INTRODUÇÃO
A crescente impunidade perante os atos de improbidade administrativa no Brasil demonstram e clamam pela necessidade de mudança para maior efetividade das leis, pois caso contrário, o descrédito perante as instituições estatais continuará maculando o prestígio do Estado, que um dia poderá poder sua legitimidade moral e poderá acarretar danos irreversíveis à organização social.
Embora a Constituição Federal de 1988 tenha sido rigorosa com os atos que afrontam a moralidade, trazendo a Constituição diversas sanções aplicáveis em tais situações, a regulação para combater a gestão inidônea da administrativa já ocorre há bastante tempo e está cada vez mais buscando seu aperfeiçoamento.
A Lei 8.429 de 1992 (Lei de Improbidade Administrativa – LIA) foi criada para dar efetividade e executoriedade à disposição constitucional do artigo 37. A lei de improbidade trouxe grande abrangência quanto a definição dos atos de improbidade administrativa, prevendo inclusive de forma pioneira, sanções para atos de improbidade na modalidade culposa, conforme dispõe em seu artigo 10.
A doutrina e jurisprudência embora com entendimentos divergentes, tem como posição majoritária o entendimento de que o rol de atos previstos na Lei de Improbidade Administrativa é um rol meramente exemplificativo. Quanto a essa questão, existem críticas sobre a lei de que nela há conceitos amplos, o que gera uma grande insegurança jurídica.
No que tange às críticas à lei e ideais para seu aperfeiçoamento, esta monografia aborda como ponto chave a discussão da proibição legal prevista no artigo 17,§ 1º da LIA, sobre as transações, acordos e conciliações. Para se discutir o tema analisou-se os atos de improbidade na perspectiva dos princípios norteadores, em especial moralidade, legalidade, e indisponibilidade do interesse público, visando sempre alcançar o interesse da sociedade.
Quanto à ideia de aperfeiçoamento da Lei de Improbidade Administrativa, se destacou e propôs o instrumento do Compromisso de Ajustamento de Conduta. Nessa senda foi analisado o possível ganho da administração e por conseqüência da sociedade na reparação aos danos causados.
Quanto às críticas à aplicação do instituto, foram expostos os principais argumentos desfavoráveis e rebatidos ponto a ponto.
A presente monografia foi dividida em 4 capítulos, sendo o primeiro dedicado a tratar da Lei de Improbidade Administrativa, conceituando-a, trazendo sua evolução histórica, definição de sujeito e objeto, além de abordar a cerca dos princípios constitucionais.
O segundo capítulo trata sobre os pontos específicos e polêmicos da Lei de Improbidade Administrativa debatidos no cerne desse trabalho, tratando sobre a vedação de acordos da LIA e rebatendo essa vedação por institutos semelhantes em outros ramos do direito, como no direito penal e tributário.
O terceiro capítulo vem tratando um pouco do Termo de Ajustamento de Conduta e da tendência na utilização dos meios alternativos de resolução de conflitos para melhor proteger os direitos da coletividade.
O quarto capítulo, último capítulo, por fim, sintetiza a ideia do trabalho e aborda as possíveis consequências da utilização do Termo de Ajustamento de Conduta nas ações de improbidade administrativa, demonstrando da a maior efetividade da resolução de conflitos por meio do TAC, defendido nesta monografia.
Ressalta-se que a impunidade no país existe e cresce mesmo havendo legislação para o seu combate, pois a distância do Estado ideal para o Estado real é grande e observa-se pouquíssima eficácia das leis, o que gera a cada dia mais na sociedade, o sentimento de falha do direito e descrédito das instituições estatais. O combate à dilapidação do erário é um dano difuso, sendo portanto um mal que atinge toda a sociedade, portanto o aperfeiçoamento dos instrumentos de efetivação da proteção desse direito deve ser analisado a cada dia.
Esta monografia foi realizada por meio de análise legislativa, pesquisa bibliográfica na doutrina dominante e em artigos que defendem doutrinas minoritárias e também em pesquisa jurisprudencial.
CAPÍTULO I
2 A LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
2.1 Considerações inicias
2.1.1 Conceito
O termo probidade é originário do latim probitas + probus, que significa honestidade, decência, verdade, respeitabilidade e decoro.
Nesse sentido, a probidade administrativa pressupõe um procedimento honesto e íntegro por parte de quem lida de alguma maneira com a coisa pública (res publica).
Há doutrinadores que entendem ter a probidade, uma abrangência maior que a moralidade, enquanto outros entendem ser a probidade, um subprincípio da moralidade. Outa parte da doutrina, a qual me filio, entende que moralidade administrativa e probidade administrativa são sinônimos.
Di Pietro afirma que, a inclusão do princípio da moralidade administrativa na Constituição Federal de 1988 foi um grande reflexo da preocupação ética na Administração Pública no combate a corrupção e impunidade.
Quanto ao termo corrupção, mesmo este não sendo um termo jurídico propriamente dito, vez que no Direito é previsto apenas no âmbito penal como fatos típicos (corrupção ativa e passiva), na acepção da palavra, alguns atos de improbidade são considerados corrupção, em especial os previstos no artigo 9º da LIA.
Por fim vale destacar que nem a lei de improbidade e nem nenhum outro diploma legal traz um conceito para improbidade administrativa, além de não trazer elementos fixos para a formação de um conceito estanque, pois o objeto é bastante abrangente envolvendo valores como honestidade, respeito e boa administração com a coisa pública. Nesse panorama, para se chegar mais próximo da mens legis pode-se usar como conceito de improbidade os fatos definidos nos artigos 9º, 10º e 11º da LIA.
2.1.2 Evolução histórica
O direito brasileiro, desde muito tempo atrás, se preocupa em prever sanções para quem causa dano ao erário ou locupletamento ilícito. Com o passar dos anos foram criados diversos instrumentos para o combate da má administração da coisa pública. Vejamos:
Em 1941, o decreto-lei n. 3.240, regulou a possibilidade de sequestro de bens dos indiciados por crime que causassem prejuízo ao erário, porém tal sanção era dependente do juízo criminal, pois era considerado um efeito da condenação, portanto, se houvesse improcedência ou extinção da punibilidade criminal, a medida não persistiria.
A Constituição brasileira de 1946, determinou que lei infraconstitucional regulasse o sequestro e perdimento de bens no caso de enriquecimento ilícito e a lei n. 3.164/57, chamada de “Lei Pitombo-Godói Ilha” deu efetividade ao preceito constitucional quando determinou o sequestro ou perdimento de bens pelo servidor público, sem prejuízo da sanção criminal do ato.
Deste aí percebemos a desvinculação das sanções por ato de improbidade das sanções de natureza penal. A pouca aplicabilidade da lei se deveu também a ela prever apenas sanções no caso de enriquecimento ilícito.
Logo em seguida, em 1958, a lei 3.502, chamada de “Lei Bilac Pinto”, inovou trazendo um conceito mais amplo de servidor público, além de trazer diversas situações que caracterizavam enriquecimento ilícito que são utilizadas até hoje na nossa atual lei de improbidade administrativa. Outra peculiaridade da Lei Bilac Pinto foi equiparar os atos de enriquecimento ilícito aos crimes contra a administração e o patrimônio público.
Na Constituição de 1967 houve disposição semelhante.
Com a criação e entrada em vigor, em 1992, da Lei de Improbidade Administrativa, as leis supracitadas foram expressamente revogadas conforme prevê o artigo 25 da Lei de Improbidade Administrativa “Ficam revogadas as Leis n° 3.164, de 1° de junho de 1957, e 3.502, de 21 de dezembro de 1958 e demais disposições em contrário”.
A Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988, inovou trazendo de forma expressa a determinação à garantia do princípio à moralidade e determinou ainda expressamente, em seu artigo 37, 4º as sanções cabíveis a quem comete atos de improbidade.
Vejamos;
Artigo 37.§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. (CFRB/1988)
Devido tal determinação, para regulamentar o mandamento constitucional, foi promulgada a lei 8.429/92 (LIA).
A referida lei trouxe maior abrangência para os atos de improbidade, pois trouxe três espécies de atos, sendo: os que causam enriquecimento ilícito, dano ao erário e violam princípios. O direito positivo anterior era mais restrito pois não se considerava como improbidade atos que violavam princípios.
Sobre o tema, vale explanar ainda que existe a Lei de crimes de responsabilidade, lei 1.079, criada em 10 de abril de 1950, a qual define e regula o processo e julgamento dos crimes de responsabilidade. Embora os atos combatidos sejam denominados crimes de responsabilidade sabe-se que os atos não possuem natureza criminal e sim político-administrativo.
Ressalta-se também que a Lei 1.079, não exclui a aplicação da LIA, pois aquela é aplicável apenas a agentes políticos, tais como Presidente da República, Governadores, Ministros de Estado, Procurador-Geral da República e outros. Neste caso, a eles, será aplicada a lei de crimes de responsabilidade, que poderá acarretar na perda do cargo e inabilitação a assumir cargo público por até 5 anos.
Em suma, sobre o tema a Constituição de 1988 traz a seguinte disposição legal;
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]
§ 4o – Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
§ 5o – A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.
§ 6o – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. [...]
Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I – a existência da União; II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV – a segurança interna do País; V – a probidade na administração; VI – a lei orçamentária; VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Já houve bastante discussão na doutrina e jurisprudência acerca da aplicação ou não da Lei de Improbidade Administrativa para os agentes políticos, porém o assunto na jurisprudência tornou-se pacífico por meio da Reclamação 2.138 de 2002, onde o Supremo Tribunal Federal julgou por votação apertada (frisa-se), que os agentes políticos estão sujeitos a incidência apenas da Lei de crimes de responsabilidade e os crimes de responsabilidade absorvem os atos de improbidade.
Grande parte da doutrina ainda sustenta entendimento diverso mesmo após a “pacificação jurisprudencial” pelo STF.
2.2 Sujeito Ativo e Passivo
A Lei de Improbidade Administrativa em seu artigo segundo dispõe;
Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.
Nesse sentido se extrai que o sujeito ativo do ato de improbidade administrativa é todo o qualquer agente público, e neste conceito se enquadram os que exercem de forma transitória, com ou sem remuneração posto na administração pública.
Diante da análise deste dispositivo, se observa a grande abrangência da lei quanto ao conceito de seu sujeito ativo.
É importante ressaltar que embora a lei não faça essa ressalva, o entendimento é de que os agentes políticos, tais quais, Presidente da República, Governadores, Prefeitos, Ministros de Estado, Secretários, Ministros e outros, não são sujeitos ativos dos atos de improbidade previsto na Lei 8.429/92 pois responderão por crime de responsabilidade (Lei 1.079/50 e Decreto-Lei 201/67), como já foi dito.
Ainda quanto à figura do sujeito ativo, no artigo 3°, temos ainda o que a doutrina denomina de sujeito ativo impróprio, vejamos: ”Art. 3º As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, aquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta”.
