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Constitucionalidade da força vinculativa dos precedentes no CPC/2015

Agenda 05/02/2017 às 08:20

Não há que se confundir a interpretação vinculante conferida pelo Poder Judiciário aos dispositivos e princípios gerais e incompletos de nosso ordenamento positivo com a atividade legislativa. Não há interpretação sem lei ou ao menos sem princípios gerais que mereçam o exercício da atividade exegética.

Parcela significativa dos autores que se dignou a comentar sobre o novo Código de Processo Civil, no que respeita à disciplina dos precedentes, tem externado entendimento no sentido de que a nova disciplina seria inconstitucional por ferir uma série de preceitos e princípios da Lei Maior.

Os argumentos com maior pertinência e coerência lógica envolvem basicamente dois questionamentos: (i) a suposta violação da autonomia/independência dos magistrados, além de ferir a garantia constitucional ao devido processo legal, ao duplo grau de jurisdição, à inafastabilidade do controle judicial e ao princípio da separação dos poderes (ii) a eventual inconstitucionalidade da imposição por lei federal de uma “força vinculante” aos precedentes, jurisprudência e súmulas dos tribunais superiores, a par daquela prevista na Constituição Federal para as súmulas vinculantes, sem que se tenha promovido qualquer alteração da Carta Magna nesse sentido.

Quanto ao primeiro questionamento, trata-se de discussão que já existe desde a criação da súmula vinculante, conforme se pode constatar no comentário feito por Maria Helena Diniz, que após tecer breves considerações sobre a eventual possibilidade de se alcançar um ideal de igualdade e celeridade na prestação jurisdicional acaba por concluir que a súmula vinculante também teria vários aspectos negativos que depõe contra sua utilização, sintetizando-os na violação do devido processo legal e no engessamento dos entendimentos:

Poderá, contudo, inviabilizar o acesso ao Poder Judiciário de demandas fadadas ao insucesso, por estarem, como diz Luciano Ferreira Leite, baseadas em fundamentos opostos àqueles dela constantes e cujo ajuizamento acaba por acarretar insegurança jurídica e inútil hipertrofia dos serviços judiciários. Ora, dar obrigatoriedade, em efeito ‘erga omnes’, às súmulas vinculantes seria colocá-las no mesmo patamar das leis. Com isso, o Supremo Tribunal Federal usurparia as funções do Poder Legislativo e retiraria dos juízes o seu livre convencimento e a liberdade de apreciação. Os magistrados perderiam a independência de decisão tão necessária para garantir os direitos dos jurisdicionados, como dizia Rui Barbosa, pois passariam a cumprir normas ditadas pelo tribunal superior, reproduzindo-as. Como bem observa Rubens Approbato Machado, a súmula vinculante criaria o julgamento pétreo. Deveras, os juízes, sob o manto da celeridade, não decidiriam conforme as leis e a sua consciência, pois prolatariam sentenças de acordo com o resolvido pelo Tribunal Superior, apesar de haver a possibilidade de revisão e cancelamento da jurisprudência sumulada com efeito vinculante. Se o juiz decidir contra a súmula, cabível será reclamação (a ação judicial que tem por objetivo preservar a competência e garantir a autoridade das decisões do STF) ao STF, que anulará o ato judicial. Assim, parece-nos que comprometidos estariam os princípios do duplo grau de jurisdição, do devido processo legal, da inafastabilidade do controle judicial, do livre convencimento do julgador, da ampla defesa etc., apesar de a súmula poder ser: revogada e substituída por outra ou por legislação superveniente; revista ou cancelada pelo próprio STF como pelas pessoas legitimadas para propor a ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 103-A, § 2º). A súmula vinculante atenta contra a garantia do acesso à jurisdição, pois uma vez sumulado o entendimento com eficácia vinculante, de nada adiantaria demandar para a análise de um direito. O efeito vinculante: a) fere o devido processo legal e seus princípios, já que o cidadão ficaria adstrito ao pensamento de um tribunal que não ouviu suas razões, nem mesmo apreciou suas provas; e b) engessa os entendimentos. Viola-se a separação de Poderes; o judiciário seria um ‘superlegislador’; afronta o princípio da reserva legal e compromete-se a independência do juiz.” (Diniz, , 2009, p. 304).

As razões expostas são, em essência, reproduzidas por todos aqueles que se põe contra a adoção das súmulas vinculantes – e que certamente também utilização os mesmos argumentos para rechaçar a aplicação da teoria vinculante dos precedentes trazida pelo CPC/2015 – razão pela qual merecem acurada e atenta análise.

Para que não haja confusão entre os argumentos, faz-se necessário abstrair, neste primeiro momento, o fato de a súmula vinculante vir positivada no bojo da Constituição Federal – fato que a distingue do novo paradigma de precedentes vinculantes previsto no CPC/2015 - o que, contudo, não impediu que fossem utilizados outros dispositivos e princípios da Lei Maior para discutir sua constitucionalidade.

Mas será que a súmula vinculante - ou a recém adotada teoria dos precedentes vinculantes - de fato fere princípios constitucionais como o do devido processo legal, da ampla defesa, da inafastabilidade do controle jurisdicional (acesso à justiça) e do duplo grau de jurisdição, ou seria ela uma necessária complementação de tais princípios de forma a permitir sua adequada compreensão e delineamento de sua correta extensão em termos de efetividade e eficácia da prestação jurisdicional?

Poderíamos afirmar, de forma genérica e absoluta, que os princípios constitucionais expressos como do devido processo legal (art. 5º, LIV), da ampla defesa e contraditório (art. 5º, LV), do acesso à justiça (art. 5º, XXXV), bem como princípios tidos como “implícitos” como o duplo grau de jurisdição seriam “comprometidos” pela adoção da teoria dos precedentes vinculantes?

Em que pesem os esforços daqueles que defendem a resposta afirmativa para a questão, não parece razoável entender que a aplicabilidade vinculante de decisões dos tribunais superiores implique na violação dos direitos dos jurisdicionados, ou mesmo do direito dos magistrados de proferir decisões.

Vale esclarecer, “ab initio”, que o princípio do livre convencimento motivado não integra o rol de princípios constitucionais expressos, ou mesmo implícitos, razão pela qual não pode ser tido como óbice “constitucional” à teoria dos precedentes vinculantes. O aludido princípio era extraído do art. 131 do CPC/1973 e atualmente consta do art. 371, CPC/2015, sendo certo, nos termos da doutrina e até mesmo por sua localização topográfica no Códex Processual, que sua aplicabilidade envolve a análise das provas contidas nos autos.

Assim, pelo aludido princípio o juiz possui ampla liberdade, autonomia e independência para analisar as provas constantes dos autos, aplicando-se-lhe o direito, o que não lhe exime do dever de motivar/fundamentar sua decisão.

Não é possível confundir tal princípio com uma espécie de “carta branca” que seria dada ao magistrado para desenvolver suas próprias teorias e teses jurídicas, confrontando a lei e o entendimento pacificado pelos tribunais.

O princípio do livre convencimento motivado é doutrinariamente correlacionado à valoração da prova, e, neste aspecto, os precedentes não impedirão a atuação do magistrado, vez que envolvem as razões de decidir, extraindo-se do caso concreto uma regra geral que pode ser aplicada para outras situações semelhantes (regra de direito que pode ser generalizada/universalizada).

