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A proibição da proteção deficiente enquanto vertente do princípio da proporcionalidade e sua influição na proteção dos direitos sociais

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Agenda 05/02/2017 às 13:24

CAPÍTULO III

DA PROPORCIONALIDADE, DIVISÃO DE INTENÇÃO ENTRE PROIBIÇÃO DO EXCESSO E PROIBIÇÃO DA PROTEÇÃO INSUFICIENTE E A INFLUIÇÃO DESTE ÚLTIMO NA PROTEÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS ENQUANTO DIREITOS FUNDAMENTAIS

Para que se entenda a proibição da proteção deficiente, Untermassverbot no termo alemão, e sua precípua aplicação nos direitos sociais, primeiro é necessário esclarecer ao que toca a proporcionalidade, já que deste é de onde advém o princípio pelo qual é o ponto central deste estudo.  

O princípio da proporcionalidade tem se tornado ao longo do século vinte uma das mais avivadas ferramentas do Direito de forma geral, no qual perpassa diversos ramos da seara jurídica, seja no plano interno ou alienígena. Podendo tomar uma terminologia bastante oscilante [58], o mesmo decorre inquestionavelmente da própria sistemática de Estado de Direito, tanto é assim que é entendimento hodierno a não relevância quanto a sua fundamentação constitucional, quiçá sua normatização, dada a omnipresença e importância do mesmo [59].

Desenvolvida originalmente pela jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão, a partir da década de 50, foi prontamente recebida com festejo pela doutrina daquele país. [60] Em Portugal, é considerado princípio estruturante da Constituição da República e foi positivado expressamente e implicitamente pelo Legislador constitucional [61] e ainda na legislação infraconstitucional. [62] Já no Brasil, o legislador constitucional originário não previu expressamente tal princípio [63], mas lembrou de o acrescer na legislação infraconstitucional. [64] Em sede de jurisdição internacional o princípio é vislumbrado na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, [65] Convenção Europeia de Direitos do Homem,[66] Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, [67] Convenção Interamericana [68] ou ainda na jurisprudência densificadora do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem [69] e da Corte Interamericana de Direitos Humanos [70].

Quanto ao princípio, pode-se afirmar que a proporcionalidade, é a referência primordial do controle da atuação das autoridades públicas, assumindo precipuamente no âmbito da fronteira dos direitos fundamentais, o papel de principal instrumento de controle da atuação que restringe a liberdade individual e de chave sem a qual, amalgamada no recurso à metódica da ponderação de bens, não seria possível entender os problemas nos quais vem ai sendo colocados a tona [71].          

A utilização da proporcionalidade exsurge quando dois ou mais bens jurídicos pelos quais faltem à sua realização e sobre os quais, há ou não conflito, tenha de procurar o equilíbrio, a harmonização, a ponderação, a concordância prática. A avaliação a ser sopesada não se reduz a um mero âmbito cognoscitivo, mas sim, uma funcionalidade teleológica ou axiológica e não de qualquer funcionalidade lógica ou semântica, em que tudo se perfaz num decisum. [72]

Vem do entendimento que este é um mandamento constitucional que objetiva verificar a constitucionalidade de intervenções estatais a um direito fundamental, mediante a avaliação de sua licitude e da licitude dos fins pretendidos, da mesma forma a adequação e necessidade da intervenção para fomentar determinada finalidade, ou seja, configura-se um limite do poder limitador. [73] O que se pode traduzir com isto, é um significado geral de proibição de decisões das autoridades públicas que se revelem arbitrárias, excessivas e desarmônicas, que resultem desvantagens ou sacrifícios ululantes e injustificados para os destinatários daquele bem protegido. A proporcionalidade vem a acautelar, impreterivelmente, a essência ou conteúdo que identifica o Estado material de direito, a liberdade, autonomia, igualdade e justiça. [74]  Por exemplo, JORGE MIRANDA aduz que tal princípio, aplica-se, com mais ou menos adaptações aos direitos sociais, no conflito com direitos de liberdade (do direito à fruição cultural com a liberdade de propaganda eleitoral); na escolha da plena efetivação destes ou daqueles direitos em face da escassez de recursos, de exigências de sustentabilidade e de fatores institucionais envolventes da atuação do poder público; na escolha da maior ou menor efetivação dos direitos derivados a prestações ( entre prestação de saúde e prestações de ensino); na distribuição das prestações em razão das situações concretas das pessoas. [75]