O conceito ora trazido, diz respeito ao terceiro que pode ser beneficiário ou não do ato de improbidade. Observa-se que para ele se enquadrar no conceito basta que ele pratique dolosamente um dos verbos previsto (induzir ou concorrer).
Novamente reiteramos a observação de que é de grande amplitude o conceito de sujeito ativo, principalmente aqui no sujeito impróprio, com a disposição do verbo concorrer, que possui gramaticalmente abrangência significativa.
Vejamos duas decisões nesse sentido;
AGRAVO DE INSTRUMENTO PRELIMINAR - AUSÊNCIA DE CERTIDAO DE INTIMAÇAO DE UM DOS RECORRENTES - REJEITADA - AÇAO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - SUJEITOS ATIVOS IMPRÓPRIOS - DOLO - REQUISITO ESSENCIAL - RECURSO PROVIDO - DECISAO REFORMADA.
1) É aceitável como certidão de intimação da decisão guerreada, a ciência, nos autos, do procurador do recorrente que não foi notificado do ajuizamento da Ação de Improbidade Administrativa, bem como da decisão que indisponibilizou seus bens.
2) Na ação civil pública por ato de improbidade administrativa, os sujeitos ativos impróprios podem ser sancionados pelos atos de improbidade administrativa, desde que, com dolo, induzam, concorram ou se beneficie sob qualquer fundamento do ato praticado pelo sujeito ativo próprio. Inteligência do art. 3º da LIA .
3) A decisão que indisponibiliza bens dos sujeitos ativos impróprios fundamentada no dolo ilícito dos atos dos sujeitos ativos próprios, deve ser reformada, pois não observa o requisito essencial para a responsabilização dos sujeitos ativos impróprios, que é o dolo da conduta.
4) Recurso provido para reformar a decisão no que se refere à indisponibilidade dos bens dos recorrentes. BRASIL. Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Agravo de Instrumento nº 24089003651 ES 24089003651. 3ª Câmara Cível. Data de publicação: 27/08/2008.
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE IMPROBIDADE. AGENTE PARTICULAR.
1. A inexistência de agente público no enredo fático da causa não desqualifica a improbidade do ato, pois a sua configuração exige apenas que ele tenha sido praticado em detrimento da Administração Pública, seja ela federal, estadual ou municipal, ou contra o patrimônio de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido, como nos caso das Universidades Federais, que são mantidas pelos cofres da União.
2. Agravo de instrumento que se nega provimento. BRASIL. TRF-1 - AG: 64574 AC 2005.01.00.064574-7, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL OLINDO MENEZES, Data de Julgamento: 20/02/2006, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: 10/03/2006.
É importante destacar que a responsabilidade do sujeito ativo será sempre subjetiva pois será responsabilizado apenas na comprovação de dolo ou culpa, esta última para os atos que causem lesão ou dano ao erário.
No que tange o sujeito passivo do ato de improbidade, depreendemos pelo artigo 1º da Lei que, são sujeitos passivos, a União, Estado e Municípios, podendo ser da Administração direta ou indireta.
Além destas, pode ser sujeito passivo do ato de improbidade as empresas incorporadas ao patrimônio público ou entidade para cuja criação ou custeio o erário concorra com mais de 50% do patrimônio ou da receita anual ou ainda poderá ser sujeito o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio, nesse último caso a responsabilidade recairá apenas no valor que o cofre público foi lesado.
Vale ressaltar que a doutrina entende que nas entidades de quando no custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio, haverá a imprescritibilidade constitucionalmente assegurada apenas para os danos patrimoniais causados se limitando parte em que o cofre público foi lesado.
2.3 Objeto de proteção
Embora a Constituição Federal e a Lei de improbidade administrativa falem em improbidade, nenhuma das duas conceituou o que seria improbidade administrativa.
Nessa senda, a doutrina tentou conceituar. Diversos autores associam improbidade administrativa a violação da moralidade administrativa, porém outros, com maior precisão, conceituam improbidade como um ato de ofensa aos princípios constitucionais da Administração Pública, tais como legalidade, publicidade, eficiência etc.
Nesse sentido dispõe Decomain (p. 25)
Violações a qualquer dos princípios balizadores da atuação dos agentes do Estado são assimiláveis ao conceito de improbidade administrativa. No particular, considerando os princípios retores da Administração Pública, relacionados no art. 37 da CF/88 , incluindo também o hoje expresso princípio da eficiência, o conceito de improbidade hoje mostra-se muito mais amplo. (...)
Em suma, ofensa aos princípios constitucionais da Administração Pública caracteriza ato de improbidade administrativa.
Para garantir o regular funcionamento da Administração Pública é salutar esta amplitude de proteção.
Vejamos a ementa de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que demonstra um pouco da amplitude de proteção,
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. FRAUDE NO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. ART. 11 DA LEI 8.429/1992. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E DA LEGALIDADE. DESNECESSIDADE DE DANO MATERIAL AO ERÁRIO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO DEMONSTRADA. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ.
1. Hipótese em que o Tribunal local consignou que o ora agravante incidiu em fraude ao caráter competitivo do certame licitatório referente à carta convite 008/2002 e feriu os princípios da legalidade e da moralidade, essencial à atividade administrativa, motivo pelo qual foi enquadrado no art. 11 da Lei 8.429/1992.
2. Não se conhece de Recurso Especial em relação à ofensa ao art. 535 do CPC quando a parte não aponta, de forma clara, o vício em que teria incorrido o acórdão impugnado. Aplicação, por analogia, da Súmula 284/STF.
3. Ademais, ao apreciar o pleito, o Tribunal de origem afirmou, com base no contexto fático-probatório dos autos, que os elementos trazidos aos autos são capazes de "confirmar a participação dos réus no esquema montado a fim de direcionar as licitações com vistas ao fornecimento de unidades móveis de saúde por empresas propositadamente escolhidas", que "o conjunto probatório encartado nos autos confirma, com segurança, a prática de ato de improbidade administrativa pelos recorridos, consistente não somente em enriquecimento ilícito e causar prejuízo ao erário, mas em grave e reiterada violação aos princípios regentes da atividade administrativa, em especial a legalidade e a moralidade" e que "os réus, ora apelados, atuaram em conluio para fraudar o processo licitatório realizado para execução do convênio n° 1550/2002, circunstância essa que faz atrair a incidência, na hipótese, das disposições da Lei n° 8.429/92, mais precisamente o art. 11". A revisão desse entendimento implica reexame de fatos e provas, obstado pelo teor da Súmula 7/STJ. Precedentes: AgRg no AREsp 481.858/BA, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, Dje 2.5.2014; AgRg no REsp 1.419.268/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 14.4.2014; REsp 1.186.435/DF, Rel Ministr Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 29.4.2014.
4. A jurisprudência do STJ, quanto ao resultado do ato, firmou-se no sentido de que se configura ato de improbidade a lesão a princípios administrativos, o que, como regra geral, independe da ocorrência de dano ou lesão ao Erário. Precedente: REsp 1.320.315/DF, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe de 20.11.2013. 5. Agravo Regimental não provido.
BRASIL. STJ - AgRg no AREsp: 575077 TO 2014/0223787-2, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 10/02/2015, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/03/2015.
2.3.1 Moralidade Administrativa
A moralidade consiste no dever jurídico dos agentes públicos de atuar de maneira ética, e é de fulcral relevo no direito administrativo, que a sua não observância acarreta a nulidade do ato.
A Constituição Federal dispõe em diversos artigos acerca da moralidade administrativa, estando inclusive no artigo 5º inciso LXXIII, onde há garantia do cidadão poder propor ação popular por ato lesivo à moralidade administrativa.
Segundo Paiva Martins (p. 31)
Exsurge a moralidade como precedente lógico de toda conduta administrativa, vinculada ou discricionária derivando também às atividades legislativas e jurisdicionais, consistindo no assentamento de que o Estado define o desempenho da função administrativa segundo uma ordem ética acordada com os valores sociais prevalentes e voltada à realização de seus fins, tendo como elementos a honestidade, a boa-fé e a lealdade visando a uma boa administração.
2.3.2 Princípios (Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência)
A palavra princípio advém do latim principium, que significa começo, marco inicial. Os princípios são alicerces do sistema jurídico, os quais estabelecem as suas diretrizes basilares.
As normas do ordenamento jurídico são formadas por regras e princípios. As regras são determinações objetivas positivadas por uma sociedade, enquanto os princípios são normas abstratas, mais gerais, e funcionam segundo Robert Alexy, como “determinação de otimização” no caso concreto.
Uma das distinções mais relevantes entre regras e princípios está na resolução dos conflitos, pois quando há conflito entre regras, este é resolvido pela exclusão de alguma das regras conflitante e aplicação integral da outra; contudo quando há colisão entre princípios deve-se adotar a ponderação entre os mesmos e otimizar os princípios para que pondere o de melhor aplicação no caso concreto, sem necessariamente excluir por inteiro o restante.
Os princípios possuem uma tríplice função, que são: interpretativa, normativa e integrativa. A primeira condiciona a ação do juiz no que tange à aplicação da norma no caso concreto, o qual deverá fazer a exegese da lei sempre em conformidade com os princípios do direito. Já a função normativa diz respeito à força dos princípios no direito, vez que, embora não sejam positivados como as regras, geram direitos e deveres, por serem normas impositivas. Por fim, a função integrativa é a função conferida aos princípios, de suprimirem as omissões da lei, vez que o operador do direito deve suprir as eventuais lacunas legislativas levando em considerações as normas que formam a estrutura do ordenamento jurídico, ou seja, os princípios.
Os princípios apresentam importância fulcral no Direito, e, como Celso Antônio Bandeira de Mello (2000, pg. 748) preleciona a violação a um princípio é a forma mais grave de ilegalidade ou inconstitucionalidade.
Mello esclarece com presteza (2000, pg. 748), “Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos”.
Quanto ao tema desta monografia, não poderia ser diferente, os princípios são fundamentais e base integrante para aplicação, preenchimento de lacunas e exegese. Dentre diversos princípios balizadores, onde incluem-se os implícitos e explícitos, aqui serão abordados apenas os princípios constitucionais explícitos, que regem a administração pública.
O princípio da legalidade determina que a atividade administrativa deve seguir os ditames legais, sob pena de ser ilícita, pela mera ausência de previsão legal no sentido. Diferente do postulado geral do direito privado, onde se é vedado agir contra a lei apenas, no direito administrativo, ramo do direito público, a lei determina exatamente os parâmetros que devem ser seguidos, caso contrário o ato será tido como ilegal. Não se pode atuar nem de forma contra legem e nem praeter legem, ou seja nem contra a lei e nem na ausência de lei.
