3. DO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO REFORMATIO IN PEJUS
3.1. Elementos propedêuticos
Inicialmente, é de suma importância trazer à baila as lições de José Carlos Barbosa Moreira 44 no que tange à aparição da proibição da reformatio in pejus no ordenamento jurídico brasileiro:
A tradição jurídica luso-brasileira, até certa fase, jungida ao princípio da communio remedii, era favorável à possibilidade da reformatio in peius. Ainda sob o Código de 1939 – cujo texto, com o do atual, era omisso a respeito – opinião muito autorizada considerava-a lícita, em certa medida, no julgamento da apelação. Prevaleceu, no entanto, a tese contrária, com apoio em argumentos de ordem exegética e de ordem sistemática.
Ainda, sobre esse enfoque, disserta José Cretella Neto 45:
A proibição à reformatio in peius é realmente recente em nosso direito. A tradição jurídica brasileira pauta-se, até certa época, pelo princípio da communio remedii, que permitia a piora na situação do recorrente. Ainda sob o regime do CPC de 1939 a tese era defendida por parte da doutrina, embora se tenha consolidado a tese contrária, tanto na doutrina quanto na jurisprudência.
Embora o Código de 1973 não seja explícito a respeito, a vedação à reformatio in peius fica evidente da inteligência do caput do art. 515: uma vez que a impugnação somente atinge parte da sentença, excluída estará a competência do órgão ad quem para as outras partes ou a outra parte da sentença (vigora a regra tantum appelatum quantum devolutum); (...)
Não se deveria esquecer, neste momento, do magistério singular de Nelson Nery Junior 46:
Em nosso direito positivo não há regra explícita a respeito da proibição da reformatio in pejus. Essa proibição, que entre nós efetivamente existe, é extraída do sistema, mais precisamente da conjugação do princípio dispositivo, da sucumbência como requisito de admissibilidade e, finalmente, do efeito devolutivo do recurso.
Assim, é que a idéia preconizada no princípio da proibição reformatio in pejus paira no sentido no sentido de não ser possível e lícito ao tribunal ad quem, quando do julgamento do recurso, agravar a situação do recorrente quanto à matéria que não foi objeto do recurso, vale dizer, não impugnada. Logo, trata-se de uma limitação ao âmbito de atuação do tribunal.
Nessa esteira, têm-se os ensinamentos de Nelson Nery Junior 47:
Também chamado de "princípio do efeito devolutivo" de "princípio de defesa da coisa julgada parcial", a proibição da reformatio in pejus tem por objetivo evitar que o tribunal destinatário do recurso possa decidir de modo a piorar a situação do recorrente, ou porque extrapole o âmbito de devolutividade fixado com a interposição do recurso, ou, ainda, em virtude de não haver recurso da parte contrária.
Denota, pois, que essa proibição da reformatio in pejus é uma decorrência lógica e necessária do princípio dispositivo e, conseqüentemente, do efeito devolutivo que se aplica às espécies recursais.
Nesse sentido, discorre Cândido Rangel Dinamarco 48:
(...) assim como não pode o juiz julgar extra vel ultra petita, nem impor ao autor uma solução não demandada pela parte contrária nem por ele próprio, também não pode o tribunal exceder os limites da matéria impugnada, ou voltar-se contra quem lhe demandara o reexame de uma decisão desfavorável (reformatio in pejus).
Assim sendo, infere-se que, havendo recurso de ambas as partes – na hipótese de sucumbência recíproca – tanto em sua forma independente, quanto na sua modalidade adesiva, é perfeitamente possível ao tribunal destinatário do recurso agravar a situação de qualquer um dos recorrentes, porquanto encontrará respaldo nos argumentos no recurso manejado pela parte contrária.
Bastante salutares, por ora, são os ensinamentos de José Carlos Barbosa Moreira 49 a título de elucidação:
Caio pediu 100 e obteve 80. Se apela sozinho, insistindo nos outros 20, pode o órgão ad quem, conhecendo da apelação, negar-lhe provimento, para confirmar a decisão de primeiro grau, ou provê-la, para conceder a Caio os 20 (provimento total) ou alguma importância inferior a 20 (provimento parcial). Não pode modificar a sentença apelada no tocante aos 80 que esta atribui a Caio, quer para julgar improcedente o pedido, quer para reduzir a condenação do réu Tício a menos de 80.