Como se pode notar, a proporcionalidade (em sentido lato) se constitui uma verdadeiro superconceito (Oberbegriff), com uma latitude de amplitude bastante alargada, em que, sempre, é identificado com alguns subprincípios invocáveis a este. É um princípio geral que abrange diversas outras dimensões [76] como os elementos da adequação (dos meios ou idoneidade, conformidade – Geeignetheit), necessidade (indispensabilidade, exigibilidade ou meio menos restritivo – Erforderlichkeit) e proporcionalidade em sentido estrito (nacionalidade ou da justa medida – Verhaltnismassigkeit). [77]

O primeiro elemento da proporcionalidade, a adequação, é onde se pergunta se a medida adotada é adequada para fomentar a realização do objetivo perseguido? [78] Isso traduz-se na propositura pelo qual um meio adequado a sua prossecução, a intervenção ou a providência a ser adotada pela autoridade competente tem que ser correspondente e legítima ao que se pretende: uma medida se torna idônea quando é útil para que se busque tal ideário e o resultado a ser alcançado seja pelo menos visível e palpável, independente quaisquer que sejam a medida posta ou o fim buscado, emancipado dos méritos correspondentes.

A exigência dessa conformidade conjectura a investigação e a prova de que o ato emanado é apto para e conforme os fins justificados para sua adoção. É um verdadeiro controle da relação de adequação entre a medida e o fim, ou seja, se busca o respeito exclusivo a relação de causa-efeito entre meio e fim, é à propensão que um artifício dará para atingir um fito.

Para que se afira tal aptidão, não se deve olhar de forma minimalista, no sentido que o meio apenas realize de forma completa o fim visado, mas sim, considerando que se baste até uma aproximação, mesmo que de forma incompleta, ao fim procurado, o que se conclui que a medida restritiva só será invalidada por inidoneidade quando os efeitos venham a se revelar indiferentes, inócuos ou ate negativos, contrários à realização deste, por exemplo, como aqueles que atentem contra a dignidade da pessoa humana ou quaisquer direitos fundamentais inerentes ao homem (nos quais estarão naturalmente excluídos de serem utilizados).

No que toca ao controle feito pelos Poderes públicos quanto a idoneidade, JORGE REIS lembra que este é prévio, pelo qual incide sobre a prognose observada por tais autoridades responsáveis pela criação ou concretização desta restrição de direitos jusfundamentais, o que significa que para que se encontre a inconstitucionalidade pela falta de adequação, o responsável teria que ter previsto tal propensão no momento em que a decidiu e atuou sobre ela: a análise é totalmente prévia.  [79]

Ja na necessidade, a tônica é a qual o cidadão deva ter a menor desvantagem possível. O fim constitucionalmente legítimo para ser alcançado há de ser exigível ou indispensável, significando o mais suave ou menos restritivo que precise de ser utilizado para atingir aquela busca.

Para se aferir a desnecessidade de uma agressão se voltam os olhos pela medidas restritivas em comparação, avaliados nos efeitos materiais, no qual o meio deve ser o mais poupado possível quanto a limitação dos direitos fundamentais; espaciais, apontando para a necessidade de limitar o âmbito da intervenção; temporais, na rigorosa delimitação no tempo da medida coativa do poder público; e pessoais, se devendo a medida ser limitada à(s) pessoa(s) cujos interesses devam ser sacrificados. Dessa maneira, se se puder fazer a prova da existência de um meio alternativo menos restritivo agressivo que o utilizado, ou então, se a medida restritiva que embora seja legítima em comparação ao fim prosseguido, provoque efeitos mais restritivos da liberdade que as medidas atuais em aplicação, sem garantir, igualmente, um acréscimo sensível de eficácia na realização desse fim, tais meios que foram escolhidos, são excessivos, e consequentemente inconstitucionais por violação da proibição do excesso. [80]

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No que toca a proporcionalidade em sentido estrito, trata-se essencialmente, de indagar acerca da proporção de uma relação entre dois termos ou entre duas grandezas e comparáveis, ou seja, visa-se apurar a harmonia na relação entre a importância pelo fito vislumbrado e a gravidade do sacrifício imposto. Uma medida dicotomicamente poderá ser adequada e necessária aquele caso, mas ao mesmo tempo pode afetar de forma desarrazoada, excessiva ou intolerável o direito posto em questão.

