5. PRINCIPAIS EXCLUDENTES DA PUNIBILIDADE NOS DELITOS TRIBUTÁRIOS
Ultrapassados a análise analítica acerca do delito, qual seja, uma ação típica, antijurídica e culpável chega-se ao fato punível, e como consequência à pena. Assim, conforme Francisco Muñoz Conde 10
“Com a constatação da tipicidade, da ilicitude e da culpabilidade pode-se dizer que existe um delito completo em todos os seus elementos. Em alguns casos exige-se, contudo, para a punição de um fato como delituoso, a presença de alguns elementos adicionais, que não podem ser incluídos nem na tipicidade, nem na antijuridicidade, nem na culpabilidade, porque não correspondem à função dogmática e político-criminal dessas categorias.”
A punibilidade aqui tratada, se dá em outro âmbito, ela deixa de ser considerada como aquela atinente à teoria geral do delito, sendo anexada as consequências jurídicas do delito.
A extinção da punibilidade nada mais é senão o desaparecimento da pretensão punitiva ou executória do Estado, devido a obstáculos normativos. Elas doutrinariamente se dividem em gerais e específicas, ou seja, as gerais são aquelas aplicadas a todos os delitos, enquanto as específicas se aplicam apenas a determinadas espécies.
Seus casos de incidência são alinhavados no rol exemplificativo do artigo 107 do Código Penal, tendo diversas outraz causas na legislação extraordinária e específica sobre determinados delitos.
Delimitando o tema, e expresso o artigo 156 do Código Tributário Nacional que alinhava as causas de extinção do crédito tributário, as quais passa-se a uma análise geral.
5.1PAGAMENTO
O pagamento é a forma de extinção mais primitiva do vínculo obrigacional com o Estado nos delitos contra a ordem tributária, quebrando completamente o linhame entre o erário público e o seu devedor. Decretando, assim, o fim da exigibilidade do crédito tributário, que outrora fora quitado. Assim posto, o pagamento é a causa ordinária pela qual se extingue o crédito tributário.
Essa extinção da punibilidade nos delitos contra a ordem tributária traz como princípio a reparação do dano causado ao fisco, visto que o delito representa a supressão ou redução de tributo.
5.2. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA
Os institutos da prescrição e da decadência deveras são muito semelhantes, causando certa confusão inclusive entre a comunidade jurídica, entretanto não há motivos para tamanha preocupação.
A prescrição é a perda do direito de punir do Estado pelo decurso de tempo. Enquanto a decadência é a perda do direito de ação privada ou representação, em decorrência de não ter sido exercido no prazo previsto em lei.
Dessa forma, tem-se que a prescrição é atinente ao Estado, ao seu dereito de exercer o ‘jus puniendi’, de exiger o cumprimento coercitivo das predeterminações legais sob a ameaça de sanção. Enquanto a decadência envolve o direito individual, subjetivo do sujeito da relação em mover a ação, que após transcorrido o prazo legal fica impossibilitado de realizar tal ato.
Os prazos prescricionais, na seara criminal, dependem da pena concretizada fixada em sentença condenatória, sendo contada em função da pena aplicada, caso não haja recurso da acusação.
De forma conclusiva vale explicitar o pensamento de Mirabete:
“(...) justifica-se o instituto pelo desaparecimento do interesse estatal na repressão do crime, em razão do tempo decorrido, que leva ao esquecimento do delito e a superação do alarma social causado pela infração penal. (...) Ocorrido o crime, nasce para o estado a pretensão de punir o autor do fato criminoso. Essa pretensão deve, no entanto, se exercida dentro determinado lapso temporal (...). Escoado esse prazo, que é submetido a interrupções ou suspensões, ocorre a prescrição da pretensão punitiva, chamada impropriamente de prescrição da ação penal. Nessa hipótese, que ocorre sempre antes de transitar em julgado a sentença condenatória, são totalmente apagados todos os seus efeitos, tal como se jamais tivesse sido praticado o crime ou tivesse existido sentença condenatória”.11
Já a decadência ocorre de forma direta nas ações privadas, ou seja, quando o Estado transfere ao indivíduo o direito de processar, caso queira, vigindo o princípio da oportunidade em relação ao direito de queixa. Todavia, nas ações públicas, mais especificamente, nas condicionadas, ocorre de forma indireta por estar sujeita a prévia representação do ofendido, uma vez que caso desapareça o direito subjetivo de delatar, fica o promotor de Justiça impossibilitado de agir.
