No que tange às disposições de sucessão em geral, o direito do companheiro encontra-se previsto em único artigo, a saber:
Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
Muito embora hoje o instituto da União Estável já esteja equiparado ao casamento em inúmeros fatores, ao se falar em Direito Sucessório, a grande verdade é que o Código Civil trouxe uma série de prejuízos ao companheiro sobrevivente, a exemplo do que o próprio artigo supracitado dispõe:
- Não reconhece o companheiro como herdeiro necessário;
- Não lhe assegura quota mínima;
- Está em 4º lugar na ordem de vocação hereditária, depois dos herdeiros colaterais;
- Limita o direito concorrente aos bens adquiridos de forma onerosa na constância da união;
- Não possui direito real de habitação
- Apenas recebe a totalidade da herança em caso de inexistência de herdeiro.
Muito assertiva sempre em suas colocações, Maria Berenice Dias vê a situação como verdadeira afronta ao princípio da igualdade, na medida em que, reconhecendo o cônjuge como herdeiro necessário, não o faz com o companheiro.
Quer dizer, o cônjuge ocupa a terceira posição na ordem de vocação hereditária, depois de descendentes e ascendentes, enquanto o companheiro, por sua vez, encontra-se no último lugar, recebendo a totalidade da herança apenas se o companheiro falecido não tiver nenhum parente (irmão, tio, sobrinho, tio-avô, sobrinho-neto ou um primo sequer)[1].
É manifestamente inconstitucional. E cada vez defende-se essa tese, na medida em que a união estável é reconhecida como entidade familiar pela Carta Magna (art. 226, §3º), que em nenhum momento concedeu ou concede tratamento desigual a qualquer das formas de constituição da família.
Dito isso, resta claro que o art. 1.790 do Código Civil representa muito mais do que uma forma de discriminação, mas também um retrocesso ao instituto na União estável – instituto esse que passou por um longo caminho (tendo sido inclusive taxada como união indigna) até ser reconhecido como entidade familiar.
Rodrigo da Cunha Pereira, citado por Maria Berenice Dias, é enfático ao escrever que o companheiro se encontra em uma posição muito inferior ao cônjuge e, ao que parece, retomou-se a mentalidade de que a união estável seria uma família de segunda classe e não uma outra espécie de família, nem melhor nem pior do que o casamento, apenas diferente.
Sendo certo que a Constituição Federal equiparou expressamente o casamento à união estável, o Código Civil, ao limitar e restringir direitos ao companheiro, não está garantindo tratamento isonômico, esse assegurado constitucionalmente.
O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), que defende veementemente a inconstitucionalidade do artigo 1.790, participou do julgamento do Recurso Extraordinário nº 878694, com repercussão geral reconhecida, na condição de amicus curiae, em agosto de 2016, recurso este que versa sobre a concorrência sucessória entre cônjuge e companheiro, no Supremo Tribunal Federal.
Sete ministros votaram favoravelmente à inconstitucionalidade do artigo 1.790 e o processo teve pedido de vista por parte do Ministro Dias Toffoli.
Enquanto aguardamos a decisão do STF, a nós resta repudiar referido dispositivo legal, seja pela sua nítida comparação discriminatória, seja pelo fato de contrariar sentimentos, fundamentos constitucionais e o próprio conceito de família, pois, “pelo jeito, a lei considera que no casamento o amor é mais intenso do que na união estável..”[2].
[1] DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. 4ª Ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora dos Tribunais, 2015, p.76.
[2] Op. Cit., p.80.