RESUMO: O artigo científico tem por objetivo analisar as implicações da influência religiosa no Processo Legislativo Federal, seja através de parlamentares, outrossim, pela propositura de espécies normativas sob um forte teor religioso, demonstrando a partir desse contexto, o (des)respeito ao Princípio constitucional da Laicidade (art. 19, I, CF/88), o surgimento de impasses sobre a garantia das liberdades laicas e democráticas, o questionamento sobre a defesa das liberdades das minorias e no próprio desenvolvimento político do país. O atual trabalho apresenta um resumo do Relatório de Pesquisa realizado na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas – Campus Poços de Caldas. Por conseguinte, por meio de uma linha de raciocínio e uma abordagem jurídica, política e sociológica, foi aludido o pensamento de intelectuais no cenário nacional e internacional acerca do tema, centralizados numa discussão principalmente em associação a laicidade e a democracia, conforme a construção estrutural do trabalho e metodologia evidenciada.
PALAVRAS-CHAVE: Direito; Estado; Laicidade; Pesquisa.
1 INTRODUÇÃO
Em termos bem amplos, percebe-se que a formação da sociedade brasileira se inspira em matrizes religiosas, que com frequência se interpenetram nas ações cotidianas por meio da população. A partir dessa afirmação, visualiza-se em alguns momentos no cenário político, o entrelace entre os pressupostos do religioso e do laico no Estado Democrático de Direito.
Nesse paradigma, sustenta-se a tese que o (des)respeito a laicidade no Brasil é um fato que se mostra através da influência religiosa em parlamentares, espécies normativas, instituições públicas e sob os mais variados modos, demonstrando, nesse contexto, a ascensão de impasses na Democracia, seja restringindo liberdades individuais, como também afetando gradualmente o desenvolvimento político do país.
Nessa produção, procurou-se revelar atos políticos singulares no Congresso Nacional do Brasil instigados por concepções religiosas, por meio de Deputados Federais ou Senadores da República, abordando também alguns aspectos políticos que se relacionam com o tema.
Inicialmente no Relatório de Pesquisa, tratou-se a definição de laicidade e suas vertentes por meio da análise de sua presença na França, nos Estados Unidos da América e no Brasil. No caso brasileiro, foi aludido às Constituições antigas e grau de laicização das instituições públicas à época, destacando pontos importantes desde o império confessional.
Ademais, analisar a Democracia foi essencial para a discussão sobre questões consideradas relevantes dentro do campo de conhecimento proposto, tanto no sistema de representação política, quanto acerca da busca de legitimação política de parlamentares nas religiões. Em conformidade com o que foi apresentado, citou-se o Poder legislativo, tal como o processo legislativo federal.
Por fim, as principais hipóteses analisadas foram a de como a laicidade, enquanto princípio constitucional, poderia ser aludida com mais frequência no ordenamento jurídico pátrio, de forma a criar um sistema de escolta ao regime. De forma conclusiva, reverenciaram-se ainda certas polêmicas midiatizadas pela impressa nacional envolvendo direitos individuais, sociais, atos parlamentares e a abstenção do Estado em matéria religiosa.
2 LAICIDADE: COMPREENSÃO CONCEITUAL E POLÍTICA
A manifestação polissêmica do conceito de laicidade expresso no campo social, estudado e aplicado sob diversas nomenclaturas, também se evidencia no campo político. O tema pode ser compreendido sob uma análise em relação a origem etimológica do termo – laicidade – e a sua aplicabilidade político-institucional dentro de ordenamentos jurídicos em diversos tipos de Estados.
Sobre esta perspectiva, inicialmente, aponta o Grande Dicionário Etimológico-Prosódico da Língua Portuguesa (1966) definindo laicidade como: “O mesmo que laicalidade. De laic(o) + idade do lat. itatem.”. Consoante a nítida obscuridade da palavra, Luis Manuel Mateus, fundador do movimento República e Laicidade (2006), informa a origem fundamentada segundo da expressão grega «laos» (adj: «laikos»), que designa povo, nessa via, à população, ao povo todo, a toda a gente.
Outrossim, visualiza-se o conceito etimológico da expressão em publicações internacionais também, por exemplo, a obra Catholicisme Hier - Aujourd'hui – Demain (1967, tradução nossa) fornece alguns significados na linguagem francesa a respeito da origem do termo: “caráter do que é laico, de uma personalidade laica, de uma educação secular; A Laicidade é um conceito político que envolve a separação da sociedade civil e sociedade religiosa”[2].
Ainda nessa explanação, a socióloga Marília De Franceschi Neto Domingos alude:
Pode-se dizer que a origem da palavra laico ou leigo remonta à antiguidade e refere-se ao que não é clerical, ao que pertence ao povo cristão como tal – e não à hierarquia católica – e ao que é próprio do mundo secular, por oposição ao que é eclesiástico. (DOMINGOS, 2008, p. 156).
