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O uso do meio eletrônico na comunicação de atos processuais penais

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Agenda 17/01/2017 às 11:29

Que o Direito Processual Penal Moderno, adequando-se à Era da Informatização Processual, traz significativos avanços à celeridade das comunicações, disso não há dúvidas. Mas até que ponto a substituição da figura humana do Juiz, que tem perspicácia e é capaz de sentir humanamente o que a máquina não possui o condão de realizar, será realmente eficaz? Saiba um pouco mais sobre essas reflexões, à luz da Lei 11.419/2006.

RESUMO:A Lei 11.419/2006 dispõe sobre a informatização do processo judicial e estabelece diretrizes básicas impostas a todas as instâncias judiciais do país, atingindo todos os graus de jurisdição. A virtualização do processo, embora prevista com caráter autorizativo, tende a tornar-se obrigatória diante da necessidade de evolução tecnológica do judiciário. A aplicação do meio eletrônico no processo penal, em específico, ainda está permeada pela preocupação quanto à garantia de segurança e exatidão na comunicação dos atos processuais.

Palavras-chave: Meio eletrônico. Direito Processual Penal. Comunicação. Tramitação.

ABSTRACT:The law 11.419/2006 provides for the modernization of the judicial process and indicates basic guidelines imposed on all the country judicial levels, reaching all levels of jurisdiction. Virtualization of the process, although foreseen with an authorizing nature, tends to become mandatory showing the need for the judiciary technological evolution. The electronic using in the criminal process, in particular, still permeating by the concern about the guarantee of security and accuracy in the communication of procedural acts.

Keywords: Electronic medium. Criminal Procedural Law. Communication. Procedure.


1 INTRODUÇÃO

O impacto que a tecnologia provoca no processo é notado com maior intensidade na última década. O mundo contemporâneo é caracterizado pela maior agilidade e flexibilidade das relações. Considerando o direito como fenômeno e fato social, é imperioso compreender a análise do direito adaptado aos serviços do meio eletrônico, bem como o modo que a realidade jurídica é influenciada pela sociedade pós-industrial.

A tecnologia possibilita ao Direito maior celeridade processual, a mobilidade proporcionada inaugura uma ordem procedimental em que o conceito de estação de trabalho é fragmentado, permitindo-se o acompanhamento do processo em qualquer lugar do país e do mundo. Ressalta-se, também, a redução de custos para os tribunais, já que o armazenamento e compra do papel diminuem significativamente.

A falta de familiarização com as inovações tecnológicas causa perplexidade em alguns operadores do direito, reforça a necessidade de adaptação com enfoque em fatos como segurança na tecnologia de informação e armazenamento de dados.

Válido ainda, definir o objeto do presente trabalho, qual seja, a análise do histórico, legislações e do direito comparado pertinente ao tema, bem como a comunicação virtual dos atos judiciais no âmbito do direito processual penal.


2 HISTÓRICO, LEGISLAÇÃO E DIREITO COMPARADO

O surgimento da internet doméstica no Brasil, e a conseqüente ampliação do seu uso, em meados da década de 90, facilitaram o compartilhamento de informações pessoais e empresariais que tramitavam pela rede. Desse modo, o que antes era restrito à esfera institucional, hoje atinge todas as áreas de conhecimento, inclusive a do Direito.

O Direito Processual moderno caminha no sentido de evoluir conforme as inovações tecnológicas, a fim de dinamizar o curso do processo. O princípio processual originário, qual seja, o da oralidade, abriu espaço à fórmula escrita. Surgiu, posteriormente, a máquina de escrever, peça que hoje se tornou obsoleta pelo aparecimento do computador. Nesse sentido, são as palavras do professor e Juiz de Direito José Eulálio Figueiredo de Almeida [1]:

A informática atualmente reina absoluta como ferramenta indispensável na tramitação de processos judiciais pela multiplicidade de tarefas que pode desenvolver. É uma espécie de minotauro moderno que exige de todos nós seu completo domínio, sob pena de sermos engolidos pela tecnologia que disponibiliza e ficarmos excluídos não só do acesso ao Judiciário e à Justiça, mas especialmente do mundo.

