3 LEI DE FALÊNCIAS (LEI nº 11.101/05)
3.1 Princípios que Regem a Falência
Os princípios que regem o regime de falência e recuperação judicial são diretrizes que permeiam todos os procedimentos, conferindo matrizes para a análise dos problemas de forma mais percuciente.
Fazzio Junior[16] possui no seu Manual um detalhamento específico dos princípios que regem o direito empresarial, no tocante aso sistema de recuperação e falências.
Quanto ao princípio da viabilidade da empresa, este relata:
“Viáveis, é claro, são aquelas empresas que reúnem condições de observar os planos de reorganização estipulados na LRE. A aferição dessa viabilidade está ligada a fatores endógenos (ativo e passivo, faturamento anual, nível de endividamento, tempo de constituição e outras características da empresa) e exógenos (relevância socioeconômica da atividade etc.). ”
Quanto ao princípio da prevalência do interesse dos credores, este informa:
“...o interesse dos credores também não pode ser identificado como a realização de pronto de seus haveres. Pagamentos satisfatórios são aqueles que se aproximam do ideal de integral satisfação dos créditos. A predominância do interesse dos credores deve identificar-se com o interesse público inerente à empresa.”
Quanto ao princípio da publicidade dos procedimentos, este afirma:
“Os procedimentos para solução da insolvência devem ser transparentes, o que significa não somente a publicidade dos atos processuais, mas também a clareza e objetividade na definição dos diversos atos que os integram. O conceito de publicidade está conectado com o de previsibilidade. ”
Quanto ao princípio da par conditio creditorium, este aduz:
“O tratamento equitativo dos créditos é o princípio regente de todos os processos concursais, considerando-se prioritariamente o mérito das pretensões antes que a celeridade na sua satisfação. ”
Quanto ao princípio da conservação e maximização dos ativos, este afirma:
“A realização das finalidades do processo de insolvência demanda que os ativos da empresa devedora sejam preservados e, se possível, valorizados.”
Quanto ao princípio da conservação da empresa viável, este informa:
“Só deve ser liquidada a empresa inviável, ou seja, aquela que não comporta uma reorganização eficiente ou não justifica o desejável resgate.”
3.2 Definição de Falência
A falência é o processo de execução coletiva pela qual a sociedade empresária e o empresário em situação de insolvência são compelidos judicialmente a dividir proporcionalmente seus bens aos credores prejudicados pela situação da falta de cumprimento das obrigações realizadas pelo devedor.
3.3 Natureza Jurídica da Falência
O debate sobre a natureza jurídica do instituto da Falência no âmbito da doutrina não tem sido pacífico, diversas são as concepções a respeito da matéria, podendo ser resumidas as principais teses em três teorias, são elas:
1) Teoria Substancialista
Quem acredita na teoria substancialista, afirma que a concepção de falência é iminentemente de direito material, sendo o processo falimentar apenas um instrumento para consubstanciar as normas falimentares.
Muitos criticam essa teoria, principalmente os processualistas por alegarem a predominância do direito processual na falência, pois acaba sendo uma execução coletiva realizada através de um juízo universal de bens e credores do falido.
O defensores alegam que o direito falimentar é essencialmente material porque muitos direitos são consubstanciados na lei e que exigem condições e regras para a decretação da falência, sendo o processo apenas um acessório para a prática desses direito. Os processualistas continuam na crítica, alegando, que as leis processuais é que são as determinantes desse direito, pois antes da falência os direitos já existem apenas o processo vai coloca-los em prática.
2) Teoria Administrativista
A tese administrativa apregoa o caráter administrativo do instituto da falência, afirmando que a falência se dá no interesse público excluindo a empresa em dificuldade do meio empresarial, visando a preservação do conjunto empresarial e da credibilidade do sistema econômico.
Quando o juiz realiza os atos da falência estaria na ordem administrativa, trabalhando com o auxílio do síndico, chegando até a afirmar quem acredita nessa tese. Uma grande crítica a essa tese é a de que o juiz na falência sempre exerce atos jurisdicionais e que suas decisões são albergadas pela coisa julgado e pela tutela jurisdicional. Outra crítica percebe-se que o processo da falência não pode iniciar ex officio, sendo necessária a provocação da jurisdição.