Nesse sentido José dos Santos Carvalho Filho aduz (p. 20)
Não custa lembrar, por último, que, na teoria do Estado moderno, há duas funções estatais básicas: a de criar a lei (legislação) e a de executar a lei (administração e jurisdição). Esta última pressupõe o exercício da primeira, de modo que só se pode conceber a atividade administrativa diante dos parâmetros já instituídos pela atividade legisferante. Por isso é que administrar é função subjacente à de legislar. O princípio da legalidade denota exatamente essa relação: só é legítima a atividade do administrador público se estiver condizente com o disposto na lei.
Vale ressaltar sobre os atos discricionários, estes possuem uma parte variável, havendo a possibilidade de execução de algumas formas variadas, porém nem estes podem ser executados por ausência de lei e sim devem ser praticados pelo agente analisando conveniência e oportunidade nos limites sombreados da lei, sob pena de anulação por ilegalidade. Sabe-se que o Poder Judiciário, em respeito ao Princípio da Separação de Poderes, em regra, não pode interferir nos atos discricionários, porém haverá permissão de interferência quando estes atos violarem a lei.
Quanto ao princípio administrativo da impessoalidade temos este como a atividade pautada na ausência de discriminações (privilégios ou preterições). Tem-se ainda o repúdio a qualquer ato que atenda a interesse pessoal, tendo em vista que a atividade administrativa sempre deve atender ao interesse público, direto ou indireto, se primário ou secundário.
Carvalho Filho (p. 21) afirma
Como a lei em si mesma deve respeitar a isonomia, porque a isso a Constituição a obriga (art. 5º, caput e inciso I), a função administrativa nela baseada também deverá fazê-lo, sob pena de cometer-se desvio de finalidade, que ocorre quando o administrador se afasta do escopo que lhe deve nortear o comportamento – o interesse público.
Em relação a anulação de atos por violação a princípios, incluindo o da impessoalidade, sentido decidiu o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE AGENTES DE VIGILÂNCIA AMBIENTAL EM SAÚDE. NECESSIDADE DE CONCURSO PÚBLICO. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA IMPESSOALIDADE, DA MORALIDADE E DA ISONOMIA. DECISÃO REFORMADA.
1. A Constituição Federal prevê, no art. 198, §§4º a 6º, processo seletivo específico para a contratação de agentes de saúde de combate às endemias.
2. Embora não se trate especificamente de concurso público, nos moldes do art. 37, inciso II, da CRFB/88 esse tipo de contratação de agente de saúde modo algum é simplificado ou temporário.
3. Recorde-se que o concurso público deve ser a regra, nos termos do art. 37, inciso II, da CRFB/88, enquanto a contratação temporária, exceção - aliás, como dispõe o próprio artigo, no inciso IX.
4. Este Tribunal de Justiça declarou a inconstitucionalidade da Emenda à LODF n.º 53, de 26 de novembro de 2008, que se refere à contratação por meio de processo seletivo simplificado de agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias (ADI 2008.00.2.018840-1).
5. Recurso conhecido e provido.
BRASIL. TJ-DF - AGI: 20140020155208 DF 0015633-94.2014.8.07.0000, Relator: SEBASTIÃO COELHO, Data de Julgamento: 01/10/2014, 5ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 03/10/2014.
O terceiro princípio a ser destacado é o princípio da moralidade administrativa que estabelece que a atividade exercida pelo agente administrativo deve se fixar em parâmetros éticos para que o administrador atua de forma a seguir a lei e a seguir os padrões de ética e moralidade da administração, pois existem casos que mesmo seguindo a lei poderá não se seguir a moralidade, o que deve ser repudiado de acordo com este princípio.
Sobre o princípio da moralidade Carvalho filho (p.23)
A Constituição referiu-se expressamente ao princípio da moralidade no art. 37, caput. Embora o conteúdo da moralidade seja diverso do da legalidade, o fato é que aquele está normalmente associado a este. Em algumas ocasiões, a imoralidade consistirá na ofensa direta à lei e aí violará, ipso facto, o princípio da legalidade. Em outras, residirá no tratamento discriminatório, positivo ou negativo, dispensado ao administrado; nesse caso, vulnerado estará também o princípio da impessoalidade, requisito, em última análise, da legalidade da conduta administrativa.
Como exemplo de prática ilegal, que afronta além do princípio da impessoalidade, o princípio da moralidade, tem-se o nepotismo. Vejamos uma decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema;
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NEPOTISMO. CARGO EM COMISSÃO. CÂMARA MUNICIPAL. FILHA DE VEREADOR. PRESIDENTE. DOLO GENÉRICO CARACTERIZADO. RESTABELECIMENTO DA CONDENAÇÃO DE PRIMEIRO GRAU. ART. 11 DA LEI Nº 8.429 /1992. 1. O nepotismo caracteriza ato de improbidade tipificado no art. 11 da Lei nº 8.429 /1992, sendo atentatório ao princípio administrativo da moralidade. 2. Dolo genérico consistente, no caso em debate, na livre vontade absolutamente consciente dos agentes de praticar e de insistir no ato ímprobo (nepotismo) até data próxima à prolação da sentença. 3. Não incidência da Súmula 7/STJ. 4. Recurso especial conhecido em parte e provido também em parte. BARSIL. Superior Tribunal de Justiça - REsp: 1286631 MG 2011/0132430-3, Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 15/08/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/08/2013.
O nepotismo acarreta e já acarretou muito problema na administração brasileira, pois por muito tempo foi uma prática corriqueira nos diversos setores da administração e não era combatido como deveria. Depois de muitas situações de falta de moralidade administrativa e debates jurídicos, o Supremo Tribunal Federal editou o enunciado vinculante n. 13 que pôs ordem ao assunto. Vejamos o enunciado na íntegra;
Súmula Vinculante n. 13: A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.
Outro princípio administrativo constitucional expresso é o princípio da publicidade. Este afirma indica o dever da administração em divulgar amplamente e com a maior transparência possível os seus atos. Através deste princípio os administrados podem controlar verificando o cumprimento dos demais princípios, daí sua fulcral importância, sem desmerecer os demais.
O princípio da publicidade possui grande abrangência, pois por ele se permite que a sociedade civil participe ativamente do controle da administração pública. É garantido, em regra, a todas pessoas o direito à informação, que abrange receber dos órgãos de caráter público informações de interesse particular ou coletivo.
Dentro ainda do princípio da publicada, o Supremo Tribunal Federal julgou legítima a divulgação nominal dos vencimentos, incluindo gratificações, pagos aos servidores públicos como decorrência lícita daquele princípio. Considerou-se ainda que a Lei de Acesso a Informação (Lei 12.527/2011) vem corroborar esse sentido, de necessidade de transparência cada vez maior para com a sociedade.
A publicidade é tão importante que como efeito direto de sua ausência é possível declarar a invalidade do ato administrativo, pois a maioria dos juristas entendem que a publicidade se encontra no plano de validade do ato.
Vejamos uma decisão no STJ em que a violação do princípio da publicidade caracterizou um ato de improbidade;
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE. NEGATIVA DE FORNECIMENTO, POR PARTE DE EX-PREFEITO MUNICIPAL, DE CÓPIAS DE DOCUMENTOS DA ADMINISTRAÇÃO À ENTÃO VICE-PREFEITA. ELEMENTO SUBJETIVO. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 7/STJ.
1. O Ministério Público do Estado do Mato Grosso ajuizou Ação Civil
Pública por ato de improbidade contra o ex-Prefeito da cidade de Tangará da Serra/MT, alegando, em suma, que a conduta ímproba "consistiu na negativa em fornecer cópias de atos e contratos administrativos requisitados pela então vice-prefeita do município de Tangará da Serra/MT. O mais relevante é que a pretensão da vice-prefeita só foi atendida por força de decisão judicial na via do mandado de segurança" (fl. 588).
2. O Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso entendeu que, no caso, não havia dolo na postura do então Prefeito, conforme as seguintes passagens, a saber (fls. 543-544): a) "Da detida análise dos autos e da verificação da documentação anexada ao feito, verifico que a conduta ímproba - assim entendida pelo parquet – se resume no fato de o apelante não fornecer cópias de documentos solicitados pela então vice-prefeita municipal, tendo esta que impetrar um mandado de segurança para ver seu pedido atendido"; b) "De se anotar que tal conduta do alcaide foi objeto de ação penal que tramitou neste egrégio Tribunal, na qual foi julgada improcedente a denúncia para absolver o apelante do crime tipificado no art. 1º, XIV, do Decreto-Lei n. 201/67, por 02 (duas) vezes c/c o art. 69 do Código Penal, com fundamento no art. 386, VI, do Código de Processo Penal (fls. 360)"; c) "Na ocasião do julgamento da ação penal ficou assentado que inexistiam prova do dolo ou má-fé do apelante, ou seja, absoluta ausência de dolo que levou a improcedência da ação penal"; d) "Pelos fatos narrados, mesmo que o apelante tenha se negado a fornecer cópias de documentos que deveriam ser de conhecimento público, tal fato, por si só, não justifica a punição deste por improbidade administrativa, vez que se encontra ausente o elemento subjetivo, ou seja, não se verifica a culpa, muito menos o dolo. Portanto, não é possível no caso dos a condenação do apelante, nos moldes do artigo 11, da Lei Federal n. 8.429/92, uma vez que inexistente o dolo ou má-fé, o que foi inclusive já reconhecido pelo egrégio Tribunal de Justiça de Mato
Grosso ao analisar uma ação penal sobre os mesmos fatos".
3. Em ato subsequente, o Ministério Público do Estado de Mato Grosso opôs Embargos de Declaração, mas estes foram rejeitados sob o fundamento de que os Embargos não se prestavam à revisão de matéria já apreciada. O Parquet, então, apresentou Recurso Especial sem alegar negativa de vigência ao art. 535 do CPC. Sustentou-a somente quanto aos artigos 11, caput, inciso IV, e 21, inc. I, todos da Lei 8.429/1992.
4. É certo que a negativa em fornecer cópias de documentos públicos a outros agentes públicos e aos cidadãos em geral pode configurar ato de improbidade, porque o princípio da publicidade impõe plena transparência na prática dos atos administrativos. Entretanto, para que seja configurada a improbidade administrativa, é necessário demonstrar o intento de realmente violar o princípio acima, porque o art. 11 da Lei de Improbidade exige dolo para a sua incidência. Ou seja, deve-se evidenciar o intuito de manter encoberto o que devia ser público de forma deliberada. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL Nº 1.478.274 - MT (2013/0236178-9) RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN. Data: 03/03/2015.
Por fim tem-se o princípio da eficiência, onde prevê o dever de bem administrar a coisa pública. O referido princípio foi introduzido, em 1998, pela emenda constitucional n. 19. Para alguns autores bastaria ser um princípio implícito pois seria algo natural de toda e qualquer atividade estatal, porém um nítido descontentamento pela carência de qualidade dos serviços prestados pelo Estado, vieram a dar forma à positivação do princípio.
A partir da implementação expressa deste princípio a Administração pública deve ter como objetivo a implementação de administração gerencial (Public Mnagement) e outros instrumentos para aumentar o desempenho dos serviços e gastos.