Imperioso atestar, contudo, que o advento da informática na tramitação de processos judiciais não significa que o princípio da oralidade deixou de receber o merecido respaldo, tendo em vista sua notável importância no contexto dos Juizados Especiais. Desse modo, convive hoje, em perfeita harmonia com o sistema processual da escrita.

O aparecimento da informática, em dado contexto, surgiu como ferramenta complementar na prática dos atos processuais, embora não tenha desfeito o formato dos procedimentos estabelecidos pelas leis dos processos. Do contrário, foi responsável por trazer celeridade à prestação jurisdicional, de modo a garantir maior transparência da tramitação processual e ampliar o acesso a um número significativo de usuários.[2]

Ao falar do uso do meio eletrônico na comunicação e na tramitação dos atos processuais penais, torna-se inevitável mencionar o surgimento da Lei 11.419/2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial. Estabelece, pois, diretrizes básicas impostas a todas as instâncias judiciais do País, atingindo todos os graus de jurisdição nos processos civil, penal e trabalhista.

Mencionado dispositivo legal estabelece, de início, caráter meramente autorizativo quanto ao uso do processo eletrônico pelos tribunais. Contudo, entende Alexandre Atheniense (2010) que esta é uma tendência que, em breve, se tornará obrigatória, frente à necessidade de evolução tecnológica do judiciário e, principalmente, pela sua dificuldade em absorver a crescente demanda pela prestação jurisdicional.

O fenômeno da virtualização dos processos, conforme preleciona o autor Tapscott[3], pode ser dividido em três fases. Em relação ao Judiciário brasileiro, podemos relacionar a primeira fase com o início do uso de dispositivos e eletrônicos pelos juízes e serventuários, em que se destacam os processadores de texto, planilhas eletrônicas e bancos de dados pessoais. A segunda fase, por sua vez, seria marcada pelo desenvolvimento de sistemas de controle de andamento processual, momento em que passa a ocorrer, por exemplo, a publicação de atos e decisões por meio eletrônica.

Finalmente, a terceira etapa corresponde a virtualização do processo judicial, que corresponde ao chamado processo eletrônico. É meta que ainda precisa ser adotada, a fim de que os atos processuais sejam representados por meio de bits, em um sistema informatizado que garanta maior celeridade e eficiência na prestação jurisdicional.

O Brasil, hoje, passa por uma fase de transição, visando adaptar-se ao contexto de informatização não apenas do Judiciário, com enfoque exclusivo na solução de problemas administrativos, mas, sobretudo, da informatização da Justiça. O fator determinante para tanto é, justamente, a entrada em vigor da Lei 11.419/2006.

            É forçoso ressaltar, contudo, que a utilização do meio eletrônico na tramitação de processos judiciais e na comunicação de atos não se trata, propriamente, de uma novidade na legislação brasileira.

            Em 1991, surgiu em lei a primeira iniciativa para validar a utilização de dispositivos eletrônicos para prática de atos processuais, por intermédio do artigo 58, inciso IV da Lei do Inquilinato. Passou-se a permitir o uso de telex ou do fac-símile[4] para realização de citação, intimação ou notificação de pessoas jurídica ou firma individual.

            O marco inicial que, de fato, representou a admissão da via eletrônica como meio hábil para a remessa de peças processuais, foi o advento da Lei 9.800/99, a chamada Lei do Fax. Contudo, ainda foi pouca a contribuição para um verdadeiro processo eletrônico, uma vez que restringia o uso da utilização de sistema de transmissão dados para prática de atos processuais que dependessem de petição escrita.