A justa medida tem tudo a ver com a ponderação de bens e aquelas ideias de pesar, sopesar, como em uma balança, ou as vantagens e desvantagens que possam ser vislumbrados em um determinado cenário de restrição, trazendo alguma semelhança com a análise econômica dos custos e benefícios, ônus e bônus de uma decisão. [81]

O que se pode perceber é que a proporcionalidade em seu sentido mais conhecido e tradicional resvala como uma verdadeira proibição do excesso [82] por parte do Estado, onde facilmente estão em causas violações por ação de direitos jusfundamentais, precipuamente, quando se põe a pleito uma dimensão negativa destes e os deveres de abstenção, ou mesmo daqueles deveres negativos defensivos nos quais se podem vislumbrar na dimensão positiva dos direitos fundamentais: quando se transgridam direitos de liberdade. [83]

Doravante, quando se cuidam de direitos fundamentais,  precipuamente sociais, pelo qual o âmbito de proteção se traduz mais especificamente em liberdades por assim dizer positivas, a exigirem do Estado um dever de atuação ativa, o princípio da proporcionalidade é melhor invocado na forma da proibição da insuficiência, tanto é assim que a doutrina moderna entende que a proporcionalidade não deve (e nem pode) se esgotar na proibição do excesso, como se podia pensar anteriormente, pois, bifurcando este ao outro lado da proibição deficiente, é possível vislumbrar facilmente sua aplicação aos direitos sociais, visto que vinculamos o Estado a um dever de proteção ampliada em face de dimensões que traduzam maiores densificações, principalmente no campo dessas prestações sociais. [84] 

Nesta senda, foi o Tribunal Constitucional Alemão, em uma série de julgados, que trouxe a tona o que tange a proibição da proteção deficiente. Sendo a partir dessas decisões, com o desenvolvimento da teoria dos deveres de proteção, que se constatou que a estruturação da proporcionalidade possuía um mandato de proteção constitucional por omissão, ação insuficiente ou ainda deficiente. [85] Disto escoando que apesar desses julgados percussores não abarcarem questões de direitos sociais per si (e sim de outras esferas do Direito, como a penal), se notou, como dito anteriormente, que sua aplicação fazia jus a ser um perfeito mecanismo de proteção dos direitos programáticos, senão vejamos. [86]

A proibição da proibição deficiente, apesar de não ter qualquer consagração expressa nem na Constituição Portuguesa ou Brasileira, também decorre infalivelmente a partir do Princípio do Estado de Direito Democrático [87] e pode se definir como um critério estrutural para a determinação dos direitos fundamentais, cuja aplicação pode vislumbra-se quando um ato do Estado vulnera algum direito fundamental de proteção, seja por omissão, defeito ou insuficiência.

O dever de proteção se traduz em dizer se a autoridade pública está ou não obrigada a dar tutela jurídica a certo bem jusfundamental: a proibição da insuficiência diz se a guarita que realmente se concedeu corresponde ou não às exigências normativas constitucionais, ele encontra-se umbilicalmente ligado à proibição da deficiência, ambos são dependentes. Assim, não havendo tal dever que imponha uma atuação positiva de proteção estatal, ou seja, aquela obrigação de fazer a que esta interligada os direitos sociais, não se pode, posteriormente, se considerar que o Estado ao se omitir, ou até permanecer inerte, violou o princípio da proibição da insuficiência visto que,  em tese não estaria obrigado a agir (aqui se vislumbra um caso de mera inércia). [88] Essa é a justificativa primordial da utilização desse mecanismo aos direitos programáticos.

Isto se traduz em uma fasquia mínima que o Poder Legislativo tem de atingir através da modulação da ordem jurídica, sob a pecha de verter-se em uma inconstitucionalidade por omissão, que pode se bifurcar em uma inconstitucionalidade pura (se nada foi realmente feito) ou impura (se o status quo normativo por insuficiente ou escasso), mas possibilitando eventualmente ultrapassar, sem que se resultem necessariamente consequências negativas (sempre lembrando, é claro, da tal zona de conformação, citada anteriormente, em que o excesso, além da falta do mínimo, são igualmente fiscalizados  e reprimidos pela Justiça Constitucional). [89]