O princípio da eficiência também possui vertente de otimizar os recursos que dispõe, ou seja, agindo com produtividade.
2.4 Natureza da ação de improbidade
Após discussões doutrinárias passadas, concluiu-se que a ação de improbidade administrativa possui natureza de ação civil, tendo em vista, além de outras razões, que a Constituição em seu artigo 37, §4º dispõe “sem prejuízo da ação penal cabível”.
Ocorre que quanto aos atos de improbidade, parte da doutrina afirma que estes possuem natureza civil-político-administrativa, devido acarretarem penas de reparação do prejuízo, suspensão dos direitos políticos e perda do cargo.
Ainda quanto a natureza é imperioso aduzir que a ação de improbidade possui natureza coletiva, pois tutela direitos e interesses difusos. Sendo a probidade administrativa um valor que é interesse e direito da coletividade, da mesma forma que o patrimônio público.
Nesse sentido, embora exista previsão expressa na lei de improbidade administrativa sobre a legitimidade do Ministério Público, esta poderia ser depreendida da própria Constituição Federal em seu artigo 129, inciso III, onde prevê como função institucional do Ministério Público, a proteção ao patrimônio público e social, do meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos.
2.5 Espécies de atos de improbidade e suas sanções
Embora observemos que a doutrina majoritária e jurisprudência pátria entendam no ser um rol taxativo, a Lei de Improbidade trouxe três tipos de atos que configuram atos de improbidade administrativa, e deu a cada um deles sanções diferentes. Temos que, quando apenas um ato se enquadra em mais de um artigo (enriquecimento ilícito, dano ao erário ou violação de princípios da Administração Pública) deve-se que enquadrá-lo em um único e no de maior gravidade.
Diante das três modalidades de atos de improbidade o legislador criou um escalonamento de gravidade das sanções e por consequência dos próprios atos sendo: enriquecimento ilícito de alta gravidade, dano ao erário ou violação de média gravidade e de princípios da Administração Pública de menor gravidade.
Vejamos quais os atos de maior gravidade previstos no artigo 9º da LIA;
Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:
I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;
II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado;
III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;
IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;
V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;
VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;
VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;
IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza;
X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;
XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei;
XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.
Entendeu o legislador que os atos acima citados são de maior afronta à moralidade administrativa, devendo portando, a fim de proteger a Administração, ter sanções mais severas.
Nesse caso as sanções são de suspensão dos direitos políticos de 8 a 10 anos, multa civil de até 3 vezes o valor do enriquecimento auferido, além da perda do ilicitamente auferido e proibição e contratar e receber benefícios do Poder Público por 10 anos.
Nos atos que acarretam enriquecimento ilícito se destaca que é necessária a demonstração do elemento volitivo do agente devido apenas se caracterizar por conduta de ação ou omissão dolosa. É importante destacar que ainda que não haja lesividade por ocorrência de dano ao patrimônio público haverá a conduta considerada ato de improbidade.
Quanto aos atos de improbidade que causam prejuízo ao erário, é possível a responsabilização do agente por conduta culposa, sendo este o único que admite responsabilização nesta modalidade, pois os atos previstos nos artigos 9º (atos que geram enriquecimento ilícito) e 11º (atos que violam princípios) apenas admitem a responsabilização por conduta dolosa, como já foi exposto. Vale ressaltar que a admissão de modalidade culposa não deve abarcar todo o qualquer erro do agente público, pois assim estaria se punindo os erros profissionais naturais de qualquer pessoa, portanto deve estar atento para não abarcar erros que estão na margem de trabalho natural e sim responsabilizar por situações em que se observe clara imprudência, negligencia ou imperícia, como deve ser pela modalidade culposa.
Essa questão, da possibilidade de responsabilização por ato culposo nos demais artigos, já foi alvo de discussão na doutrina e jurisprudência pátria, porém o Superior Tribunal de Justiça já decidiu entendendo que é possível admitir culpa apenas pela disposição expressa do legislador, que no caso de atos de improbidade, apenas dispôs no artigo 10, para os atos que causam dano ao erário.
Vejamos os atos considerados de média gravidade previstos no artigo 10 da LIA;
Dos Atos de Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao Erário
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;
IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;
V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;
VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;
VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;
IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;
X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;
XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;
XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;
XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.
XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei;
XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei.
Nos casos acima, as sanções são de suspensão dos direitos políticos de 5 a 8 anos, multa civil de até duas vezes o valor do dano, além da perda do ilicitamente auferido e proibição e contratar e receber benefícios do Poder Público por 5 anos, além de, é claro, o ressarcimento ao erário.
Quando falamos acerca dos atos de violam princípios da Administração temos que este princípio pode estar ou não positivado no caput do artigo 11 da LIA, pois o entendimento é de que a tutela é dos princípios da Administração Pública, sejam eles explícitos ou implícitos. Nesse diapasão é possível responsabilizar agentes públicos que violam princípios como publicidade e eficiência, que não estão expressos na lei porém nitidamente são princípios da Administração tutelados por esta.
Vejamos os atos que violam princípios da Administração de acordo com a LIA;
Dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da Administração Pública
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;
IV - negar publicidade aos atos oficiais;
V - frustrar a licitude de concurso público;
VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.
Nesse caso as sanções são de suspensão dos direitos políticos de 5 a 3 anos, multa civil de até 100 vezes o valor da remuneração do agente, além da proibição e contratar e receber benefícios do Poder Público por 3 anos. Em todos os casos poderá haver perda da função pública.
Quanto à amplitude dos princípios tutelados, há uma crítica no que diz respeito a legalidade pois algumas vezes é possível que haja excesso interpretativo neste artigo, o que pode geara uma insegurança constante nos agentes públicos, pois existem situações que a ausência de seguimento da lei se dá por mero desconhecimento ou gestão insatisfatória sem gravidade que possa macular a dignidade da administração pública. Assim, é necessário que se averigue a gravidade da conduta e a má-fé do agente no caso concreto.
Nesse sentido o Tribunal Regional Federal da Primeira Região,
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MÁ-FÉ OU DOLO DO AGENTE. NÃO CARACTERIZAÇÃO. PREJUÍZO AO ERÁRIO NÃO CONFIGURADO.
1. Os atos que atentem contra os princípios da administração pública, previstos no art. 11 da Lei 8.429/92, devem ser interpretados com temperamento, em razão do seu caráter excessivamente aberto, a fim de que meras irregularidades não sejam consideradas atos ímprobos e sofram as consequências severas da lei.
2. A má-fé é premissa do ato ilegal e ímprobo. Em consequência, a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública pela má-fé do servidor.
3. A atuação dos requeridos, muito embora passível de irregularidades procedimentais, não foi impulsionada pela má-fé, não caracterizando, portanto, ato de improbidade administrativa. BRASIL. Numeração Única: 0007921-02.2006.4.01.3600 AC 2006.36.00.007922-6 / MT; APELAÇÃO CIVEL.
Em igual sentido o Superior Tribunal de Justiça decidiu,
AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DO ADMINISTRADOR PÚBLICO. 1. A Lei 8.429/92 da Ação de Improbidade Administrativa, que explicitou o cânone do art. 37, § 4º da Constituição Federal, teve como escopo impor sanções aos agentes públicos incursos em atos de improbidade nos casos em que: a) importem em enriquecimento ilícito (art. 9º); b) que causem prejuízo ao erário público (art. 10); c) que atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11), aqui também compreendida a lesão à moralidade administrativa. 2. Destarte, para que ocorra o ato de improbidade disciplinado pela referida norma, é mister o alcance de um dos bens jurídicos acima referidos e tutelados pela norma especial. 3. No caso específico do art. 11, é necessária cautela na exegese das regras nele insertas, porquanto sua amplitude constitui risco para o intérprete induzindo-o a acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa, posto ausente a má-fé do administrador público e preservada a moralidade administrativa. 4. In casu, evidencia-se que os atos praticados pelos agentes públicos, consubstanciados na alienação de remédios ao Município vizinho em estado de calamidade, sem prévia autorização legal, descaracterizam a improbidade strictu senso, uma vez que ausentes o enriquecimento ilícito dos agentes municipais e a lesividade ao erário. A conduta fática não configura a improbidade. 5. É que comprovou-se nos autos que os recorrentes, agentes políticos da Prefeitura de Diadema, agiram de boa-fé na tentativa de ajudar o município vizinho de Avanhandava a solucionar um problema iminente de saúde pública gerado por contaminação na merenda escolar, que culminou no surto epidêmico de diarréia na população carente e que o estado de calamidade pública dispensa a prática de formalidades licitatórias que venha a colocar em risco a vida, a integridade das pessoas, bens e serviços, ante o retardamento da prestação necessária. 6. É cediço que a má-fé é premissa do ato ilegal e ímprobo. Consectariamente, a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-fé do administrador. A improbidade administrativa, mais que um ato ilegal, deve traduzir, necessariamente, a falta de boa-fé, a desonestidade, o que não restou comprovado nos autos pelas informações disponíveis no acórdão recorrido, calcadas, inclusive, nas conclusões da Comissão de Inquérito. 7. É de sabença que a alienação da res pública reclama, em regra, licitação, à luz do sistema de imposições legais que condicionam e delimitam a atuação daqueles que lidam com o patrimônio e com o interesse públicos. Todavia, o art. 17, I, b, da lei 8.666/93 dispensa a licitação para a alienação de bens da Administração Pública, quando exsurge o interesse público e desde que haja valoração da oportunidade e conveniência, conceitos estes inerentes ao mérito administrativo, insindicável, portanto, pelo Judiciário. 8. In casu, raciocínio diverso esbarraria no art. 196 da Constituição Federal, que assim dispõe: "A saúde é considerada dever do Estado, o qual deverá garanti-la através do desenvolvimento de políticas sociais e econômicas ou pelo acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.", dispositivo que recebeu como influxo os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), da promoção do bem comum e erradicação de desigualdades e do direito à vida (art. 5º, caput), cânones que remontam às mais antigas Declarações Universais dos Direitos do Homem. 9. A atuação do Ministério Público, pro populo, nas ações difusas, justificam, ao ângulo da lógica jurídica, sua dispensa em suportar os ônus sucumbenciais, acaso não acolhida a ação civil pública. 10. Consectariamente, o Ministério Público não deve ser condenado ao pagamento de honorários advocatícios e despesas processuais, salvo se comprovada má-fé. 11. Recursos especiais providos. BRASIL. (STJ - REsp: 480387 SP 2002/0149825-2, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 16/03/2004, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 24.05.2004 p. 163)
CAPÍTULO II
3 APONTAMENTOS ESPECÍFICOS ACERCA DA LEI DE IMPROBIDADE
3.1 Considerações gerais acerca do procedimento
A ação de improbidade administrativa é uma ação que segue o rito ordinário, previsto no Código de Processo Civil.
Devido o entendimento atual ser de que a ação de improbidade administrativa tem natureza de ação civil púbica, aplica-se a lei 7.347/85, no que não contrariar a LIA.