            A Lei 10.259/01, ao instituir os Juizados Especiais Federais, possibilitou a prática dos atos processuais de forma totalmente eletrônica, tornando-se desnecessária a apresentação posterior dos originais. Foi no Juizado Especial Federal do Rio Grande do Sul que foi implantado o E-proc, que consistia em sistemas de gerenciamento processual sem papel. A partir de então, todos os atos processuais passaram a ser realizados em meio digital, desde a petição inicial até o arquivamento.

            No mesmo ano de 2001, surgiram a Medida Provisória nº 2.200/01 e a Lei 10.358/01, que serão devidamente comentadas no decorrer do presente trabalho. Em 2006, a Lei 11. 341, alterou o CPC para trazer validade àqueles recursos fundados em divergências jurisprudencial que tivessem como meio de prova a reprodução de julgados disponíveis na Internet, desde que devidamente citada a fonte.

            Meses depois, introduziu-se a Lei 11.382/06, responsável por modificar o processo de execução cível a partir dos institutos da penhora e do leilão on-line (art. 655-A e art. 689-A, respectivamente).

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            Foi em 19 de dezembro de 2006 que se sancionou, finalmente, a Lei 11.419/06. Dada sua importância no contexto da informatização do processual judicial e sua condição de marco regulatório no uso de meios eletrônico no âmbito do direito processual, imperioso se faz discorrer sobre seu histórico de criação e os caminhos pelos quais percorreu até atingir sua atual redação.

            A Lei 11.419/06 foi sancionada em 19 de dezembro de 2006. Sua origem advém do ofício 174, de 13.08.2001, que foi encaminhado pela Associação dos Juizados Federais do Brasil (Ajufe).  A sugestão da Ajufe foi recebida em Plenário em 04.12.2001, como Projeto de Lei (PL) 5.828/01. O relator, Deputado José Roberto Batochio, apresentou parecer pela constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa, que foi aprovado por unanimidade pela Comissão de Constituição e Justiça e de Redação (CCJR). Em 19.06.2002, o Plenário aprovou a redação final.

            A Comissão de Informática da OAB/SP, contudo, entendeu que o projeto precisava de alguns reparos, à medida que possuía equívocos jurídicos e tecnológicos. Ocorre que a redação inicial da PL 5.828 continha como forma de identificação inequívoca do jurisdicionado, e aqui se inclui o advogado, apenas a hipótese de cadastramento perante o Poder Judiciário, a partir do fornecimento de uma assinatura eletrônica não certificada, ou seja, a partir de senhas. A Ajufe manifestou-se em sentido contrário, negando que o projeto de Informatização do Processo Judicial representasse qualquer violação à autonomia do advogado ou riscos à segurança jurídica.

            A partir de sua remessa ao Senado, o Projeto recebeu o número de PLC 71/02. Originalmente, o Senador Osmar Dias foi designado como relator, que, em parecer, opinou pela aprovação com substitutivo. Vários dispositivos, conforme seu entendimento, continham o vício da inconstitucionalidade, à medida que determinavam a órgãos do Poder Judiciário atos de natureza administrativa. Ademais, entendeu que o projeto falhou ao determinar, taxativamente, que intimações pessoais serão realizadas por meio eletrônico e, em especial, que não pode um projeto dessa natureza fugir da realidade do País ao obrigar sua implantação quase que imediata em todos os seus tribunais.

            Diante das críticas acima citadas, a Ajufe manteve a postura de que permanecesse o projeto original, emendado com o substitutivo do Senador Osmar Dias, sob o argumento de que definir em lei qual seria a única tecnologia aceitável, além de interferir em esfera pertinente ao judiciário, burocratiza a informatização, impede a implementação imediata da lei e inviabiliza a evolução tecnológica futura (DOMINGUES, Paulo Sérgio)[5].

            Conforme registros do Senado Federal, constatou-se que o substitutivo apresentado pelo Senador Osmar Dias – PLC 71/02), não foi sequer autuado à tramitação da PL 5828, o que acarretou a prevalência da nova redação, apresentada, posteriormente, pela Senadora Serys.