Se, na mesma hipótese, só Tício apela, é dado ao tribunal reformar a decisão nos limites dos 80 em que ela condenou o réu, ou julgando improcedente in totum, ou diminuindo o quantum da condenação. O tribunal violaria a proibição da reformatio in pejus se aumentasse esse quantum, para atribuir a Caio os 20 (ou parte deles) negados em primeira instância.
Suponhamos que Caio haja pleiteado quatro parcelas, no valor, respectivamente, de 100, 50, 20 e 10, e que o órgão a quo tenha acolhido o pedido somente quanto as duas primeiras. Se Caio apela para insistir nos 30 restantes, e não há apelação de Tício, os resultados possíveis do julgamento em segundo grau variam da condenação de 150 (desprovido o recurso) à condenação em 180 (provido totalmente o recurso). Se apenas Tício apela, os resultados possíveis irão variar entre a declaração da improcedência do pedido (no caso de provimento total) e a condenação em 150 (no caso de desprovimento total). Condenação inferior a 150, na primeira hipótese, ou superior a 150, na segunda constituiria reformatio in peius.
Segundo foi acentuado, caso haja recurso de ambas as partes, demandante e demandado, torna-se plenamente possível e lícita a reforma para pior – tanto em relação ao autor quanto ao réu – quando do julgamento dos recursos interpostos, eis por que a eventual "vitória" de um dos recorrentes encontra guarida no manejo de sua própria peça de recurso.
Afora esse caso de não aplicação da proibição da reformatio in pejus, constata-se a existência de outras hipóteses, segundo se evidencia da leitura dos artigos 515 e 516, do código de processo civil, senão vejamos:
Art. 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.
§ 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro.
§ 2º Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais.
(...)
Art. 516. Ficam também submetidas ao tribunal as questões anteriores à sentença, ainda não decididas.
Com efeito, nas situações preconizadas no § 1º e no § 2º, do aludido dispositivo legal, vale dizer que, nos casos relacionados às questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro e quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento, tendo o magistrado acolhido apenas um deles, observa-se a existência do efeito translativo, decorrência que é do princípio inquisitivo, razão pela qual é admitida a reformatio in pejus. Nesse diapasão, Nelson Nery Junior 50 assevera: "Tecnicamente, só se pode falar em reformatio in pejus se houver efeito devolutivo do recurso, isto é, manifestação do princípio dispositivo".
Já em relação ao artigo 516, diploma processual civil, é de se frisar que esse dispositivo é de certa forma redundante e inócuo, porquanto a matéria nele tratada já está contida no bojo do § 1º, do artigo 515, do código de processo civil, motivo pelo qual Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery 51 dissertam o seguinte:
(...) o novo texto é inócuo e pleonástico, porque as decisões não decididas já estão devolvidas ao tribunal por força do CPC 515! A translação das questões de ordem pública, proposta por nós, continua a ter sentido, não pelo texto mas pelo sistema do CPC, já que não são alcançadas pela preclusão (...).
Sublinhe-se, por derradeiro, que outro caso de exceção à proibição da reformatio in pejus é no tocante às matérias de ordem pública – que podem ser conhecidas de ofício pelo julgador em qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, independentemente de manifestação da parte interessada – sobre as quais não se opera o fenômeno processual denominado de preclusão (artigos 267, § 3º e 301, § 4º, ambos do código de processo civil). Desta feita, denota-se aqui, também, uma manifestação do princípio inquisitório, aplicando-se, portanto, o efeito translativo.
3.2. Da aplicabilidade em relação à remessa necessária
Saliente-se que, conforme foi analisado nos capítulos anteriores, a remessa obrigatória é uma figura excepcional e sem precedentes no direito comparado, cuja finalidade precípua é salvaguardar o interesse público, sendo uma manifestação inarredável do princípio inquisitorial.