Além do interesse público relacionado ao processo de falência, existe o interesse dos credores em verem seus créditos satisfeitos e do devedor em ter sua empresa legalmente liquidada. Nelson Nery Junior sustenta que
“O contraditório também se manifesta no processo de execução, embora de forma menos abrangente do que nos processos de conhecimento e cautelar, pelas próprias peculiaridades do processo executivo.”[17]
Rubens Requião[18] tenta conciliar a tese administrativa com a processualista:
“Necessário, portanto, concluir que o processo falimentar é um processo especial e complexo, que compreende em si atos e estados atinentes com as mais variadas formas do processo geral, mas não se deixa absorver no seu conjunto a nenhum deles. É um processo sui generis, regulado por uma lei própria, na qual o juiz desempenha conjuntamente uma atividade administrativa e judicial e mais intensamente administrativa que judicial, voluntária e contenciosa”.
A falência é uma execução coletiva, nascida em função do direito obrigacional, tornando-se inafastável seu caráter processual, pois origina-se da provocação do magistrado, com participação das partes e tendente a afastar a tutela privada dos interesses, visando proteger e assegurar o respeito do interesse de ordem pública.
3) Teoria Processualista
A doutrina majoritária ressalta o caráter processualista da falência. Muitos dos juristas na ordem atual da falência creditam ao processo como sendo a natureza jurídica desse instituto. Vejamos as posições de notórios juristas:
Waldemar Ferreira compartilha da tese expondo:
“A falência, em última análise, é execução processual coletiva, realizada em Juízo, dirigida e superintendida pelo Juiz. Ajuntam-se nela os credores, fortuita, mas obrigatoriamente, cada qual defendendo o seu direito individual, embora deliberando coletivamente, subordinados a regras especiais, mercê da comunhão de interesses. Obriga-os a lei a respeitar, durante todo o curso do processo, o princípio da igualdade, suspensas as ações individuais, sujeitos todos a dividendos ou rateio.”[19]
Wilson Campos Batalha que afirma que
“O processo falimentar tem natureza predominantemente executória” e acresce que “a uma execução sumária com objetivo declaratório (declaração da falência e fixação do período suspeito), segue-se um momento constitutivo (o status de falido, a organização da massa), o momento declaratório do reconhecimento dos créditos com força executória e o momento final da execução coletiva.”[20]
André Santa Cruz corrobora que:
“A despeito de a falência se desenvolver, conforme já ressaltamos, como uma execução concursal do devedor empresário insolvente, o que lhe confere natureza nitidamente processual, a legislação falimentar também regula, por exemplo, os efeitos da decretação da quebra em relação aos bens, à pessoa, aos contratos e aos atos dos falidos, situação em que estabelece preceitos de ordem claramente material. Não há como deixar de reconhecer, pois, o caráter híbrido ou complexo da falência, diante da confluência de normas processuais e materiais no arcabouça jurídico-falimentar.”[21]
Marcelo Bertoldi também alega a natureza processual da falência:
“O processo de falência se desenvolverá na forma de uma ação de conhecimento, que tem por finalidade a confirmação dos indícios de insolvência decorrentes de confissão, impontualidade ou demais atos de falência praticados pelo devedor,”[22]
A falência tem caráter de processo de execução coletiva e, dessa maneira, sujeita à jurisdição em sua concepção moderna, amoldando o direito material na conjuntura que o processo fornece à falência, sendo o instrumento nitidamente essencial.
b) Natureza Jurídica da Recuperação Judicial
A natureza jurídica da recuperação judicial, também diverge grande parte da doutrina, que a considera contratualista, outra parte um contrato plurilateral, outra parte afirma que tem natureza jurídica de uma ação constitutiva, prevalecendo esta última.
A contratualista obriga a participação efetiva de todos os credores representados em assembleia geral de credores, que terão o poder de aprovar ou não o plano de recuperação apresentado pelo devedor. Sérgio Campinho reforça:
“O instituto da recuperação judicial deve ser visto com a natureza de contrato judicial, com feição novativa, realizável através de um plano de recuperação, obedecidas, por parte do devedor, determinadas condições de ordens objetiva e subjetiva para sua implementação.”[23]
Lídia Marzagão corrobora:
“Verifica-se que, a partir da vigência desta nova lei, estaremos resgatando um sistema já adotado em nosso país no século passado e não haverá mais dúvida quanto à natureza contratualista da recuperação judicial, que a princípio obriga à participação efetiva de todos os credores representados em assembleia-geral de credores, que terão o poder de aprovar ou não o plano de recuperação apresentado pelo devedor.”[24]
Outros doutrinadores, afastam a natureza contratual, poderia se dizer que o plano de recuperação é um negócio de cooperação celebrado entre o devedor e o credor assemelhando um contrato plurilateral, homologado pelo juiz como forma de garantia do cumprimento das obrigações assumidas.