            A partir daí, surgiram significativas alterações, tendo em vista que o espectro do projeto de lei passou a ousar na criação de novas práticas processuais, a exemplo de comunicações eletrônicas, tramitação dos autos em formato integralmente digital e arquivamento dos autos digitais.

            Incluiu-se no texto, ainda, a utilização da assinatura digital baseada em Certificado Digital emitido por Autoridade Certificadora, para fins de identificação, além das senhas. A nova peça passou, portanto, a contemplar, efetivamente, a comunicação de atos, tramitação integral de autos e armazenamento digital do processo.

            As alterações sugeridas restringiram-se às técnicas de redação legislativa. A redação final do projeto foi votada no plenário da Câmara no dia 30.11.2006 e aprovada na mesma data. Seguiu-se, então, a sanção presidencial. O projeto recebeu a sanção, mas com veto parcial do Presidente da República. Desta feita, foram vetados o §4º do artigo 11, §3º do art. 13, o artigo 17, parágrafo único do artigo 154 da Lei 5.868 de 1973- Código de Processo Civil, alterado pelo artigo 20 do Projeto de Lei e o artigo 21.

            Após mencionar o histórico de criação da Lei 11.419/06, faz-se mister  ressaltar a legislação correlata que, ao longo dos anos, regulou a informatização processual brasileira. Citar-se-á, portanto, a Lei 9.800/99, Lei 10.259/2001, Lei 10.358/01, Medida Provisória 2.200-1/01, Lei 11.280/06, Lei 11.341/06 e Lei 11.382/06.

            A Lei 9.800/99, considerada marco inicial da informatização processual brasileira, preceituou a transmissão de atos processuais que dependam da petição escrita, mediante sistema de transmissão de dados e imagens tipo fac-símile ou outro similar.

            A crítica que se faz, contudo, é que faltou uma maior explicação acerca de que em condições deveriam ser operados os atos processuais por meio dos sistemas de transmissões de dados similares ao fac-símile. Vários órgãos do Poder Judiciário, por meio de regimentos internos, entenderam que esse sistema seria mediante correio eletrônico, sem o uso da assinatura eletrônica, certificada ou não.

            O art. 2º da Lei, em ambos os casos, condicionou o cumprimento dos prazos, a juntada da dos originais em juízo, necessariamente até cinco dias da data de seu término. O art. 3º, por sua vez, dispõe que nos atos não sujeitos a prazo, os originais deverão ser entregues, necessariamente, até cinco dias da data da recepção do material.

            A responsabilidade pela fidelidade e qualidade do material apresentado, por meio de transmissão de dados é de responsabilidade do remetente, conforme preceitua o art.4º, sob pena de, caso não haja concordância entre o original remetido pelo fac-símile e o original entregue em juízo, ser considerado litigância de má-fé, sem prejuízo de outras sanções.

            O que se observa, pois, é que o legislador foi omisso quanto à obrigação de aferir perfeita concordância entre o original enviado por outros meios de transmissão e o original entregue em juízo. Essa lacuna, na maioria das vezes, também não foi elucidada nos regimentos internos dos órgãos do Poder Judiciário.

            É válido frisar que, o texto da Lei 9.800 não prevê condenação em litigância de má-fé ao peticionante que apresentar seu documento original em papel diferente daquela versão que foi transmitida por outro meio de transmissão de dados similar ao fax. Desse modo, tem-se que o uso da expressão “petição escrita”, no art. 1º, refere-se ao aspecto visual da peça transmitida, em detrimento do emprego da técnica da certificação digital.

            O artigo 5º da referida Lei permite, ainda, aferir que não havia nenhuma exigência aos órgãos judiciários para disporem da infraestrutura necessária a essa operação. Fazendo uma comparação legislativa, percebe-se que o art. 10, §3º, da Lei 11.419/06, dispõe que os órgãos do Poder Judiciário são responsáveis por manter equipamentos de digitalização e de acesso a rede mundial de computadores à disposição dos interessados para distribuição de peças processuais.