Vale ressaltar que o reconhecimento da ação como de natureza não-penal acarreta a não aplicação de foro de prerrogativa para os requeridos nestas ações. Portanto, mesmo que a pessoa acusada de ato de improbidade ostente cargo ou função que possua prerrogativa processual aplicável no âmbito penal, aqui ela não será observada, sendo processado e jugado pelo juízo de primeiro grau.
No procedimento da ação de improbidade, primeiramente, na fase de colheita de provas, é possível a instauração de inquérito civil, quando o órgão investigador é o Ministério Público, pois o inquérito civil é instrumento de investigação administrativa exclusivo do Ministério Público. Porém sabe-se que a instauração daquele é facultativa, pois, caso o órgão já possua provas suficientes para embasar a petição inicial, o procedimento poderá ser desnecessário.
Vale ressaltar que a petição inicial deve conter todas as sanções pleiteadas, podendo haver pedido subsidiário e principal, havendo discussão doutrinária se pode ou não o juiz aplicar sanção não requerida pelo autor na inicial. O Superior Tribunal de Justiça (por sua 1ª Turma) se posicionou no sentido de poder e afastou a hipótese de julgamento extra ou ultra petita nesses casos, vejamos a ementa da decisão prolatada,
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO EXTRA OU ULTRA PETITA. RELEVÂNCIA DA QUESTÃO SOCIAL E DO INTERESSE PÚBLICO. ATOS DE IMPROBIDADE. APLICAÇÃO DAS SANÇÕES PREVISTAS NA LEI 8.429/92. IMPRESCINDIBILIDADE DO ELEMENTO SUBJETIVO. ART. 10 DA LIA.CULPA OU DOLO. DESCONSTITUIÇÃO DO JULGADO. AFASTAMENTO DA CONDENAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. Não há falar "em julgamento fora ou além do pedido quando o julgador, em face da relevância da questão social e do interesse público, sujeita, na condenação do responsável por atos de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública, às penas cominadas por lei, como é a hipótese dos autos" (REsp 324.282/MT).
2. É imprescindível o elemento subjetivo para a configuração do ato de improbidade administrativa. No caso específico do art. 10 da Lei 8.429/92, o dano ao erário admite, para a sua consumação, tanto o dolo quanto a culpa.
3. A desconstituição do julgado pela ausência do elemento subjetivo na conduta ímproba não encontra campo na via eleita, dada a necessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório, procedimento de análise próprio das instâncias ordinárias e vedado a este Tribunal Superior, a teor da Súmula 7/STJ.
4. Agravo regimental não provido. BRASIL. (AgRg no REsp 1125634/MA, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/12/2010, DJe 02/02/2011).
Proposta a ação, antes do seu recebimento, o juiz notificará o requerido para no prazo de 15 dias manifestar-se por escrito.
Vale ressaltar que a ausência de notificação para defesa prévia gera a nulidade absoluta e insanável do processo.
Após a análise da defesa preliminar, o juiz realiza o juízo de prévio de admissibilidade, quando exara decisão fundamentada acerca do recebimento ou rejeição da ação de improbidade. Dessa decisão cabe recurso de agravo de instrumento de acordo com o disposto no artigo 17, §10 da LIA.
No caso de recebimento da ação, o juiz determina a citação do requerido com intimação para apresentar contestação, e no caso de rejeição poderá esta ser embasada em análise de mérito ou não. Não haverá análise de mérito quando a rejeição se der por inadequação da via eleita, por exemplo.
A transação, acordo ou conciliação são vedados pela LIA, em seu artigo 17, o que será objeto de estudo mais aprofundado no decorrer desta monografia.
Decorrida e concluída a instrução da ação, o juiz proferirá sentença, que poderá ser de mérito (declaratória, constitutiva ou condenatória) ou sem análise do mérito.
Proferida a sentença pelo juiz, haverá possibilidade de recorrer total ou parcialmente mediante a interposição de recurso de apelação (dotado de efeito suspensivo) em 15 dias.
Não é necessário recolher o preparo no momento da propositura, pois este não é condição sem a qual haverá o processamento do recurso, devido à aplicação nas ações de improbidade do artigo 18 da Lei 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública), sendo as despesas pagas apenas no final, pelo vencido.
Do acórdão proferido pelo órgão de segunda instância aplicam-se igualmente a regra geral, cabendo recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça ou recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, nos casos de cabimento de acordo com os artigo 105, inciso III e 102, inciso III ambos da Constituição Federal.
3.2 Vedação às formas conciliatórias
3.2.1 Artigo 17 §1º da Lei 8.429/92
A lei de ação civil pública expressa que, “Artigo 17. § 1º É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput.”
Em uma análise fria e positivista pode parecer que a vedação supracitada possui caráter absoluto, porém há bastante discussão doutrinária acerca deste dispositivo.
Sabe-se e mostra-se presente cada dia mais que muitas vezes um acordo se mostra mais salutar, pois pulam etapas burocráticas enfrentadas em um processo com todas fases de tramitação, incluindo recursos. Além de se evitar a temida prescrição, no caso em que não ocorre dano ao erário por exemplo.
Este tópico busca demonstrar que algumas situações de improbidade poderiam ser solucionadas por meio extrajudicial (acordo em termo de ajustamento de conduta), pois existem situações mais graves que acordo são aceitos e no que tange improbidade o ordenamento jurídico brasileiro entende por absoluta a vedação.
3.2.2 Acordo de Leniência da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013) e Delação Premiada (Lei 12.850)
A palavra leniência advém do latim lenitate, que significa suavidade, mansidão ou excessiva tolerância.
O acordo de leniência foi introduzido no Brasil sendo importado do sistema norte americano. O referido acordo prevê a possibilidade de ajuste com o infrator para que este participe das investigações colaborando com a mesma para que haja menor dano coletivo posterior, e em troca disto o infrator tem sua punição reduzida ou dependendo da punição, até excluída.
No Brasil, antes da Lei Anticorrupção, tínhamos o acordo de leniência propriamente dito apenas no âmbito da União, no Programa de Leniência da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE), no qual o praticante de infração contra a ordem econômica poderia firmar tal ajuste nos termos da norma regulamentadora reduzindo de um terço a três terços a punição ou até a excluindo.
Em 2013, a lei 12.846 (chamada de Lei Anticorrupção) trouxe em seu artigo 16 e 17 a possibilidade de realização de Acordo de Leniência.
Vejamos:
Art. 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte:
I - a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e
II - a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.
§ 1o O acordo de que trata o caput somente poderá ser celebrado se preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: I - a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito; II - a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração investigada a partir da data de propositura do acordo; III - a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.
§ 2o A celebração do acordo de leniência isentará a pessoa jurídica das sanções previstas no inciso II do art. 6o e no inciso IV do art. 19 e reduzirá em até 2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável.
§ 3o O acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado.
§ 4o O acordo de leniência estipulará as condições necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e o resultado útil do processo.
§ 5o Os efeitos do acordo de leniência serão estendidos às pessoas jurídicas que integram o mesmo grupo econômico, de fato e de direito, desde que firmem o acordo em conjunto, respeitadas as condições nele estabelecidas.
§ 6o A proposta de acordo de leniência somente se tornará pública após a efetivação do respectivo acordo, salvo no interesse das investigações e do processo administrativo.
§ 7oNão importará em reconhecimento da prática do ato ilícito investigado a proposta de acordo de leniência rejeitada.
§ 8oEm caso de descumprimento do acordo de leniência, a pessoa jurídica ficará impedida de celebrar novo acordo pelo prazo de 3 (três) anos contados do conhecimento pela administração pública do referido descumprimento.
§ 9o A celebração do acordo de leniência interrompe o prazo prescricional dos atos ilícitos previstos nesta Lei. § 10.A Controladoria-Geral da União - CGU é o órgão competente para celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo federal, bem como no caso de atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira.
Art. 17.A administração pública poderá também celebrar acordo de leniência com a pessoa jurídica responsável pela prática de ilícitos previstos na Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, com vistas à isenção ou atenuação.
Diante do exposto quer-se frisar que o acordo de leniência, por sua própria nomenclatura, tem natureza de acordo, e versa sobre atos praticados contra a administração pública, de igual maneira aos atos tutelados pela lei de improbidade.
Além disso, saindo da seara administrativa e adentrando no âmbito penal, encontramos na Lei 12.850 (Lei que define as organizações criminosas), a denominada pela doutrina de delação premiada (na lei chamada colaboração premiada).
A delação premiada igualmente possui natureza de acordo, e é realizado pela instituição estatal que visa proteger os interesses da sociedade da melhor forma possível.
Na delação premiada o Estado faz um acordo com o infrator, no caso, teoricamente infrator mais grave, do que quando se fala em acordo de leniência, por estarmos tratando agora da seara penal, que protege ofensas graves a bens jurídicos de extrema relevância. (como dispões o princípio penal da intervenção mínima).
Vejamos um artigo da Lei que disciplina a delação premiada;
Art. 4o O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:
I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.§ 1o Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.
Diante do explanado, quando observamos que a Lei Anticorrupção dispõe da possibilidade de realização de acordo de leniência, e em segundo plano, o direito penal permite acordos e transações, resta mais do que nítido que deve haver semelhante permissão para as ações de improbidade administrativa e não há razão proporcional para a vedação peremptória como apoia a maior parte da doutrina atualmente no Brasil.
Segue para meramente exemplificar, ementa de decisões do Superior Tribunal de Justiça acerca da delação premiada e transação penal;
PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DELAÇÃO PREMIADA. AUSÊNCIA DE EFETIVA COLABORAÇÃO DO ACUSADO. PERDÃO JUDICIAL. ART. 35-B DA LEI N. 8.884/94. ART. 13 DA LEI N. 9.807/99. VAZIO NORMATIVO. AUSÊNCIA DE PONTO DE COINCIDÊNCIA. ANALOGIA. INVIABILIDADE. FUNDAMENTO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA 283/STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. ARESTO PARADIGMA. MESMO TRIBUNAL DE ORIGEM. SOLUÇÃO IDÊNTICA. NÃO CONHECIMENTO.
1. A colaboração efetiva é imprescindível para a concessão do perdão judicial, ainda que sob o jugo da legislação apontada pelo recorrente como de aplicação analógica na espécie (art. 35-B da Lei
n. 8.884/94), vigente à época dos fatos.
2. Por outro lado, a aplicação da benesse, segundo a Lei de Proteção à Testemunha - que expandiu a incidência do instituto para todos os delitos - é ainda mais rigorosa, porquanto a condiciona à efetividade do depoimento, sem descurar da personalidade do agente e da lesividade do fato praticado, a teor do que dispõe o parágrafo único do art. 13 da Lei n. 9.807/99.