Portanto, a partir dos significados de laicidade retromencionados, visualizam-se conceitos estritamente etimológicos por meio de pressuposições históricas relacionadas ao vocábulo. Doravante a esse conhecimento, é possível identificar quais as fontes específicas e valores que indagaram o surgimento da palavra, bem como, notar certa percepção do termo associado a um conceito político no eixo do Estado Democrático de Direito. Dessa forma, assimilar suas definições torna-se imprescindível para decifrar o relacionamento que o contexto da expressão possui nos questionamentos que surgem oriundos da presença religiosa dada através de parlamentares no ventre de instituições democráticas.
Em adição, o cientista social e historiador Roberto Blancarte (2008) apresenta uma definição de laicidade enquanto “um regime social de convivência, cujas instituições políticas estão legitimadas principalmente pela soberania popular e já não mais por elementos religiosos”. Na linha de pensamento desse enredo, há uma estreita relação entre instituições públicas e laicas representada por agentes políticos e no outro prisma, cidadãos com autonomia de vontade na sociedade e poder político democraticamente exercido por meio do voto.
Detalha a socióloga Micheline Milot (2008) que a laicidade supõe, fundamentalmente, que a legitimidade do Estado e das normas coletivas que ele elabora não é baseada nas doutrinas religiosas ou na aprovação de uma igreja, mas na soberania dos cidadãos, livres e iguais.
À vista disso, os autores mencionados reafirmam como São Tomás de Aquino e outros pensadores, a teoria da soberania popular (MALUF, 2010, p. 32), onde o poder cível se cria, evolui e ascende pela vontade da sociedade e não por intermédio de poderes divinos providenciados para o governante ou governo de determinado Estado.
Todavia, não há como se determinar um entendimento político-institucional acerca de laicidade separadamente do conceito histórico-social, a trajetória traz desdobramentos bem mais críticos e complexos para determinação do significado real do termo, desenvolvida principalmente no interior de campos acadêmicos estrangeiros.
Na pesquisa científica principal, foi abordada a laicidade do Estado sob a perspectiva de três países, preliminarmente, na França, apresentando as vertentes da palavra, o laicismo, a laicidade aberta, a laicidade de combate, laicidade mediadora, tal como, os processos de laicização e secularização, dentre outras nomenclaturas. Nos Estados Unidos da América, dando ênfase ao surgimento do pluralismo religioso, enquanto no Brasil, sintetizando os principais pontos da laicidade na formação do Estado republicano, tal como o processo de laicização das Instituições Públicas brasileiras.
3 DEMOCRACIA: ASPECTOS POLÍTICOS, SOCIOLÓGIOS E JURÍDICOS
Percebe-se que a temática da laicidade, possui uma relação intrínseca com democracia, uma vez que é visualizada na maioria dos Estados modernos dos quais vivenciam um regime democrático.
Portanto, sob o vértice deste tópico, primeiramente o trabalho acadêmico demonstra democracia segundo um conceito clássico fornecido pelo jurista José Afonso da Silva (2013), sendo: “um processo de convivência social em que o poder emana do povo, há de ser exercido, direta ou indiretamente, pelo povo ou em proveito do povo.”. O autor retromencionado descreve-a ainda suscitando suas abrangências: “As limitações se acham especialmente no definir da democracia como governo, quando ela é muito mais que isso: é regime, forma de vida e, principalmente, processo” (SILVA, 2013, p. 135).
Através desta visão preliminar, partindo-se do pressuposto que a democracia é um “regime”, “forma de vida” e “processo” conforme os apontamentos acima, é aludido a compreensão de que essa forma de governo se preenche de diversas normativas e teorias para ascender a tal ideia que atualmente é afirmada. Ainda se informa que em acordo com o pensamento supra, democracia é um sistema voltado aos interesses sociais, já que são os cidadãos que sustentam a sua estrutura base sob a ótica do princípio da vontade popular.
Nesta perspectiva, o filósofo político Noberto Bobbio faz referência a democracia:
Afirmo preliminarmente que o único modo de se chegar a um acordo quando se fala de democracia, entendida como contraposta a todas as formas de governo autocrático, é o de considerá-la caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar decisões coletivas e com quais procedimentos. Todo grupo social está obrigado a tomar decisões vinculatórias para todos os seus membros com o objetivo de prover a própria sobrevivência, tanto interna como externamente. (BOBBIO, 1986, p. 18).
Conforme esse entendimento e historicidade do regime, o sociólogo Antônio Kevan Brandão Pereira (2012) explica que: “Com o advento do Estado moderno, passou-se a estabelecer previamente em constituições um conjunto de regras que tratassem da forma de como o poder político seria disputado e exercido em um dado país.”, e ainda completa para fins de identificação da forma de governo: “o principal requisito para se classificar um regime ‘democrático’ é, justamente, a adoção por parte desde do referido conjunto de regras que regulam, antecipadamente em Lei, quem está autorizado a tomar decisões coletivas e com quais procedimentos” (PEREIRA, 2012, p. 54).
Assim sendo, os autores reafirmam democracia enquanto um conjunto de regras que subentendidas num determinado local, determinam objetos e decisões a serem tomadas para à apropriada regulação da vida social, estas regras que são estabelecidas segundo o poderio oriundo da sociedade, reafirmando o princípio da soberania popular anteriormente relatado.