            Cerca de dois anos após a vigência da Lei 9800/99, foi promulgada a Lei 10.259/01, que, ao disciplinar a criação dos Juizados Federais, dispõe sobre três novidades que impulsionaram a informatização do processo perante estes órgãos federais.

            O art. 8º, §2º, preceitua esta primeira inovação ao permitir a utilização de sistemas informáticos para recepção de peças processuais, sem exigir a apresentação subseqüente de originais em meio físico, como antes fazia a Lei 9800/99:

Art. 8o As partes serão intimadas da sentença, quando não proferida esta na audiência em que estiver presente seu representante, por ARMP (aviso de recebimento em mão própria).

§ 1o As demais intimações das partes serão feitas na pessoa dos advogados ou dos Procuradores que oficiem nos respectivos autos, pessoalmente ou por via postal.

§ 2o Os tribunais poderão organizar serviço de intimação das partes e de recepção de petições por meio eletrônico.

            A segunda inovação consiste em ter a Lei previsto que as reuniões de juízes integrantes da Turma de Uniformização Jurisprudencial, quando domiciliados em cidades diferentes, deveriam ser feitas por via eletrônica, conforme §3º do art. 14.

            Por fim, o artigo 24 impôs o desenvolvimento de programas de informática necessários para subsidiar a instrução das causas:

Art. 24. O Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal e as Escolas de Magistratura dos Tribunais Regionais Federais criarão programas de informática necessários para subsidiar a instrução das causas submetidas aos Juizados e promoverão cursos de aperfeiçoamento destinados aos seus magistrados e servidores.

             A crítica que se faz à Lei 10.259/01, contudo, é que os usuários se cadastravam para receber a senha do sistema no próprio site, de modo a não haver qualquer garantia de que uma pessoa não se passasse por outra (advogado ou parte de um processo). Nesse sentido, as ponderações do doutrinador Alexandre Atheniense (2010):

Não havia dispositivos tecnológicos capazes de dar credibilidade à identificação inequívoca dos jurisdicionados que acessavam o sistema processual por meio eletrônico, uma vez que o mero cadastro das partes realizado a distância não conferia garantia alguma sobre a identidade do usuário.

            Ademais, o avanço da utilização da informática pelos Juizados Federais e alguns tribunais reforçou a necessidade de aperfeiçoamento da regra obscura da Lei 9800/99, acerca da transmissão de dados e imagens tipo fac-smile ou outro similar.

            Tendo em vista os motivos alhures citados, ainda em 2011 foi promulgada a Lei 10.358 que, a partir da inserção de um parágrafo único no artigo 154 do CPC, pretendia preencher essa lacuna:

Art. 154 [...]

Parágrafo único. Atendidos os requisitos de segurança e autenticidade, poderão os tribunais disciplinar, no âmbito de sua jurisdição, a prática de atos processuais e sua comunicação às partes, mediante a utilização de meios eletrônicos.

            Essa tentativa de fornecer autorização legal aos órgãos do Poder Judiciário para que implantassem sistemas de autenticação eletrônica não logrou êxito, tendo em vista o veto do então Presidente Fernando Henrique Cardoso.

            Quanto às razões do veto, tem-se que foi alegada a superveniente Medida Provisória 2.200, de 2001, que institui a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileiras – ICP-Brasil. A partir daí, ter-se-ia garantida a autenticidade, integridade e validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transação eletrônicas seguras que, conforme alegado, já estava em funcionamento. Desse modo, inconveniente seria a adoção da medida projetada, posto que deve ser tratada de forma uniforme em prol da segurança jurídica[6].

            Para melhor compreensão, transcreve-se aqui o conceito de Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira, qual seja:

A Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) é uma cadeia hierárquica e de confiança que viabiliza a emissão de certificados digitais para identificação virtual do cidadão. Observa-se que o modelo adotado pelo Brasil foi o de certificação com raíz única, sendo que o ITI, além de desempenhar o papel de Autoridade Certificadora Raiz (AC-Raiz), também tem o papel de credenciar e descredenciar os demais participantes da cadeia, supervisionar e fazer auditoria dos processos[7].

