RESUMO: O presente artigo apresenta o conceito legal de pessoa com deficiência e a importância de sua inserção no mercado de trabalho como forma de realização do princípio da dignidade da pessoa humana, que é o princípio norteador de todo o ordenamento jurídico. Para desenvolvê-lo, utilizou-se a metodologia da pesquisa bibliográfica, tendo como base a leitura de obras doutrinárias, do texto constitucional e outras leis que dispõem sobre o tema.
Palavras-chave: Trabalho. Dignidade Humana. Igualdade.
Introdução
Este artigo visa desenvolver uma breve exposição da legislação que ampara a pessoa com deficiência, especialmente quanto aos seus direitos trabalhistas, inclusive ao direito de poder trabalhar, considerando-o como meio de garantir sua dignidade e igualdade na sociedade.
Inicialmente será focalizado o alcance e sentido do princípio da dignidade da pessoa humana na visão inovadora de Luís Roberto Barroso. Após, será dado o conceito legal de pessoa portadora de deficiência, para, em seguida, ser feita uma abordagem histórica do trabalho em si e do tratamento da pessoa com deficiência na história da humanidade. Logo após, serão apresentadas leis brasileiras que garantem o tratamento igualitário a essas pessoas, de modo geral, e o seu direito de acesso ao mercado de trabalho.
Para desenvolvê-lo, utilizou-se o método bibliográfico, tendo como base a leitura de obras doutrinárias, do texto constitucional e outras leis que dispõem sobre o tema.
Desenvolvimento
O jurista e hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, em seu artigo “A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação”, busca uma conceituação de dignidade da pessoa humana mais claro, objetivo e operacional para que, no âmbito do discurso jurídico, o principio deixe de ser apenas um ornamento retórico. Para Barroso, a dignidade da pessoa humana é, hoje, um grande consenso ético no mundo ocidental e no plano abstrato, poucas ideias se comparam a ela.
Logo na introdução do artigo, o autor expõe várias situações litigiosas que acontecem ao redor do mundo, como direito à eutanásia, direito a manter relações homoafetivas sem discriminação, direito a exercer atividade de trabalhadora do sexo, direito à indenização pelo fato de ter nascido, dentre outros, em que o princípio da dignidade da pessoa humana tem sido utilizado como norte para uma solução justa.
Em busca de seu objetivo, que é o de identificar o alcance e o sentido do princípio da dignidade da pessoa humana, Barroso traça o perfil evolutivo da seguinte forma: tem início na religião, passa pela Filosofia e Política, para, então, chegar ao Direito. No estágio da religião, a dignidade existia devido à ideia de que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. No estágio filosófico, o homem tem dignidade porque tem razão. No estágio político, a dignidade é o fundamento do Estado democrático. Por fim, a dignidade da pessoa humana foi absorvida pelo Direito, passando a ser reconhecida como princípio jurídico.
Para o autor, sob o ângulo da ciência filosófica, a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que serve de justificação moral para os direitos humanos. Sob a ótica da ciência política é um valor fundamental dos Estados democráticos. Sob a ótica da ciência jurídica, a dignidade da pessoa humana é um princípio jurídico, fundamento normativo dos direitos humanos. Segundo Barroso, da natureza jurídica do princípio decorrem três tipos de eficácia capazes de influenciar na solução de casos concretos: a direta, a interpretativa e a negativa.
Pela eficácia direta, extrai-se uma regra do núcleo essencial do princípio permitindo sua aplicação mediante subsunção. A eficácia interpretativa preconiza que as normas jurídicas devem ter sentido e alcance de maneira que melhor realizem a dignidade humana. Por fim, a eficácia negativa anula a iniciativa de regra jurídica que seja incompatível com a dignidade humana.
Outro ponto importante do artigo é que Barroso estabelece um conteúdo mínimo da dignidade da pessoa humana. Para ele, esse conteúdo é norteado por uma inspiração: o homem é um fim em si mesmo; a pessoa humana não tem preço, tem dignidade.
O conteúdo mínimo pode ser dividido em três partes:
- Valor intrínseco da dignidade da pessoa humana (elemento ontológico). São exemplos o direito à vida, à igualdade formal, à integridade física e moral, dentre outros.