Ademais, foi visto também, que a remessa necessária não é uma espécie recursal, porquanto lhe faltam características e requisitos para tanto, sendo considerada pela doutrina dominante como um condição sem a qual a sentença desfavorável à fazenda pública não irá produzir os seus devidos efeitos.
Tanto é assim que, na hipótese de o magistrado não remeter os autos ao tribunal ad quem, esse, por meio da pessoa do seu presidente, deverá avocar os autos.
Denota-se, pois, que o reexame oficial é figura processual de imposição legal.
Ora, em não sendo recurso a remessa necessária, não há de se falar em efeito devolutivo (tantum devolutum quantum appelatum) – efeito esse decorrente do princípio dispositivo – mas, ao revés, aplica-se o efeito translativo, o qual autoriza a transferência integral de toda a matéria aduzida aos autos.
Deste modo, se o duplo grau de jurisdição obrigatório é uma condição de eficácia da sentença – manifestação intrínseca do princípio inquisitivo – e havendo em face disso a ocorrência do efeito translativo (transferência integral da matéria), infere-se, pois, que o tribunal destinatário do reexame obrigatório terá ampla liberdade de atuação, podendo adotar uma de três medidas possíveis, quais sejam, manter a sentença, reformar em benefício da fazenda pública e agravar a sua situação.
Vale dizer, portanto, que é perfeitamente lícito e possível a reformatio in pejus quando do julgamento do duplo grau necessário, levando em consideração os supracitados argumentos e tendo em vista, outrossim, que o princípio da proibição da reformatio in pejus aplica-se só, e tão-somente, nos casos em que há a ocorrência devolutivo, ou seja, em relação às espécies recursais, porquanto nesses meios há uma limitação ao âmbito de atuação do tribunal às razões do inconformismo (tantum devolutum quantum appelatum), sendo uma conseqüência, portanto, do princípio dispositivo.
Destarte, vislumbra-se a não aplicação do princípio da proibição da reformatio in pejus no que tange à remessa necessária.
Nessa linha de raciocínio, leciona José Cretella Neto 52:
O princípio da proibição da reformatio in pejus, como dissemos, guarda estreita correlação com o princípio dispositivo: ressalvados os casos especificadamente previstos na lei, em que a revisão é obrigatória por grau superior de jurisdição, podem as partes, ao seu talante, impugnar somente matéria de seu exclusivo interesse.
Se nada impugnarem, também nada lhes dará o tribunal. Em conseqüência, descabe falar em reformatio in pejus no reexame obrigatório (art. 475); é que o reexame obrigatório, que, aliás, não constitui recurso stricto sensu, é instituto informado pelo princípio inquisitivo.
Ocorre que os tribunais brasileiros têm entendido pela impossibilidade do agravamento da condenação imposta à fazenda pública, quando do julgamento do reexame oficial, aplicando, para tanto, o princípio da proibição da reformatio in pejus.
Esse entendimento está consubstanciado na súmula n.º 45 53, do colendo STJ, segunda a qual: "No reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública".
Em consonância com o teor dessa súmula e com as posturas dos tribunais, digam-se, desde logo, com a devida venia, equivocadas, boa parte da doutrina vem adotando a tese da proibição da reformatio in pejus quando do julgamento da remessa necessária.
Por todos os defensores dessa idéia, tem-se o entendimento de João Carlos Souto 54:
(...) devolver ao tribunal o conhecimento de toda a matéria já decidida – efeito devolutivo.
Assim, a corte de grau superior tem ampla liberdade para reformar totalmente a sentença. Só lhe é vedado alterá-la para agravar a situação da Fazenda Pública. (...).
O argumento da doutrina e da jurisprudência para repelir a possibilidade da reformatio in pejus reside na razão óbvia de que o instituto foi concebido em favor da Fazenda Pública, de sorte que jamais poderia prejudicá-la. O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, já firmou entendimento nesse sentido, através da Súmula 45 (...).
Frise-se que, por ora, sem embargo do entendimento do aludido autor, se o tribunal possui ampla liberdade para reformar totalmente a sentença, como conceber a vedação para agravar a situação da fazenda pública. Onde está aquela "ampla liberdade" de julgamento do tribunal ad quem?