E neste aspecto a valorização dos precedentes não influi na aplicação do livre convencimento motivado, enquanto técnica de valoração da prova. Nesse sentido, Humberto Theodoro Júnior defende que o juiz é livre para valorar a prova e firmar seu convencimento, mas limitado aos argumentos e provas trazidos aos autos.

Ao juiz não é dado um poder absoluto e ditatorial sobre o processo, razão pela qual a teoria dos precedentes vinculantes não estará tolhendo àquilo que o magistrado nunca possuiu. Ao revés, o magistrado continuará tendo de agir nos limites e contornos da lei, com a liberdade que sempre teve para valorar a prova e aplicar o direito ao caso concreto. A diferença, agora, é que o entendimento sobre determinado tema, firmado pelos tribunais em dadas circunstâncias (ex: Súmulas, IRDR) serão de observância obrigatória.

“O juiz exerce a autoridade no comando do processo, mas não o conduz de maneira autoritária. Comporta-se sob a regência dos preceitos da lei e só decide depois de amplo debate em torno dos fatos e fundamentos jurídicos propostos pelas partes. Em torno das provas, o juiz formará seu livre convencimento, mas ficará sempre restrito àquilo que se argumentou e provou nos autos, para afinal proferir um julgamento cujos fundamentos racionais e jurídicos terão de ser explicitados na sentença (CPC, art. 131).

(...)

Além de tudo, mesmo diante da presunção de veracidade decorrente da inércia de tempestiva e adequada defesa do demandado, ao juiz não é dado ignorar elementos de convicção existentes nos autos que sejam capazes de elidir a presunção legal relativa. A verdade real haverá sempre de prevalecer, se elementos evidenciadores dela existirem ao alcance do julgador, não importa quem os tenha trazido para o processo. O livre convencimento a ser observado na sentença, previsto no art. 131 do CPC, haverá de se assentar nos fatos comprovados nos autos, e só na efetiva falta de prova é que se tornará legítimo o julgamento por presunções.

(...)

Enquanto no livre convencimento o juiz pode julgar sem atentar, necessariamente, para a prova dos autos, recorrendo a métodos que escapam ao controle das partes, no sistema da persuasão racional, o julgamento deve ser fruto de uma operação lógica armada com base nos elementos de convicção existentes no processo.

(...)

Consoante o art. 131 do Código de Processo Civil, o juiz apreciará os fatos segundo as regras de livre convencimento, mas deverá atender aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, e, ainda, indicar na sentença os motivos que lhe formaram o convencimento.

E o art. 335 recomenda que, “em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum, subministradas pela observação do que ordinariamente acontece”.

Deve, pois, em nosso sistema de julgamento, verificar o juiz se existe uma norma jurídica sobre a prova produzida. Se houver, será ela aplicada. Na sua falta, formulará o juízo, segundo o livre convencimento, mas com observância das regras de experiência.

Adotou o Código, como se vê, o sistema da persuasão racional, ou “livre convencimento motivado”, (...)”. (THEODORO JÚNIOR, 2014, p. 131).

No mesmo sentido, a lição de Cássio Scarpinella Bueno, que corrobora a tese segundo a qual o princípio do livre convencimento motivado (independência/autonomia) nunca foi tido como absoluto, limitado que está pelo próprio sistema jurídico:

No que diz respeito aos princípios relativos às provas, ainda há um digno de destaque nesta sede. Forte no “modelo constitucional do processo civil”, é comum a referência ao “princípio do livre convencimento motivado do juiz” ou “da persuasão racional do juiz”, ambos construídos a partir do disposto no art. 131. A liberdade do juiz ao apreciar as provas não pode significar que não haja o correlato dever de justificar as razões de seu convencimento. Trata-se, por isto mesmo, de um princípio que bem combina os extremos de sistemas probatórios que não admitem qualquer liberdade na atuação do juiz – o sistema da prova legal ou tarifada – e o da convicção íntima do juiz que, pela sua própria enunciação, revela sua total dissonância com as garantias constitucionais do processo civil brasileiro. (BUENO, 2011. p. 229-230).

E continua o autor:

O “sistema do livre convencimento motivado do juiz” ou “sistema da persuasão racional” é, destarte, aquele em que o juiz, observados os limites do sistema jurídico, pode dar a sua própria valoração à prova, sendo dever seu o de fundamentar, isto é, justificar a formação de sua convicção. É esta a melhor interpretação para o art. 131, mormente quando lido desde o art. 93, IX, da Constituição Federal e o “princípio da motivação das decisões jurisdicionais (v. n. 12 do Capítulo 1 da Parte II do vol. 1). (op. cit. p, 274).

Assim, o que a regra dos precedentes poderia mitigar seria a autonomia ou liberdade do magistrado para aplicação do direito ao caso concreto, não a valoração da prova. Exemplificando, prevê a súmula vinculante nº 52 que: “Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, "c", da Constituição Federal, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades para as quais tais entidades foram constituídas”.

Ora, o fato de a aludida súmula uniformizar a jurisprudência e tornar obrigatória a intelecção segundo a qual os partidos políticos, por exemplo, gozam de imunidade do IPTU incidente sobre seu imóvel, ainda que alugado a terceiros, não impede que o juiz tenha ampla liberdade de apreciar a prova e aferir se os alugueres estão sendo aplicados nas atividades partidárias.

Como visto, continua sendo prerrogativa do magistrado a livre valoração da prova produzida de forma a aferir se a situação fática, se o caso concreto, se amolda ou não à imunidade constitucionalmente prevista, devendo em seu julgamento observar a interpretação jurídica conferida pelo precedente vinculante.

O que é vedado ao magistrado é negar o direito, com base em interpretação pessoal e divergente daquela sumulada, mesmo reconhecendo que a prova é cabal e bastante para incluir o caso concreto na moldura constitucional nos termos da interpretação já sumulada.

Assim, prestigiar a uniformidade da prestação jurisdicional, fornecendo efetividade ao primado da “segurança jurídica”, não pode ser interpretado como solução “inconstitucional” por “ofender” o livre convencimento ou a autonomia ou independência dos juízes.

Nesse sentido, aliás, o comentário feito pela comissão de juristas na exposição de motivos do CPC/2015:

O novo Código prestigia o princípio da segurança jurídica, obviamente de índole constitucional, pois que se hospeda nas dobras do Estado Democrático de Direito e visa a proteger e a preservar as justas expectativas das pessoas.

Todas as normas jurídicas devem tender a dar efetividade às garantias constitucionais, tornando “segura” a vida dos jurisdicionados, de modo a que estes sejam poupados de “surpresas”, podendo sempre prever, em alto grau, as consequências jurídicas de sua conduta.

Se, por um lado, o princípio do livre convencimento motivado é garantia de julgamentos independentes e justos, e neste sentido mereceu ser prestigiado pelo novo Código, por outro, compreendido em seu mais estendido alcance, acaba por conduzir a distorções do princípio da legalidade e à própria ideia, antes mencionada, de Estado Democrático de Direito. A dispersão excessiva da jurisprudência produz intranqüilidade social e descrédito do Poder Judiciário.

Se todos têm que agir em conformidade com a lei, ter-se-ia, ipso facto, respeitada a isonomia. Essa relação de causalidade, todavia, fica comprometida como decorrência do desvirtuamento da liberdade que tem o juiz de decidir com base em seu entendimento sobre o sentido real da norma.