            Frisa-se que, menos de seis meses antes do veto presidencial, em 24 de agosto de 2011, já havia sido editada a MP 2.200 e, igualmente, havia sido criada a ICP-Brasil que, primitivamente, se originou do Decreto 3.587/2000, que instituiu a ICP do Poder Executivo Federal, a chamada ICP-Gov.

            Um dos objetivos da medida do Executivo, conforme Fabiano Menke (2005), foi iniciar o processo de substituição de documentos físicos que tramitavam entre órgãos do Governo pelos meios eletrônicos.

            Ressalta-se, ainda, que o mencionado Decreto incidia, exclusivamente, no âmbito da Administração Pública Federal.

            A Medida Provisória 2.200-2/01 foi publicada em 24 de agosto de 2001. A grande diferença, em relação ao Decreto 3.587, é o alcance de sua incidência. Como dito, o destinatário dos serviços de certificação digital do Decreto limitava-se à Administração Pública Federal, embora empresas privadas fossem fornecedoras de serviço. A MP 2.200, por sua vez, representou a mudança da denominação ICP-Gov para ICP-Brasil, refletindo o interesse do Executivo em expandir a abrangência dos potenciais usuários de serviço.

            O advento da MP 2.200-2/01, portanto, permitiu que qualquer cidadão que queira praticar algum ato de manifestação de vontade por meio eletrônica, possa o fazer mediante certificação digital.

            A Lei 11.280/06, por sua vez, surgiu com o intuito de introduzir uma nova redação ao parágrafo único do artigo 154 do CPC, tendo em vista o já citado veto que a antiga redação sofrera. Introduziu-se as expressões integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira:

Art. 154 [...]

Parágrafo único. Os tribunais, no âmbito da respectiva jurisdição, poderão disciplinar a prática e a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos, atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP - Brasil.

            O termo interoperabilidade, em dado contexto, significa que os certificados utilizados pelos tribunais precisam ter o mesmo padrão tecnológico utilizado pela ICP-Brasil.

            Em 07.08.2006, sobreveio a Lei 11.341 que possibilitou ao recorrente, nos casos de recurso especial ou extraordinário fundado em dissídio jurisprudencial, a prova da divergência mediante decisões disponíveis em mídia eletrônica, inclusive julgados reproduzidos na Internet. Atribuiu-se, portanto, nova redação ao artigo 541 do Código de Processo Civil.

            Ainda no mesmo ano, foi publicada a Lei 11.382, responsável pela criação dos institutos da penhora on-line e do leilão on-line. O primeiro, também conhecido por Bacen Jud, sistema mantido pelo Banco Central desde 2001, é um expediente que está sendo adotado de forma não compulsória por vários magistrados, possibilitando, ao juiz, o bloqueio de contas bancárias existentes em nome do devedor, em todo o território nacional.  Quanto ao leilão on-line, é importante mencionar que os pregões eletrônicos, realizados por leiloeiros terceirizados, superam em número de pessoas e receita os leilões presenciais.

A Lei 11.690, de 2008, introduziu o §3º no artigo 201 do Código de Processo Penal. Desta feita, passou-se a admitir nas comunicações ao ofendido, por opção deste, o uso do meio eletrônico.

Ainda em 2008, merece destaque a Lei 11.719, responsável por introduzir o§1º e §2º do artigo 405 do CPP:

Art. 405. Do ocorrido em audiência será lavrado termo em livro próprio, assinado pelo juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatos relevantes nela ocorridos. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

§          1o Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

§ 2o No caso de registro por meio audiovisual, será encaminhado às partes cópia do registro original, sem necessidade de transcrição.

Como se pode perceber, ao fazer menção ao depoimento do indiciado ou investigado, o §1º do mencionado artigo permite a utilização dos novos aparatos tecnológicos de documentação também ao procedimento preliminar investigativo.

