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Arbitragem como técnica alternativa de solução de conflito em matéria tributária

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Agenda 28/03/2017 às 14:35

O principal obstáculo à aplicação da arbitragem em questões tributárias é a hipossuficiência e vulnerabilidade do contribuinte perante o fisco, sem as quais não se verifica a necessária autonomia de vontade para negociar.

1 INTRODUÇÃO

Anualmente, o Conselho Nacional de Justiça publica um minucioso relatório, denominado “Justiça em Números”, com estatísticas oficiais que permitem dimensionar o Poder Judiciário Brasileiro, bem como monitorar a eficiência das políticas institucionais.

Atualmente, o Poder Judiciário conta com 15.773 unidades judiciárias de primeiro grau, das quais 10.156 unidades da Justiça Estadual e 976 da Justiça Federal, ou seja, 64,4% e 6,2% respectivamente. Nessas unidades, trabalham 14.883 juízes de direito com o apoio de 182.998 servidores efetivos apenas no 1º grau de jurisdição[1]. Apesar do pequeno aumento da força de trabalho em comparação a 2014[2], o índice de congestionamento de processos nas Justiças Estaduais e Federais se mantém elevado, especialmente devido ao “gargalo da execução”.

Segundo o IPEA, o processo de execução fiscal tem um custo individual de até R$4.368,00 (quatro mil, trezentos e sessenta e oito reais) somente para a movimentação da máquina pública, excluído do cômputo os honorários advocatícios. A despeito desse alto valor, a sua efetividade é baixa.

O Relatório Justiça em Números 2016, referente a 2015, aponta que o Poder Judiciário contava com um acervo de quase 74 milhões de processos pendentes de baixa. Desses, quase 52% se referiam à fase da execução. A partir de uma comparação entre as execuções judiciais criminais, as execuções judiciais não criminais e as execuções de títulos executivos extrajudiciais, relatou o CNJ que os processos de execução fiscal são os grandes responsáveis pela alta taxa de congestionamento do Poder Judiciário, com um índice de congestionamento de 91,9%. “A cada 100 processos de execução fiscal que tramitaram no ano de 2015, apenas 8 foram baixados”[3].

Essa crise enfrentada pelo Poder Judiciário tem se intensificado ao longo dos anos e apresenta reflexos diretos na arrecadação dos Entes Federados. A recuperação do crédito tributário através das execuções fiscais mostra-se insuficiente. Em pesquisa da Procuradoria da Fazenda Nacional, constatou-se que o valor da dívida ativa federal em 2006 alcançou o valor de R$ 401.678.658.155,33 (quatrocentos e um bilhões, seiscentos e setenta e oito milhões, seiscentos e cinquenta e oito mil, cento e cinquenta e cinco reais e trinta e três centavos) ao passo que o valor recuperado judicialmente alcançou apenas 0,6% desse montante.

Ante esse cenário alarmante do Poder Judiciário, especificamente nas execuções fiscais, busca-se, aqui, sem a ambição de esgotar, mas, sim, provocar a reflexão interdisciplinar acerca da viabilidade ou não de aplicação de mecanismos alternativos de solução de conflitos, com foco na arbitragem, para a solução às demandas tributárias, como opção capaz de desafogar o Poder Judiciário e conferir a eficiência que se espera na solução dessas lides.


2 PROCESSO JUDICIAL TRIBUTÁRIO

O processo, inicialmente, era visto como um procedimento que permitia a aplicação do direito material, ou seja, uma série de atos que deveriam ser praticados para a solução de um litígio. Porém, quando o Estado invocou para si a função de solucionar os conflitos, esse conceito ganhou novas nuances, passando a ser tratado o direito processual como um campo do direito público. “O processo não mais poderia ser pensado como uma mera sequência de atos destinada à aplicação judicial do direito material violado”[4].

A partir dessa separação do direito processual e o direito material[5], bem como a definição daquele como um campo do direito público, Oskar Von Büllow, em sua obra Teoria dos Pressupostos Processuais e das Exceções Dilatórias, sistematizou a existência de uma relação jurídica processual de direito público entre as partes e o Estado, desde que atendidos determinados pressupostos e princípios. “A relação jurídica processual teria sujeitos (juiz, autor e réu), objeto (prestação jurisidicional) e pressupostos próprios (propositura da ação, capacidade para ser parte e investidura na jurisdição daquele a quem a ação é dirigida). ”[6]

O processo judicial tributário, à luz da teoria de Büllow, portanto, consiste numa relação jurídica entre o Estado-Juiz, Estado-Fisco e os contribuintes, onde aquele soluciona com caráter de definitividade eventuais conflitos relacionados à obrigação tributária. Inexiste um direito processual tributário autônomo, mas, sim, a aplicação do direito processual civil às relações jurídicas tributárias sem prejuízo dos valores e premissas do direito tributário material.

A prestação da tutela jurisdicional é, insista-se, monopólio do Estado, que a exerce através dos órgãos do poder Judiciário. No âmbito tributário, caso o conflito não seja equacionado na esfera administrativa, seja porque o administrado não a utilizou, seja porque não se satisfez com o seu resultado, sempre haverá a possibilidade de acesso ao Poder Judiciário, único competente para impor às partes uma solução definitiva para o conflito[7].

