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O controle de constitucionalidade dos atos políticos no sistema brasileiro

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Agenda 23/04/2017 às 14:00

Analisa-se a possibilidade do controle de constitucionalidade dos atos políticos no sistema jurídico-constitucional brasileiro, consoante analise mais profunda, que perpassa uma mera ambientação engessada dos sistemas constitucionais.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa analisar a possibilidade do controle de constitucionalidade dos atos políticos no sistema jurídico-constitucional brasileiro, consoante analise mais profunda, que perpassa uma mera ambientação tradicionalista. Essa temática se mostra bastante relevante na medida que a problemática do controle, esbarra em uma concepção de condutas que vem ser o das práticas inerentes as autoridades públicas, ou seja, consistem na própria condução dos negócios públicos e não na sua simples execução, daí advindo maior discricionariedade. Desse núcleo ideológico, parte-se do princípio, então, que o Judicial não poderia emitir qualquer controle a estes atos por se deparar em espaços que possuem uma certa conformação política das autoridades públicas em face da teoria da separação dos poderes, o que torna, desta maneira, um mister sensível, visto que existe a possibilidade de haver uma invasão entre os poderes e um certo desequilíbrio na gerencia da vida estatal.  

Desta forma, para desmistificar essa visão clássica da impossibilidade do controle de atos políticos, a pesquisa adotará como ponto epistemológico inicial, sua definição e caracterização, trazendo o constante embate doutrinário e dificuldade em pacificar o entendimento que sempre permeou na diferenciação destes atos políticos ao ato administrativo; a possibilidade de edição e a obediência a regramentos constitucionais na criação, o que o obriga a uma completude de respeito a preceitos normativos fundamentais, e assim garantir sua eficácia máxima.

 O segundo ponto do estudo vem a tratar da teoria da separação dos poderes, erigido a princípio basilar do Estado de Direito, em duas feições: legitimadora, como forma de validar o exercício de fiscalização constitucional em âmbito externo e reconhecer o Poder Judicial como verdadeiro ator no equilíbrio entre os poderes; e limitadora a esses possíveis atos, para que não adentrem no meio social impregnados de inconstitucionalidade, favorecendo, desta forma, o atendimento a uma ampla efetividade de direitos fundamentais.

O terceiro item ocupa-se exatamente do ponto fulcral da temática, qual seja o controle dos atos políticos e sua verificação de compatibilidade com as normas constitucionais. Veremos que tal controle pode ser feito em dois âmbitos: interno e externo. Aquele trata de verificar o ato emanado pelo próprio poder que o criou, através da revogação ou anulação. Já em âmbito externo o controle vai ser analisado pelo Poder Judiciário na fiscalização de constitucionalidade, seja concreta/difusa ou abstrata/concentrada, em que se pode perceber uma quebra de paradigma, onde a impossibilidade de tal controle se viu sobressalente pela defesa corrente da inafastabilidade da jurisdição e a eficácia precípua a direitos fundamentais.

O que nos leva a analisar ainda nesta parte a dimensão objetiva desses direitos fundamentais e suas consequências no controle de constitucionalidade dos atos políticos, sem deixar esquecer o grande debate que exsurge no que tange ao mérito do ato político, pois é pacifico a impossibilidade do enfrentamento deste pelo Judiciário no que toca a oportunidade e conveniência, mas com certa relatividade, pois é de se defender hoje a analise para além da legalidade: o aferimento de critérios de proporcionalidade e que se proíba o excesso do ato emanado.

Já por fim, colaciono alguns precedentes jurisprudenciais do controle de constitucionalidade feito pelo Supremo Tribunal Federal e seu entendimento a respeito da matéria para corroborar todo o exposto neste trabalho. Insta salientar que a pesquisa foi confeccionada no português do Brasil, com amalgamas das doutrinas tanto Portuguesa quanto Brasileira.


2. ATOS POLÍTICOS NO SISTEMA BRASILEIRO - CONCEITUAÇÃO, POSSIBILIDADE DE EDIÇÃO E LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL PARA SUA CRIAÇÃO

É mais que necessário, para entender os atos políticos, delimitar prima facie a conceituação doutrinária das atuações funcionais administrativas. Estas podem se subdividir em traços dúplices, uma voltada aos atos de governo e o ofício do mister político estatal e outra inclinada a gestão dos recursos e afazeres administrativos para com a sociedade. Aqueles fazem frente aos atos políticos, aos quais aqui serão detalhados, já estes são os chamados atos administrativos, no seu sentido lato. Dessa subdivisão, dois grupos doutrinários divergem a respeito da situação de ambos, o que só nos mostra a dificuldade quase que intransponível que vez ou outra entorna na discussão da caracterização do ato político, em virtude de algumas determinantes, quais sejam sua elasticidade, falta de uma categoria fixa como entidade ontológica autônoma na progressão dos atos estatais e a ausência de prática privativa deles por apenas um órgão ou Poder. [1]