A tendência à diminuição do número de recursos que devem ser apreciados pelos Tribunais de segundo grau e superiores é resultado inexorável da jurisprudência mais uniforme e estável.

Proporcionar legislativamente melhores condições para operacionalizar formas de uniformização do entendimento dos Tribunais brasileiros acerca de teses jurídicas é concretizar, na vida da sociedade brasileira, o princípio constitucional da isonomia.

Criaram-se figuras, no novo CPC, para evitar a dispersão excessiva da jurisprudência. Com isso, haverá condições de se atenuar o assoberbamento de trabalho no Poder Judiciário, sem comprometer a qualidade da prestação jurisdicional.

Dentre esses instrumentos, está a complementação e o reforço da eficiência do regime de julgamento de recursos repetitivos, que agora abrange a possibilidade de suspensão do procedimento das demais ações, tanto no juízo de primeiro grau, quanto dos demais recursos extraordinários ou especiais, que estejam tramitando nos tribunais superiores, aguardando julgamento, desatreladamente dos afetados.

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Como se pode notar, os autores do projeto de lei que culminou no novo CPC se debruçaram sobre a questão envolvendo a “segurança jurídica/isonomia” x “livre convencimento” (independência/autonomia) dos magistrados e, conscientemente, optaram por privilegiar os primeiros, não como forma de anular o segundo, mas sim buscando trazer a necessária tranquilidade social e preservando e protegendo a justa expectativa das pessoas de que o Poder Judiciário seja coeso e isonômico em suas decisões.

No que respeita aos princípios constitucionais do devido processo legal (art. 5º, LIV), da ampla defesa e contraditório (art. 5º, LV), do acesso à justiça (art. 5º, XXXV), bem como princípios tidos como “implícitos” como o duplo grau de jurisdição também não há que se falar em sua violação pela implementação da teoria dos precedentes vinculantes.

A conceituação doutrinária que melhor traduz o que pode ser entendido como devido processo legal é fornecida por Ingo Wolfgang Sarlej, para quem o “direito fundamental ao processo justo” envolve tanto a organização do processo, em termos legais, como o direito do jurisdicionado a obtenção de uma decisão justa.

De forma absolutamente inovadora na ordem interna, nossa Constituição assevera que ‘ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal’ (art. 5.°, LIV). Com isso, institui o direito fundamental ao processo justo no direito brasileiro. (...)

O direito ao processo justo constitui principio fundamental para organização do processo no Estado Constitucional. É o modelo mínimo de atuação processual do Estado e mesmo dos particulares em determinadas situações substanciais. A sua observação e condição necessária e indispensável para obtenção de decisões justas.

A Constituição faz menção a locução devido processo legal (due process of law). (...)

O direito ao processo justo é um direito de natureza processual. Ele impõe deveres organizacionais ao Estado na sua função legislativa, judiciária e executiva. É por essa razão que se enquadra dentro da categoria dos direitos à organização e ao procedimento. A legislação infraconstitucional constitui um meio de densificação do direito ao processo justo pelo legislador. É a forma pela qual esse cumpre com o seu dever de organizar um processo idôneo a tutela dos direitos. As leis processuais não são nada mais nada menos do que concretizações do direito ao processo justo. O mesmo se passa com a atuação do Executivo e do Judiciário. A atuação da administração judiciária tem de ser compreendida como uma forma de concretização do direito ao processo justo. O juiz tem o dever de interpretar e aplicar a legislação processual em conformidade com o direito fundamental ao processo justo. O Estado Constitucional tem o dever de tutelar de forma efetiva os direitos. Se essa proteção depende do processo, ela só pode ocorrer mediante processo justo. No Estado Constitucional, o processo só pode ser compreendido como o meio pelo qual se tutelam os direitos na dimensão da Constituição.

O direito ao processo justo visa a assegurar a obtenção de uma decisão justa. Ele é o meio pelo qual se exerce pretensão à justiça (Justizanspruch) e pretensão à tutela jurídica (Rechtsschutzansprucb). Esse é o seu objetivo central dentro do Estado Constitucional.

(...)

A atuação do legislador infraconstitucional - mediante a elaboração e promulgação de códigos processuais e de leis que tratam de forma exclusiva ou parcial de processo – só pode ser vista como concretização do direito ao processo justo. Há, nesse sentido, dupla presunção: subjetiva, de que o legislador realizou sua função dando adequada resposta a norma constitucional (favor legislatoris), e objetiva, de que a lei realiza de forma justa o direito fundamental ao processo justo (favor legis).

A Constituição - o direito, ao processo justo nela previsto - é o centro a partir do qual a legislação infraconstitucional deve se estruturar. O direito ao processo justo exerce papel de centralidade na compreensão da organização infraconstitucional do processo. E nele que se deve buscar a unidade na conformação do processo no Estado Constitucional. Dada a complexidade da sua ordem jurídica, marcada pela pluralidade de fontes normativas impõe-se não só uma leitura a partir da Constituição da legislação infraconstitucional, mas também de um dialogo das fontes para melhor interpretação da legislação processual e para otimização de soluções conforme ao direito fundamental ao processo justo. (Sariet, 2012, p. 615/623).

Como visto, o princípio do devido processo legal (ou direito ao processo justo) possui conotação abrangente de forma a envolver não só o direito de todos (partes, terceiros, juiz etc) a um regramento infraconstitucional processual idôneo para tutelar os direitos, como também o de obter, por meio desse regramento, um provimento jurisdicional que reflita os ideais de justiça na aplicação do direito material.

Isso não significa, por óbvio, que todo e qualquer processo judicial resultará em uma decisão de mérito, ou mesmo que todas as decisões de mérito serão perfeitas e inquestionáveis. O que se resguarda é o direito a um regramento processual que respeite direitos mínimos constitucionalmente previstos e que possa resultar num provimento jurisdicional que analise o pleito formulado pelo autor, aferindo sua legitimidade no âmbito do direito material e lhe conferindo, caso procedente, a devida efetividade.

Agora, em que medida a teoria dos precedentes vinculantes feriria tal princípio?

A afirmação genérica de que há violação do devido processo legal, sem demonstrar em que aspecto tal violação ocorre, não passa de mero sofisma, carecendo de legitimidade enquanto argumento jurídico.

Como corolário desse princípio amplo que é o devido processo legal outros são extraídos textualmente da constituição federal como o princípio do acesso à justiça (art. 5º, XXXV) e da ampla defesa e contraditório (art. 5º, LV). Ousamos divergir daqueles que veem na teoria dos precedentes vinculantes qualquer tipo de violação a tais princípios.

O princípio do acesso ao judiciário é, na lição de Humberto Theodoro Júnior, um princípio estruturalmente ligado à efetividade da prestação jurisdicional, englobando, em seu conceito, outros princípios como da “impessoalidade”, “independência”, “motivação das decisões”, “contraditório”, “devido processo legal”, “duração razoável do processo”, “duplo grau de jurisdição”, tudo a culminar na obtenção de uma decisão, meritória ou não, que esteja em conformidade com o ordenamento jurídico.

