Resumo: o objetivo dessa pesquisa é diagnosticar a estrutura de raciocínio de seis sentenças da Justiça do Trabalho, da 8ª Região, avaliando especificamente se existe ou não convergência na forma como foi utilizado o conceito de danos existenciais durante a composição desse tipo de material judiciário. O método aplicado com essa finalidade é composto por uma série de categorias epistemológicas (ontologia, metodologia, axiologia, teoria, práxis e contexto espacial-temporal das ideias) que orientam a investigação empírica focalizando os critérios ou procedimentos hermenêuticos dentro desse fluxograma lógico de raciocínio. O resultado dessa metodologia geral mostra que a maioria das sentenças analisadas é convergente do ponto de vista formal e substancial através da filosofia do existencialismo jurídico, que é inerente ao conceito dos danos existenciais. Contribui finalmente essa pesquisa empírica analisando o modo como os juízes produzem sentenças judiciais utilizando o conceito de danos existenciais
Palavras-chave: existencialismo jurídico; danos existenciais; sentenças judiciais; direitos humanos.
Sumário: 1 iNTRODUÇÃO; 2 O CONCEITO DE DANOS EXISTENCIAIS; 3 PROBLEMATIZAÇÃO; 4 METODOLOGIA; 5 SENTENÇA NÚMERO UM; 6 SENTENÇA NÚMERO DOIS; 7 SENTENÇA NÚMERO TRÊS; 8 SENTENÇA NÚMERO QUATRO; 9 SENTENÇA NÚMERO CINCO; 10 SENTENÇA NÚMERO 6; 11 DISCUSSÃO; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS.
inTRODUÇÃo
Essa pesquisa hermenêutica procura analisar seis sentenças da Justiça do Trabalho da 8ª região, investigando se existiu ou não convergência formal e substancial entre as estruturas de raciocínio apresentadas pelas mesmas quando foi utilizado o conceito de danos existenciais.
Tendo em vista esse objetivo, essa pesquisa desenvolve um método próprio de análise formado pelas categorias epistemológicas: ontologia, metodologia, axiologia, teoria, práxis e contexto espaço-temporal (LLOYD, 1995; MONTARROYOS, 2010), que nos auxiliam, decisivamente, na realização do diagnóstico pretendido sobre as sentenças judiciais selecionadas.
A ontologia representa a essencialidade do conceito de danos existenciais incluindo dois graves problemas ontológicos, que são os danos à vida de relações e ao projeto de vida do trabalhador, que uma vez identificados denunciam consequentemente o desequilíbrio entre Capital e Trabalho. A metodologia de trabalho do juiz inclui, por sua vez, métodos e técnicas que possibilitam visualizar as oportunidades perdidas pelo trabalhador, no passado, presente e futuro. A axiologia reúne os valores éticos, a responsabilidade moral do patrão, e a dignidade da pessoa e da sociedade humana. A teoria da sentença implica, por sua vez, a divisória conceitual entre os danos morais e os danos existenciais. Na sequência, a práxis recomenda como instrumento de valoração da indenização o critério da proporcionalidade que não despreza o ideal da moderação. Por último, temos o contexto da sentença, representando, entre outros aspectos ambientais, a sociedade capitalista, que supervaloriza a exploração do trabalho e ostenta a preponderância do princípio da eficiência sobre a dignidade da pessoa humana.
Como resultado da aplicação desse roteiro epistemológico, essa pesquisa mostra que:
1º) Há convergência formal entre as sentenças analisadas na Justiça do Trabalho da 8ª região, mobilizando o conceito de danos existenciais, fato esse diagnosticado criteriosamente por meio das categorias de base desse estudo;
2º) E também existe uma convergência substancial entre as sentenças que foi visualizada na dinâmica das categorias epistemológicas, cujo fio condutor é expressamente notado por meio da filosofia existencialista do Direito.