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Há quem lecione que existe uma interligação entre os dois. Assim, o ato político seria similar e pariforme ao ato administrativo, onde estes se confundiriam e não se distinguiriam materialmente. O ato político e o exclusivamente político seriam modalidade ou espécie e subespécie do ato administrativo, respectivamente. Se o ato administrativo ab ovo vem com uma feição particularmente política, este poderia subtender-se como um ato político de igual maneira, ou seja, apenas um único elemento, dentre os outros, teria o condão para distinguir um ato administrativo político de um não político: a sua finalidade. [2]

Por outro lado, existe um entendimento contrário e pelo qual comungamos: que os atos políticos não são propriamente atos administrativos (muito embora possuam a mesma titularidade), mas sim os que tem a pura finalidade de materializar a função governamental de um determinado Estado. Enquanto o ato administrativo, são atos jurídicos com finalidade pública da função executiva da Administração Pública e tem por função primordial a consecução de serviços públicos e atividades ligadas a administração, os atos políticos destinam-se a algo mais intrínseco à autoridade, facultando a este uma carta maior de possibilidades, e isso de sobremaneira o torna peculiar na ciência jurídica, pois destina a permitir a gestão e metas dos planos de governo, gerencia de condutas políticas, as relações jurídicas internacionais, ao subjetivismo político, a ideologia de quem esta no poder, vindo a refletir os valores daquele que o criou.

O ato político, desta forma, por refletir o exercício da atividade política de um poder, ilógico seria em qualifica-lo como ato administrativo propriamente isolado. Não se pode confundir e nem levar a cabo a falsa noção que todo ato político é ato administrativo e provém apenas da Administração Pública (Poder Executivo). Este pode ser emanado, em determinadas circunstancias e nos termos das competências constitucionais, por todos os três poderes de Estado [3], desta forma, pratica um ato político, por exemplo, o Presidente da República quando conceder algum indulto e comutar penas criminais (art. 84, XII, CF/88), o Congresso Nacional quando autoriza referendo e convoca plebiscito (art. 49, XV, CF/88) ou o Supremo Tribunal Federal quando cria ou extingue um Tribunal inferior (art. 96, II, “c”, CF/88).

Mesmo com pensamentos contrários a respeito da sua caracterização, algumas ideias podem convergir a entendimentos em comum quanto essa espécime de ato. Preliminarmente, que o ato político se funda na ampla liberdade que o agente tem sobre ele ao cria-lo, sob o manto da conveniência, oportunidade e conteúdo, assim, são discricionários por excelência, não se restringem a critérios jurídicos pré-convencionados e positivados [4]. Desta conceituação pode-se supor algumas falsas noções pelo que se convencionou ditar ampla liberdade ao criador o ato político: a confusão entre discricionariedade e arbitrariedade. Ambos são antagônicos per si, aquele será condicionado pelos limites permitidos pela lei, estará ao alvitre do princípio da legalidade (art. 37, caput, CF/88). Já este é uma ação totalmente contrária ou que se excede a um preceito normativo. O ato político, discricionário na sua nascente, deste modo, quando autorizado pela norma, é legal e válido, o ato arbitrário, sem exceção, desde o seu nascedouro, é ilegítimo e inválido,[5] a motivação atualmente é fundamental para que se ratifique a legalidade do ato político e não o torne arbitrário. Concluímos que até a liberdade de criação do ato político tem certos limites. 

Depois, o outro entendimento convergente é que esses atos são guiados pelo regime jurídico constitucional, em obediência irrestrita ao que apregoa a Constituição,[6] sendo uma verdadeira função soberana de ampla escolha dos fins a serem demandados. O que é oportuno sublinhar que os atos políticos estejam, pois, diretamente relacionados com a completude imprescindível vinculados a direitos fundamentais (estes como núcleo pétreo, imutável e intangível da Carta Maior) e seus reflexos, ou seja, os atos políticos em sua edição não podem desrespeita-los, restringi-los, sem autorização constitucional e principalmente fazer valer a efetividade dos mesmos. Deve-se propalar o que a doutrina fez denominar de uma verdadeira força irradiante (ausstrahlungswirkung), ou uma espécie de interpretação conforme (os direitos fundamentais), que se desdobra a um dever de proteção por completude [7], avalizados, assim, na supereficácia desses direitos constitucionais vinculados a uma força maior.