3. A Corte de origem, a partir da análise dos elementos probatórios da demanda, concluiu que a colaboração do delator foi prescindível para a elucidação do ato de improbidade, pois a condenação "seria alcançada com a documentação oriunda do Tribunal de Contas do Distrito Federal, mesmo que não houvesse confissão do apelante." (e-STJ fl. 1147). Essa constatação consignada no acórdão recorrido, além de não ter sido impugnada no apelo especial, não poderia ser modificada na instância extraordinária por envolver reexame de provas, o que atrai os óbices das Súmulas 7/STJ e 283/STF.
4. O aresto trazido como paradigma provém do mesmo Tribunal em que prolatado o acórdão hostilizado, o que não caracteriza dissídio pretoriano para o fim de cabimento do apelo nobre pela alínea "c" do
permissivo constitucional. Precedentes.
5. Recurso especial não conhecido.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp 490071 / RN
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
2014/0060857-0 DJe 25/03/2015.
PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART. 7.º, IX, DA LEI N.º 8.137/90. PENA MÍNIMA COMINADA IGUAL A DOIS ANOS. PREVISÃO ALTERNATIVA DE MULTA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. TRANSAÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO.
1. O preceito sancionador do delito descrito no art. 7.º, IX, da Lei n.º 8.137/90 comina pena privativa de liberdade mínima igual a dois anos ou multa.
2. Consistindo a pena de multa na menor sanção penal estabelecida
para a figura típica em apreço, é possível a aplicação dos arts. 76 e 89 da Lei n.º 9.099/95.
3. Recurso ordinário a que se dá provimento, a fim de que o Ministério Público do Estado de São Paulo se manifeste acerca das propostas de transação penal e suspensão condicional do processo, afastado o argumento referente à pena mínima cominada para o referido crime.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RHC 54429 / SP
RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS
2014/0324396-1. DJe 29/04/2015.
3.2.3 Transações no Direito Tributário
Sabe-se que o Direito Tributário é um ramo do Direito Público de importância basilar na estrutura do Estado, pois é através dele que o Estado gera receitas e mantêm sua estrutura.
Deste conceito se depreende a característica fulcral da irrenunciabilidade da competência tributária dada sua importância na permanência e desenvolvimento do Estado.
Aqui a importância de explanar este tema se dá porque mesmo o Direito Tributário e o crédito tributário tendo toda essa rigidez, o Código Tributário Nacional prevê a possibilidade de extinção do crédito tributário pela transação, vejamos;
Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
III - a transação;
Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e conseqüente extinção de crédito tributário.
Como se observa o Direito Tributário não esta imune aos acordos, apenas restringe para que estes sejam realizados nas condições estabelecidas em lei.
Vejamos agora decisões acerca do tema;
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PARCELAMENTO DA DÍVIDA. EXTINÇÃO DO FEITO. IMPOSSIBILIDADE. APELAÇÃO PROVIDA. - Cuida-se de apelação da União interposta contra sentença que extinguiu execução fiscal por entender que o parcelamento da dívida implica transação e constitui causa de extinção do feito sem análise do mérito. - O recurso da UNIÃO (FAZENDA NACIONAL), de fato, merece prosperar. É que o parcelamento informado nos autos não se confunde com transação, uma vez que esta consubstancia uma autocomposição bilateral com vistas ao encerramento de um negócio, por meio de concessões mútuas. O primeiro, por outro lado, constitui simples dilação de prazo para a satisfação da dívida. Nesta situação, portanto, não se há de falar em aplicação, in casu, do art. 269 , III , do CPC , uma vez que as partes, como visto, não transigiram. Na realidade, o parcelamento constitui hipótese suspensiva da exigibilidade do crédito tributário, conforme se depreende do art. 151 , VI , do CTN , não sendo aquele causa extintiva do crédito tributário, até porque as hipóteses extintivas estão taxativamente enumeradas no art. 156 , do CTN , e o parcelamento não foi relacionado neste último dispositivo. Registre-se, por oportuno, que o próprio STJ já reconheceu a existência de diferenças entre o parcelamento e a transação; 4 - Com efeito, não sendo o parcelamento causa extintiva do crédito tributário, não há como subsistir a sentença recorrida; 5 - Precedentes do STJ e desta Corte; 6 - Apelação da UNIÃO (FAZENDA NACIONAL) provida para afastar a extinção do executivo fiscal, reconhecendo-se apenas a suspensão da exigibilidade dos créditos tributários constantes da CDA às fls. 05/35 e, consequentemente, da execução, enquanto perdurar o parcelamento. BRASIL. Tribunal Regional Federal da 5ª região - AC Apelação Cível AC 9842720134059999 (TRF-5) Data de publicação: 23/05/2013.
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACORDO JUDICIAL. INCIDÊNCIA DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO DE LEI E DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADAS. CONSEQÜÊNCIA. A celebração de acordo trabalhista restrito às verbas indenizatórias não gera direito ao INSS de exigir a incidência de contribuição previdenciária sobre qualquer valor da transação, vez que as parcelas objeto da avença integram o pedido inicial. Ademais, a verba intitulada indenização estabilitária tem natureza indenizatória, visto que derivada da despedida de empregado que ainda detinha período de garantia de estabilidade provisória, decorrente de acidente de trabalho por ele sofrido. Necessário esclarecer, ainda, que a obrigação tributária contemplativa do direito do INSS ao recebimento da contribuição previdenciária surge com a decisão judicial homologatória do acordo. Antes, há mera expectativa de direito para o INSS, já que não consumada nenhuma das hipóteses de incidência do tributo. Se não há ainda o direito do INSS de receber tal contribuição, já que ainda não surgida a obrigação tributária, a transação efetuada pelas partes não atinge direitos da autarquia; por conseguinte, impróprio impingir-lhe a pecha da fraude. Nessa óptica, o acórdão recorrido dimanou de interpretação razoável das normas pertinentes à situação fática submetida ao crivo judicial, sem violação de literalidade dos dispositivos legais indigitados, não ensejando, por conseguinte, a admissibilidade do recurso de revista com base na alínea c do art. 896 da CLT , inteligência da Súmula 221/TST. Desta forma, não atendidos os pressupostos intrínsecos de admissibilidade de recurso principal, o agravo se torna inócuo, merecendo ser desprovido. Agravo conhecido e não provido. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA AIRR 191406520055040662 19140-65.2005.5.04.0662 Data de publicação: 19/12/2006.
3.2.4 Compatibilidade do Termo de Ajustamento de Conduta da Ação de Improbidade com a Lei Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010)
Devido algumas vozes contrárias argumentar contra a possibilidade de realização de TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) trazendo como argumento a inviabilidade da aplicação efetiva da Lei conhecida como Ficha Limpa, que alterou a Lei Complementar 64/90 (Lei de Inelegibilidade), esse argumento não merece prosperar tendo em vista que as punições de inelegibilidade trazidas pela referida lei não são aplicáveis para toda e qualquer condenação em ato de improbidade, logo com ou sem a realização de TAC, não iria ser aplicada em muitos casos, as sanções específicas da Lei Complementar 135.
Sendo assim, tem-se que grande parte das ações de improbidade movidas são de menor gravidade (por conduta não dolosa, ou com imposição apenas de multa) o que não impediria a realização do salutar instituto do TAC.
3.3 Críticas Gerais
3.3.1 Fase Preliminar
Parte dos juristas fazem crítica ao procedimento de manifestação prévia do requerido, previsto no artigo 17 §7º, e introduzido no ano de 2001 pela Medida Provisória 2.225-45, alegando que tal procedimento reduz a celeridade e é desnecessário tendo em vista haver o prazo para contestação, assim aduz Decomain (p.297) “ Nessa perspectiva, o que previsto pela Medida Provisória 2.225-45/01 acaba sendo um eventual entrave ao combate a atos dessa índole, que ao inverso, se desejaria que fosse célere.”
Afirmam ainda que sua retirada não causaria dano ao contraditório, pois continuaria havendo o controle prévio de admissibilidade da demanda pelo juiz. Além de que a morosidade é altamente prejudicial tendo em vista ainda que poderá acarretar em prazos longos, por exemplo em litisconsórcio com procuradores diferentes, pela aplicação do 191 do Código de Processo Civil, onde a regra é que tenham prazo em dobro para “falar nos autos”.
Porém, outro número de jurista entende ser necessária a manifestação prévia, sob pena de violação ao direito ao contraditório, além de conferir maior proteção aos agentes probos, que muitas vezes a mera existência de eventual ação infundada lhes causaria grande dano.
Dentre os juristas que defendem a existência da fase preliminar da ação de improbidade, está Alexandre Freitas Câmara, que fundamenta sua defesa pela necessidade de haver elementos probatórios suficientes para o recebimento e para caso chegue na instrução haver fundamento bastante para tanto.
O autor afirma que esta fase é necessária porém quanto aos efeitos da decisão que não rejeita a ação, faz ressalvas de que esta decisão não pode produzir coisa julgada material, pois deve-se ter como base interpretativa que a ação de improbidade é uma ação coletiva e como as demais, nesse caso, deve ser possível propor novamente ação em se tratando de juntada de novas provas.
3.3.2 Aos conceitos jurídicos indeterminados
Como já citado anteriormente a falta de conceituação na norma legal acerca do que se enquadra como ato de improbidade e sua consequente abertura conceitual possibilita um grande grau de insegurança jurídica.
A adoção de conceitos jurídicos indeterminados tem sua vantagem pois, não engessa o direito, dando a flexibilidade necessária para adaptações da sociedade porém, muitas vezes é possível ser maléfica, quando usa-se de forma incorreta, utilizando por exemplo, em ações para guerra política ou exposição midiática.
3.3.3 Crítica à vedação absoluta às transações acordos e conciliações na LIA
Primeiramente mostra-se totalmente compreensível tal disposição, pois o Direito Administrativo e os bens públicos são norteados pelo princípio da indisponibilidade do interesse público, porém, ocorre que, tornar essa premissa uma premissa absoluta acaba por prejudica e não beneficiar sempre o patrimônio público.
Como já fora citado, a lei é bastante aberta e com conceitos jurídicos indeterminados, o que muitas vezes possibilita escusas no cumprimento dela. Assim ações passam um longo período tramitando e gera uma sensação de impunidade tanto para o agente ímprobo quanto para a sociedade, principalmente para esta inclusive. Muitas vezes seria mais salutar punir o agente fazendo acordos certos de cumprimento imediato ou determinado, do que discursar que deve ser a pena mais severa vedando-se toda e qualquer forma de acordo e estar “a mercê do tempo” e dos infortúnios, como a prescrição por exemplo.
CAPÍTULO III
4 TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA
4.1 Considerações gerais
O Termo de Ajustamento de Conduta – TAC, também chamado de Compromisso de Ajustamento de Conduta é um instrumento processual de resolução extrajudicial de conflitos, que deve ser escrito, mediante termo, e teve positivação primária no Estatuto da Criança e Adolescente, em 1990.
Vejamos o artigo 211 do ECA; “Art. 211. Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, o qual terá eficácia de título executivo extrajudicial.”