Tal vertente da proporcionalidade tem a mesma estrutra geral que a da proibição do excesso, com algumas idiossincrasias que a fazem ter uma feição especial no ordenamento jurídico. Com efeito, similarmente em um primeiro momento, também se é necessário verificar a idoneidade do meio a ser alcançado.  [90]

Há de haver uma violação ao cumprimento de uma obrigação de proteção jusfundamental social, quando a norma em análise e as medidas estatais sejam inidôneas ou defeituosas para alcançar o fim de tal tutoria obrigatória, ou quando fique muito aquém do obrigado, sem esquecer que aqui se inclui quando o poder Estatal permaneça totalmente inativo. A questão do meio-fim também encontra-se presente. O meio atacado é um fazer, e o problema encontra-se imbricado na insuficiência de seu defeito ou na omissão [91], já o fim é a promoção de um direito fundamental de prestação que pode similarmente coincidir com o fim público buscado pelo legislador. [92]

É de se notar, que na proibição do excesso, o meio foi visualizado desde o princípio, discutido, escolhido e estabelecido pelo legislador para alcançar certo fito, já aqui, na proibição da insuficiência, o meio pode ser indeterminado. Mas não é só isso, no que toca ao fim estatal, lá é determinado pelo legislador no caso do mandato de proibição por excesso, mas não necessariamente implica uma imposição constitucional, basta com que o fim não seja definitivamente proibido pela Carta Magna. Na proibição da deficiência, o mandato de proibição, por pelo menos um dos fins, se refere a realização de algum direito em sua função totalmente programática. É o direito fundamental do atingido que requer ser analisado com as características daquele caso em específico em concreto, ou seja, de acordo com o estado de coisas de insuficiente realização do direito que de pronto se alcançou através da omissão (ou ação insuficiente) atacada e o estado de coisas que se pretende perquirir através de uma ação suficiente (estado final). Quando o produto do exame do mandato de proibição por omissão esteja protegido de forma definitiva, então eis que surge uma obrigação estatal positiva fixada, que possibilite uma maior e menor realização do direito a prestação. [93]

Com isso, nesse ponto preliminar, ao analisar a idoneidade na proibição da proteção insuficiente, fica claro que uma omissão legislativa e até mesmo uma norma já posta no ordenamento jurídico que não proteja um direito social do sujeito de direito prestacional (no qual possui tal direito social como garantia intrínseca abalizada pela Constituição) vulnera as exigências de tal conformidade. Da mesma maneira, pode se concluir que é idonêa, a norma (ou até mesmo a abstenção) que favoreça a realização daquele fim que ela procurou alcançar. Em outros termos, é preciso que a carência de proteção desse direito fundamental faça nascer uma maior realização do fim constitucionalmente legitimo da mens legislatoris. [94]  Aqui já é possível vislumbrar, ao se analisar o primeiro elemento, a importância desse mecanismo na guarita dos direitos sociais, através da fiabilidade do meio.

O segundo passo, após verificação do item anterior, é saber, se existindo, entre duas ou mais medidas a serem adotadas (no qual estas sejam aptas e possíveis), alguma dessas possa garantir maior proteção e segurança ao direito jusfundamental perquirido, sem a qual a escolha da medida mais hábil, agrida um direito de outrem de forma mais pragmática (uma escolha melhor e de mesma afetação, ou de menor amplitude, a diversos direitos): há uma violação da necessidade (ou suficiência), no caso da proibição da deficiente, quando, nos termos mencionados, a autoridade Estatal escolha a medida que seja menos eficiente àquele direito prestacional.

Neste amplexo, é que entra a questão da escolha pelo meios alternativos e se eles estejam aptos à correta concretização dos direitos constitucionais. A regra do meio alternativo diz que se há meios alternativos, e sua implementação pode fomentar um fim, e se cada uma dessas medidas, ou alguma dessas, pelo menos, puder fazer-lo em igual ou parecida forma do que o meio estabelecido e sua implementação de tais meios alternativos restringem em menor, maior ou igual medidas os princípios jusfundamentais (ou outros constitucionais) que através do meio estabelecido, então a medida estatal não é proporcional em sentido amplo ou de certa forma está como a menos lesiva. [95] Se cuidando, desta maneira, em estabelecer quais das medidas postas à mesa, se mostra(m) a melhor indicada para a proteção daquele direito, ou seja, qual delas exala o maior índice de suficienticidade.    Trazendo esse contexto especificamente para os direitos sociais, a existência de um outro melhor meio, comprova que é possível desde o ponto de vista fático, uma maior e melhor realização do direito de prestação e que a restrição deste direito por omissão ou insuficiência é possível de se evitar. O fim estatal pode ou não coincidir com o fim de realização do direito programático. Nesse caso, os meios alternativos tem que fomentar esse fim de forma similar ao meio atacado. [96]