Dentre as diversas classificações doutrinárias, destaca-se aquela que classifica o processo segundo o autor da provocação jurisdicional: os processos iniciados por provocação do Estado-Fisco são classificados como exacionais enquanto que os iniciados por provocação do contribuinte, por sua vez, antiexacionais[8].

Conforme já destacado ao longo desse capítulo, a Fazenda Pública é capaz de constituir o seu próprio título executivo extrajudicial de forma unilateral, extraindo a certidão de dívida ativa a partir das anotações do livro da dívida ativa e, por isso, prescinde de tutela de conhecimento. O direito já está dito na CDA. Restam à Fazenda a tutela jurisdicional executiva e a cautelar, de natureza satisfativa e assecuratória respectivamente.

2.1 EXECUÇÃO FISCAL

Dentre as ações de iniciativa do Fisco ou exacionais, destaca-se a Execução Fiscal, disciplinada pela Lei 6.830/1980 e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil. Trata-se de uma espécie de processo de execução por quantia certa de título extrajudicial, que visa a satisfação de um direito certo, líquido e exigível, reconhecido através da CDA e até então inadimplido. A Execução Fiscal é um dos procedimentos mais utilizados e contém alguns aspectos específicos[9], pensados na sua edição como mecanismo para conferir maior eficiência e efetividade à cobrança do crédito tributário.

Segundo a Exposição de Motivos da LEF, o CPC de 1973 teria dado “ao crédito público o mesmo tratamento da nota promissória e da letra de câmbio”, o que justificaria que, em 1980, a LEF tratasse de: assegurar à realização da receita pública os melhores meios da execução judicial, [através de] disposições capazes de conferir condições especiais para a defesa do interesse público, como é tradição em nosso direito, desde o Império[10].

Apesar da possibilidade de citação pelo correio, do despacho inicial integrado e outros aspectos pensados para conferir maior eficiência à Execução Fiscal, ela é atualmente a grande responsável pela alta taxa de congestionamento de processos no Poder Judiciário, conforme destaca o relatório Justiça em Números 2016, referente ao ano 2015, publicado pelo CNJ:

Dentro do quadro geral das execuções, pode-se afirmar que o maior problema são as execuções fiscais. Na verdade, como sabido, o executivo fiscal chega a juízo depois que as tentativas de recuperação do crédito tributário se frustraram na via administrativa, levando à sua inscrição da dívida ativa[11].

O relatório vai além na análise e aponta como principal responsável por essa frustração das Execuções Fiscais a repetição de etapas e providências de localização do devedor ou patrimônio já adotadas pela Administração Fazendária ou pelo Conselho de Fiscalização Profissional sem sucesso. Apontou ainda serem frequentes as Execuções Fiscais justamente de títulos cujos valores são mais difíceis de serem recuperados, ou seja, dos “créditos podres” que, independente do procedimento adotado, a execução fiscal não lograria êxito, pois “natimorta”[12].

A baixa eficiência da execução fiscal decorre de vários aspectos, entre os quais a desconsideração de elementos essenciais, como a qualidade das informações para localização do executado e de seus bens[13] ou a exequibilidade do crédito, a morosidade e a quantidade exorbitante de processos, a reduzida taxa de solução e a falta de estrutura dos órgãos de cobrança.

A análise da exequibilidade do crédito, quando ocorre, é pautada exclusivamente na classificação do crédito segundo o seu montante, não quanto à sua qualidade ou ao seu potencial de recuperação. O montante é levado em conta, por exemplo, ao não se ajuizarem cobranças de créditos da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) inferiores a R$ 20 mil (vinte mil reais), conforme art. 20, Lei 10.522/02, cumulado com a Portaria 130/2012 do Ministério da Fazenda. No entanto, esse não é o mecanismo mais indicado. Além da análise do montante do crédito, deve-se ter em mente a análise da solvabilidade do devedor.

O exame da qualidade e solvabilidade do crédito parece igualmente recomendável. A pesquisa encontrou casos que permitem afirmar que a estratégia do processamento diferenciado das execuções fiscais contra grandes devedores pode ser um desperdício de energia, tempo e dinheiro nos casos em que o devedor teve sua falência decretada há muito tempo e o crédito não foi levado a concurso de credores. Isto revela que a análise do valor cobrado deve ser feita conjuntamente com a qualidade ou solvabilidade deste crédito. A partir desta classificação prévia será possível decidir qual o melhor destino a se dar ao crédito – e muitas vezes este não será a cobrança judicial[14].

Repise-se que a execução fiscal não é somente ajuizada pelo Fisco em decorrência de créditos tributários. Segundo o art. 1º da Lei 6.830/80, a execução fiscal pode ser ajuizada para cobranças dos entes e suas autarquias de dívidas tributárias ou não. E é quando esses outros órgãos, a exemplo dos Conselhos Profissionais, figuram no polo ativo da execução que, segundo a pesquisa do IPEA, verifica-se a propositura de ações de execução para cobranças irrisórias que não compensam os custos envolvidos na movimentação da máquina judiciária.

