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Enfim, o que é um documento ?

Agenda 05/03/2017 às 19:12

O texto busca lançar luzes sobre a correta conceituação do termo documento no moderno processo civil.

Parece simples, mas não é, definir o que seria a prova documental no direito brasileiro. Há muitas vertentes e variáveis a serem consideradas pelo operador no momento da conceituação.

Etimologicamente, documento vem do latim docere, na acepção de “mostrar, indicar, ensinar – a coisa que contém a virtude de fazer conhecer outras coisas”[1].

Neste sentido, inclusive, já se definiu a prova documental como sendo “a coisa representativa de um fato e destinada a fixá-lo de modo permanente e idôneo”[2], e mesmo como “coisa em que se expressa por meio de sinais, o pensamento, esse o sentido restrito e técnico que supõe o conteúdo intelectual como elemento definidor de documento”[3].

Curiosa, ainda, a comparação estabelecida entre prova oral e documental, no sentido de que, em relação a documentos (que igualmente não seriam um conceito unívoco, ou de único sentido):

Por estas palavras, queremos designar ao mesmo tempo todos os objetos inanimados, que por acaso dão testemunho da realidade de um acontecimento, e todos os que forem expressamente criados para servir-lhe de prova (neste último caso a palavra – documento – é tomada em uma acepção restrita). Entre estes meios de prova distinguem-se os monumentos (monumenta), que são destinados a consagrar a memória de um fato, ou traduzir e proclamar, sob uma forma simbólica, um direito existente, e, no sentido mais restrito, os documentos propriamente ditos (documenta), que tem por fim certificar a realidade do fato. Destes últimos, uns foram logo instituídos com o fim de servirem como prova no futuro, outros, por efeito do acaso, e sem que se tenha previsto fim especial, dão certas explicações, ou atestam acontecimentos importantes.[4]

Por esta perspectiva, tem-se que qualquer objeto inanimado poderia ser entendido como prova documental, por exemplo, uma faca utilizada para danificar um veículo, numa ação indenizatória, um contrato escrito, uma cártula etc.

Mas isso não seria unânime, eis que existem autores que somente considerariam prova documental aquelas vertidas em papel escrito[5], portanto, em acepção menos ampla. Havendo, mesmo, quem diferencie prova material (qualquer objeto) de prova documental (prova vertida em papel como sub-espécie de prova material).[6] Outros asseveram que a ideia de documento estaria associada a “superfícies portadoras de símbolos capazes de transmitir ideias e demonstrar a ocorrência de fatos”[7].

No entanto, a própria lei parece adotar um posicionamento menos exigente, eis que, como pode ser percebido, de modo expresso e literal, pela redação do artigo 383 do Código de Processo Civil de 1973, reproduções mecânicas, fotográficas, cinematográficas, ou de outras espécies (e tem-se aí a autorização para todo o arcabouço tecnológico posterior ao advento do CPC/73, quando de seu início de vigência), poderá ser utilizado como meio de prova, sendo tratado, ademais, como prova documental já que se cuida de dispositivo inserido em tal capítulo.

Modernamente, com o avanço tecnológico, a expressão documento pode ser empregada, até mesmo, no sentido de identificar “trabalho criado em um processador de texto e gravado num arquivo”.[8]

A Lei nº 11.419/06, inclusive, disciplinou a informatização do processo judicial, passando a prever que documentos sob a forma de extratos digitais de bancos de dados possam ser aceitos como documentos no processo civil pátrio (orientação mantida no novo Código de Processo Civil).

E, para alguns, dentre os grandes méritos desta lei, além da disciplina expressa de questões referentes à existência dos chamados documentos eletrônicos, estaria a própria possibilidade de existência de uma própria execução eletrônica.[9]

O Superior Tribunal de Justiça, tem, até mesmo, já há algum tempo, apreciado questões que abordam a discussão acerca de documentos eletrônicos (questão cada vez mais atual num ambiente com milhares de transações mercantis pela internet), e mesmo documentos magnéticos (como se conceituou em Julgado, um cartão bancário para operar caixa eletrônico). Neste sentido, pedimos licença para destacar o Julgado elucidativo da questão:

RECURSO ESPECIAL Nº 602.680 - BA (2003/0195817-1) CIVIL. CONTA-CORRENTE. SAQUE INDEVIDO. CARTÃO MAGNÉTICO. SENHA. INDENIZAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. 1 - O uso do cartão magnético com sua respectiva senha é exclusivo do correntista e, portanto, eventuais saques irregulares na conta somente geram responsabilidade para o Banco se provado ter agido com negligência, imperícia ou imprudência na entrega do numerário. 2 - Recurso especial conhecido e provido para julgar improcedente o pedido inicial. Brasília, 21 de outubro de 2004 (data de julgamento). MINISTRO FERNANDO GONÇALVES, Relator. O acórdão, reconhecendo o extravio do cartão magnético do recorrido, afirma o saque em sua conta de poupança, debitando à recorrente a culpa pelo evento por não haver apurado "a verdade dos fatos". Diz o julgado: "Embora a CEF critique a provável falta de cautela do cliente com seu cartão magnético, não se preocupou a referida empresa pública, como dito, em provar, nestes autos, a culpa concorrente ou exclusiva do autor no saque indevido efetuado em sua conta poupança..." (fls. 157) Em nenhum momento, nem o acórdão e nem a sentença tratam do tema relativo à senha de uso pessoal, intransferível e sigiloso e que constitui fator importante, senão imprescindível, para a efetivação de saques. Sob o ângulo do dissenso pretoriano (letra c), afastada eventual controvérsia acerca do tema probatório ou sua possível inversão, no julgamento do Resp 417.835-AL, pela Quarta Turma, na assentada do dia 11 de junho de 2002, onde argüido maltrato aos arts. 333, I, do Código de Processo Civil, e 159 do Código Civil de 1916, foi estabelecido, no essencial, o seguinte: "Na inicial é alegado pela autora que sua conta-corrente apresenta débito de R$ 850,00, pelo qual não foi responsável. A CEF, por outro lado, alega que tal saque se deu mediante utilização de cartão da correntista em caixa eletrônico, com o emprego de senha pessoal. O acórdão regional confirma que a retirada deu-se daquela forma, mas, como não é possível identificar-se quem teria feito o uso do cartão magnético, imputou o ônus da prova ao banco réu (cf. fl. 56). A questão, realmente, não é simples. Todavia, a conclusão a que chego é no sentido oposto à do aresto regional. É que entregue o cartão ao cliente e fornecida a senha pessoal para a sua utilização, a guarda a ele cabe, exclusivamente. Não pode nem deve, em princípio, cedê-lo a quem quer que seja, ou quebrar o sigilo, fornecendo a senha a terceiros. Também incumbe-lhe manusear adequadamente o cartão, evitando solicitar auxílio de estranhos. Desse modo, achando-se na posse e guarda do cartão e da senha, a presunção lógica é a de que se houve o saque com o emprego de tal documento magnético, cabe à autora provar que a tanto não deu causa. Não basta alegar que dele não fez uso. Tem de demonstrá-lo. Ao estabelecimento bancário basta, na hipótese em comento, comprovar que o saque foi feito com o cartão do cliente, que tinha a sua guarda, e não que foi o cliente, pessoalmente, quem efetuou a retirada. Seu ônus não tem essa extensão, penso eu. Não há, pois, a prova da culpa do banco, que ele teria agido com imprudência, imperícia ou negligência, se entregou o dinheiro de acordo com as regras de depósito, mediante a apresentação do credenciamento necessário." O acórdão teve a seguinte ementa: "CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. SAQUE EM CONTA CORRENTE MEDIANTE USO DE CARTÃO MAGNÉTICO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. ÔNUS DA PROVA. EXTENSÃO INDEVIDA. CPC, ART. 333, I. I. Extraída da conta corrente do cliente determinada importância por intermédio de uso de cartão magnético e senha pessoal, basta ao estabelecimento bancário provar tal fato, de modo a demonstrar que não agiu com culpa, incumbindo à autora, em contrapartida, comprovar a negligência, imperícia ou imprudência do réu na entrega do numerário. II. Recurso especial conhecido e provido, para julgar improcedente a ação." A hipótese retratada nestes autos, em tudo por tudo, é idêntica, porquanto no saque não houve utilização apenas do cartão magnético, mas, também, como sustenta a Caixa Econômica, da senha pessoal criptografada, que, por força de contrato, "é um código privativo e de conhecimento exclusivo do titular da conta" (fls. 70). Neste contexto, sem adentrar ao terreno probatório quanto à sua inversão ou não, a verdade é que não houve debate nas instâncias ordinárias sobre o uso conjugado do cartão/senha, atribuindo-se responsabilidade à CEF, sem maiores detalhamentos e colidindo com o entendimento esposado pela Turma no recurso especial em apreço (417835-AL). Assim sendo, com apoio no precedente acerca do tema, conheço do recurso e lhe dou provimento para julgar improcedente a ação, invertidos os ônus da sucumbência.[10]