Já no caso de uma colisão de princípios com outros direitos, os meios alternativos se comparam com a omissão ou ação insuficiente atacada para ver se restringem em igual medida ou até menos os direitos fundamentais que estão em rota de colisão, esta última comparação coincide com esse segundo âmbito de análise. O meio atacado tido como apto e menos lesivo, no cotejo deste com o meio alternativo mais apto, surge da medida da restrição do direito social pela omissão ou ação insuficiente atacada no pro case. Sem obliterar que disso se possibilita determinar quais seriam as consequências jusfundamentais se continuar a ação omissiva ou insuficiente do Estado. [97] Ou seja, perpassado o item anterior sem qualquer irregularidade, ainda é fáctível analisar o melhor meio ou medida, entre várias, qual delas está mais inclinada a que se garanta a capacidade de proteção, o que apenas ratifica ainda mais a capacidade da proibição da insuficiência em influir nos direitos sociais, mas ainda há outra conjutura.

É o último passo depois da idoneidade e da escolha pelo melhor meio alternativo. Aqui procura-se saber se a aceitação por parte estatal que a efetivação do direito social em análise pode por em risco ou ameaçar outros bens igualmente protegidos pela Constituição, doravante que mesmo havendo o cuidado de ir ao encontro aos dois anteriores passos, a prova de primazia dos dois direitos envoltos na colisão (envolvendo dentre estes um direito social) irá respeitar a aplicação àquele que busca esse ideário. Trata de uma ponderação (ou exame de proporcionalidade em sentido estrito na proibição da deficiência) que se traduz na relação entre a intensidade da restrição do direito e os argumentos que falam a favor do peso e da importância do direito ou bem jurídico coletivo em abalroamento, mais rigorosamente, se a falta da realização desta garantia de prestação social é de maior importância que o peso dos princípios colisionantes. [98]

O que se traduz, aprioristicamente, quando a execução de algum direito social se faz em confronto e à expensa de outros valores constitucionais, sendo que mesmo que o meio indigitado seja eficaz ou suficiente a concretização desse direito, portanto menos gravoso a outro direito/princípio jusfundamental atacado, torna-se dubitável a sua razoabilidade, que se transpõe aqui na utilidade e justa adequação de se usar o meio que venha a favorecer o direito prestacional.

É também necessário se aviltar a um exame de ponderação total pelo operador, onde se colocam em uma espécie de ringue os argumentos  a favor e contrários dos dois princípios em estudo no case a ser verificado. Tais argumentos se reverberam no grau de intensidade da restrição do direito social, no peso e importância da realização do princípio colisionante e a relação entre ambos dirigidas por a aplicação da lei da ponderação (que em regra diz que quanto mais baixa seja a não satisfação de um direito de prestação positiva, tanto maior tem que ser a importância da satisfação de outro). [99] Nesse útlimo elemento da proibição da insuficiência (ou no exame da proporcionalidade em sentido estrito) é de se levar em conta, inclusive, a intensidade da não realização do direito em sua função de prestação causada pela deficiência ou omissão. Para isso há de se sopesar, como se impinge a não realização deste direito no plano de vida dos afetados de acordo com seus interesses e necessidades sociais. Dessa maneira, observa-se, em uma espécie de senso, se afetado pode pertencer a um grupo que possua desvantagens, discriminações e se as consequências  nocivas a seus direitos persistem na atualidade. [100]

Aqui calcula-se a limitação do direito social: podendo esta ser leve, se se aplicar a lei da ponderação em sua versão simples, ou intensiva, hiperintensiva ou extrema. Uma interferência leve ou insignificante, há de ser justificada, igualmente, por ao menos argumentos que provenham de outros direitos fundamentais, bens jurídicos coletivos constitucionais ou fins estatais que não estejam vedados expressamente pela Constituição. Já a interferência maior (no qual engloba a intensiva, hiperintensiva ou extrema), a força das contrarrazões hão de ser mais que proporcionais em uma interpretação progressiva da lei da ponderação (essa interpretação se traduz no fato que quanto mais se interfere na realização de um direito em sua função de prestação, deixando quase que sem possibilidade de realização, tanto maior será sua capacidade de resistência, ou seja, o peso e a força da razões que a pretendem justificar tal falta de realização devem aumentar de forma sobreporporcional, de maneira que qualquer interferência nesse âmbito possa ser justificada). [101]