A Execução Fiscal, regulamentada pela Lei 6.830/80, foi pensada para ser menos burocrática do que a execução de título extrajudicial para pagamento de quantia certa, dispensando o magistrado das atividades burocráticas para se concentrar tão somente na atividade jurisdicional. Ocorre que, depois de quase três décadas da sua entrada em vigor, a execução fiscal mostra-se como uma das maiores mazelas do Poder Judiciário[15], obstruindo especialmente a Justiça Federal e a Justiça Estadual.

Esse infeliz cenário não é exclusivamente brasileiro. Em Portugal, diante de mazelas semelhantes na execução fiscal, foi promulgado o Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro, que regula, no ordenamento lusitano, a arbitragem em matéria tributária como forma alternativa de solução de conflitos fiscais. A partir desse exemplo lusitano, pergunta-se se a arbitragem seria o caminho para a solução alternativa e pacificação do conflito tributário também no Brasil.


3 ARBITRAGEM NAS CONTROVÉRSIAS TRIBUTÁRIAS

Cabe ao Poder Judiciário, como função precípua, a solução de conflitos. Por integrar a Administração Pública, essa esfera de poder também tem sua atividade orientada pelos princípios estampados no artigo 37 da Constituição Federal. Deveria o Poder Judiciário Brasileiro ser, portanto, eficiente. Contudo, não é.

É conhecimento de todos que o Poder Judiciário Brasileiro, já há algum tempo, não consegue solucionar a contento os inúmeros problemas que afloram na sociedade e lhe são apresentados. Inúmeras causas são apontadas para essa danosa morosidade, violentadora do princípio da eficiência e, por que não, do direito fundamental de acesso à justiça[16].

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Geralmente são apontados como culpados pelo crescente acervo de processos pendentes de solução o aumento da litigiosidade, a escassez de recursos humanos e precariedade das condições de trabalho, os inúmeros recursos manejáveis, a desorganização do trabalho cartorário etc. Numa análise dos principais processos que obstruídos, a execução fiscal desponta.

Esforços têm sido empregados para contornar esse cenário. Exemplo disso é a publicação, no dia 06 de maio de 2016, da Portaria RFB nº 719, que estabelece a revisão de ofício de créditos tributários, inscritos ou não na Dívida Ativa da União (DAU). Trata-se de uma clara tentativa de reduzir a necessidade de judicialização de questões tributárias através da valorização do processo administrativo.

Segundo essa portaria, as decisões sobre a revisão de ofício, seja nas hipóteses do art. 149, CTN, ou ainda em decorrência da prescrição ou revisão de juros ou multa de mora, passam a ser proferidas por despacho decisório dos Auditores-Fiscais da Receita Federal. Já a revisão da cobrança de créditos tributários será efetuada por despacho simples de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil ou por Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil, passível de reanálise pela chefia imediata ou até mesmo pelo Inspetor-Chefe da Receita Federal[17]. O ponto alto dessa portaria é a previsão de uma via alternativa ao questionamento de um débito indevido sem que o contribuinte precise recorrer ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais ou mesmo ao Poder Judiciário.

A doutrina também vem defendendo a opção por soluções alternativas de conflito, tendo em vista especialmente a simplicidade e agilidade desses métodos. Na busca por mecanismos alternativos para o adequado tratamento dos conflitos entre o Fisco e os contribuintes, desponta a arbitragem em matéria tributária.

Parcela da doutrina enxerga na arbitragem em matéria tributária um mecanismo hábil a desafogar o Poder Judiciário de demandas que questionam aspectos relacionados à interpretação de leis e demais atos normativos para concentrar a atividade jurisdicional somente quando necessária a sua coercibilidade. Outros já entendem cabível a arbitragem como alternativa para as demandas mais simples e numerosas. Independente da natureza das demandas, se complexas ou simples e numerosas, a aplicação da arbitragem em matéria tributária encontra fortes argumentos que põem em xeque a sua possibilidade.

Enfim, é chegado o momento de verificar se a relação jurídica tributária atende aos requisitos para ser submetida a arbitragem. Para tanto, serão enfrentados alguns questionamentos sobre a disponibilidade ou não do crédito tributário, bem como a existência de autonomia da vontade e, por fim, se a arbitragem seria efetivamente a solução para o gargalo da execução fiscal.

3.1 DISPONIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

Certamente, a disponibilidade ou não do crédito tributário é o primeiro grande obstáculo que induz a negativa da arbitragem em matéria tributária. De início, é mesmo difícil aceitar a ideia de disponibilidade do crédito tributário por esse ser entendido como um patrimônio público. A tendência é negar que os direitos patrimoniais públicos sejam indisponíveis ante o princípio da supremacia do interesse público.

O Código Tributário Nacional, em seu artigo 139, define a natureza jurídica do crédito tributário, porém não lhe conceitua. A partir da leitura combinada desse com o artigo 142 do CTN, é possível conceituar o crédito tributário como a obrigação tributária que, a partir da prática de um ato administrativo, o lançamento, tornou-se certa, líquida e exigível.

A obrigação tributária nasce com a ocorrência, no mundo fenomênico, de um fato definido em lei como fato gerador do tributo. No entanto, para que seja definido o crédito correspondente, exige-se um procedimento administrativo que culminará na prática de um ato administrativo. No decorrer desse procedimento, será definido com precisão o montante do tributo ou penalidade, o devedor e o prazo para pagamento, aspectos que estarão expressos no ato de lançamento.