Outra parte da doutrina entende que a recuperação judicial tem natureza jurídica de uma ação, caráter processual, como é o caso de Marcelo Bertoldi:
“O regime de recuperação judicial se caracteriza, antes de tudo, por sua natureza processual, sendo a ação de recuperação uma demanda constitutiva, na medida em que cria uma situação jurídica nova ao devedor e aos credores. Essa natureza processual, de tão evidente, permite que se conclua que o seu estudo é costumeiramente reservado à disciplina de direito empresarial apenas por tradição, pois poderia enquadrar-se perfeitamente no estudo do direito processual, civil ou até mesmo penal. ”[25]
3.4 Espécies de Falência
No Direito Brasileiro compreendido entre a vigência do Decreto-Lei 7661 e a Lei 11.101/2005 a falência possuiu 4 espécies, são elas: Incidental, comum ou ordinária, frustrada e sumária. Com a chegada da Nova Lei de Falências a espécie sumária não foi mais prevista na referida Lei.
Portanto, é importante começar pela espécie que não foi abordada pela nova lei, a sumária, ocorre quando o passivo for cem vezes menor que o salário mínimo vigente, e possui característica principal da celeridade. Assim era detalhada no Decreto:
Art. 200. A falência cujo passivo for inferior a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País será processada sumariamente, na forma do disposto nos parágrafos seguintes:
§ 1º Verificando, pela comunicação do síndico a que se refere o art. 63, n. XI, que o montante do passivo declarado pelos credores é inferior à quantia referida neste artigo, o juiz mandará que os autos lhe sejam conclusos e neles proferirá despacho em que:
I - determinará que a falência seja processada sumariamente, designando, dentro dos 10 (dez) dias seguintes, dia e hora para a audiência de verificação e julgamento dos créditos;
II - mandará que o síndico publique, imediatamente, no órgão oficial, aviso aos credores que lhes dê ciência da sua determinação e designação.
§ 2º Na audiência, o síndico apresentará as segundas vias das declarações de crédito, com o seu parecer e informação do falido, e o juiz, ouvindo dos credores que tenham impugnações a fazer e os impugnados, proferirá sentença de julgamento dos créditos, da qual, nos 5 (cinco) dias seguintes, poderá ser interposto agravo de instrumento.
§ 3º Nas 48 (quarenta e oito) horas seguintes à audiência, o síndico apresentará em cartório, em 2 (duas) vias, relatório no qual exporá sucintamente a matéria contida nos arts. 103 e 63, n. XIX.
§ 4º A segunda via do relatório será junta aos autos da falência, e com a primeira via e peças que o acompanhem, serão formados os autos do inquérito judicial, nos quais o falido, nas 48 (quarenta e oito) horas seguintes, poderá apresentar a contestação que tiver; decorrido esse prazo, os autos serão, imediatamente, feitos com vista ao representante do Ministério Público, que, no prazo de 3 (três) dias, pedirá sejam apensados ao processo da falência ou oferecerá denúncia contra o falido e demais responsáveis.
§ 5º Com promoção do representante do Ministério Público, os autos serão conclusos ao juiz, que, dentro de 3 (três) dias, decidirá, observadas, no que forem aplicáveis, as disposições dos arts. 109 e 111.
§ 6º Não tendo havido denúncia ou rejeitada a que tiver sido oferecida, o devedor, nas 48 (quarenta e oito) horas seguintes à sentença, pode pedir concordata, à qual os credores podem opor-se, em igual prazo, decidindo o juiz em seguida.
§ 7º Não pedida ou negada a concordata, ou recebida a denúncia, o síndico iniciará, imediatamente, a realização do ativo e pagamento do passivo, na forma do Título VIII.
A falência frustrada ou falência por execução frustrada, mostra através do seu nome alguma insatisfação da pretensão dos credores por algum ato do devedor insolvente. É uma falência que se frustrou, art. 75 do Decreto 7661, uma vez prolatada a sentença declaratória de falência e após a nomeação do síndico para arrecadação e administração dos bens do falido, este sindico não encontra bem algum, ou se encontrar são insuficientes para pagar a dívida, neste caso o juiz dará vista as partes e poderá prolatar uma sentença encerrando a falência. Logo, frustrou-se a falência em decorrência da miserabilidade da massa. Assim explica a Lei e a Jurisprudência:
Art. 75. Se não forem encontrados bens para serem arrecadados, ou se os arrecadados forem insuficientes para as despesas do processo, o síndico levará, imediatamente, o fato ao conhecimento do juiz, que, ouvido o representante do Ministério Público, marcará por editais o prazo de dez dias para os interessados requererem o que fôr a bem dos seus direitos.