Tal fórmula é de suma importância considerando as projeções de aplicação da insuficiência no contexto de práticas constitucionais transmutadas por um alto grau de exclusão social, onde boa parte da população não pode se ver satisfeitas em um mínimo nos seus direitos sociais previstos constitucionalmente e sua autonomia considerada similarmente como liberdade fática. Assim, há a aplicação desta regra em contextos de constantes exclusões sociais, onde as omissões ou ações estatais que sejam insuficientes afetem um mínimo existencial, no qual requer uma precisão da proporcionalidade em sentido estrito aplicada neste contexto. A não realização desse mínimo, ou sua total supressão está justificada nesses espectro de proibição da insuficiência resultando em uma clara inconstitucionalidade por omissão ou de ação insuficiente, e ainda defeituosa.[102]

Este passo pode se tornar o mais complexo de todos, pois leva em conta diversos pontos, inclusive o contexto social e prático daquele direito no bojo da situação. Assim, diante de todos esses dados, torna-se alvo que terá de ser diante da análise de cada caso concreto que se avaliará o insurgimento quanto aos estratagemas da proibição aqui exposta, o que confere, pois, uma importante instância de análise e respeito de desenvolvimentos da proporcionalidade em sua vertente da proibição da insuficiência no que toca aos direitos sociais.

Isto posto, a análise da proporcionalidade como proibição da deficiência, se infere no exame de três passos, assim como na proibição do excesso (mas com suas particularidades, principalmente na aplicação a direitos sociais), visto que qualquer desrespeito a um desses elementos estaria de certa forma minimizando a aplicação desses direitos programáticos, quais sejam a idoneidade do meio apresentado, os meios alternativos e a proporcionalidade em sentido estrito, como forma de ponderar frente a outros bens, justificando assim a não possibilidade de qualquer restrição de um direito social por ação insuficiente ou uma omissão do operador daquele direito, ou seja, o Estado. O respeito a esses três itens analisados, já nos responde quase de forma completa em como a proibição da insuficiência é de máxime importância a busca da efetivação (e proteção) dos direitos sociais.   

Esse diagnóstico reverbera ainda em responder por fim se aquele fito perquirido é inconstitucional por desrespeito a proibição da deficiência, o que sem dúvida alguma se concentra e descamba, afinal, num consectário nuclear essencial básico sob direitos programáticos e a proibição do déficit: que os níveis de proteção (portanto, as medidas estabelecidas pelo legislador) deveriam ser suficientes para assegurar um padrão mínimo (adequado e eficaz) de proteção constitucionalmente exigidos.[103]  

A busca de um mínimo vital se transmuta na certeza de um mínimo social ou minimum core em cada um dos direitos sociais que sejam postos por qualquer Constituição, resultado da associação com a dignidade da pessoa humana, se tornando, pois, um critério horizontal inafastável. Há uma violação deste metaprincípio (e assim consequentemente também violado a proibição da deficiência), quando tendo condições de evitar, mas não o faz, o Estado deixa que alguém seja involuntariamente alocado ou acondicionado numa situação de penúria material que não seja permitido condições mínimas de autodeterminação pessoal, o que se traduz, que qualquer que seja as circunstância estatais, um nível mínimo de facticidade hão de ser garantidas a cada um, no sentido de uma preservação daquelas condições de sobrevivência sem as quais o indivíduo seja incapaz de verdadeira de conduzir sua própria vida e dos que o cercam, como os seus dependentes, estes são os caracteres básicos e essenciais de qualquer Estado social de Direito. Um standart mínimo, assim sendo, seria determinado a partir de critérios de satisfação das necessidades e interesses precípuos de subsistência ou das exigências mínimas dessa dignidade, que advém como alternativa aos subterfúgios que fazem fixar a efetivação de direitos sociais numa lógica pura de proporcionalidade em proibição da deficiência. [104]