É o ato administrativo de lançamento que conferirá exigibilidade à obrigação. Somente a partir dele é possível, nos termos do CTN, falar em crédito tributário. Trata-se o lançamento, como visto, de um ato que declara a obrigação tributária, na medida em que verifica a ocorrência do fato gerador, e constitui o crédito tributário, sendo, portanto, um ato de natureza mista. Não há, portanto, razão para se confundir obrigação, lançamento e crédito tributário, malgrado a doutrina critique o tratamento apartado da obrigação e do crédito tributário.

No momento em que o CTN afirma, no parágrafo único do artigo 142, que a atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, alguns autores defendem a partir dessa afirmativa a suposta indisponibilidade do crédito tributário. Hugo de Brito Machado[18] argumenta ser vetado ao agente público abrir mão desse direito, salvo em situações excepcionais.

Segundo o artigo 3º do CTN, “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Logo, a atividade de cobrar a obrigação tributária com a constituição do crédito tributário, é indisponível, pois vinculada.

Assim, verificada ocorrência do fato gerador no mundo fenomênico, não pode o agente público furtar-se do procedimento de constituição do crédito. No entanto, o crédito tributário, apesar de integrar o patrimônio da Administração Pública, não é em si indisponível.

A indisponibilidade do interesse público decorre da sua titularidade: a coletividade é titular do interesse público, cabendo à Administração tão somente, por mais óbvio que isso possa parecer, administrar conferindo-lhe efetividade. Conforme destaca Maria Sylvia Zanella Di Pietro, nem todo direito patrimonial, no âmbito do direito público, é indisponível. “Por vezes, a disponibilidade de um patrimônio público pode ser de mais interesse da coletividade do que a sua preservação”[19].

O crédito tributário insere-se nesse conjunto patrimonial público disponível, apesar do valor da sua arrecadação ser uma das principais fontes de renda para a efetivação de direitos públicos primários, como a saúde, educação e segurança. Tanto é disponível que o próprio CTN prevê a possibilidade de anistia, transação e remissão do crédito tributário, nos artigos 151, 156 e 171.

A opção pela arbitragem não viola a indisponibilidade do interesse público. Repise-se que não é todo e qualquer interesse público que é indisponível, mas tão somente o interesse público primário. No caso, conforme ressaltado pelo Ministro Luiz Fux, relator do Agravo Regimental no Mandado de Segurança 11.308/DF, ao optar pela arbitragem não se está transigindo com o interesse público, nem abrindo mão de instrumentos de defesa de interesses públicos; mas, sim, opta-se por uma forma mais expedita, ou um meio mais hábil, para a defesa do interesse público. “Em verdade, não há que se negar a aplicabilidade do juízo arbitral em litígios administrativos, em que presente direitos patrimoniais do Estado, mas ao contrário, até mesmo incentivá-la, porquanto mais célere”[20].

A arbitragem em matéria tributária, portanto, versa sobre um interesse de geração de riqueza para o Estado, essencialmente secundário e consequentemente disponível. Ademais, na arbitragem, o fisco está simplesmente optando por uma forma diversa de resolução da controvérsia. Porém, ante os princípios da legalidade e a segurança jurídica que norteiam a atuação administrativa, a submissão do conflito tributário à arbitragem depende de lei específica que regule o processo arbitral.

3.1.1 Princípio da Legalidade Tributária

A Constituição Federal estipula limitações ao poder de tributar, ou seja, ela procura limitar a invasão patrimonial perpetrada pelo Estado ao exigir dos governados uma participação no custeio dos encargos públicos. Essa limitação tem amparo, especialmente, nos princípios constitucionais encontrados nos artigos 150 a 152, CF/88, dos quais destaca-se o princípio da legalidade.

O princípio da legalidade tem origem remota, sendo historicamente apontado como primeira manifestação escrita a Carta Magna de 1215, subscrita pelo Rei João Sem Terra como contrapartida exigida pela nobreza para a sua manutenção no poder. Esse documento consistia num verdadeiro estatuto e procurava inibir a atividade expropriante avassaladora. Para tanto, foi imposta a necessidade de concordância prévia dos súditos para a cobrança dos tributos.

A invasão patrimonial precisava ser precedida pelo consentimento popular. O tributo haveria de ser consentido[21].

O artigo 150 da Constituição Federal de 1988, ao estipular as garantias do contribuinte, veda à União, Estados, Municípios e ao Distrito Federal a exigência ou aumento de tributo sem lei que o estabeleça. Numa interpretação mais imediatista, associa-se a necessidade da lei tão somente à criação e majoração do tributo. Contudo, a melhor interpretação exige previsão legal também para a extinção do tributo, bem como as desonerações.

Ademais, a legalidade, também consagrada no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, se impõe nas relações processuais, sendo aplicável também aos processos administrativos preparatórios e os de controle interno da legalidade dos atos administrativos, bem como no processo tributário judicial.

Toda a atividade processual tributária deve ser desenvolvida na forma prevista em lei, materializando o devido processo legal. A arbitragem ou qualquer outro método de solução de controvérsias se desprovido de respaldo legal, em matéria tributária, padece de ineficácia.