Permite-se, pois, o registro dos depoimentos por gravação magnética, como por exemplo, a gravação do áudio em CD; estenotipia, que é uma técnica similar à taquigrafia; digital, que nada mais é que a digitação dos depoimentos em computador; ou por meio audiovisual, que consiste na filmagem dos depoimentos.

É possível aferir, tendo em vista o §2º do mesmo artigo, que será encaminhado às partes cópia do registro original, no caso de registro por meio audiovisual, sem que haja a necessidade de transcrição. Nesse sentido:

PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. GRAVAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO EM MEIO AUDIOVISUAL. REQUERIMENTO DE CONVERSÃO EM DILIGÊNCIA, PARA DEGRAVAÇÃO, FORMULADO, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, EM 2º GRAU. INDEFERIMENTO, PELO TRIBUNAL. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. ART. 405, §§ 1º E 2º, DO CPP. PRINCÍPIO DA CELERIDADE PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I. O legislador, tendo em conta a evolução dos sistemas de tecnologia, e, ainda, os princípios da celeridade, duração razoável do processo e oralidade, conferiu maior agilidade à colheita de provas, possibilitando, no art. 405, §§ 1º e 2º, do CPP, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, consignando que, no registro por meio audiovisual, será encaminhado às partes cópia do registro original, sem necessidade de transcrição. II. O Superior Tribunal de Justiça, fundamentado no art. 5º, LXXVIII da Constituição da República e na disposição específica do art. 405, §§ 1º e 2º, do CPP, possui entendimento pacífico no sentido de que "a conversão do julgamento da Apelação em diligência para que a primeira instância providencie a degravação de conteúdo registrado em meio audiovisual contraria frontalmente o art. 405, § 2o. do CPP, assim como o princípio da razoável duração do processo. Precedentes do STJ" (STJ, HC 161.506/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, DJe de 13/12/2010). III. Agravo Regimental desprovido.(STJ - AgRg no AREsp: 159802 MT 2012/0072843-6, Relator: Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, Data de Julgamento: 16/04/2013, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/05/2013).

            Após transitar pelas experiências legislativas brasileiras no tocante à informatização processual, é válido discorrer acerca das experiências internacionais com o processo eletrônico, em especial no que tange aos países de Portugal, Espanha e Estados Unidos.

            A prática processual em Portugal admite a possibilidade de prática de diversos atos por meio eletrônico, tanto por e-mail, como por aplicativos on-line. A Diretiva Comunitária 1999/93/CE, de 13.12.1999 e por meio do Dec-lei 290-D, de 1999, definiram-se as bases para que uma assinatura digital avançada baseada em um certificado qualificado pudesse ser utilizada. Em virtude do Considerando 19, o Judiciário foi incluído entre os usuários da nova assinatura digital.  

            O Dec-lei 183/00 deu início ao processo de reforma de procedimentos e modernização da Justiça, estabelecendo um período transitório e de adaptação em que os utilizadores poderiam optar pelo envio tradicional ou pela remessa por correio eletrônico, mediante uso do correio eletrônico e da assinatura digital avançada.

A idéia era que, passado esse período transitório, o uso do correio eletrônico e assinatura digital avançada deixassem de ser uma opção e se tornassem obrigatórios. Após o término da vacatio legis de 2 anos, contudo, o legislador viu-se obrigado a adiar tal imposição em mais 1 ano, tendo em vista forte resistência cultural e da falta de preparação de alguns tribunais e dos próprios advogados.

A Portaria 114, de 2008, foi responsável por regulamentar a forma de apresentação em juízo, mediante transmissão eletrônica de dados, de atos processuais e documentos pelas partes por meio do sistema informático Citius, que será posteriormente analisado.

Tal portaria possibilitou a desburocratização do processo, a redução de custos e  maior celeridade, já que houve a dispensa da apresentação de papéis após o envio por meio eletrônico.