Com tal percepção, os atos políticos criados, devem estar em um pedestal de referencia e concretização de normas fundamentais e humanas, aptos a serem controlados constitucionalmente de forma geral, sob o fundamento da proteção máxima, do não retrocesso, e da obrigação pelos poderes de um cuidado mínimo para aplicação de cada princípio normatizado na forma de direito fundamental em nossa Carta Política. Trazendo um exemplo, suponhamos que um ato desse feitio seja criado pelo Congresso Nacional convocando referendo nacional (art. 49, XV, da CF/88), para consulta a ratificação ou rejeição de uma determinada lei pela sociedade, e que tal ato normativo desrespeite um direito fundamental pautado na Constituição.

São essas as consequências: o próprio Legislativo, em seu controle interno, não deveria aprovar que tal referendo seja colocado em pauta para analise popular. E se assim o for, o Presidente da República não deve sancionar (vetar por inconstitucionalidade) o ato normativo que deste derivou, como uma espécie de fruits of the poisonous tree. Ainda se por um acaso a lei for aprovada, o Poder Judiciário deverá ter a obrigação constitucional (poder-dever) de fazer o controle de constitucionalidade dessa norma proveniente do ato político inicial, verificando sua ilegalidade e falta de apego as normas constitucionais e a retirar do ordenamento jurídico. Por conseguinte, nenhum dos poderes poderiam se furtar a essa analise em sede de fiscalização, pois, estariam agindo como verdeiros garantes da efetivação dos direitos fundamentais.


3. A QUESTÃO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES COMO LEGITIMIDADE PARA O CONTROLE DOS ATOS POLÍTICOS

Neste ínterim, conceituados os atos políticos, já se pode perceber brevemente a possibilidade de controle destes, se ofenderem ou deixarem de proteger direitos individuais ou coletivos, mas como legitimar essa fiscalização sem que haja a ingerência entre os poderes?

Desde a queda das monarquias absolutistas e o surgimentos dos Estados Modernos, fundamentados na estrutura imanente do Estado de Direito [8], muito questionou como se justificaria o controle e a vigilância da operação e execução de atos emanados pelos poderes públicos em seu exercício. Várias soluções advieram da experiência jurídica através dessa era, mas a que mais se mostrou profícua foi, sem dúvida alguma, a teoria da divisão dos poderes, através do controle e refreamento recíproco e da separação, muita das vezes elevada a categoria de principio inerente a praxis constitucional, dotada de feição organizatória estruturante de uma organização racional dos poderes estatais, além de moderador que serve de proteção a liberdade individual. [9]

Nos primórdios da acepção evolutiva do Estado, o chamado Estado Moderno veio a adquirir sua feição com a quebra de paradigmas de sistemas medievais e feudais, onde existiam uma pluralidade de poderes particulares, com características territoriais, primordialmente religiosas e perfunctoriamente sociais: os feudos, senhorios ou vassalagens. Tudo passou por um processo evolutivo claro de rematerialização política, como forma de processos de centralização autoritária e da derrogação desses privilégios e corporativismos feudais. Relações de ordens várias interligadas são então alocadas agora em uma via de mão única, sem intermediários entre o Estado, no papel do Rei, e os súditos. Nessa nova acepção societária, surge pela primeira vez a ideia de nação, que corresponde a um Estado e a secularização, separação entre política e religião, que estão cada vez mais claras. O estatamentalismo, desta maneira, é substituído com a progressiva centralização e concentração do poder nas mãos de apenas uma pessoa, surgindo daí o advento de um Estado Absoluto e totalmente soberano, sendo a primeira manifestação histórica do tal Estado Moderno. [10]

Mas a questão do controle e da separação dos poderes começou a tomar forma exatamente com a queda deste Estado único num contexto de crescimento do ideário de igualdade, influenciado por teorias racionalistas e ideias iluministas, redimensionando o pensamento em relação do povo, intrinsicamente gregário que o é, quanto ao Estado, para quem ao invés de ser apenas um poder único e inquebrantável, deveria ser um verdadeiro ente encarregado de zelar ao bem comum e servir a todos. Os abusos de poder cometidos pela a autoridade única e absoluta, na figura do monarca, e a progressiva violação de direitos fundamentais do homem, levaram a conclusão que os poderes estatais deveriam, dessa maneira, serem controlados, ao mesmo tempo que colocava em xeque o modelo de poder até então assentado.