Essa previsão legal poderá ser feita através de lei ordinária. Apesar da Constituição Federal, em seu art. 146, determinar que cabe a lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, essa exigência não é extensível ao processo tributário, sendo possível que uma lei ordinária federal autorize a arbitragem em matéria tributária.

A despeito de o Código Tributário Nacional tratar das normas gerais em matéria tributária, ele é omisso em relação ao processo tributário em si. Para o processo tributário, em verdade, aplica-se muito do Código de Processo Civil e a Lei 6.830/80 – Lei de Execução Fiscal, ambas ordinárias. Além disso, a própria CF/88, em seu artigo 22, I, autoriza que lei federal ordinária verse sobre normas processuais.

Em posicionamento favorável à arbitragem em matéria tributária, Antônio Souza Ribas afirma que a “indisponibilidade do crédito tributário e a estrita legalidade não impedem a administração de se submeter à arbitragem, exigindo-se apenas que o legislador possa definir com suficiente precisão os pressupostos e o alcance deste mecanismo de solução de conflitos”[22].

A opção pela arbitragem em matéria tributária não significa que as partes estejam dispondo ao seu bel prazer do crédito tributário em si e violando a indisponibilidade do interesse público. Ao revés! Elas apenas renunciam à solução jurisdicional do conflito. A Administração Pública deverá sempre, na busca do seu fim precípuo, ser eficiente, conforme art. 37, caput, CF/88. E mais desrespeitoso ao interesse público do que eventual opção pela arbitragem é uma decisão demorada ou até mesmo menos especializada, ainda que proferida pelo juízo estatal.

Ademais, insta ressaltar que essa renúncia à jurisdição estatal não é total. A sentença arbitral é título executivo extrajudicial, porém o juízo arbitral não detém executio, ou seja, poder de executar a sua própria decisão, tampouco coercibilidade para cumprir alguma diligência. Nessas hipóteses, deverão as partes recorrer ao Poder Judiciário necessariamente. Eventuais questões que suplantem a competência do juízo arbitral, portanto, deverão ser levadas ao Poder Judiciário.

Advirta-se que a opção pela arbitragem não implica necessariamente em resultado positivo favorável aos contribuintes ou à Administração Pública. Define apenas que a solução será dada através de uma sentença arbitral proferida por um terceiro imparcial, nada além.

No entanto, a norma material alcançada ao final, quando da prolação dessa sentença arbitral, deverá encontrar fundamento no próprio CTN ou em lei que verse sobre matéria tributária. O parágrafo terceiro do artigo segundo da Lei de Arbitragem veda o uso da equidade em arbitragem que envolva a Administração Pública. Assim, “caso venha a ser possível que o crédito tributário regularmente constituído pelo Fisco seja desconstituído por sentença arbitral, tal hipótese deverá constar expressamente no CTN”[23].

Por fim, a adoção da arbitragem dependerá da anuência do contribuinte.

3.2 AUTONOMIA DA VONTADE E A VULNERABILIDADE DO CONTRIBUINTE

A arbitragem promove a plena autonomia do indivíduo e desponta como um meio ágil e eficaz de solução de conflitos ante a morosidade e pouca efetividade da tutela jurisdicional. Dentre os seus princípios basilares, destaca-se a autonomia da vontade.

Segundo Francisco Amaral[24], autonomia da vontade não se confunde com a autonomia privada. A autonomia da vontade tem uma conotação subjetiva, consiste no querer, o impulso psicológico que dá causa ao ato jurídico praticado. É o princípio da autonomia da vontade que dá ampla liberdade às partes para optarem pelo juízo via arbitral, escolherem os árbitros, a lei aplicável e até mesmo definirem o procedimento.

Somete haverá solução arbitral se as partes manifestarem interesse em submeter o conflito à arbitragem. Porém, em matéria tributária, essa liberdade não é ampla, mas, sim, encontra limites na lei e na tipicidade tributária.

A arbitragem deverá ser desenvolvida respeitando o contraditório, a igualdade das partes, a imparcialidade do árbitro e seu livre convencimento, conforme parágrafo segundo do artigo 21 da Lei de Arbitragem, e especialmente o devido processo legal[25], consagrado constitucionalmente no inciso LIV do artigo 5º.

Ocorre que, na relação jurídica tributária, há a vulnerabilidade do contribuinte, potencializada pelo Estado de Direito que, ao mesmo tempo em que cria a regra obrigacional tributária, também constitui e cobra o crédito tributário através do lançamento e, por fim, julga eventual conflito através de seus órgãos administrativos ou judiciais. O Estado Fiscal é, ao mesmo tempo, credor, executor e julgador na relação jurídica tributária.

