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Inconstitucionalidade da prisão do depositário infiel tributário

O presente estudo visa analisar brevemente o recente julgado do STF declarando a inconstitucionalidade da Lei nº 8.866/94, que estabelecia a possibilidade de prisão do depositário infiel de débitos tributários.

A Lei nº 8.866/94, que estava suspensa por liminar desde 1994, trata da possibilidade de prisão do depositário infiel de valor pertencente à Fazenda Pública, quando deixa de reter, receber ou recolher aos cofres públicos depósito legal decorrente de imposto, taxa ou contribuições.

Assim, recebida a petição inicial devidamente instruída com as evidências do depósito, o representante judicial poderia requerer a citação do depositário para no prazo de dez dias recolher a importância depositada ou contestar a ação, sendo que, no caso de não recolhimento da importância, o juiz poderia determinar a prisão do depositário pelo prazo de até noventa dias.

Sem adentrar nas diversas questões preponderantes para o reconhecimento da inconstitucionalidade da previsão em questão, desperta nosso interesse tratar especificamente da clara ofensa ao princípio do processo legal, contraditório e ampla defesa.

O artigo 4º da Lei nº 8.866/94 dispõe:

Art. 4º. Na petição inicial, instruída com a cópia autenticada, pela repartição, da prova literal do depósito de que trata o art. 2º., o representante judicial da Fazenda Nacional ou, conforme o caso, o representante judicial dos Estados, Distrito Federal ou do INSS requererá ao juízo a citação do depositário para, em dez dias:

I - recolher ou depositar a importância correspondente ao valor do imposto, taxa ou contribuição descontado ou recebido de terceiro, com os respectivos acréscimos legais;

II - contestar a ação.

§ 2º. Não recolhida nem depositada a importância, nos termos deste artigo, o juiz, nos quinze dias seguintes à citação, decretará a prisão do depositário infiel, por não superior a noventa dias.

Percebe-se que condicionar a prisão simplesmente ao não recolhimento ou depósito da importância, inaudita altera pars, consubstanciada pelo caráter de irrelevância dada à eventual matéria alegada em sede de contestação é fruto da afobação do legislador em praticar a coerção tributária.

Mesmo em se tratando de espécie de prisão civil, é importante invocarmos algumas premissas de ordem penal que justificam sua atuação como ultima ratio na proteção de determinado bem jurídico, considerando, sobretudo, o caráter de severidade da medida restritiva de liberdade aplicada tanto no caso de prisão civil como penal.

De acordo com Cezar Roberto Bitencourt[1],

“O princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanções ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização será inadequada e desnecessária. Se para o restabelecimento da ordem jurídica forem suficientes medidas civis ou administrativas, são estas que devem ser empregadas e não as penais. Por isso, o direito penal deve ser a ultima ratio, isto é, deve atuar somente quando os demais ramos do direito revelarem-se incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do indivíduo e da própria sociedade.”

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Se o Direito Penal, hábil na aplicação de medidas restritivas de liberdade, como detentor do máximo e severo instrumento de controle da ordem social, atua no mínimo necessário e apenas diante da ineficácia de outros ramos do direito, como conceber que a mesma sanção seja aplicada como forma de coerção tributária, sem ferir premissas básicas do nosso ordenamento jurídico?

Assim, exigir o cumprimento de uma obrigação, ignorando as circunstâncias de um eventual inadimplemento, atropela o devido processo legal, contraditório e ampla defesa, desmerecendo matérias relevantes que poderiam ser invocadas em sede de contestação, quais sejam, prescrição, cumprimento da obrigação antes da propositura da ação, invalidade da prova literal do depósito etc.

Ademais, conforme o voto do ministro Gilmar Mendes, o fisco possui instrumentos para execução fiscal, consistentes, inclusive, na possibilidade de penhora de bens e inscrição do devedor em cadastro de inadimplentes, sendo desnecessária, portanto, a aplicação de sanção restritiva de liberdade, tendo em vista, sobretudo, a desproporcionalidade da previsão que tem como intento, exclusivamente, a maximização de arrecadação.

Podemos concluir, portanto, que se trata de decisão do Supremo Tribunal Federal pautada na garantia dos direitos fundamentais, impedindo a violação de preceitos constitucionais, mesmo diante da grave crise financeira que conduz o Estado a asseverar os meios de arrecadação tributária.


Referências

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.

BRASIL, Lei nº 8.866, de 11 de abril de 1994.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Lições de direito penal – parte geral. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995.

Sobre os autores
Felipe Lima da Silva

Advogado atuante nas áreas trabalhista, cível e tributária

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Denys Régis Vieira; SILVA, Felipe Lima. Inconstitucionalidade da prisão do depositário infiel tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5036, 15 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56070. Acesso em: 19 dez. 2024.

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