5.3. DENÚNCIA ESPONTÂNEA
A denúncia espontânea consta no artigo 138 do CTN tendo como principal efeito afastar a responsabilidade tanto pelas infrações administrativas quanto pelas criminais, desde que feita antes de se iniciar o procedimento administravivo e mediante o pagamento do tributo até então suprimido.
‘Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.
Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.’ (grifamos)
Dessa forma, como visto acima, a ação fiscal é excluída, ficando o “ex-violador” do fisco livre de qualquer consequência. Para ser mais claro, faz jus relatar que a ação fisca é aquela movida pelo próprio fisco, visando apurar a existência de um crédito tributário, que outrora fora suprimido ou reduzido, e, conseqüentemente, cobrá-lo. De outro modo, pode ser definida igualmente por ser o procedimento administrativo estabelecido pelo erário público em razão de violação dos tributos e leis fiscais.
5.4. ANISTIA FISCAL
O instituto aqui explanado está contida no artigo 17512, inciso segundo. Esse instituto nada mais é senão o perdão do infrator fiscal pelo próprio Estado, da falta por aquele cometida quanto aos deveres tributários.
Assim, conforme o instituto ora em questão, caso concedido pelo Estado ao infrator, restará totalmente extinta, ou melhor, excluída a pretensão punitiva daquele em relação a este. Alcançando, por conseguinte, os sentidos de perdão, aqui em significado ‘latu sensu’, uma vez que compreende tanto o ilícito, quanto a multa.
Vale ressaltar, ainda, que os institutos da anistia e do indulto não se confundem no âmbito penal, sendo a primeira o perdão do delito culpável outrora praticado, já o segundo é o perdão da pena cominada oriunda da ação delitiva que já restará comprovada, sendo que somente a anistia tem o condão de excluir a punibilidade.
6. BREVE ANÁLISE DAS LEIS TRIBUTÁRIAS
Como toda a história dos tributos no Brasil, é primordial citar também a história de suas leis, trazendo a sua evolução temporal, fazendo valer para tanto, trazer algumas de sua principais mudanças no que concerne a extinção da punibilidade nos delitos tributários, mais especificadamente, a forma com que esta é feita.
6.1. LEI 4.729/65
A referida legislação trazia as definições do crime de sonegação fiscal e dava suas providência, entretanto, o que mais importa para o presente tema estava contido em seu artigo 2°, caput, que tratava especificadamente da extinção da punibilidade nos casos de delitos tributários.
“Art 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes previstos nesta Lei quando o agente promover o recolhimento do tributo devido, antes de ter início, na esfera administrativa, a ação fiscal própria. (Vide Decreto-Lei nº 94, de 1966) (Vide Lei nº 5.498, de 1968) (Vide Decreto-Lei nº 1.650, de 1978) (Revogado pela Lei nº 8.383, de 30-12-1991.)” (grifamos)
Não restando qualquer dúvida de que somente ocorria a extinção da punibilidade por meio do pagamento antes suprimido, se o mesmo fosse realizado antes do inicio da ação fiscal.
6.2. LEI 8.137/90
Esta lei traz em seu bojo, logo no artigo primeiro a definição de crime tributário, como sendo a supressão ou redução de tributos, ou sua contribuição social e qualquer acessório, sob a pena de reclusão de 2 a 5 anos, além de multa. Essa multa é fixada entre 10 e 360 dias-multa13, sendo que cada dia-multa não poderá ser menor que 14 e nem superior a 200 BTN’s (Bonus do Tesouro Nacional).
“Art. 1º. Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório (omiss)
(...)
Art. 8º. Nos crimes definidos nos artigos 1º a 3º desta Lei, a pena de multa será fixada entre 10 (dez) e 360 (trezentos e sessenta) dias-multa, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.