Sem dúvida este ente jurídico domina amplamente os três momentos da relação tributária. Momento estático, relacionado ao Direito Tributário Material (DTM); e crítico, relativo ao Direito Processual Tributário (DTP). Semelhante condição de controle pluripotencial do devedor pelo credor não ocorre nas relações obrigacionais civis ou comerciais, quer sejam, excontractus, e portanto diretamente decorrentes de contratos, cártulas ou mesmo quando ex lege, i.e., decorrentes da lei.[26]

Essa tripla função do Estado ao longo da relação jurídica tributária bem como o aparato da máquina estatal submetem o contribuinte à vulnerabilidade material, formal e processual[27]. A função arrecadatória da norma tributária assume um relevo político econômico que implica na vulnerabilidade do contribuinte ante a Fazenda Pública[28]. Já a formal consiste na dificuldade do controle da atuação fazendária, marcada fiscalização, lançamento e cobrança de tributos. Por fim, “a vulnerabilidade processual do contribuinte se exprime quando a função jurisdicional do Estado, administrativa ou judicial, ocorre especificamente no caso de o julgador integrar os quadros funcionais do próprio Estado, gerando assim susceptibilidade ao contribuinte”[29].

A vulnerabilidade do contribuinte, portanto, é um importante obstáculo à adoção da arbitragem, ante a desigualdade das partes envolvidas. Apesar disso, há quem defenda ainda assim a viabilidade da arbitragem em matéria tributária.  Argumenta Priscila Faricelli de Mendonça que, nesse caso, a arbitragem deverá ser adotada a partir da previsão legal para sua instauração nas controvérsias, não como manifestação exclusiva da autonomia da vontade.

Mendonça propõe uma mitigação da autonomia da vontade. Seria necessário, então, uma cláusula compromissória suis generis, pois, ao invés de pactuada entre as partes num contrato paritário, ela estaria fruto de uma prévia imposição legal, ante a marcante hipossuficiência do contribuinte na relação jurídica tributária.

Como a seara tributária é sui generis e ambas as partes compõem um vínculo jurídico independentemente de vontade – na medida em que o Estado deve exercer a competência tributária e não pode abrir mão da arrecadação; a seu turno, o contribuinte, ao praticar um fato jurídico relevante para fins de tributação, não escolhe estar sujeito ou não à tributação, sendo-lhe tal imposta por decorrência legal – não se mostra necessário que a solução da controvérsia tributária dependa exclusivamente da autonomia da vontade[30].

Ela questiona se a ausência de manifestação puramente decorrente da autonomia da vontade seria suficiente para impedir que seja adotada a solução arbitral para a apuração do valor devido, por exemplo. A essência da arbitragem e a natureza vinculante do ato de lançamento levam a crer que sim, pode haver impedimento.

A apuração do valor devido pelo contribuinte é feita através do procedimento preparatório de lançamento, que, segundo o parágrafo único do artigo 142, é atividade vinculada e obrigatória. Conforme já ressaltado anteriormente, a verificação da ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, a determinação da matéria tributável, o cálculo do montante do tributo devido e a identificação do sujeito passivo devem ser praticados pelo agente público nos exatos limites fixados pela lei.

Ademais, não se pode olvidar que a autonomia da vontade é elemento intrínseco da arbitragem. A sua imposição legal rompe com a voluntariedade marcante da sua essência e limita o acesso à justiça estatal, que acabaria restrito aos casos que suplantam os limites da sentença arbitral ou de sua nulidade. Melhor seria uma autorização legal, não imposição. Repise-se que a sentença arbitral é irrecorrível, salvo nos casos de error in procedendo.

3.2.1 A interpretação da norma tributária

Tradicionalmente, a vinculação dos atos impõe que a vontade do agente, exteriorizada pelo ato administrativo, reproduza a do legislador, que de antemão já fixou, em lei, todos os elementos do ato administrativo. A discricionariedade, contudo, existe nas hipóteses em que é conferida ao agente uma maior liberdade de atuação, com a viabilização de opções de ação ao agente público, que escolherá a melhor segundo um juízo de conveniência e oportunidade.

Atualmente, essa dicotomia vinculação e discricionariedade vem sendo relativizada. Argumenta-se que “não se pode conceber que a atuação do Administrador seja exclusivamente vinculada e mecanizada, pois sempre existirá alguma margem interpretativa da norma jurídica”[31].

No caso da norma tributária, apesar da vinculação do procedimento de lançamento à lei e da tipicidade tributária, nem sempre a norma jurídica é clara, valendo-se em alguns até mesmo casos de conceitos jurídicos indeterminados, o que intensifica a margem de discricionariedade.

Sucede que a clareza do texto da norma, com os seus conceitos determinados e enumerações taxativas, nem sempre é possível no Direito Tributário. A própria procura da clareza pode conduzir ao preciosismo, ao perfeccionismo e ao excesso de regulamentação. As normas tributárias, inflacionadas e de duração efêmera, não primam, nem mesmo em países de sólida tradição jurídica, pela perfeição da forma, sendo defeituosas e imprecisas em grande número. Além disso, o Direito Tributário não pode prescindir dos conceitos indeterminados e dos tipos jurídicos que, abertos por natureza, possibilitam a reelaboração e a renovação da norma por parte do intérprete.[32]

Contudo, de acordo com Aurélio Pitanga Seixas Filho[33], a doutrina não é uníssona quanto à discricionariedade na interpretação da norma tributária. Tradicionalmente, defende-se a tipicidade fechada, na qual à luz dos artigos 150, I, cumulado com o artigo 5º, I, da Constituição Federal, os tributos devem ser criados por lei, em sentido formal, com a previsão de todos os aspectos do fato gerador necessários à quantificação do tributo.