Em seguida, a lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) também, trouxe a disposição legal em seu artigo 113 para acrescentar ao texto original da Lei 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública), que não continha previsão do TAC, o parágrafo 6º no artigo 5º, que dispõe: “§ 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”.
Pode ser objeto do TAC tanto direitos e interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos.
São órgãos públicos legitimados a assinar TAC, os mesmos legitimados para ajuizar a ação civil pública, ou seja, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados e Distrito Federal, os Municípios, as autarquias e as fundações públicas, de acordo com a lei n. 7.347/85.
Nos Termos de Ajustamento de Conduta é dispensada a homologação pelo juiz e são dotados de força executiva em caso de descumprimento, são títulos executivos extrajudiciais.
No âmbito dos Ministérios Públicos os TACS são possuem controle, no âmbito estadual, em regra, pelos Conselhos Superiores do Ministério Público; enquanto no Ministério Público da União o controle se dá pelas Câmaras de Coordenação e Revisão.
Sobre o TAC aduz Gavronski (p. 382);
Não há, no compromisso de ajustamento de conduta, “concessões mútuas” como previsto na transação (art. 840, CC/2002), mas um acordo sobre a concretização dos direitos e interesses coletivos envolvidos para a definição das condições de cumprimento da obrigação. Não se concede parte do direito, como ocorre de ordinário na transação, mas se pactua determinada interpretação, que, como é natural, os envolvidos avançam e cedem em suas posições originais. Ademais, seu objeto não se restringe a direitos patrimoniais de caráter privado como dispõe o art. 841 do Código Civil acerca da transação. (grifo nosso)
Quanto à características no TAC tem-se que não é necessário testemunhas instrumentárias.
O TAC pode versar sobre a totalidade do assunto tratado ou ainda pode ser apenas parcial, versando apenas sobre parte do tema, nesse caso ele desobrigará em partes e impedirá na parte que ele dispuser sobre, a ação civil.
4.2 Natureza jurídica
Embora haja discussão doutrinária e consequente ausência de unanimidade acerca da natureza jurídica do TAC, para a doutrinária majoritária, seguida por José dos Santos Carvalho Filho, Marcelo Abelha Rodrigues e outros, a natureza jurídica do TAC é de ato jurídico unilateral quanto a questão da vontade manifestada e ato bilateral para sua formalização, pois há necessidade da intervenção do órgão público e do promitente.
Nesse diapasão, há autores, em uma doutrina minoritária, como Emerson Garcia, que entendem que o TAC não possui natureza de acordo, transação ou conciliação. E afirma inclusive, que por isto ele não estaria vedado na Lei de Improbidade Administrativa.
Mancuso (p. 330)
O compromisso reconhece uma situação de ilegalidade oriunda da vulneração de interesse difuso ou coletivo e que, por esse motivo, não há outra alternativa senão a de restaurar totalmente a ilegalidade, fazendo cessar por inteiro a conduta ofensiva.
A transação possível é aquela que possa ser feita ao pressuposto de que o interesse metaindividual venha resguardado em sua parte nuclear e substancial, ou seja: que o resultado prático alcançado com o cumprimento do ajustamento de conduta coincida ou fique o mais próximo possível daquele que seria obtido com a execução forçada do julgado. (grifo nosso)
Vale ressaltar que o TAC não foi uma importação estrangeira pois não há semelhança com institutos estrangeiros, diferente do que ocorreu com a transação penal, importada do direito norte-americano, por exemplo.
4.3 Momento de celebração
4.3.1 Extrajudicial (Pré-processual)
O TAC poderá ser celebrado na fase pré processual, ou seja, antes da propositura da ação, no âmbito de inquérito civil quando falamos do Ministério Público, ou outro procedimento de apuração se for no âmbito de outro órgão público.
Quando fala-se em ação de improbidade administrativa, pequena parte da doutrina sustenta a possibilidade da realização do Termo de Ajustamento de Conduta na fase pré processual. Entendem que a vedação prevista na LIA, se prefere restritivamente apenas às ações em curso, ou seja a vedação seria apenas na fase judicial.
Nesse caso o TAC será considerado um título executivo extrajudicial e seu eventual descumprimento acarretará execução própria disciplina do CPC em seu Livro II.
4.3.2 Judicial (Processual)
O TAC será judicial quando a celebração se der no curso da ação, ocorrendo perante o órgão judicial, na audiência, por exemplo. Nesta situação ele será judicial, porém em ambos os casos (processual ou pré-processual) o compromisso terá autonomia e o processo será extinto sem resolução do mérito.
Vale ressaltar que nesse caso, o TAC será um título executivo judicial, conforme dispõe o artigo 475-N em seu inciso V do Código de Processo Civil.
Esta monografia não tem o escopo de defender a realização de TAC em um determinado momento (judicial ou extrajudicial), como dito acima, que parte da doutrina defende, pois aqui se defende que para maior ganho deve-se poder realizá-lo em todo e qualquer momento dependendo apenas da gravidade do ato discutido e é claro da reparação acordada.
4.4 Execução
No caso de descumprimento, a execução do TAC se dará na imposição de multa com natureza de astreinte que tem como objetivo principal forçar ao cumprimento. Essa multa normalmente já está prevista no termo, e além dela o termo poderá fixar obrigação específica, podendo contar obrigação líquida e certa.
No âmbito do Ministério Público, após o cumprimento do TAC inquérito civil será arquivado mediante homologação obrigatória do Conselho Superior do Ministério Público , conforme explicita a Lei de Ação Civil Pública.
4.5 Visão moderna acerca de meios alternativos de resolução de conflitos
Cada vez mais o Direito caminha para a resolução consensual dos conflitos, por exemplo, no processo do trabalho, que vige o Princípio da Irrenunciabilidade dos Direitos Trabalhistas o acordo ainda é a forma mais utilizada de realização da justiça. No processo civil, existe a obrigatoriedade de tentativa de conciliação.
No Direito moderno não se pode advogar por existir direitos absolutos, situação em que se deve sempre realizar a ponderação e mitigações pelas necessidades sociais desbravadas.
A tutela extraprocessual coletiva e seus instrumentos são voltadas a garantir maior efetividade aos direitos com celeridade e baixo custo. Nesse sentido temos o princípio da máxima efetividade possível que segundo Alexandre Gavronski (p. 276)
Dessume-se, de tudo, que efetividade da tutela coletiva é tanto a realização material dos direitos e interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, quanto a realização material das atividades que se destinam a garantir essa efetividade. Assim, é efetivo o direito ou interesse que é observado, atendido, implementado; como é efetiva a atividade destinada a assegurá-los quando alcança esse desiderato, não o sendo a decisão judicial, a ordem administrativa, a recomendação, o compromisso de ajustamento de conduta. (…)
Como corolário desse princípio, devem-se interpretar ampliativamente todos os instrumentos extraprocessuais.
Aduz ainda (p. 294)
O sistema jurídico de tutela coletiva no Brasil, em sua perspectiva dinâmica, é dual, contemplando a via processual e extraprocessual, e que há entre ambas uma complementariedade que deve ser assimilada pelos legitimados para que sua efetividade seja potencializada.
No âmbito administrativo não é diferente conforme dispõe Moreira Neto (p. 318)
O direito Administrativo do século XXI não abdica , nem abdicará, das normas premiais, sancionatórias e, com força crescente , das normas consensuais. São faces de uma realidade unitária.
O Direito que regula a Administração Pública, formal e materialmente considerada, carece de normas que incentivem, através de prêmios, os particulares à realização de determinados comportamentos. De igual modo, esse ramo jurídico necessita da força do consenso. Os acordos, a participação dos cidadãos, a administração consensual dos interesses públicos, tudo isso integra a nova realidade e o panorama do Direito Administrativo dese século. Porém, ao lado dessas normas premiais e consensuais, pensamos que persistem, fortes e revigoradas, as normas sancionatórias. Sem essa perspectiva sancionatória, muitos acordos não se celebrariam. Um acordo é mais facilmente travado ante a perspectiva de sancionamento de condutas reprováveis, porque uma das premissas que estimulam o consenso é a busca da mitigação ou eliminação dos possíveis prejuízos advindos da não celebração dos acordos. (grifo nosso)
Sobre a evolução das resoluções conciliativas nas ações potencialmente judiciais ou judiciais, é notadamente um caminhar de todo o sistema jurídico nos seus diversos âmbitos de atuação e diversas formas aplicáveis a cada.
Não é por outro motivo que como já fora dito o CPC prevê a obrigatoriedade na tentativa de conciliação. E inclusive o Novo Código de Processo Civil, dedica uma seção inteira (Seção V - Dos Conciliadores e Mediadores Judiciais) ao assunto mediação e conciliação.
No novo CPC, além da referida seção, em seu artigo 2º (No capítulo de normas fundamentais) já demonstra grande preocupação no estímulo à mediação, vejamos ipsis litteris ;
Art. 2o § 3o A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
Podemos observar mais ainda essa diretriz no Novo Código de Processo Civil, em seu artigo 190 e 191, quando trouxe a figura do negócio jurídico processual. Ou seja, trouxe a possibilidade das partes antes, ou durante o processo, quando o litígio versar sobre direitos disponíveis, transigirem acerca de parte do procedimento judicial, como a consensual forma de produção ou dispensa das provas, renúncia/ dilação/ redução de prazos, escolha de peritos, julgamento antecipado da lide convencional, saneamento do processo e a elaboração de um completo calendário processual adaptado ao caso concreto.
O Novo CPC trouxe este instituto, por caminhar no sentido da primazia dos valores da autonomia da vontade e do princípio da adaptabilidade, além de tentar garantir maior celeridade processual e conseqüente efetividade das medidas. Sabe-se que aqui estamos falando de ações de Direito Privado, porém o instituto do negócio jurídico processual faz parte do Direito Processual que é um ramo do Direito Público, ou seja a teoria moderna do Direito tende a flexibilizar institutos além de estimular sempre aos acordos.
CAPÍTULO IV
5 MAIOR EFETIVIDADE DA LEI DE IMPROBIDADE MEDIANTE A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO TAC
5.1 “Crise” do Poder Judiciário
Pelo que se observa superficialmente, o Poder Judiciário na sociedade ainda hoje, possui um grande prestígio quando comparado com os demais poderes.
O histórico e crescente direito do acesso à justiça possibilitou e possibilita a tutela de diversos direitos antes desconhecidos por parte da população, ocorre que por causas internas ou externas o Poder Judiciário está cada vez mais sobrecarregado e por consequência disso, moroso. A demora na resolução dos conflitos, de qualquer espécie, não permite a efetivação da justiça, pois justiça tardia na maioria das vezes não é justiça plena.