(...) o acesso à Justiça exige que concorra, por parte dos órgãos e sistemas de atuação do Judiciário, a observância de garantias como: a da impessoalidade e permanência da jurisdição; a da independência dos juízes; a da motivação das decisões; a do respeito ao contraditório participativo; a da inexistência de obstáculos ilegítimos; a da efetividade qualitativa, capaz de dar a quem tem direito tudo aquilo a que faz jus de acordo com o ordenamento jurídico; a do respeito ao procedimento legal, que, entretanto, há de ser flexível e previsível; a da publicidade e da duração razoável do processo; a do duplo grau de jurisdição; (...). (Theodoro Júnior, 2015.p. 103). Grifos e negritos postos.

Como visto, não há que se confundir o direito constitucional de acesso ao judiciário com o direito a uma decisão meritória favorável ao demandante, ainda que contrária ao posicionamento jurisprudencial consolidado sobre determinada tese jurídica, mas sim no direito de obter a prestação jurisdicional que se subsuma ao ordenamento jurídico.

Por óbvio que permitir o acesso de qualquer pleito ao poder judiciário – mormente com o novo CPC que não mais contempla como condição da ação a “impossibilidade jurídica do pedido” – não implica dizer que a parte que ajuíza a demanda terá o bem da vida pretendido.

No máximo o que o princípio garante é que à parte é assegurado o direito de postular em juízo, qualquer que seja a pretensão e independente da existência ou não de fundamento jurídico. Mas - e aí está a grande questão - o que não se lhe assegura é que sua pretensão não será indeferida de plano, quanto ao mérito, ou mesmo julgada carecedora da ação por ausência de pressupostos processuais não passíveis de sanabilidade.

Fredie Didier Júnior discorre sobre o princípio de acesso à jurisdição, ou princípio da “inafastabilidade da jurisdição” afirmando que se trata, em verdade, de um direito à decisão judicial, um direito “abstrato” que não se confunde com o direito de obter o provimento meritório almejado pelo autor.

 Quando a Constituição refere à impossibilidade de exclusão de lesou ou ameaça de lesão da apreciação jurisdicional quer referi-se, na verdade, à impossibilidade de exclusão de alegação de lesão ou ameaça, tendo em vista que o direito de ação (provocar a atividade jurisdicional) não se vincula à efetiva procedência do quanto alegado; ele existe independentemente da circunstância de ter o autor razão naquilo que pleiteia; é direito abstrato. O direito de ação é o direito à decisão judicial tout court. (DIDER, 2015, p. 177/178)

Exemplificando, digamos que João, vizinho de Pedro, ajuíze contra este uma ação de alimentos alegando que por estar desempregado e em razão de seu vizinho estar muito bem de vida, teria direito de ser auxiliado na sua mantença. Absurdo, não? Mas o direito de acesso à justiça garante que tal pretensão seja protocolada, autuada, recebida pelo juiz e determinada a citação do réu – ante a ausência de carência da ação por impossibilidade jurídica do pedido.

O fato do ordenamento jurídico não contemplar o direito invocado, sendo, ao revés, contrário a ele, impediu o acesso à justiça? Parece-nos que não. O CPC de 2015 não prevê dentre as hipóteses de indeferimento liminar a sua ocorrência em razão de causas manifestamente contrárias ao ordenamento jurídico, mas é óbvio que a pretensão não terá acolhimento, ainda que diante de eventual revelia do réu. Isso, por si só, viola o princípio de acesso à justiça? Claro que não.

Então, se assim é, qual a razão lógica para dizer que a fixação de uma tese jurídica pelos tribunais superiores, garantindo a perfeita intelecção do ordenamento e conferindo parâmetros objetivos para sua aplicação, implicaria em violação do acesso à justiça?

Se a parte pretende ajuizar demanda contra entendimento sumulado, por óbvio que, como a pessoa que pede alimentos contra seu vizinho, já sabe, de antemão, que seu pleito é fadado ao fracasso. Mas, se quiser ajuizar a demanda, a teoria dos precedentes vinculantes não impedirá o exercício do direito, embora o resultado certamente não seja diferente daquele cujo entendimento se consolidou.

Hipótese diversa ocorrerá quando a parte buscar demonstrar que o seu caso particular não se enquadra no entendimento sumulado, dada a peculiaridade dos fatos envolvidos. Neste exemplo, por óbvio, o direito de acesso ao judiciário também estará garantido, e, caso efetivamente demonstrado que as circunstâncias fáticas não permitem a perfeita incidência da tese jurídica consolidada, poderá resultar em sentença de mérito favorável ao demandante.

Quanto ao princípio da ampla defesa e do contraditório, da mesma forma que ocorre com os demais princípios constitucionais, não há como vislumbrar que a adoção dos precedentes vinculantes implique em violação do aludido princípio.

Vale destacar, aqui, que a aplicação de um precedente vinculante certamente poderá implicar tanto na improcedência liminar do pedido (art. 332, CPC/2015), quando a postulação afronta o entendimento firmado no precedente, como no acolhimento do pleito, se com ele for compatível a pretensão.

Contudo, se o réu se defende alegando tese jurídica contrária à matéria sumulada, ou pacificada nos precedentes vinculantes, há violação da “ampla defesa e do contraditório”? Teria o réu o direito de ver sua alegação de direito acolhida, ainda que contrária aos precedentes, com amparo no aludido princípio constitucional? Parece-nos que não.

O direito ao contraditório e à ampla defesa não implicam em garantia de que o réu, ou mesmo o autor (no caso do contraditório), possa se valer de toda e qualquer tese jurídica e com ela tenha direito de obter um provimento favorável em primeira ou em segunda instâncias. Aliás, nem mesmo lhe garante o acesso ao “duplo grau de jurisdição” que, não obstante ser entendido como um “princípio constitucional implícito”, encontra efetividade e limitações nos textos infraconstitucionais que regulam as hipóteses e cabimentos dos recursos.

Pertinente o comentário de Luis Guilherme Marinoni, para quem o texto constitucional não contém palavras inúteis ao prever que o contraditório e ampla defesa serão exercidos com “os recursos a ela inerentes”, ou seja, com os recurso legalmente previstos e observadas as hipóteses de cabimento estabelecidas infraconstitucionalmente:

Nessa perspectiva fica fácil corrigir outro equívoco da norma constitucional, pois é óbvio que "os recursos" não dizem respeito apenas à defesa, mas também à ação.

A ação, porque em sua dinâmica também depende do contraditório, não dispensa a possibilidade de alegar, de provar, de controlar a racionalidade da decisão e de recorrer.

Porém, isso não quer dizer que o legislador não possa, diante de certas situações, restringir o direito à prova e ao recurso. Uma lei pode deixar de prever a possibilidade de recurso diante de determinada situação de direito material, como a que pode ser, na generalidade dos casos, julgada sem dificuldade em relação aos fatos e aos fundamentos de direito.

Se o legislador tivesse de prever, em todo e qualquer caso, recurso a outro grau de jurisdição, ou mesmo uma dupla revisão pelo mesmo órgão que proferiu a sentença, não se estaria apenas negando que as situações concretas são diferentes, mas também se estimulando o uso do recurso com fim procrastinatório e, assim, em vez de se conferir possibilidade de participação, estar-se-ia abrindo oportunidade para lesão ao direito de ação ou mesmo para a própria distorção do direito de participação.