Avaliamos que o método dessa pesquisa foi bem-sucedido na composição do diagnóstico jurídico das sentenças trabalhistas, revelando criteriosamente a estrutura de raciocínio formal e substancial de diferentes casos e argumentações judiciárias envolvidos no debate dos danos existenciais. Essa convergência, em nosso ponto de vista, é progressiva ou favorável ao conceito de danos existenciais, pois fortalece a sua teleologia e utilidade social, em particular na Justiça do Trabalho da 8ª região.
2 O CONCEITO DE DANOS EXISTENCIAIS
Dois parâmetros são fundamentais na composição dos danos existenciais: o prejuízo à vida de relações e ao projeto de vida, intelectual ou profissional do trabalhador. De um lado, considera-se que o indivíduo deixa de compartilhar momentos significativos na vida familiar e social. De outro lado, a intervenção negativa do patrão, impondo um estilo de trabalho abusivo, prejudica o progresso profissional e intelectual do seu empregado dentro e fora do horário de trabalho.
Alguns doutrinadores e o próprio TST (4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho) avaliaram que não basta a comprovação de uma jornada excessiva de trabalho para se configurar o dano existencial, devendo a parte reclamante carrear aos autos uma prova específica do dano. Segundo o que argumentou o Ministro João Oreste Dalazen e a maioria dos Ministros da 4ª turma do TST, que votaram pelo provimento ao Recurso de Revista para excluir da condenação a WMS Supermercados que pagaria indenização por dano existencial à trabalhadora reclamante, deve ser o próprio o autor do processo quem precisa provar que sofreu algum dano existencial (RODAS, Sérgio. Jornada de trabalho excessiva não gera automaticamente dano existencial. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-mar-27/jornada-trabalho-excessiva-nao-gera-si-dano-existencial>). Entretanto, outros doutrinadores, tribunais regionais e magistrados diversos entendem que o dano existencial é evidente quando se comprova materialmente, no processo, que simplesmente houve uma jornada de trabalho exaustiva.
Conceitualmente, o dano existencial difere do dano moral porque se manifesta em todas as ausências sociais da vítima em momentos importantes da família e Sociedade, gerando a impossibilidade de o trabalhador interagir e de executar tarefas relacionadas às suas demandas existenciais básicas, tais como cuidar da própria higiene, da casa, dos familiares, ou praticar esportes e lazer, etc.; bem diferente do dano moral que pertence mais à esfera interior, psicológica e ética do indivíduo (SOARES, 2009).
A condenação visando à reparação por dano existencial, segundo Boucinhas Filho & Alvarenga (2013), deve considerar a dimensão do dano e a capacidade patrimonial do lesante. Desse modo, o quantum indenizatório é considerado em relação à economia do ofensor a ponto de desestimular a reincidência do fato ilícito, porém, não poderá jamais comprometer a eficiência e a saúde da empresa envolvida em tal situação.
No Código Civil encontram-se vários fundamentos de reparação aos efeitos causados pelo dano existencial.
No artigo 12, caput, considera-se que: “Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar-se perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”.
O artigo 186 declara, por sua vez, que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
O artigo 927 destaca que: “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
O artigo 948 prevê que: “No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações [...]”.
O artigo 949 especifica que: “No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido” (ALMEIDA NETO, 2015).
Para o especialista Leal (2010) é preciso que seja feita uma análise das decisões judiciais e de seus impactos socioeconômicos, enfatizando-se os custos sociais do Direito, as perdas de oportunidades de cada decisão na adjudicação de interesses, os desperdícios e os efeitos redistributivos de cada afirmação judicial.
Segundo o analista Farias (2014) é de suma importância elaborar uma pesquisa bibliográfica e documental com o objetivo de verificar as transformações jurídicas que ocorrem nas relações de trabalho por conta da globalização, com enfoque na ocorrência do dano existencial. O mesmo autor enfatizou, ainda, que os danos à vida de relações privadas e ao projeto de vida representando a possibilidade de qualificação e de ascensão profissionais são recorrentes no ambiente laboral. De acordo com a visão otimista do mesmo autor, o reconhecimento do dano existencial na relação de trabalho pode contribuir para dar efetividade aos direitos fundamentais à saúde, ao lazer, ao descanso, dentre outros, usando-se necessariamente para essa finalidade acordos, tratados e convenções internacionais que tutelam as relações de trabalho no Mundo, mais a Constituição Federal e a legislação trabalhista, entre outras normas.