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Em vários trechos do CPC, aliás, observamos os impactos da evolução tecnológica sobre a própria noção de prova documental, tal como se tem quando se possibilita a assinatura digital de instrumento de procuração do advogado (com a ressalva “nos termos da lei”, a exigir o advento de lege ferenda em relação aos requisitos de tal assinatura digital), ou mesmo quanto a expressas referências a tais processos eletrônicos, ao disciplinar a forma dos atos processuais.

Destacam-se, em relação a tanto, os requisitos mínimos para a admissão de comunicação de atos processuais, por meios eletrônicos, que devem se pautar pela autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade, sendo ônus das partes obter meios tecnológicos para o acompanhamento dos atos processuais sob tal perspectiva.

Como novidades deste projeto de lei, inclusive, tem-se, em matéria de prova documental, a admissão expressa de fotos digitais, bem como as extraídas da rede mundial de computadores, além dos conhecidos aplicativos de mensagens.

E, ainda, apontar-se-ia que, de modo expresso, o anteprojeto passa a disciplinar o aproveitamento de prova emprestada, o que seguramente passa pelo aproveitamento de cópias, portanto documentos, de trechos de outros feitos, desde que respeitado o contraditório (nota, aliás, característica do novo CPC que prestigia cânones constitucionais de um processo justo ou fair hearing).

Como dado relevante, ainda, em relação à prova documental, seria de se referir às suas várias formas de classificação, eis que, na legislação de regência, ou seja, o Código de Processo Civil, dependendo da autoria do documento, este poderá ser considerado público ou particular.

Do mesmo modo, se a autoria do documento for conhecida, o documento será reputado autêntico, caso contrário, o documento será tido por apócrifo[11], sem prejuízo das classificações propostas por Mittermaier, já mencionadas linhas acima, e mesmo a alusão a documentos autógrafos ou heterógrafos, dependendo, no primeiro caso, de ser o autor material, também autor intelectual do documento, ou não (segundo caso).


[1] TUCCI, Rogério Lauria. Documento, FRANÇA, Rubens Limongi (coordenador), Enciclopédia Saraiva do Direito, Vol. 29, São Paulo: Editora Saraiva, Brasil, 1.977, p. 196.

[2] SANTOS,  Moacyr Amaral; Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. 3, São Paulo: Ed. Saraiva, 1.977, p. 338.

[3] MIRANDA, J. M. Pontes de; Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo IV, Rio de Janeiro: Ed. Forense, Brasil, 1.996, p. 357.

[4] MITTERMAIER, C.J.A., Tratado da Prova em Matéria Criminal, Campinas: Ed. Bookseller, Brasil, 1.996, p. 295-296.

[5] SILVA, De Plácido e, Vocabulário Jurídico, vol. 1, Rio de Janeiro: Ed. Forense, Brasil, 1.991, p. 118.

[6] CAPEZ, Fernando, Manual de Processo Penal, São Paulo: Ed. Saraiva, Brasil, 2.007, p. 331.

[7] DINAMARCO, Cândido Rangel; op. cit., p. 591.

[8] DINIZ, Maria Helena, Dicionário Jurídico, vol. 2, São Paulo: Ed. Saraiva, Brasil, 1.998, p. 224.

[9] MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de Processo Civil Interpretado e Anotado. Barueri: Manole, Brasil, 2.008, p. 697.

[10] DVD Jurisplenum, Edição 101, Vol.1, julho, Porto Alegre: Editora Plenum, Brasil, 2.008.

[11] DINIZ, Maria Helena, op. cit., p. 224.

Sobre o autor
Julio Cesar Ballerini Silva

Advogado. Magistrado aposentado. Professor da FAJ do Grupo Unieduk de Unitá Faculdade. Coordenador nacional dos cursos de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil, Direito Imobiliário e Direito Contratual da Escola Superior de Direito – ESD Proordem Campinas e da pós-graduação em Direito Médico da Vida Marketing Formação em Saúde. Embaixador do Direito à Saúde da AGETS – LIDE.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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