A restrição ao uso do recurso tem justificativa na desnecessidade de se dar oportunidade de dupla revisão a determinada situação de direito substancial. Se a eliminação do recurso é justificada pela situação de direito substancial, não há que se pensar em violação ao direito de defesa, uma vez que a norma constitucional diz claramente que são assegurados os meios e recursos "inerentes" ao contraditório, isto é, à ação e à defesa.

A norma constitucional não garante o direito de recorrer, impedindo o legislador de estabelecer um procedimento que não dê às partes o direito de recorrer contra o julgamento. Ao contrário, ela afirma que estão garantidos o contraditório, a ampla defesa e os "recursos a ela inerentes". Caso o desejo da norma fosse o de garantir, em todo e qualquer caso, o direito de recorrer, teria apenas dito que aos litigantes são assegurados o contraditório, a ampla defesa, e os recursos, e não o contraditório, a ampla defesa, e os meios e recursos a ela inerentes. Ora, se são assegurados o contraditório, a ampla defesa e os recursos a ela inerentes, é porque os recursos nem sempre são inerentes ao contraditório e à ampla defesa. Não fosse assim, bastaria a norma constitucional ter dito que são assegurados o contraditório e a ampla defesa, pois o direito ao recurso estaria aí necessariamente embutido.

Embora o duplo grau possa ser considerado importante para uma maior segurança da justiça da decisão, a verdade é que ele não é vital para o bom funcionamento da justiça civil. Em algumas hipóteses, é racional e legítima a dispensa do duplo grau, especialmente em nome do direito fundamental ao processo justo ou, mais precisamente, de uma maior qualidade e tempestividade da tutela jurisdicional.

Por outro lado, quando se garantem os meios de prova para que a parte possa influir sobre o convencimento do juiz,isso não quer dizer que não seja possível limitá-los em casos específicos, como acontece diante da antecipação da tutela fundada na urgência - em que se aceita com naturalidade a postecipação do exercício do direito de defesa - e no procedimento do mandado de segurança, em que se admite apenas a prova documental a partir da premissa de que as alegações de fato, para comportarem julgamento imediato, não podem exigir prova cuja produção seja mais complexa e demorada, como a testemunhal e a pericial. (Marinoni, 2015, p. 355/357).

Como visto, o âmbito de incidência do princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório está relacionado aos atos processuais praticados pela parte no curso do processo, por meio dos quais pretenderá influir na decisão do órgão jurisdicional, seja de primeira ou de segunda instâncias.

Não há correlação lógica entre o aludido princípio e o direito de a parte alegar e ver reconhecida toda e qualquer matéria de direito, ainda que contrária ao ordenamento jurídico ou às teses pacificadas pelos tribunais.

Exemplificando: determinada sociedade, face a negativa do município em lhe conceder alvará de funcionamento, ajuíza ação para ver reconhecido seu direito de exercer livremente atividade comercial, apresentando lei estadual autorizadora, cálculos de geração de empregos e renda, estudos de desenvolvimento para a região, alegando que exercerá atividade de “casa de bingo”.

Com fundamento na súmula vinculante nº 02, que prevê inconstitucional “a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias”, o pedido é julgado liminarmente improcedente (art. 332, I, CPC/2015).

Haveria, no caso, violação à ampla defesa e ao contraditório? Teria o autor “direito” constitucional a que o processo se desenvolvesse, com citação da Municipalidade, produção de provas, designação de audiências, perícias, testemunhas? Poderia o juiz, entendendo juridicamente plausível e factualmente justificável a concessão do alvará para funcionamento contrariar o entendimento sumulado?

Parece claro que a resposta é negativa. Neste exemplo fica claro que a teoria dos precedentes contribui, além da segurança jurídica e da isonomia, na consecução de outro princípio caro ao direito atual, qual seja, a celeridade na prestação jurisdicional, a qual, frise-se é direito não só do autor mas também do réu.

É verdadeiramente absurdo imaginar que uma questão cuja tese jurídica já foi sumulada, possa ser eternamente rediscutida por qualquer pessoa, em qualquer processo individual ou coletivo, como se a análise e conclusão do tribunal que pacificou a matéria não tivesse nenhum significado jurídico para pacificação social e solução dos conflitos.

A parte exerceu seu direito de ação, apresentou sua postulação à apreciação do Poder Judiciário. Isso lhe é garantido. E mais, caso entendesse que sua hipótese fática não se amolda ao quadro da tese jurídica sumulada, poderia demonstrar a divergência e exigir que sobre ela o juiz monocrático se manifestasse.

Contudo, o que não nos parece um raciocínio jurídico lógico e coerente é valer-se de uma “interpretação” descontextualizada de princípios constitucionais para defender a tese segundo a qual toda e qualquer matéria de direito deve servir para acionar o aparato jurisdicional para que, ao final, se obtenha a decisão que desde o início já se sabia ser a única possível no sistema vigente.

Os princípios do acesso ao judiciário, do contraditório e ampla defesa, da independência do juízo, do devido processo legal e do convencimento motivado não podem servir de panaceia a ser invocada toda vez que não se concordar com o sistema jurídico ou que as disposições legais vigentes sejam casuisticamente prejudiciais àquele que as invoca.

Alegar que o sistema dos precedentes vinculantes viola esse ou aquele princípio constitucional sem demonstrar em que medida e por que razões tal violação ocorre nada mais é do que mera falácia, pueril sofisma utilizado para justificar uma tendência de manter eternizada a discussão em torno de teses jurídicas superadas ou até dissimuladoras de mero intuito protelatório.

Vale frisar que a teoria, ou sistema, dos precedentes vinculantes não impede que a parte provoque o poder judiciário mediante o exercício do direito de ação, sendo-lhe permitido, por óbvio, demonstrar fática e juridicamente que seu caso particular não envolve a tese sumulada ou pacificada pela jurisprudência.

Invocando a distinção do seu caso particular, ser-lhe-á aberto todo o leque de direitos envolvendo o desenvolvimento da atividade jurisdicional como a produção de provas, a apresentação de amplo contraditório, e, principalmente, não haverá aplicação arbitrária do precedente, sendo imperioso que o magistrado decida motivadamente, expondo as razões fáticas e jurídicas pelas quais entende ser aplicável ou não ou precedente ao caso concreto.

Essa última exigência do novo CPC (princípio da motivação/fundamentação das decisões – art. 11), que também é extraída de disposição constitucional expressa (art. 93, IX), tornará possível eventual exercício do direito de acesso ao duplo grau de jurisdição, sendo que somente no caso de total descompasso entre a tentativa de demonstrar a distinção do caso concreto em relação ao precedente é que implicará na efetiva aplicação de sua força vinculante.

Este é o espírito da lei ao prever, dentre outras hipóteses, que o relator poderá negar provimento ao recurso que for contrário à súmula do STF, STJ ou do próprio tribunal (art. 932, IV, “a”).

De fato, interpretando o aludido dispositivo de forma sistemática, mormente considerando o dever de fundamentação das decisões, é possível concluir que mesmo nestes casos caberá ao relator, em sua decisão monocrática, analisar os argumentos apresentados e fundamentar as razões pelas quais entende que o caso  “sub judice” se subsume perfeitamente ao precedente dando azo ao não acolhimento do recurso interposto.