 Vale frisar que, em Portugal, diferentemente do que ocorre no Brasil, as peças consideradas essenciais para julgamento material do processo e as decisões e sentenças já proferidas ainda permanecerão a ser impressas em papel. As peças burocráticas, por sua vez, somente existirão em formato digital.

Outro serviço de grande utilização prática pela Justiça Portuguesa é a marcação eletrônica de dia/hora, que faz uso da certificação eletrônica a partir da implementação de “selo eletrônico” em um documento eletrônico. A veracidade da data e hora de envio e a integridade do conteúdo ficam, portanto, asseguradas.

Cita-se, também, a criação do Sistema Habilus, que permitiu aos advogados o acesso pela internet a uma área de consulta de processos e ao novo sistema de entrega dos requerimentos executivos. Posteriormente, foi criado o Sistema Citius, dotado de novas funcionalidades, dentre as quais a apresentação de peças processuais e respectivos documentos por via eletrônica.

A Espanha, por sua vez, deu início ao Projeto “Tecnologia para Advocacia”, cujo desenvolvimento baseia-se em dois entes principais, quais sejam: A Autoridade de Certificação da Advocacia (ACA) e a Red Abogacia.

A Autoridade de Certificação da Advocacia (ACA) foi criada em 2003 a fim de suprir a necessidade da Advocacia Nacional Espanhola de possuir uma entidade que garantisse seguridade no uso de assinaturas eletrônicas. Entre suas principais vantagens, cita-se a possibilidade de os Colégios certificarem a condição do advogado perante seus clientes e terceiros em geral, quando de sua identificação via internet; garante a autenticidade da identidade dos Colegiados que realizam comunicações via internet com Colégio; assegura a integridade do conteúdo das comunicações realizadas.

A Red Abogacia, por sua vez, é uma plataforma de serviços seguros que possibilita a interoperabilidade entre os diversos Colégios de advogados, seus colegiados e a administração pública. Os advogados espanhóis possuem a sua disposição número crescente de serviços on-line, dentre os principais: serviços de passes em prisão, correio eletrônico seguro, serviço de comunicação de intervenção profissional, gestão de documentos, dentre outros,

Além dos sistemas já citados, a Espanha dispõe também do Sistema Integrado de Gestão da Advocacia (SIGA), que consiste em uma plataforma de gestão de recursos elaborada pelo departamento de tecnologia do Conselho Geral de Advocacia Espanhola.

Em junho de 2005, o Ministério da Justiça da Espanha lançou o sistema LexNet, cujo objetivo é a comunicação, por meio eletrônico, dos diversos atores processuais com os órgãos do Judiciário espanhol, a partir da senha com certificação digital.

Outro serviço prático da Espanha é o Portal Justicia Gratuita, responsável por facilitar ao cidadão o acesso aos documentos que são exigidos para comprovação do direito à justiça gratuita, que pertence àquelas cuja renda é inferior ao dobro do salário mínimo da categoria. Facilita, também, a obtenção de um advogado público e a interconexão com a advocacia espanhola aos demais órgãos da administração.

Nos Estados Unidos, encontra-se o chamado CM/ECF, em âmbito federal. Trata-se de um sistema de controle de processos que permite às cortes americanas aceitar peticionamento e acesso eletrônico aos processos pela internet.

O Sistema Parcer, que faz parte do CM/ECF, possibilita consulta de informações sobre casos e processos em andamento. O termo Pacer, vale dizer, significa acesso público aos registros eletrônicos da Corte. Por meio do acesso eletrônico via internet, o usuário pode obter dados sobre casos judiciais, processos e informações sobre a Corte Federal de Apelação ou outros órgãos do Judiciário americano.

Além desses serviços, alguns Estados já possuem um projeto ou um sistema de peticionamento eletrônico via internet, quais sejam: Alabama, Arizona, Califórnia, Colorado, Connecticult, Delaware, Districtof Columbia, New Jersey, New York, North Carolina, North Dakota, Ohio, Texas e Washington.

Sobre a autora
Gabriela Serra Pinto de Alencar

Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão.

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