Parágrafo único. O dia-multa será fixado pelo juiz em valor não inferior a 14 (quatorze) nem superior a 200 (duzentos) Bônus do Tesouro Nacional - BTN.”
Ponto interessante a mencionar é o atinente à responsabilidade subjetiva como forma de punição do infrator do erário público, uma vez a incidência do dolo em sua conduta particular com o intuito de suprimir tributos, respondendo, assim, na medida de sua culpabilidade, fato transcrito no Art. 11 da presente norma.
Por fim, observa-se a omissão do legislador quanto a extinção da punibilidade do agente que tem sua conduta subsumida a tipicidade da norma, levando a conclusão que esta considera-se excluída nos mesmos moldes da Lei 4.729/65, ou seja, pelo pagamento do tributo suprimido, desde que feito antes do início da ação fiscal.
6.3. LEI 9.249/95
A presente norma foi sancionada com o principal fulcro de regularizar as contribuições de imposto de renda das pessoas jurídicas, além da contribuição social sobre o lucro líquido das mesmas. Sendo de suma importância o conteúdo constante de seu artigo 34, onde fica expresso de forma clara a forma de extinção da punibilidade da pessoa jurídica sonegadora.
“Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.”
Conforme lê-se do presente artigo, fica claro que a extinção da punibilidade se dá pelo pagamento do tributo. E, como bem dita a norma, as suas sutis alterações em relação as Leis 4.729/65 e 8.137/90 primeiramente está na nova opção de pagamento, ou seja, pode-se pagar ou o tributo suprimido ou a contribuição social das pessoas jurídicas.
Em segundo lugar de-se, agora, para a obtenção do benefício pagar igualmente, ou melhor, conjuntamente os acessórios oriundos da até então violação do erário. Mantendo-se intocável o tempo que se deve realizar a regularização, qual seja, antes do recebimento da denúncia.
6.3.1. DO PARCELAMENTO
Abrindo parênteses, de acordo com Rodrigo Sánchez Ríos14 a presente norma, especificadamente por meio do artigo 34 supradeclinado, traz a polêmica do parcelamendo da dívida fazendária como forma de extinção da punibilidade estatal, afirmando que o mesmo deve ser entendido como forma de suspenção do processo, e não extinção da punibilidade.
Indo mais além o ilustre mestre afirma:
“Na nossa realidade, o que o instituto de extinção de pena, da aplicação excepcional para alguns crimes, entre eles o fiscal – incluído o tipo penal do art. 95, d, da Lei 8.212/91 – não pode é criar situações diferenciadas no tocante ao pagamento do débito vencido, ou seja, não pode privilegiar apenas aqueles que reúnem condições econômicas para efetuar o pagamento integral do débito, em detrimento daqueles que carecem de recursos para tanto. (...) Impõe-se, portanto, a equiparação entre o parcelamento do débito regularmente cumprido e o pagamento imediato do débito tributário ou da contribuição social.” (RÍOS, p. 172)
Dessa forma, é claro a extinção da punibilidade por meio do pagamento integral, não ficando claro porém, a pretensão do legislador no tocante ao parcelamento. Ficando essa divergência entre a omissão daquele e o posicionamento doutrinário, fato este que ensejou a instituição do Programa de Recuperação Fiscal em abril de 2000.
6.4. LEI 9.964/00 – ‘REFIS’
Nesta seara, surge a Lei 9.964/00 que institui o Programa de Recuperação Fiscal – REFIS – com o intuito de recuperar os tributos e contribuições sociais devidos a Fazenda Pública. Sua definição e objetivo encontra-se em seu artigo 1º.