O legislador ordinário, ao adotar o sistema dos precedentes vinculantes, não “engessou” o processo, muito menos suprimiu direitos e garantias mínimas previstos na Lei Maior.

O que se buscou foi justamente conferir maior efetividade ao direito material que se pretende alcançar por meio do processo, fortalecendo aquilo que já foi decidido por juízes de maior experiência e com base em aspectos amplos que só podem ser obtidos em sede de análise colegiada.

 Humberto Theodoro Júnior, ao tratar da questão da constitucionalidade ou não das súmulas vinculantes, já trazia a semente da ideia que ora se apresenta para justificar e fundamentar a constitucionalidade e coerência sistêmica advinda da adoção dessa nova força cogente conferida aos precedentes defendendo que é falsa a assertiva de que sua aplicação gera “engessamento” ou violação de princípios constitucionais.

Ao contrário, conforme bem argumenta o citado autor, a busca da estabilidade jurisprudencial é benéfica ao sistema jurídico como um todo, vez que lhe confere segurança e transmite ao jurisdicionado a ideia de isonomia além de permitir que as normas sejam eficazmente compreendidas em seu significado pragmático, não dando espaço às inúmeras e geralmente contraditórias interpretações que nada mais fazem do que gerar incerteza e dificuldade no cumprimento das leis.

No sistema inovador, que vem sendo adotado entre nós, de legislar por cláusulas gerais, a segurança jurídica corre sério risco, se não se observar, na medida do possível, uma estabilidade jurisprudencial no tocante à concretização dos preceitos éticos de conteúdo impreciso ou vago.

A ordem jurídica implantada pela Constituição se funda tanto na justiça como na segurança, como valores supremos prestigiados pelo Estado Democrático de Direito (CF, Preâmbulo, e art. 5º, caput). Se a adoção em leis de cláusulas gerais favorece a justiça na composição dos conflitos, é preciso estar atento a que essa política normativa não descambe para o excessivo arbítrio dos julgamentos, anulando ou comprometendo a segurança jurídica.

Em matéria de segurança, o consenso reside em que esta só subsiste quando as regras legais são facilmente compreendidas por todos, de maneira que os seus destinatários possam prever como e quando seus preceitos serão feitos valer pelos tribunais. Sem previsibilidade da exegese judicial, ninguém se considerará seguro perante a cláusula geral adotada pela lei. Daí a grande responsabilidade da jurisprudência, que, entre nós, terá também de preocupar-se com seus próprios precedentes, tal como se passa entre os povos do common law.

Oliveira Ascensão, tratando do tema, adverte para a importância de se detectar e proclamar o objeto e o alcance de cada cláusula geral, sob pena de comprometimento da segurança jurídica. Observa que o que serve para tudo, não serve na verdade para nada. De fato, se a cláusula geral for tão aberta que possa ser interpretada ao puro alvedrio de cada juiz, sua função dentro da ordem jurídica será nula, já que sua aplicação se tornará imprevisível. Em lugar de regular com segurança jurídica o relacionamento entre as partes, implantará o caos normativo, já que ninguém saberá, com precisão, antever o sentido com que irá ser aplicada nos futuros julgamentos judiciais.

Para que esse caos não ocorra, é imperioso que juízes e tribunais guardem coerência com seus próprios precedentes. Papel importante cabe ao modo de decidir, que haverá de ser didático, no sentido da clareza e precisão com que a tese se aperfeiçoou no julgamento do caso concreto.

Às súmulas dos tribunais, por sua vez, competirá a divulgação das teses assentadas, a fim de que toda a sociedade tome conhecimento da orientação criativa da jurisprudência na fixação prática do alcance da cláusula geral e possa gozar da indispensável estabilidade normativa.

Não se deve pensar que a súmula engessará a interpretação da lei. É que a cláusula geral, pela sua fluidez, sempre permitirá a interpretação conforme a diversidade dos fatos levados a julgamento. A sabedoria e a técnica do juiz sempre terão como diferenciar o que tem de ser tratado de maneira diversa daquela adotada no precedente sumulado. O que não se aceita no Estado de Direito é que fatos iguais comandados pela mesma lei sejam julgados nos tribunais de maneira diversa. Tratamento igual a todos é também uma garantia fundamental da Constituição, a par da segurança e justiça (CF, art. 5 o, caput). Como respeitar o preceito da igualdade de todos perante a lei, se esta, pela volubilidade dos tribunais, tem determinado sentido para um, e significa coisa diversa para outro? Por isso é que a sujeição dos tribunais a seus precedentes e a edição de súmulas jurisprudenciais representam, sem dúvida, medidas importantes a serem observadas pelos órgãos públicos encarregados da prestação jurisdicional. (THEORODO JÚNIOR, 2014, p. 91/92).

Em suma, não há que se falar em ofensa aos princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa, da inafastabilidade do controle jurisdicional (acesso à justiça) e do duplo grau de jurisdição, vez que o novo CPC nada mais faz do que prestigiar princípios constitucionais igualmente importantes e relevantes como os da isonomia, celeridade, efetividade e segurança jurídica.

Não fere, ainda, o princípio infraconstitucional do livre convencimento motivado, vez que este envolve a análise fática da demanda proposta, o que sempre deverá ser feito pelo magistrado, não se lhe permitindo apenas que a fundamentação de sua decisão seja feita contrariando tese jurídica já sedimentada em precedente vinculante.

Por derradeiro, é igualmente sofística a alegação de que o sistema dos precedentes vinculantes trazido pelo novo CPC é inconstitucional em razão de ter sido positivado por lei ordinária, ao contrário da súmula vinculante que foi introduzida no ordenamento jurídico por emenda constitucional.

Para Marcus Vinicius Rios Gonçalves somente pode ser atribuído o caráter vinculante às sumulas editadas com base no art. 103-A da Constituição Federal, pelo Supremo Tribunal Federal, com aprovação de 2/3 de seus membros.

Nos demais casos previstos no CPC de 2015 há, no entender do aludido autor, flagrante inconstitucionalidade vez que, para ele, somente a Lei Maior poderia estabelecer hipóteses de jurisprudência vinculante.

A fonte formal por excelência é a lei (fonte formal primária). Além dela, podem ser mencionados a analogia, o costume e os princípios gerais do direito, necessários porque o ordenamento jurídico não pode conter lacunas, cumprindo-lhes fornecer os elementos para supri-las. Podem ser citadas também as súmulas do Supremo Tribunal Federal (STF), com efeito vinculante, bem como as decisões definitivas de mérito, proferidas também pelo STF, em controle concentrado de constitucionalidade, nas ações diretas de inconstitucionalidade e declaratórias de constitucionalidade (fontes formais acessórias ou indiretas).

(...)

O art. 927 do CPC traz outras formas de jurisprudência vinculante, que não aquelas previstas na Constituição Federal São as tratadas nos incisos III, IV e V: os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; os enunciados das súmulas do STF em matéria constitucional e do STJ em matéria infraconstitucional; e a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

A atribuição de eficácia vinculante a essas hipóteses carece de previsão constitucional. E só a Constituição poderia estabelecer outras situações de jurisprudência vinculante. Portanto, diante da inconstitucionalidade do disposto no art. 927, incisos III, IV e V, parece-nos que a jurisprudência, ainda nesses casos, deva continuar sendo considerada fonte não formal do direito. Somente a súmula vinculante e a decisão do STF em controle concentrado de constitucionalidade podem ser consideradas fontes formais, já que são as únicas hipóteses em que a CF reconhece eficácia vinculante à jurisprudência.