Aliás, JORGE REIS rememora que a busca de critérios para fixar uma fronteira caracterizadora de tal mínimo social não pode se limitar em uma sobrevivência digna pela qual garantia acabaria no conteúdo normativo dos direitos sociais, mas sim em todo um conjunto de tentativas teóricas que, mesmo que não o atribuem, bisam no âmbito dos direitos de liberdade na questão aludida sobre os critérios de se fixar a alcunhada garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, ou seja, o minimum core, como um núcleo que seja inatingível pelo legislador tanto quanto pela reserva do (financeiramente) possível, pelo qual se transmuta num âmago essencial de cada direito social, determinável sobretudo com apelo a uma ideia de razoabilidade, e consequentemente ao recurso da proibição do déficit, no sentido de que seria mais que justo se exigir razoavelmente do Estado e daquele limiar mínimo de realização inferior, pelo qual haveria tanto uma inconstitucionalidade por omissão, quanto as necessidades fáticas dos particulares, as suas situações de carência inerentes e subjetivas e a premência da realização dos direitos à prestação numa situação própria a ser analisada. [105]

Dessa maneira, é que se abre objetivamente, segundo o catedrático, a possibilidade de se amalgamar a dimensão da razoabilidade, na direção da proibição da insuficiência, seja como complemento, seja como outra opção de escolha lógica, meio de preservação ou promoção de um mínimo de prestação para aquém do qual existiria alguma violação inconstitucional das obrigações estatais de fazer ou realização dos direitos jusfundamentais. Haveria, assim, uma deficiência inconstitucional quando os possuidores desses direitos afetados pela omissão, quiçá da insuficiência, por fato dela, se vejam em uma situação totalmente desrazoável, no qual resulta na situação negativa ou desvantajosa, com que se leva em conta a situação dos titulares do direito, como resultado do cotejo com os efeitos pelos quais seriam gestados com uma outra atuação do estado de prestação objetivamente comportável no quadro de recursos e possibilidades deste. [106]

Neste sentido também é que se leva a cabo que os direitos sociais estão sujeitos a um cumprimento dos correlativos deveres da autoridade de proteção, o que desponta a uma reserva do politicamente adequado ou oportuno, que dá aos órgãos estatais uma prerrogativa de avaliação só ab-rogáveis e controláveis, pela Justiça Constitucional, quando há uma concepção suficientemente determinável de proteção devida que se retiram de normas fundamentais ou quando essa proteção (possivelmente) dada ficou inferior ao de um patamar mínimo da que se exija, ou quando exista uma lesão do direito fundamental desprotegida ou insuficientemente protegida pelo fato de o poder estatal em omissão ter violado a proibição da deficiência. [107]

O que nos leva a refletir, pois, além do papel já esposado do legislador nessa proteção da deficiência ou omissão, que seja incluído os outros poderes, como o Judiciário, possuindo o poder de controle seja através da fiscalização de constitucionalidade por ação ou omissão e do Executivo, adotando, criando, gerindo e executando programas, recursos e estratégias, como meios de cumprimentos em todo esse contexto de proteção e efetivação de direitos sociais, principalmente quando não se garanta um mínimo que faça oferecer uma correta consumação dessas garantias jusfundamentais.

Fica expressamente claro e inerente a estruturação da proibição da proteção insuficiente, enquanto vertente do princípio da proporcionalidade, em todo um contexto dogmático de efetivação de direitos sociais, seja pela sua estrutura que se assemelha a da proibição do excesso, seja pela consequência lógica de sua aplicação, que se traduz na questão do mínimo social, que está indubitavelmente interligada a dignidade da pessoa humana e da proposta de identificação da razoabilidade da situação objetiva em que a omissão ou a deficiência podem deixar aos potenciais usufrutuários desses direitos programáticos, em uma situação subjetiva dasarrazoável e intolerável à guizo de um consectário do Estado Social de Direito.

Sobre o autor
Pedro Leo

Advogado, especialista em Direito Notarial e Registral, pós-graduando em Direito Processual Civil e Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade de Lisboa.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEO, Pedro. A proibição da proteção deficiente enquanto vertente do princípio da proporcionalidade e sua influição na proteção dos direitos sociais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4967, 5 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55320. Acesso em: 2 mai. 2024.

Mais informações

Trabalho final de conclusão da disciplina de Direitos Fundamentais, do Mestrado Científico com perfil em Direito Constitucional da Universidade de Lisboa, orientada pelo Professor Doutor Jorge Miranda.

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