Contra esse posicionamento, é de precisão luminar o magistério de Nelson Nery Junior 55:
Ousamos discordar desse entendimento dominante, data maxima venia. O problema não se encontra na verificação da reformatio in pejus, mas no alcance da translatividade operada por força da remessa necessária.
Conforme já analisamos alhures neste ensaio, a remessa obrigatória não é recurso, mas condição de eficácia da sentença. Por tal razão estaria incorreto desviar-se o raciocínio de reforma da sentença sujeita ao duplo grau obrigatório, para que se a examinasse sob o ângulo da reformatio in pejus, instituto que se refere única e exclusivamente aos recursos.
De outra parte, o simples fato de a sentença haver sido proferida contra a fazenda pública faz com que seja obstada preclusão, não só com relação àquela, mas também às demais partes, transferindo-se toda a matéria suscitada e discutida no processo ao conhecimento do tribunal ad quem. Assim, a remessa obrigatória tem devolutividade (rectius: translatividade) plena, podendo o tribunal modificar a sentença no que entender correto. É como se houvesse apelação de todas as partes. Não há, para o tribunal, limitação ao reexame.
Ainda, nesse viés, é importante fazer menção mais uma vez ao posicionamento de Nelson Nery Junior 56:
Fosse a remessa necessária decorrência do efeito devolutivo em favor da Fazenda, aí sim não poderia haver piora de sua situação processual. Por esta razão é incorreto o fundamento do Verbete 45 da súmula do STJ, que diz não poder haver piora da situação da Fazenda Pública no julgamento da remessa necessária.
Diante dessas considerações, denota-se, pois, que o equívoco, data venia, da súmula n.º 45, do egrégio STJ, consiste em emprestar ao duplo grau obrigatório – o qual é uma figura processual excepcional – o efeito devolutivo recursal, quando, na verdade, evidencia-se que aquele instituto por ser uma condição de eficácia da sentença, isto é, uma obrigação legal, sendo uma decorrência lógica e intrínseca do princípio inquisitorial, aplica-se o efeito translativo.
3.3. A análise constitucional da súmula n.º 45 do STJ
Saliente-se que, quando da análise da constitucionalidade da figura jurídica da remessa necessária, foi asseverado que o presente estudo iria ser sedimentado no sentido da constitucionalidade do duplo grau obrigatório.
Com efeito, o reexame necessário por si só não defende o princípio constitucional da igualdade, porquanto essa figura excepcionalíssima está fundamentada na necessidade imperiosa de salvaguardar o interesse público que se caracteriza nos litígios envolvendo a fazenda pública, visto que essa, quando em juízo, representa interesses da coletividade, diferentemente do particular que com ela litiga, razão pela qual se exige a confirmação da sentença desfavorável à fazenda pública pelo tribunal ad quem.
Logo, a primazia do interesse público perante o interesse meramente particular só irá se perfazer na medida em que se assegurarem tratamentos iguais para os que estão em situações de igualdade e tratamentos desiguais para os desiguais, na exata proporcionalidade da desigualação.
Nesse diapasão, sendo o reexame obrigatório um fenômeno processual que tem como escopo precípuo buscar aquela igualdade substancial, afirmou-se, sem embargo dos posicionamentos em contrário, pela sua constitucionalidade.
Contudo as interpretações que se vêm atribuindo à remessa oficial, tanto em sede doutrinária, quanto em sítio jurisprudencial, importa, data venia, num desvirtuamento da finalidade para a qual foi instituída essa figura jurídica.
Deste modo, o que está eivado de inconstitucionalidade não é o duplo grau necessário por si só, mas sim as aplicações e interpretações que os tribunais vêm realizando no caso concreto, mormente pela tese da proibição da reformatio in pejus quando do julgamento do reexame oficial, tese essa consubstanciada na súmula n. 45. do egrégio STJ: "No reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública".