(...)

Somente as súmulas editadas na forma indicada nos itens acima  podem ser consideradas vinculantes, nos termos do art. 103-A da Constituição Federal. O art. 927, 111, do CPC determina aos juízes e aos tribunais que observem os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional. O caráter peremptório do dispositivo levaria à conclusão de que outras formas de súmula vinculante teriam sido criadas pelo CPC, que não aquelas previstas no art. 103-A da CF. Mas não nos parece que isso seja possível, uma vez que somente a CF poderia criar hipóteses de jurisprudência vinculante. Além disso, o art. 988 não previu a reclamação contra as decisões que contrariarem essas súmulas, mas apenas as súmulas vinculantes, entendidas como tais as previstas no art. 103-A da CF e no art. 927, II, do CPC.

(...)

O caráter peremptório do disposto no art. 927 traz a impressão de que o legislador infraconstitucional teria criado outras hipóteses de jurisprudência vinculante, além daquelas de controle concentrado de constitucionalidade e súmula vinculante, que têm previsão constitucional (arts. 102, § 2°, e 103-A). Mas somente a CF poderia tê-lo feito. A atribuição de efeito vinculante a jurisprudência só pode provir da Constituição Federal. Por isso, parece-nos que, nas hipóteses dos incisos III, IV e V do art. 927, a atribuição de eficácia vinculante não encontra amparo na Constituição Federal. (Gonçalves, 2016, p. 51-58).

É possível uma linha mestra de raciocínio na argumentação acima, segundo a qual a inconstitucionalidade estaria em uma suposta necessidade de inserção na lei maior do efeito vinculante que se pretende atribuir aos precedentes e demais súmulas vez que elas estariam, na verdade, servindo como instrumento para introdução de normas jurídicas no sistema, o que somente pode ser feito pelos instrumentos constitucionalmente previstos.

Para o autor, somente a súmula vinculante poderia assumir o caráter de fonte formal normativa ante a sua expressa previsão constitucional nesse sentido. Mas, em que pese o raciocínio desenvolvido, não nos parece acertada a conclusão ante a falha em sua premissa, qual seja, as súmulas não são fontes primárias normativas.

O juiz, ao editar uma súmula, seja no STF, no STJ, ou mesmo nos tribunais de segunda instância, não está legislando, mas sim pacificando a tese jurídica sobre determinada questão de direito em face da qual, invariavelmente, já há norma positivada.

Nesse sentido, pertinente o comentário de Daniel Amorim Assumpção Neves, que resume com invejável clareza o debate que passou a ser travado entre aqueles que defendem a inconstitucionalidade – por ausência de previsão na Lei Maior e invasão da competência do legislativo para editar normas gerais e abstratas - e os que aduzem não haver violação da Lei Maior na nova disciplina dos precedentes vinculantes do CPC/2015, vez que a decisão vinculante não cria norma, mas apenas lhe confere uma interpretação uniforme.

A eficácia vinculante do precedente previsto no art. 927, I, do Novo CPC, tem previsão constitucional (art. 102, § 2º, da CF), o mesmo se verificando quanto à súmula vinculante prevista no inciso II do mesmo dispositivo legal (art. 103-A da CF). Nos demais incisos a eficácia vinculante decorre tão somente de normas infraconstitucionais, o que levanta importante questão a respeito de sua constitucionalidade.

Já existe doutrina a apontar a inconstitucionalidade das normas que criam uma eficácia vinculante de precedentes e de súmulas não vinculantes sem previsão nesse sentido no texto constitucional, já que a Constituição Federal reserva efeito vinculante apenas às súmulas vinculantes, mediante devido processo, e aos julgamentos originados em controle concentrado de constitucionalidade.

Afirma-se que a vinculação obrigatória às súmulas do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, bem como aos precedentes criados no julgamento de casos repetitivos e no incidente de assunção de competência invade a seara legislativa, por outorgar ao Poder Judiciário o estabelecimento de normas, criando uma vinculação inconstitucional a preceitos abstratos e gerais fixados pelo Poder Judiciário, ou seja, com características de lei.

A doutrina que defende a novidade legislativa – uma das mais importantes do Novo Código de Processo Civil –, entende que o Poder Judiciário não cria norma jurídica nesses casos, não se devendo confundir a atividade de dar um sentido unívoco à norma que foi criada pela via legislativa com a tarefa de criação de norma. Entendimento em sentido contrário levaria à conclusão de que o Supremo Tribunal Federal legisla ao decidir processo objetivo e ao editar súmula vinculante, o que não parece correto.

Ainda que a questão a respeito da constitucionalidade dos três últimos incisos do art. 927 do Novo CPC sirva de interessante combustível para discussões doutrinárias, que devem se estender por tempo indefinido, no plano dos fatos é difícil imaginar o Supremo Tribunal Federal declarando tais normas inconstitucionais. E isso por um singelo motivo: é de todo interesse daquela corte a eficácia vinculante consagrada em tais dispositivos, em especial em sua promessa de diminuição no número de processos e recursos, em especial os recursos especial e extraordinário.  (Neves, 2016, p. 1753/1754)

Assim, não há que se falar em inconstitucionalidade da nova sistemática de precedentes vinculantes seja pela ausência de sua previsão no texto constitucional, seja pela alegação de que o legislador infraconstitucional teria conferido ao poder judiciário a capacidade de criar normas gerais e abstratas a par das leis já existentes e em vigor.

O judiciário, ao editar as súmulas ou proferir os julgamentos nos demais casos em que o novo CPC atribui eficácia vinculante, não está “legislando” no sentido de inserir no ordenamento jurídico norma geral e abstrata que regule originalmente determinada conduta humana.

Ao revés, sua decisão pauta-se em normas jurídicas preexistentes, ainda que limitadas a princípios gerais (quando omissa a norma), conferindo-lhes a interpretação que se afigura a que melhor se coaduna com o sistema jurídico. Assim, embora considerada “fonte do direito”, não é possível confundir a tarefa do poder judiciário com a desempenhada pelo legislador ordinário.

Nesse sentido, aliás, a lição de Humberto Theodoro Júnior, para quem a jurisprudência é fonte primária do direito, enquanto resultado da atividade do julgador no sentido de interpretar e aplicar a lei e os princípios correlatos, mas, adverte o autor, não como fonte primária equiparada à lei, e sim como “fonte complementar do direito”.

Sem dúvida, o vigente sistema processual brasileiro elevou a jurisprudência à categoria de fonte de direito. Não cabe, data venia, atribuir-lhe, em caráter absoluto, a qualificação de fonte primária, em total equiparação à lei. É que continua sendo, no Estado de Direito, fundamental o princípio da legalidade que consagra a primazia da lei, entre os direitos do homem, como freio ao autoritarismo do Poder Público (CF, art. 5º, II). Embora seja certo que a jurisprudência pode atingir em seus julgados, e em determinadas circunstâncias, força vinculativa erga omnes, seus precedentes só podem ser construídos a partir da lei ou do direito positivo lato sensu. Jamais poderão eles funcionar como mecanismo de revogação da lei ou de abstração de sua existência. É sempre a partir da aplicação da lei que, dentro de quadros fáticos concretos, pode surgir o precedente com autoridade geral, de sorte que na sua origem estará sempre alguma regra ou princípio ditado pela lei ou pelo sistema adotado pelo direito positivo. A atividade jurisdicional criativa é limitada à otimização da lei, e não ao seu afastamento ou desprezo.