- Autonomia da vontade (elemento ético da dignidade da pessoa humana): são os direitos como a liberdade, igualdade material, educação básica, saúde essencial, assistência aos desamparados, acesso à justiça etc.
- Valor comunitário (elemento social da dignidade da pessoa humana): proteção da pessoa contra ela mesma, proteção dos direitos de terceiros, proteção dos direitos sociais, inclusive o da solidariedade.
Por tratar de forma inovadora esse tema tão espinhoso que é a dignidade da pessoa humana, Luís Roberto Barroso em muito contribuiu para o esclarecimento de como esse princípio pode ser utilizado na solução de casos mais complexos.
Legalmente, conceitua-se deficiência como sendo toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano. A deficiência poderá se tornar permanente quando ocorre ou se estabiliza durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos (BRASIL. Decreto-Lei nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999). O citado Decreto ainda nos fornece o conceito de incapacidade como uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptáveis, meios ou recursos especiais para que a pessoa com deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.
Conforme o art. 4º da norma legal em questão as patologias consideradas deficiências são classificadas em cinco categorias, a saber: Deficiência física (alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física), deficiência auditiva (perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis ou mais), deficiência visual, deficiência mental (funcionamento intelectual significativamente inferior à média) e deficiência múltipla, ou seja, associação de duas ou mais deficiências.
Em relação ao trabalho, esse sempre foi o meio de sustento da sociedade, até mesmo das mais primitivas, que se restringiam a plantar e colher para seu próprio sustento. Em seguida passou-se a utilizar o que sobrava de sua produção como moeda de troca, garantindo-lhes o acesso à produção de outras pessoas, seja essa produção de alimentos ou de outros artigos como tecidos e especiarias. Com o surgimento da moeda, o homem começou a juntar riquezas, principalmente ouro e também propriedades, oprimindo aqueles que nada possuíam. A fim de proteger as pessoas que eram oprimidas pela sociedade, surge o direito (BOBBIO, 2004).
Dessas fases de surgimento do direito há sempre uma coisa em comum: o trabalho. Verifica-se que ele sempre esteve presente na história da sociedade, seja como forma de sustento ou como meio para garantir riquezas. O trabalho, com as garantias fundamentais sociais que se tem atualmente, é direito humano de segunda geração, fruto das “lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes” (BOBBIO, 2004, p. 5). Os direitos de segunda geração estão ligados ao valor “igualdade”, não a igualdade formal, mas a material, que consiste em tratar a todos igualmente na medida de suas desigualdades. São obrigações de fazer impostas ao Estado em favor de toda a coletividade.
No entanto a história do trabalho na sociedade difere dos dias atuais na atenção às pessoas com deficiência, pois a antiguidade é marcada com registros nada ortodoxos do tratamento dispensado a pessoas com deficiência. Conforme doutrina de Fonseca (2006, p. 71/72) “os povos primitivos tratavam-nas das mais diversas formas: muitos, simplesmente, eliminavam-nas, como empecilhos que representavam para a caça e para a marcha natural entre os nômades”.
Durante a Idade Média, sob a influência do Cristianismo, os deficientes eram acolhidos em casas de assistência mantidas pelos senhores feudais e, durante o Renascimento, que trouxe uma visão mais assistencialista, surgiram leis que buscavam integração da pessoa com deficiência. No entanto, apenas na Idade Moderna, criam-se mecanismos visando à inserção do deficiente no trabalho, melhorando sua locomoção. (FONSECA, 2006)
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, dentre os seus fundamentos, destaca-se a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, como expresso em seu artigo 1º, III e IV, respectivamente. Seria contraditório ter estes dois fundamentos e não proteger, também, o trabalho da pessoa com deficiência. Por isso, o artigo 5º da CRFB/88 garante igualdade a todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, aí incluída a vedação à distinção da pessoa com deficiência, salvo os casos que a própria Constituição excetua (BRASIL, 2012).