Acentue-se, portanto, que, ao se preconizar que é proibido, quando do julgamento da remessa necessária o tribunal agravar a situação da fazenda pública, está-se reconhecendo, de forma implícita, que o tribunal apenas pode adotar duas medidas possíveis, quais sejam, a manutenção da sentença e a reforma in melius em favor da fazenda pública.
Ora, tal postura mostra-se de todo incompatível com a ordem constitucional em vigor, porque ofende o princípio constitucional da igualdade, ao atribuir que o julgamento em sede de tribunal deve-se pautar no sentido ou da manutenção, ou da reforma para melhor em benefício da fazenda.
Sublinhe-se que, dessa forma, a prerrogativa processual da remessa necessária, como vem sendo interpretada e aplicada pelos tribunais brasileiros, importa em reconhecer, na verdade, um total desvirtuamento da finalidade para a qual foi criada, qual seja o critério da segurança que deve repousar nas ações envolvendo a fazenda pública, na medida em que se exige como condição de eficácia da sentença desfavorável à fazenda pública a sua confirmação pelo tribunal ad quem.
Sobre o particular, são importantes os ensinamentos de Nelson Nery Junior 57:
Da forma com tem sido interpretado o instituto da remessa obrigatória do CPC, o art. 475, pelos nossos tribunais, notadamente pelo STJ, sua inconstitucionalidade é flagrante porque ofende o dogma constitucional da isonomia.
Ainda, nesse ínterim, disserta Cândido Rangel Dinamarco 58:
Os tribunais concorrem para a exarcebação dessa postura politicamente ilegítima, ao estabelecer teses como da impossibilidade da reformatio in pejus a dano dos entes estatais (Súmula 45 STJ) – veda portanto uma decisão mais desfavorável à Fazenda Pública em segundo grau do que em primeiro, mediante a aplicação à remessa oficial de um princípio inerente aos recursos (quando tal remessa recurso não é).
Torna-se curial, outrossim, fazer alusão às lições de Nelson Nery Junior 59quando esse se reporta à remessa obrigatória:
Com ela não se pretende proteger descomedidamente os entes públicos, mas fazer com que a sentença que lhes fora adversa seja obrigatoriamente reexaminada por órgão de jurisdição hierarquicamente superior. O escopo final da remessa obrigatória é atingir a segurança de que a sentença desfavorável à fazenda pública haja sido escorreitamente proferida. Não se trata, portanto, de atribuir-se ao judiciário uma espécie de tutela à fazenda pública, todos os títulos impertinente e intolerável.
Conferir-se à remessa necessária efeito translativo "pleno", porém, secundum eventum, afigura-se-nos contraditório e inconstitucional. Contraditório porque, se há translação "ampla", não pode ser restringida à reforma em favor da fazenda; inconstitucional porque, se secundum eventum, fere a isonomia das partes no processo.
É imperioso frisar, igualmente, que parte da doutrina acaba, de certa forma, contribuindo para essa postura inconstitucional quando da interpretação da remessa oficial, ao preconizar teses de incidência dessa figura processual nas ações rescisórias que as entidades citadas no artigo 475 do código de processo civil forem parte, segundo se evidencia, apenas a titulo de ilustração, no posicionamento de João Carlos Souto 60:
Consistindo a ação rescisória num processo autônomo em que se busca desconstituir decisão judicial transitada em julgado, a ela se aplicam as regras atinentes ao duplo grau obrigatório de modo que o tribunal, ao proferir decisão contrária aos entes públicos mencionados no art. 475. da Lei Adjetiva (ou no art. 10. da Lei n. 9.469/97), desconstitutiva de sentença ou acórdão, deve, obrigatoriamente, submetê-la à apreciação do órgão superior.
É de se notar que, em face de tal posicionamento, deixa-se de tecer maiores questionamentos, tendo em vista que foge ao âmbito do presente estudo, contudo, assevera-se apenas que, sendo a remessa necessária uma figura excepcional, não comporta interpretações extensivas. Dessa forma, ao se realizar uma interpretação extensiva a uma norma restritiva, ofensa haverá à sistemática processual.
Assim é que, em face de todas as considerações lançadas nesse capítulo, vislumbra-se a patente inconstitucionalidade da súmula 45 do STJ.