Todavia, a democracia participativa traz alguns riscos no sistema representativo, por esta via, em alguns momentos, representantes políticos usam de seu poder para satisfação de seus interesses próprios ou mesmo, para a concessão de privilégios de certas classes, cita-se como exemplo os parlamentares que frequentemente se apresentam em eventos políticos-religiosos em busca de legitimidade política pelos adeptos da religião visitada. É nítido perceber que tais condutas remetem historicamente a era teológica, assim como destaca Paulo Bonavides:
Na idade média, essa crença-suporte da legitimidade foi Deus, a religião, o sobrenatural, ao passo que contemporaneamente ela vem sendo o povo, a democracia, o consentimento dos cidadãos e a adesão dos governados. (BONAVIDES, 2000, p. 152)
Atualmente no país, é notável a visualização de atos parlamentares paradoxais a luz da atual Carta Constitucional e ao exposto com a temática deste trabalho. Por meio da separação entre Estado e igrejas, houve a emancipação de Instituições políticas de qualquer subvenção religiosa, que pela vontade popular através do voto, evidenciou o caráter transformador que a República possui consubstanciada numa Democracia.
Entretanto, na contemporaneidade dos atos públicos em Instituições democráticas, é visualizado uma demanda contraditória não só em relação a real legitimidade política do Estado, mas também, na efetivação de direitos fundamentais na sociedade insculpidos na Constituição brasileira, dentre outras complexidades sobre o tema.
O cientista social Roberto Blancarte afirma que:
[...] muitos partidos e organizações políticas socorrem-se de organizações religiosas ou do religioso em geral, buscando uma legitimidade que perderam em outra área. O que ocorre então, é que as instituições políticas estão buscando na fonte religiosa, no sagrado e nas instituições eclesiásticas uma legitimidade, lugares diversos àqueles onde realmente elas obtêm sua autoridade. (BLANCARTE, 2008, p. 28).
No Brasil, ressalta-se que a legitimidade política encontra-se sua essência efetiva no voto popular, no entanto, muitos parlamentares em períodos eleitoral, dirigem-se a líderes religiosos[3] ou mesmo, a instância de grandes igrejas, para dessa forma, conseguir uma popularidade religiosa objetivando o alcance do mandato político. Todavia, a “verdade fonte de autoridade dos representantes populares e dos funcionários do governo é o voto que o povo lhes confiou; não o apoio de uma instituição religiosa.” (ibid. p. 28).
O autor supracitado destaca ainda que:
[...] quando um deputado, um presidente da República ou qualquer funcionário do governo a nível municipal, estadual ou federal utiliza-se de um líder religioso, pensando que vai adquirir maior legitimidade social, o único que está fazendo é uma espécie de harakiri político, já que está socorrendo-se de uma fonte de legitimidade que não é a sua e está minando ao mesmo tempo sua própria fonte de autoridade, que é a vontade popular através dos cidadãos, muito além das crenças de cada um. (ibid, p. 28).
A propósito, como já consignado, é na vontade popular que os representantes políticos deveriam buscar poder político, ou seja, através do voto como pressuposto ideológico e jurídico para a adquirir legitimidade social e política para o alcance do mandato e cargo público. Por assim dizer, o erro mais grave que se pode cometer em um Estado laico democrático é pensar que quando se trata com um líder religioso estar-se-á automaticamente adquirindo uma legitimidade ou autoridade moral traduzíveis em votos e, portanto a autoridade política, ao supor equivocadamente que esse líder religioso é um representante dos crentes (ibid, p. 28).
Nessa observação específica, o jurista Marco Huaco reproduz o entendimento de Blancarte quando afirma:
Em relação ao fundamento secular da legitimidade e dos princípios e valores primordiais do Estado e do Governo: trata-se de que o Estado já não se baseia em legitimidades religiosas para exercer o poder, mas sim, se fundamenta cada vez mais na soberania popular e no respeito a valores mínimos e comuns a toda sociedade como fonte de tal legitimidade como, por exemplo, o respeito aos direitos humanos. (HUACO, 2008, p. 43).
A questão versada neste tema acerca da crise de legitimidade política do Estado, representado por meio de seus atores políticos e Instituições Públicas com a busca de votos em representantes ou organizações religiosas torna-se um perigo real para a atual democracia, visto que por dois motivos primordiais, Roberto Blancarte (2008) afirma: “O primeiro consiste em buscar a legitimidade do poder político em uma fonte que não seja aquela em que formalmente se origina a autoridade do Estado, já que a única fonte desse poder são os cidadãos”, assim sendo, em contrapartida ao primeiro risco, temos o segundo que é “utilizar-se de uma instancia religiosa para buscar legitimidade onde não existe, debilitando assim a própria autoridade política, visto que ao pretender uma legitimidade religiosa se enfraquece o poder dos cidadãos. (BLANCARTE, 2008, p. 28).
Por conseguinte, é vital delinear que a legitimidade política pelo Estado, através de seus representantes políticos deveria ser buscada, conforme o pensamento supra aludido por meio de locais e instituições apropriadas, dessa forma, de modo que não interfiram ou ameacem a democracia ou a sua construção.