Cada dia mais se entende pela necessidade do direito de ação e o acesso à justiça de se dar de forma célere, como direito à proteção jurisdicional tempestiva. Nesse contexto, a Emenda Constitucional n. 45/2004, inseriu no rol dos direitos fundamentais (artigo 5º inciso LXXVIII) o direito à duração razoável do processo, que abrange processos de toda e qualquer natureza. Por ser um direito fundamental cabe ao Estado promover e promover por meio de leis, políticas públicas e de seus agentes públicos, tais como juízes, promotores, procuradores e administradores.
Nesse sentido, por este e outros motivos, vem crescendo os meios alternativos de resolução dos conflitos, seja no âmbito cível (arbitragem, mediação, conciliação simples), empresarial e até no âmbito penal, no que diz respeito às transações penais.
5.2 Doutrina e jurisprudência tradicional sobre o artigo 17, 1º da Lei 8.429/92
A maior parte da doutrina possui entendimento de que não é possível a nenhuma forma de conciliação, transação ou acordo tanto na fase de inquérito quanto no momento posterior à propositura da ação de improbidade, por fazer, a meu ver, uma análise positivista e legalista do artigo 17 1º da LIA e uma análise estática e superficial do princípio da indisponibilidade do interesse público.
Pazzaglini (p. 205) afirma que
Vislumbra-se, como exceção, uma única situação em que a transação, em caso de improbidade administrativa, poderia ser realizada, ou seja, quando o autor da ação (Ministério Público ou Pessoa Jurídica Lesada) tão somente postular, no caso de ato de improbidade administrativa que importa em enriquecimento ilícito, a restituição integral do acréscimo patrimonial indevido, e, na hipótese de ato de improbidade administrativa lesivo ao Erário, a reparação total da lesão patrimonial.
Uma pequena parte da doutrina, como já foi explanado no capítulo anterior, defende que a lei (artigo 17, §1º, da LIA) veda tão somente acordo, conciliação e transação nas ações, ou seja, vedaria o TAC judicial apenas, porém aqui entende-se que esta discussão não é eficaz o suficiente e sim deve-se ir além desse entendimento, pois deve-se permitir o TAC independente do momento de celebração para sim poder solucionar os conflitos e trazer soluções práticas de forma célere e homogênea.
Existe alguns pouquíssimos juristas que já entendem e defendem a mudança de entendimento e da lei, para no sentido desta monografia dar a possibilidade de realização de TAC nas situaçoes em que o interesse público assim necessitar.
5.3 Discussão sobre a eficácia na aplicação do TAC em ações de improbidade
Princípio da realidade, trazido como um princípio geral do Direito pelo doutrinador Diogo Moreira Neto, dispõe que (p. 84)
O Direito Público, em especial, não se pode perder em formulações quiméricas e pretensões impossíveis, porque estaria fugindo ademais, à sua finalidade, pois sob o princípio da realidade, os comandos da Administração, sejam abstratos ou concretos, devem ter condições objetivas de serem efetivamente cumpridos em favor da sociedade a que se destinam. A desatenção a este princípio não só compromete a norma ou o ato irreal, como se comunica a todo o direito, pois as concessões à irrealidade levam ao descumprimento habitual, ao desprestígio da autoridade constituída e à banalização da lei e daí, como adverte Agustín Godillo, à desmoralização de todo o sistema.
5.3.1 Princípio da Indisponibilidade do interesse público X Garantia da efetividade da justiça
Um dos pilares do Direito Administrativo é princípio da indisponibilidade do interesse público pois como se sabe, o Estado é mero administrador da coisa pública, não detendo por isso, o poder de dispor de algo que não é seu. Nesse sentido são vedadas condutas que injustificadamente acarretem renúncia de direitos do Estado ou onerem a sociedade.
No princípio da indisponibilidade do interesse público. Nesse sentido, Moreira Neto (p. 90)
Distinguem-se, todavia, dois graus de interesse público: o substantivo, que diz respeito aos fins, visados pela administração, e o adjetivo, que diz respeito aos meios disponíveis para atingi-lo, sendo que apenas o substantivo é indispensável. (grifo nosso)
(Grovronski p. 400)
Não há, pois, verdadeira disposição ou disponibilidade sobre direitos e interesses coletivos na disciplina construída consensualmente entre aqueles que foram, por lei, legitimados para a defesa desses direitos e interesses e aqueles que devem implementá-los. Há aí concretização de direito, e não disposição. (grifo nosso)
Como dispõe o autor, muitas vezes não há disposição sobre direitos e sim concretização de direitos. Nesse sentido se põe em confronto o aparente princípio da indisponibilidade do interesse público com a garantia da efetividade da justiça, pois nem sempre o primeiro garante o segundo e como se sabe o Direito prima pela justiça e todas suas normas devem garantir efetividade.
Como se observa, embora seja inegável a intenção notória do legislador em proteger ao máximo os direitos e interesses públicos protegidos pela Lei de Improbidade Administrativa, nota-se que alguns institutos da mesma podem e devem ser aperfeiçoados para que assim posa haver um avanço em compasso com o avanço e exigências dos problemas sociais que existem. Como já foi dito, o Poder Judiciário encontra-se cada dia com maior numero de processos e por consequência mais moroso. As causas sociais devido a complexidade do direito e dos instrumentos posto em disposição como recursos também colaboram para menor celeridade. Assim, tem-se que muitas vezes os meios alternativos de resolução de conflito são claramente mais efetivos para o objetivo desejado.
5.3.2 Papel do TAC e do Ministério Público
O Termo de Ajustamento de Conduta tem função de cessar o dano, reparar o dano e prevenir posteriores danos, pois terceiros observam o ajustamento de conduta não como algo “fácil” e benéfico ao infrator e sim com a postura de imediato cumprimento da lei, sujeitando-se a obrigações em caso de inadimplemento do acordo sob pena de execução forçada.
O Ministério Público, por mandamento constitucional, é a instituição permanente e indispensável à administração da justiça e possui o papel, dentre outros, de proteger o patrimônio público e social, conforme dispõe o artigo 129 inciso III, da Constituição Federal;
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
Nesse sentido e daí se depreende o poder-dever e legitimidade que possui o Ministério Público em combater os atos de improbidade administrativa previstos na LIA.
O enunciado sumular número 329 do Supremo Tribunal Federal dispõe: “O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público. Ou seja, ele reforma o poder-dever do papel do Ministério Público em proteger o patrimônio público”.
Na doutrina existem juristas que defendem a impossibilidade do Ministério Público em tutelar direito patrimonial de entidades públicas, pois alegam que existe vedação constitucional daquele em atuar como representante judicial de entidades públicas, porém, sabe-se que esta vedação legal remonta a atos da histórica época que o Ministério Público era atrelado ao Poder Judiciário na Constituição de 1967 e vinculado ao Poder Executivo na Emenda Constitucional em 1969, o que se sabe que atualmente não existe mais, pois o MP possui independência e não é instituição vinculada a poder algum, o que muitos chamam inclusive de “Quarto Poder”, embora tecnicamente não seja. O Ministério Público é uma instituição de Função Essencial à Justiça, assim prevista na nossa Magna Carta.
Nesse sentido observa-se que a legitimidade do Ministério Público abrange tão situação vez que ele estará tutelando direito patrimonial da coletividade portanto agindo em prol da coletividade e não exclusivamente da entidade pública e muito menos de seus agentes.
Goulart p.27, esclarece e afirma a necessidade de um Ministério Público resolutivo que leve às últimas consequências o princípio da autonomia funcional. Um Ministério Público resolutivo consiste em uma instituição que busque como prioridade a solução dos conflitos de forma extrajudicial. Ou seja, um Ministério Público de menor litigiosidade e maior efetivação de direitos. Nesse sentido o Ministério Público atua de forma positiva e visando sempre a concretização de suas atribuições na defesa da sociedade.
O Ministério Público resolutivo se contrapõe ao Ministério Público demandista, o qual visa apenas propor ao Poder Judiciário o conflito sem buscar soluções extrajudiciais mais efetivas.
Destaca-se que atualmente a tendência dos juristas é em fortalecer o perfil resolutivo do Ministério Público, justamente se coadunando a crescente prioridade pela resolução extrajudicial dos conflitos os quais garantam efetivação dos direitos envolvidos.
Por fim, após os debates aqui expostos sobre a Lei de improbidade administrativa, o Termo de ajustamento de Conduta, o Ministério Público e o problema na impunidade, morosidade e falta de efetividade de certas sanções na seara judicial, o presente trabalho vem propor como forma de melhorar o sistema, a aplicação do TAC em qualquer momento para atos de improbidade de menor gravidade e com controle do Ministério Público, se celebrado por outro agente legitimado, para garantir que não se maculará o interesse público e sim que será salutar. Entende-se que o Ministério Público é figura essencial devido os argumentos da expostos, por sua atribuição institucional e sua posição no ordenamento jurídico como fiscal da lei e garantidor dos direitos coletivos lato sensu.
CONCLUSÃO
Observa-se que há situações em que a elaboração de um Termo de Ajustamento de Conduta pode ser mais eficaz do que o ajuizamento da ação de improbidade, portanto conclui-se que é possível em alguns casos, menos graves, onde possivelmente não será aplicada a penas tão graves, além das penas patrimoniais, a utilização daquele.
Da forma proposta, a utilização do TAC em ações de improbidade não violarão a indisponibilidade do interesse público, pois a proposta é que haja sempre o ressarcimento integral do dano no mínimo. Outra vantagem da adoção do instituto é o desafogamento do judiciário e a celeridade na resposta da “punição” tanto para a pessoa infratora quanto para a sociedade.
A observação da eficácia do TAC se dá pela maior celeridade e certeza da “punição” aplicada e consequentemente menor impunidade. O TAC se mostra um instrumento inovador e eficaz, havendo grande aplicação na seara do direito ambiental e do consumidor. No Direito Administrativo foi demonstrado também, que sua aplicação é possível e não prejudica o devido processo legal e nem inutiliza as sanções oriundas da Lei Complementar 135/2010 (Ficha Limpa).
Mostrou-se também que a aceitação das diversas formas de “acordos” estão nas mudanças salutares do ordenamento jurídico, como por exemplo, na seara de maior gravidade a violação: o Direito Penal. Na colaboração premiada, transação penal e no acordo de leniência, este último na “Lei Anti-corrupção” temos a aplicação de institutos que possuem natureza de acordo ou transação.
Considerando o caráter dinâmico das relações e necessidades sociais, o direito deve estar lado a lado com estes se aperfeiçoando para garantir cada vez mais justiça. E a vedação absoluta as formas consensuais de resolução de conflitos caminha em sentido contrário à evolução do Direito Processual Moderno além de não ser compatível para combater a atual situação de impunidade e não atender à resposta social necessária no combate à corrupção.
Conclui-se, portanto, que a aceitação de TAC nos casos de improbidade não causa mácula ao princípio da indisponibilidade do interesse público e sim busca por garantir de forma mais efetiva esse interesse, pois o Ministério Público deve proteger o patrimônio público da maneira mais efetiva considerando sempre o caso concreto.
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