§ 1º Um ou mais credores podem requerer o prosseguimento da falência, obrigando-se a entrar com a quantia necessária às despesas, a qual será considerada encargo da massa.
§ 2º Se os credores nada requererem, o síndico, dentro do prazo de oito dias, promoverá a venda dos bens porventura arrecadados e apresentará o seu relatório, nos têrmos e para os efeitos dos parágrafos 3º, 4º e 5º do art. 200.
§ 3º Proferida a decisão (art. 200, § 5º), será a falência encerrada pelo juiz nos respectivos autos.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. FALÊNCIA E CONCORDATA. FALÊNCIA FRUSTRADA. AÇÃO INDENIZATÓRIA AJUIZADA PELA FALIDA. EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ CONDICIONADA AO PAGAMENTO DOS CRÉDITOS HABILITADOS. CABIMENTO DA MEDIDA.
1. Na ação indenizatória ajuizada pela agravante contra a empresa Oliveira & Lopes Ltda. e o Banco Bradesco S/A, o magistrado de primeiro grau condicionou a expedição de alvará para liberação dos valores depositados em favor da autora à comprovação da quitação dos créditos habilitados ainda pendentes de pagamento, bem como, a quitação das custas processuais do feito falimentar da firma individual em nome da ora recorrente, o qual foi declarado encerrado com fundamento no artigo75, § 3º, do Decreto-Lei 7.661/45, ou seja, em fase da ausência de bens.
2. A extinção da execução coletiva por ausência de bens caracteriza a denominada falência frustrada, situação processual esta que não afasta por si só a obrigação da falida em satisfazer os créditos habilitados, desde que estes sejam anteriores àquela.
3. No caso em concreto existem credores habilitados no concurso universal, conforme deflui da certidão de fl. 69 dos autos, os quais não foram satisfeitos, de sorte que manter a decisão agravada, que condicionou a expedição de alvará em favor da agravante à quitação dos créditos habilitados no processo falimentar, é a medida que se impõe.
4. Negado seguimento ao agravo de instrumento.
(TJ-RS - AI: 70044580926 RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Data de Julgamento: 12/01/2012, Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 18/01/2012) (Grifo nosso).
A falência incidental é declarada no tempo do requerimento do procedimento de recuperação judicial, juntamente com o não preenchimento dos requisitos legais para a concessão. Ocorre quando o devedor não preenche os requisitos da recuperação ou que até mesmo preencha, mas não possui o plano de recuperação e seus corolários, não o apresentando em tempo hábil previsto em lei (no caso a 11.101/05). Sendo assim, o juízo poderá decretar a falência ou de ofício ou a requerimento do devedor.
O prazo para recorrer da sentença que declara a falência começa a contar, de acordo com a súmula 25 do STJ, a partir da data da intimação da parte recorrente. Com a lei 11.101/2005, os procedimentos comum e incidental tiveram ênfase. Este que agora possui seus motivos elencados no Art. 73 da lei de falência e recuperação judicial de 2005 e que, inclusive, pode ser decretado de ofício pelo juiz:
Previsto nos arts. 151 § 3º, 161, 162,174 I, 175 e 176 no decreto 7661.
A última espécie é a comum, ordinária se resume basicamente no procedimento: do requerimento de falência do devedor está alicerçado no artigo 94 da Lei de Falências, que estabelece 3 (três) hipóteses para sua decretação, sendo a principal (ou determinante) a insolvência do devedor, que se exterioriza, antes de tudo, pela sua impontualidade.
Importante registrar que, a Lei de Falências lista com precisão as figuras que possuem legitimidade para requer a falência do empresário ou da sociedade empresária ao juízo responsável.
Apresentado o requerimento de falência, entramos na fase (ou procedimento) preliminar, que se inicia com a citação do devedor, passa pela sua defesa e encerra-se com a sentença do juiz. Assim, uma vez recebida à citação, o devedor poderá, dentro do prazo de 10 (dez) dias, depositar o valor correspondente ao débito, sem contestar; ou depositar o valor correspondente ao débito e, concomitantemente, apresentar defesa (ou contestar); ou não depositar o valor correspondente ao débito, limitando-se a apresentar defesa.
Encerrada a fase preliminar da falência, o juiz deverá proferir uma sentença, na qual poderá acolher o pedido do autor (Sentença declaratória da falência) e, por consequência, declarará a falência, ou, poderá denegar o pedido do autor (Sentença denegatória da falência), sendo que está poderá ser objeto de apelação ao Tribunal de Justiça. Ambas as sentenças trarão efeitos ao devedor e aos credores.