionalidade do dispositivo legal que isenta a distribuição de lucros ou dividendos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4944, 13 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55077. Acesso em: 22 nov. 2024.

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