Porém, conforme pontua Humberto Ávila, “a lei não contém as próprias decisões, mas indica os parâmetros ou padrões em razão dos quais a decisão será tomada. Por isso, a representação da tipicidade enquanto cálculo antecipado legal ‘de todas as decisões possíveis’ é ilusória”[34]. As leis tributárias não são necessariamente minuciosas como desejam os formalistas e não há que falar em qualquer prejuízo para a segurança jurídica, pois essa “não significa qualquer garantia de previsão absoluta de conteúdo por meio de conceitos, uma vez que é impossível à linguagem do Direito assegurar uma predeterminação absoluta”[35].

Ao interpretar a lei tributária, o aplicador encontra nela um ponto de partida, não uma resposta pronta, pré-concebida e afastada do mundo fenomênico no qual ele está inserido. Na construção da norma tributária, invariavelmente o agente público aplicará sua bagagem cultural, que pode divergir da do contribuinte, gerando um conflito de interpretações a respeito da verificação ou não da hipótese de incidência no caso concreto, podendo evoluir para um litígio.

Recorda Aurélio Pitanga Seixas Filho que não raras vezes o fato gerador “tem particularidades ou especificidades que não estão ao alcance do conhecimento comum, como a classificação tarifária para pagar o imposto de importação ou a contabilidade para o imposto de renda”[36]. Tais divergências ou mal-entendidos a respeito da matéria de fato podem ser dirimidos pela aplicação da arbitragem em matéria tributária[37].

Assim, apesar do caráter vinculante do ato de lançamento, a arbitragem pode encontrar terreno fecundo em matéria tributária para dirimir eventuais conflitos sobre matéria de fato, ou seja, a ocorrência ou não dos fatos geradores, com a demonstração através de provas concretas.

3.2.2 A hipossuficiência do contribuinte

Ao convencionarem pela submissão do conflito à arbitragem, as partes envolvidas celebram uma convenção sobre as normas de processo. Para que tal convenção tenha validade, exige-se razoável igualdade entre as partes para que possam negociar técnicas e organização. Do contrário, as disposições podem ser facilmente manipuladas pela parte mais forte com vistas a eximir-se de ônus ou deveres, dificultando a atuação da parte adversária, a mais fraca.

As relações jurídicas tributárias compõem um dos melhores exemplos dessa disparidade de poderes, marcada, por um lado, pelo Estado, farto de verdadeiros privilégios disfarçados sob a denominação de prerrogativas, e, por outro, o contribuinte, que, não raras vezes, paga o tributo porque lhe deram um prazo para tanto, sem nem mesmo questionar a legalidade das razões invocadas.

James Marins de Souza[38] destaca que o contribuinte necessita de certidões negativas para o desenvolvimento regular de suas atividades, porém a Fazenda Pública não; o contribuinte está sujeito à penhora de bens móveis e imóveis, mas a Fazenda Pública não; o contribuinte está sujeito a "penhora on line" dos recursos eventualmente existentes em sua conta corrente, porém a Fazenda Pública não; o contribuinte recebe seus créditos, determinados judicialmente, somente através de precatórios, se chegar a recebê-los, mas a Fazenda Pública não. Por fim, ele destaca que o contribuinte pessoa jurídica está sujeito à insolvência ou à falência, mas a Fazenda Pública não.

A verticalidade dessa relação jurídica é notória desde antes da Carta Magna de 1215, cujo advento teve, como um de seus escopos, limitar a sede arrecadatória do Estado, até então desenfreada.

Os defensores da arbitragem em matéria tributária, conforme ressaltado alhures, invocam a legalidade mais uma vez como instrumento equalizador da relação jurídica tributária para, enfim, viabilizar a sua aplicação. No entanto, o cabimento da arbitragem depende de algo mais do que conferir apenas ao contribuinte a escolha pela arbitragem e imposição dela à Administração Pública.

Uma das principais vantagens do juízo arbitral é a sua celeridade e simplificação, fruto da possibilidade de fixação pelas próprias partes do procedimento arbitral. Ocorre que essa negociação processual geralmente não encontra validade numa relação jurídica hierarquizada ante os abusos praticados pela parte mais forte. Por outro lado, repetir o procedimento processual civil, tão criticado pelo leque de recursos cabíveis e necessidade de múltiplos atos para o seu desenvolvimento, acabaria sendo uma repetição dos primeiros erros, verdadeira transferência de problema dos escaninhos do Poder Judiciário para as Câmaras Arbitrais.

Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho[39] destaca ainda que a irrecorribilidade das sentenças arbitrais, apesar de conferir celeridade ao procedimento arbitral, abre a possibilidade para múltiplas soluções divergentes entre os casos, sem possibilidade de harmonização ou uniformização posterior e final de jurisprudência.

A arbitragem, nos moldes previstos na Lei 9.307/96, prima pelo sigilo do procedimento, o que viola frontalmente a publicidade, um dos princípios basilares que devem nortear a atuação da Administração Pública, estampados nos artigos 5º, LX e 37, caput, da Constituição Federal.

Assim, diante da hipossuficiência e vulnerabilidade do contribuinte na relação jurídica tributária, entende-se ser difícil[40] a aplicação da arbitragem como mecanismo alternativo de solução de conflitos tributários. Apesar disso, o direito português, em 2010, editou um decreto consagrando essa possibilidade.