O uso abusivo desse poder jurisprudencial tem conduzido à adoção de certas liberdades que não merecem estímulo, e, ao contrário, hão de ser coibidas, em nome das garantias fundamentais do Estado Democrático de Direito. Adverte a melhor e mais consciente doutrina que há uma exigência urgente de se bater pela restauração do “respeito ao primado da lei e o consequente e efetivo cumprimento das decisões judiciais pelos juízes e pelo próprio Estado”.

É sempre lembrada e atual a advertência de Calamandrei no sentido de que o Estado de Direito exige juízes que julguem em conformidade com a lei, e não juízes que, a pretexto de aplicar a Constituição, deem à lei interpretação inteiramente incompatível com o seu próprio enunciado. E essa sujeição aplica-se indistintamente ao direito material e ao processual, como preconiza Greco.

Em suma, sendo a lei no Estado de Direito a fonte realmente primária e suprema do direito, a jurisprudência só pode ser vista como fonte também do direito, enquanto interpretar e aplicar a lei e os princípios que a informam. E será, portanto, dentro dessa perspectiva que se estabelecerão os precedentes e as súmulas dos tribunais, como fontes complementares do direito. (Theodoro Júnior, 2015, p. 67/69).

Por óbvio que as interpretações em sentido contrário merecem respeito e acurada análise, mas, partindo-se do necessário confronto entre as teses levantadas pelos defensores e opositores do novo sistema da força vinculante dos precedentes inserida pelo CPC/2015, e adotando-se com premissa científica a necessária coerência lógica do raciocínio desenvolvido, não há como negar a constitucionalidade dos dispositivos que tratam do tema.

Como visto alhures, não há violação de princípios constitucionais (devido processo legal (art. 5º, LIV), ampla defesa e contraditório (art. 5º, LV), acesso à justiça (art. 5º, XXXV), bem como princípios “implícitos” como o duplo grau de jurisdição), ao contrário, o que se observa é o respeito e efetivação de vários outros princípios como os da economia processual, isonomia, efetividade e razoável duração do processo.

Ao tratar das novas regras que inegavelmente prestigiam a jurisprudência como fonte de direito, Humberto Theodoro Júnior destaca a inegável vantagem advinda deste novo sistema, propiciando uma interpretação uniforme do ordenamento jurídico que contribuirá para um processo mais célere, justo e com menor custo.

O novo Código, em suas linhas fundamentais, contém um sistema que prestigia a jurisprudência como fonte de direito, a qual, para tanto, como já visto, terá de contar com uma política dos tribunais voltada para a uniformização, estabilidade, integridade e coerência (art. 926).

A par dessa sólida jurisprudência, que muito contribuirá para a solução mais rápida dos processos, o NCPC instituiu mecanismos de enfrentamento das causas repetitivas, cuja função é não só simplificar e agilizar o julgamento em bloco das ações e recursos seriados, mas também participar, de modo efetivo, do programa de minimização do grave problema dos julgamentos contraditórios.

Todo esse conjunto normativo forma um sistema procedimental inspirado na economia processual, que objetiva, de imediato, o cumprimento da garantia constitucional de um processo de duração razoável e organizado de modo a acelerar o encontro da solução do litígio (CF, art. 5º, LXXVIII). A meta, entretanto, desse sistema vai muito além da mera celeridade processual, pois o que, sobretudo, se persegue é implantar o respeito à segurança jurídica e ao tratamento igualitário de todos perante a lei, tornando mais pronta e previsível a resolução dos conflitos jurídicos.

Esse sistema, altamente compromissado com as garantias constitucionais do processo justo engloba: (i) de início, a atribuição de força vinculante à jurisprudência, que para seu prestígio haverá de ser mantida dentro dos padrões da uniformidade, estabilidade, integridade e coerência (arts. 926 a 928); e (ii) em seguida se completa pelo incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 976 a 987); e (iii) pela técnica de julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos (arts. 1.036 a 1.041); e (iv) por último, pelo incidente de assunção de competência (art. 947), aplicável ao julgamento, nos tribunais, de recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária, sempre que se achar envolvida “relevante questão de direito, com grande repercussão social”, mesmo não existindo ainda a repetição em múltiplos processos. (Theodoro Júnior, , 2016, p. 812/813).

De igual sorte, o singelo fato de não estar prevista constitucionalmente não implica em qualquer irregularidade à nova sistemática de precedentes vinculantes. Como visto alhures, a Constituição brasileira é enxertada com várias disposições que não são materialmente constitucionais, vez que não tratam da organização do Estado ou dos direitos e garantias fundamentais.

Por óbvio que regular o poder vinculante das decisões dos tribunais não é um “direito fundamental” nem envolve a supressão de um direito dessa natureza, conforme já exposto, vez que o ordenamento jurídico coerente, coeso e inteligível para os jurisdicionados é algo que mais se aproxima da garantia dos direitos fundamentais do que a “loteria” que hoje se observa nas decisões judiciais.

Assim, fato de o legislador nacional optar por inflar a constituição com inúmeros temas e dispositivo, sob a justificativa de lhes conferir “maior segurança” quanto a sua aplicação e efetividade não implica que isso deva ser uma regra de validade no sistema jurídico – que, aliás, pouco ou nada tem de efetividade empírica. Ao revés, é absolutamente louvável a iniciativa de “desconstitucionalizar” temas que não guardam relação com as matérias essencialmente constitucionais.

Desconstituída, ainda, a tese de que o legislador infraconstitucional teria violado a Constituição ao permitir, com os precedentes vinculantes, que fosse institucionalizada uma espécie de normatização pelo legislativo, a par da previsão constitucional do princípio da legalidade.

Nos termos anteriormente expostos, não há que se confundir a interpretação vinculante conferida pelo Poder Judiciários aos dispositivos e princípios gerais e incompletos de nosso ordenamento positivo com a atividade legislativa. Não há interpretação sem lei, ou ao menos sem princípios gerais que mereçam o exercício da atividade exegética.

O judiciário, como já o faz com as súmulas vinculantes, nada mais fará do que apresentar a interpretação do dispositivo legal que se coaduna com o ordenamento jurídico, interpretação esta que deverá ser seguida por todos, desde o cidadão comum até os advogados, poder público, magistrados etc., vez que a solução, caso uma demanda seja ajuizada, será aquela já prevista e descrita nas súmulas ou precedentes vinculantes.

Portanto, a nova disciplina instituída pelo CPC de 2016 não padece de nenhum vício de inconstitucionalidade. Ao contrário, seu objetivo é justamente fazer valer preceitos constitucionais caros ao nosso sistema jurídico, trazendo segurança, isonomia, efetividade, celeridade e economia processual.

Sobre o autor
Paulo Andreatto Bonfim

advogado em Campinas (SP), especialista em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BONFIM, Paulo Andreatto. Constitucionalidade da força vinculativa dos precedentes no CPC/2015. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4967, 5 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55526. Acesso em: 23 dez. 2024.

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