Atualmente, o trabalho da pessoa com deficiência é protegido pelos organismos internacionais, por exemplo, a Organização Internacional do Trabalho – OIT. A Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, no direito interno brasileiro, possui status Constitucional.
O Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, que promulga a Convenção, assinada em 30 de março de 2007, em Nova York, em seu artigo 27, trata do trabalho da pessoa com deficiência. O supracitado diploma legal impõe que o Estado signatário reconheça direito das pessoas com deficiência ao trabalho, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, proíba a discriminação baseada na deficiência, além de reparação de injustiças e proteção contra o assédio no trabalho.
Percebe-se, na atual conjuntura, que o portador de deficiência é importante para a sociedade, contribuindo com seu trabalho para o crescimento da economia e deve ser tratado com respeito e dignidade, tanto pela sociedade como pelo Estado.
No Brasil, a Lei de Aprendizagem [Lei nº 10.097, de 19 de dezembro de 2000] garante ao aprendiz com deficiência a permanência no emprego mesmo após atingir a idade máxima de 24 anos. Há também as cotas para deficientes em todos os concursos públicos. No âmbito federal, o regime jurídico dos servidores públicos da União [Lei nº 8.112/90] estabelece uma reserva de até 20% das vagas oferecidas nos concursos para as pessoas com deficiência.
A Lei 8.213/91, também conhecida como a “lei de cotas”, estabelece a reserva de 2 a 5% das vagas de emprego nas empresas com mais de cem empregados para beneficiários reabilitados da Previdência Social ou pessoas com deficiência, habilitadas, na seguinte proporção: até 200 empregados (2%), de 201 a 500 (3%), de 501 a 1.000 (4%), de 1.001 em diante (5%). Não obstante a imposição legal, as empresas com menos de cem empregados, bem como aquelas que já cumpriram a cota, podem (e devem) colaborar com o processo de inclusão. Anote-se que as instituições sem fins lucrativos, como as associações, sociedades e fundações que admitem trabalhadores como empregados, também estão obrigadas a preencher um percentual de seus cargos com pessoas com deficiência, pois são classificadas como pessoas jurídicas de direito privado.
A sociedade deve abrir a mente e propiciar a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, pois negar este direito “manifesta-se em uma estrutura socioeconômica de que decorrem o desemprego, o subemprego, que, por razões óbvias, castigam mais a pessoa portadora de deficiência”. (CISZEWSKI, 2005, p. 60)
O trabalho está intimamente ligado à própria dignidade da pessoa humana, na medida em que aquele que tem meios de garantir seu sustento e de sua família sente-se realizado. Com a pessoa com deficiência ocorre da mesma forma, ele se vê independente, podendo satisfazer suas necessidades com o fruto do próprio trabalho e esforço.
Conclusão
O presente trabalho procurou abordar a importância da inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho. Como foi visto, a realização de tarefas laborativas remuneradas em muito colabora para a maximização do princípio da dignidade humana em relação às pessoas com algum tipo de limitação, além de colaborar para o desenvolvimento econômico, uma vez que essas pessoas, ao auferirem renda, tornam-se consumidores, fazendo girar a economia.
De outro lado, a inclusão proporciona aos administradores e demais colaboradores das empresas a oportunidade de eliminar preconceitos que porventura existam no seu meio corporativo, além de contribuir para uma melhor qualidade de vida dessas pessoas.
Foram ainda mostradas normas presentes no ordenamento jurídico brasileiro que buscam amparar o direito das pessoas com deficiência ao trabalho, traduzindo-se num grande avanço legislativo. Porém, ainda existe muito a ser conquistado.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. in Vade Mécum Compacto de direito RIDEEL. São Paulo: Rideel, 2012.
BRASIL. Decreto nº 6.949 de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D6949.htm>. Acesso em 02 jan. 2017.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
CISZEWSKI, Ana Cláudia Vieira de Oliveira. O trabalho da Pessoa Portadora de Deficiência. São Paulo: LTr, 2005.
FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. O trabalho da Pessoa com Deficiência e a Lapidação dos Direitos Humanos: o Direito do Trabalho, Uma Ação Afirmativa. São Paulo: LTr, 2006.
BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Mimeografado, dezembro de 2010.