3.3 A ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA EM PORTUGAL

A arbitragem voluntária em Portugal foi inicialmente regulada pela Lei nº 31 de 1986, posteriormente revogada pela ainda vigente Lei nº 63 de 2011. O item 5 da legislação vigente autoriza que o Estado e outras pessoas de direito público celebrem convenções de arbitragem, desde que estejam autorizados por lei ou se tais convenções tiverem por objeto litígios de direito privado.

A Lei Orçamentária de 2010 autorizou a arbitragem em matéria tributária atendendo ao requisito anterior, já que o tributo é uma matéria de direito público. Porém, somente em 20 de janeiro de 2011, através do Decreto-Lei nº 10/2011, a arbitragem foi minuciosamente regulada como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflito em matéria tributária.

De acordo com o seu preâmbulo, o DL n.º10/2011 visa o cumprimento de três objetivos principais: reforçar a tutela eficaz dos direitos e interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos, imprimir uma maior celeridade na resolução de litígios tributário e , por fim, reduzir o acervo de processos pendentes nos tribunais administrativos e fiscais.

Para alcançar a celeridade processual, o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária adotou um processo sem muito formalismo, baseado na oralidade e pautado pelo princípio da autonomia dos árbitros[41] na condução do processo e com a fixação de um um limite temporal de seis meses para a prolação da decisão arbitral, ainda que prorrogável por sucessivos períodos de dois meses, com o limite de seis meses[42].

Em termos gerais, a arbitragem tributária portuguesa tem disposições semelhantes às existentes na Lei brasileira 9.307/96. A arbitragem tributária portuguesa é um método de solução de conflito através de um terceiro imparcial, o árbitro, que pode ser singular ou coletivo[43], escolhido pelas partes ou designado pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD)[44], cuja decisão também tem o mesmo valor que as sentenças judiciais, sendo vedado o recurso à equidade[45].

O CAAD é um centro de arbitragem de carácter institucionalizado, que funciona a partir de uma associação privada sem fins lucrativos, cuja constituição foi promovida pelo Ministério da Justiça. Os tribunais arbitrais funcionam sob a organização do CAAD, o qual funciona, por sua vez, sob a égide do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.[46]

Assim como no Brasil, a arbitragem portuguesa somente tem início com a constituição do tribunal arbitral. Porém, não é todo e qualquer conflito tributário que pode ser submetido à essa forma alternativa de solução de conflitos.

Segundo o artigo 2º do Decreto Lei Português nº 10/2011, alterado pela Lei 64-B/2011, os tribunais arbitrais são competentes para apreciar tão somente a “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, bem como a “ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”. As execuções fiscais não estão incluídas na competência dos Tribunais Arbitrais Portugueses.

Em síntese, o contribuinte realiza o pedido de instauração da arbitragem e a administração pública é chamada ao processo para, caso deseje, revogar ou substituir o ato sob o qual o contribuinte está solicitando a arbitragem. Caso o fisco não realize nenhum desses atos, dar-se-á início ao procedimento arbitral pela designação dos árbitros, conquanto a administração tributária fique impossibilitada de praticar novo ato relativo ao mesmo sujeito passivo, ao imposto e ao período de tributação, exceto com fundamento em fatos novos. Quando apresentado o pedido de constituição de tribunal arbitral, o crédito tributário terá o mesmo efeito que lhe caberia quando do ingresso em juízo, ou seja, a suspensão do processo de execução fiscal e a suspensão e interrupção dos prazos de caducidade e de prescrição da prestação tributária[47].

O Regime de Arbitragem Tributária Português, regulado pelo Decreto nº 10/2011 e Portaria n.º 112-A/2011, diverge muito pouco da Lei de Arbitragem brasileira, sendo uma marcante diferença entre eles a possibilidade excepcional de interposição de recurso em face da decisão arbitral nos casos em que ela divergir de acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo[48].

O recurso ao Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo nos casos de sentença arbitral divergente de seus acórdãos consiste em instrumento que, por um lado, compromete um pouco a celeridade do processo arbitral, porém mostra-se capaz de harmonizar e uniformizar a jurisprudência, contornando a crítica tecida por Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho[49] à arbitragem tributária no direito brasileiro.

Como alternativa ao problema suscitado anteriormente da hipossuficiência e vulnerabilidade do contribuinte e a fixação do procedimento arbitral, o RJAT Português atribuiu competência ao CAAD, “um centro de arbitragem institucionalizado, com um procedimento próprio previamente regulamentado, insusceptível de manipulação pelas partes, e que actua sob supervisão do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais”[50], similar ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais no Brasil. Essa foi a forma encontrada pelo ordenamento lusitano para resguardar a imparcialidade, transparência e idoneidade da arbitragem tributária.

Sobre a autora
Maria Vitória Resedá

Graduada em Direito pela Universidade Salvador - Laureatte. Pós-Graduada em Direito Empresarial e em Direito Tributário. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VITÓRIA, Maria Resedá. Arbitragem como técnica alternativa de solução de conflito em matéria tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5018, 28 mar. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56355. Acesso em: 24 nov. 2024.

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