John Locke, adepto da teoria contratualista estatal, para quem se foi o percussor e autor original dessa tese, já lidava com as ideias de separação dos poderes, da igualdade entre os homens, melhoria do bem estar societário e do direito natural. Apregoando a soberania do povo, via a necessidade de controle tanto dos membros do Legislativo, como do Executivo, através de uma estratificação de cada função pública, interligando a sua finalidade a qual deve sempre ser buscada, ou seja, toda função estatal deveria monitorar a outra, para asseverar os interesses da coletividade e afastar os abusos de poder.

Essas ideias vieram a influenciar nitidamente Montesquieu, que em sua obra alma mater De l’espirit des lois apregoava a clara separação dos poderes estatais, como se é vislumbrado hodiernamente: Legislativo, Executivo e Judicial. Estes deveriam funcionar de forma independente e harmônicos entre si, ou seja, cada um exerceria sua competência funcional, sem se imiscuir uns nos outros, pois com esse supedâneo, os operadores estatais encontrariam certos limites na alçada dos demais poderes, evitando assim, mais uma vez, os abusos de poder. Tal divisão, apesar de encontrar imperfeições, contradições e ambiguidades tornou-se efetivamente essencial a formação do Estado de Direito, além de transformar o que poderia se julgar de uma mera doutrina inglesa em um critério utilizado atualmente como essencial para um Estado constitucional. [11]

Mas no que tange a essa secessão, o ponto não pode ser analisado de forma meramente superficial, ela vai mais além da tradicional divisão. Prima facie, a separação dos poderes fundamenta o que vai se analisar mais a frente: o controle de constitucionalidade no âmbito externo, que é feito pelo Poder Judiciário, a atos que muitas vezes são considerados interna corporis, emanados pelos outros poderes ou até mesmo pelo próprio, o que já retiraria, desta maneira, uma possível delimitação de uma zona de reserva impossível de ser acessada por outro órgão sob pena de ser acusada de ir de encontro ao que rege a Constituição.[12] Doravante, trazendo esse ponto sob uma ótica principiológica-constitucional, podemos supor que se esse ato de conotação política, emanado pelo poder público, ferir sensivelmente algum direito fundamental, exsurge mais uma vez a ideia sobre a qual a separação dos poderes vem a tona para agir, dessa vez, como um verdadeiro limitador do tal ato, pois favorece a abstenção estatal em relação a um contexto essencialmente desses direitos. O que garante, assim, a fruição completa de um preceito fundamental do indivíduo perante o Estado, em caso de violação.  

É de se chegar por esse raciocínio que a separação dos poderes é um pressuposto institucional e de justificação de legitimidade, pois garante que o controle feito pelo Judiciário dos atos políticos emanados pelos poderes não adentre no meio social embevecido na inconstitucionalidade e além do mais porque os direitos fundamentais e a separação de poderes, são peças essenciais de um Estado constitucional, pois sem uma ligação conjunta e amalgamada de ambos, estas garantias são meras declarações de intenção. Desta forma, pode-se dizer que a decisão constitucional que controla atos políticos é  igualitariamente, um decisum fundamental sobre a organização do poder político-estatal. [13]  

Ex positis, saliente a importância na modernidade do entendimento gradativo da teoria da separação dos poderes como de organização qualificadora das funções estatais, cuja contribuição tem sido de relevância para a determinação de seu valor normativo. A precisão vai no sentido de conseguir delimitar critérios funcionais em hard cases exatamente como os aqui analisados: o do controle jurisdicional da discricionariedade administrativa e dos vários tipos da cognominada discricionariedade imprópria. [14]  Leva-se, assim, para esse feito, a separação dos poderes como analise de uma repartição competencial orgânica, funcionalmente adequada, com amalgamas de critérios de eficiência, legitimidade e responsabilidade da decisão que vai ser emanada sobre o controle judicial constitucional dos atos políticos. [15]

Sobre o autor
Pedro Leo

Advogado, especialista em Direito Notarial e Registral, pós-graduando em Direito Processual Civil e Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade de Lisboa.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEO, Pedro. O controle de constitucionalidade dos atos políticos no sistema brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5044, 23 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55901. Acesso em: 2 nov. 2024.

Mais informações

Trata de relatório apresentado na disciplina de Justiça Constitucional do Mestrado de Direito Constitucional da Universidade de Lisboa, orientada pelo Sr. Dr. Professor Jorge Reis Novais.

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