FACTOS E ACTOS JURÍDICOS
Inicialmente, antes de adentrarmos na classificação dos contratos, importante compreender o significado de Factos e Actos jurídicos, pois melhor será o enquadramento da natureza jurídica dos contratos onerosos e gratuitos.
Facto Jurídico é todo evento que produz efeitos de direito, em outras palavras, é todo acontecimento que gere consequências jurídicas; podendo o mesmo ser um Facto Jurídico Natural, quando este for evento decorrente da natureza, ou Facto Jurídico Voluntário, quando decorrente da acção do homem. Este último também conhecido como Acto Jurídico, por ser um fato que decorre da vontade humana.
O Acto Jurídico (= Facto Jurídico Voluntário) pode ser lícito, isto é, um acto praticado em conformidade com o direito; ou ilícito, neste caso, em desconformidade com o direito.
Sendo Lícito, o mesmo pode ser subdividido em Negócios Jurídicos, sendo a estipulação de consequências jurídicas, realizada por sujeitos de direito no âmbito do exercício da autonomia da vontade. Sua previsão legal se encontra a partir do art. 217º, do Código Civil.
O Acto jurídico Lícito também pode ser subdividido em Acto Jurídico Simples ou Negócio Jurídico.
O Acto Jurídico Simples (no Brasil também conhecido como ato jurídico em sentido estrito ou stricto sensu) é quando os actos praticados têm consequências jurídicas advindas da Lei (efeitos ex legis), sendo-lhes aplicáveis as disposições previstas no art. 295º e ss, CC.
O Negócio Jurídico, que é uma negociação manifestada no exercício da autonomia da vontade das partes, pode ser classificado segundo sua estrutura, na qual compreenderá o número de partes, unilaterais, quando houver 1 parte, ou plurilaterais (ou contratos), quando houver mais de 1 parte.
Apesar da classificação quanto à estrutura, o Negócio Jurídico também pode ser classificado conforme a produção dos efeitos obrigacionais entre as partes. Neste caso teremos os Unilaterais, nos quais só há obrigações para uma das partes, v.g. empréstimo, e os Bilaterais, quando produz obrigações para duas ou mais partes.
Voltando à estrutura, verificamos que os Negócios Jurídicos podem ser unilaterais ou plurilaterais (ou contratos). No âmbito desses contratos é que encontraremos a classificação de contratos gratuitos e onerosos, a seguir estudada.
DISTINÇÃO ENTRE CONTRATOS ONEROSOS E CONTRATOS GRATUITOS
Não se deve confundir unilateralidade/bilateralidade com gratuidade/onerosidade, pois, enquanto a palavra chave que define os contratos unilaterais e bilaterais refere-se às obrigações, nos contratos onerosos e gratuitos, a palavra-chave é atribuição patrimonial.
Em linhas gerais, para a classificação de contratos entre onerosos e gratuitos, deve-se levar, em consideração o critério económico, sendo oneroso aquele em que há um equilíbrio económico, logo, ambas as partes ganham e perdem (património), e gratuito aquele em que há um desequilíbrio económico, isto é, vantagem somente para uma das partes.
Apesar da dicotomia gratuito e oneroso ser amplamente utilizada tanto pela doutrina, quanto pela jurisprudência e a lei, seu significado legal está longe de ser pacífico.
Segundo Antunes Varela (regra de maior aceitação), “diz-se oneroso o contrato em que a atribuição patrimonial efetuada por cada um dos contraentes tem por correspectivo, compensação ou equivalênte a atribuição da mesma natureza proveniente do outro (...). É gratuito o contrato em que, um deles proporciona vantagem patrimonial ao outro, sem qualquer correspectivo ou contraprestação.”.[1]
Corrobora com esse entendimento o Ilustre Dr. Manuel António Pita, conforme nocções extraídas de seu artigo sobre “As prestações Acessórias em Dinheiro”, o qual analisa a classificação de gratuito ou oneroso sob o ponto de vista das Prestações Acessórias.