“Art. 1º É instituído o Programa de Recuperação Fiscal - REFIS, destinado a promover a regularização de créditos da União, decorrentes de débitos de pessoas jurídicas, relativos a tributos e contribuições, administrados pela Secretaria da Receita Federal e pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, com vencimento até 29 de fevereiro de 2000, constituídos ou não, inscritos ou não em dívida ativa, ajuizados ou a ajuizar, com exigibilidade suspensa ou não, inclusive os decorrentes de falta de recolhimento de valores retidos.” (grifamos)
Logo, vê-se a partir de então que os créditos devidos até 29 de fevereiro de 2000, poderiam ser regularizados, não importando o tempo, desde que antes do recebimento da denúnica criminal, por meio do pagamento. Trazendo uma vantagem imensa ao erário que a partir de então recolheria uma quantidade imensa de tributos até então suprimidos, obtendo assim, a confissão irrevogável e irretratável dos débitos consolidade e parcelados (Art. 3º, I, Lei 9.964/00).15
A referida legislação fora criticada pela doutrina, sendo classificada como uma ‘anistia mal disfarçada de moratória’16
Tentando o legislador delimitar o REFIS, institui aquele o art. 15 da referida norma estabelecendo um caráter temporal, onde a pretensão punitiva do Estado só é suspensa caso a Pessoa Jurídica conste nos quadros do programa antes do recebimento da denúncia criminal.
“Art. 15. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e no artigo 95 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no REFIS, desde que a inclusão no referido Programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal.” (grifamos)
Por fim, tem-se que o parcelamento que alude o art. 34 da Lei 9.249/95 tinha tempo pré determinado e parcelas fixas, fato que não se observa na REFIS, uma vez que aqui o devedor pode reajustar os valores das parcelas bem como dilatar o prazo para o fim do pagamento quantas vezes desejar, da forma como melhor lhe convir. Esta ampla opção de forma de pagamento ao fisco vem estabelecida ao longo do Art. 2º, §4º, II, da Lei 9.964/00.17
6.5. LEI 10.684/03 – ‘PAES’
Esta norma, bem como as demais anteriores, segue uma mesma linha, não trazendo em seu bojo grandes modificações. Ela instituiu o PAES, ou melhor dizendo, o parcelamento especial que será discricionado na sequência.
O que de mais significativo é observado ao longo desta legislação é que a punibilidade estatal se extingue mediante o pagamento a qualquer tempo, não importando agora se seja anterior ou posterior ao recebimento da denúncia. Essa é a dicção de seu artigo 9º.
“Art. 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.”
A omissão do legislador quanto a indefinição de qualquer prazo para o efetivo pagamento do débito faz crer que este pode ocorrer mesmo após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória por qualquer crime tributário.
Entretanto, para que a pretensão punitiva estatal seja afastada é necessário que o devedor do fisco efetue o pagamento integral do montante devido, inclusive os acessórios – como já predeterminava a Lei 9.249/95 - não importando se o pagamento seja parcelado ou não (ditames do Art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/03).18
Lembrando que até a completa liquidação da dívida, a pretensão punitiva do Estado fica suspensa, extinguindo-se por sua vez após a efetivação do montante devido pago.
Outra diferença em relação à Lei 9.964/00, que faz jus relatar é que, para a Lei ora declinada, há um prazo estabelecido como máximo para o término do parcelamento do débito, qual seja, 180 meses (Art. 1º, caput, Lei 10.684/03)19. Além de que, para esta nova norma o parcelamento se estende tanto às pessoas jurídicas, quanto às pessoas físicas que pretendem regularizar sua situação com o fisco, esse é o entendimento de Rodrigo Sánchez Ríos20.
6.6. LEI 12.382/11
Por fim, resta discorrer brevemente sobre a Lei 12.382/11, que trouxe outra alteração no que tange a extinção pelo pagamento, devendo este, novamente ser efetuado até o recebimento da denúncia criminal, e não mais a qualquer tempo como anteriormente previa a Lei 10.684/03.
Esse é o que resta transcrito no art. 6º da referida legislação, senão vejamos:
“Art. 6º O art. 83 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 1º a 5º, renumerando-se o atual parágrafo único para § 6º:
"Art. 83.....
§ 2º É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal.
(...)
§ 4º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento.”
Assim, conclui-se da mais atual legislação pertinente ao assunto, que o devedor do erário só terá extinta sua punibilidade caso efetue a totalidade do pagamento de seu débito, inclusive os acessórios a ele inerentes antes do recebimento da denúncia criminal.