O ilustre doutrinador quando diferencia oneroso e gratuito, utiliza como paradigmas os contratos de compra e venda e de doação, respectivamente. E esclarece, “na compra e venda o enriquecimento patrimonial de qualquer das partes é obtido em contrapartida de um empobrecimento: o comprador para obter a propriedade tem de pagar o preço; o vendedor para obter a quantia em dinheiro tem de perder a propriedade transmitida. Ao invés, na doação ocorre um enriquecimento sem pagamento de uma contrapartida: o donatário recebe sem ficar sujeito a uma obrigação que seja contrapartida do que recebeu; o doador dá sem procurar uma contrapartida patrimonial.".
O mesmo doutrinador alerta quanto à exceção do mútuo, em que, havendo juros a pagar (mútuo retribuído), é considerado oneroso, e não correndo juros, é considerado gratuito; em situação análoga temos: o comodato, conforme art. 1129º; o mandato, consoante art. 1158º; e depósito, segundo art. 1186º, todos do Código Civil.
Comunga desse mesmo entendimento o saudoso doutrinador Inocêncio Galvão Telles, o qual faz menção à análise do caso concreto, pois quando o contrato possuir mais de duas partes, a relação do primeiro com o segundo pode ser gratuita, enquanto que a relação do segundo com o terceiro pode ser onerosa.
Contudo, Carlos Ferreira de Almeida faz uma crítica a esta definição vindo a alargar o conceito dessa dicotomia.
O Ilustre Doutrinador português leciona que, no que concerne aos negócios jurídicos gratuitos, quase sempre a doutrina portuguesa os define como “aqueles em que só uma das partes se beneficia de uma atribuição patrimonial, suportando a outra o sacrifício patrimonial correspondente.”.
No entanto, no entender do I. Dr., circunscrever os negócios gratuitos aos negócios de atribuição patrimonial estaria equivocado, pois este requisito não se ajusta aos amplos conceitos de coisa (art. 202º, nº 1), de propriedade (artigos 1302º e 1305º) e de obrigação (artigos 397º e 398º, nº 2).
Para ilustrar, o mesmo cita como exemplos a doação de sangue ou de órgãos do corpo humano, a deixa testamentária de coisa com mero valor estimativo e a prestação gratuita de serviços ausentes dos circuitos mercantis, exemplos em que os contratos são gratuitos e não há atribuição patrimonial.
Com isso, Carlos Ferreira de Almeida alarga o entendimento definindo que a “gratuidade deve-se em função do sacrifício (ou custo) apenas para uma só das partes e da vantagem (ou benefício) apenas para a outra, sem atender à natureza patrimonial.”[2].
Importante neste momento esclarecer que liberalidade possui conceito parecido com gratuidade, contudo, são distintos.
Segundo Inocêncio Galvão Telles, “as liberalidades constituem fonte de empobrecimento, actual ou futuro, para o património de um dos sujeitos, e de enriquecimento para o património de outro.”[3].
Note-se que enriquecimento/empobrecimento são conceitos mais restritos que atribuição/sacrifício patrimonial, pois, enquanto enriquecimento e empobrecimento se referem a aumento/redução de activo/passivo, atribuição e/ou sacrifício patrimonial traduzem qualquer vantagem ou desvantagem susceptível de expressão pecuniária[4]
O interesse prático da distinção entre contratos onerosos e gratuitos é de extrema importância em razão de sua repercussão jurídica, nomeadamente nos seguintes casos: diferenças entre os requisitos para a impugnação pauliana, art. 621º, 1; dos efeitos da nulidade ou anulação do negócio, art. 289º, 2 e 291º, 1; do enriquecimento sem causa, art. 481º,1; da irrevogabilidade dos pactos sucessórios, arts. 1.701º e 1.702º; dentre outros.
NOTAS
[1] Varela, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, Vol. I. 6ª edição, Coimbra. Almedina, 1989. Pág. 368.
[2] Carlos Ferreira de Almeida, Contratos III, Contratos de Liberdade, de Cooperação e de Risco. 2ª edição. Almedina, 2013.
[3] Inocêncio Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, Refundido e Actualizado.4ª edição, Coimbra. Coimbra editora, 2002, pág. 481.
[4] Segundo Inocêncio Ferreira, a vantagem e sacrifício patrimonial pode não haver alteração de estrutura do património, v.g: a prestação de fiança por terceiro.