3 PROBLEMATIZAÇÃO
O existencialismo jurídico se dedica ao estudo da existência do Direito na vida das pessoas e Sociedade em geral, enfrentando os desafios da massificação administrativa, cultural e econômica; por isso, procura promover uma constante relativização do significado do Direito diante das conveniências do caso concreto – buscando a equidade – e supervaloriza, além do mais, a consciência dos participantes com suas diferentes finalidades e expectativas existenciais.
Segundo Abbagnano (2007, p. 402)
Existir significa relacionar-se com o mundo, ou seja, com as coisas e com os outros homens, e como se trata de relações não-necessárias em suas várias modalidades, as situações em que elas se configuram só podem ser analisadas em termos de possibilidades. Esse tipo de análise foi possibilitado pela fenomenologia de Husserl, que elaborou o conceito de transcendência. Segundo esse conceito, nas relações entre sujeito cognoscente e objeto conhecido ou, em geral, entre sujeito e objeto (não só no conhecimento, mas também no desejo, na volição, etc.), o objeto não está dentro do sujeito, mas permanece fora, e dá-se a ele "em carne e osso" [...]. Esse conceito manteve-se rigoroso na filosofia de Husserl, mas exerceu grande influência no Existencialismo, para o qual as relações entre o ser-aí (isto é, o ente que existe, o homem) e o mundo, sempre se configuraram como transcendência.
Criticando o existencialismo, o jurista Paulo Nader (2005) sustentou a opinião conservadora de que esse tipo de filosofia teria muito pouco a oferecer de praticidade ao Direito, a não ser permitindo uma certa crítica sobre a finalidade social das normas em um contexto de crise e angústia histórica.
Nas palavras do ilustre jurista: “o existencialismo, em princípio, não contribui para a compreensão do Direito, pois a sua atenção volta-se para o individual e subjetivo, enquanto o Direito compõe-se de padrões de comportamento que se destinam à generalidade dos indivíduos” (NADER, op. cit., p. 236).
O mesmo autor considerou que “seria um equívoco negar-se à filosofia da existência qualquer benefício ao aperfeiçoamento do Direito” (op. cit., p. 236). Especificamente, afirmou que (op. cit., p. 237):
Não há como se operar na prática a conciliação plena entre o pensamento existencialista e a missão da lei. Pode-se promover a aproximação do Direito à tese existencialista, mas no valor segurança jurídica temos a barreira que veda a harmonia entre os princípios daquela filosofia e o Direito. A composição entre ambos não se opera notadamente por três razões: a) incapacidade de o Direito captar a verdade existencial que se desenrola na consciência individual; b) a característica de generalidade dos preceitos jurídicos; c) e a subordinação dos juízes a esquemas normativos fechados
Completando a sua crítica, Nader (op. cit., p. 237) ressaltou que:
O ordenamento jurídico se apresenta como aparelho artificial, que se impõe aos homens e que não encontra fundamentação na filosofia existencial. O homem no exercício de sua liberdade deve criar o seu Dasein, isto é, seu modo de existir. Diante de tal premissa, não há formula possível de conciliação entre aquela corrente e o Direito que, na anterioridade das leis aos fatos, possui um de seus princípios básicos. Podemos cogitar, todavia, de um sistema normativo que embora não realize o projeto existencial, dele se aproxime. E isto haverá de ser alcançado na medida em que se confira maior autonomia à vontade. A liberdade de se firmar contratos torna possível a adequação de interesses em condições objetivas. As partes se sujeitam a regras eleitas previamente.
Essa mentalidade separatista vem de longa data. Segundo o jurista e professor Helvécio de Oliveira Azevedo (em artigo publicado na Revista Faculdade de Direito da UFMG, década de 60), Direito e Existencialismo “não se tocam”, porque de um lado o Direito é controle e formalidade, de outro lado, o Existencialismo é liberdade e individualismo.
Nessa dicotomia essencial, o jurista Azevedo analisou as obras de Sartre que generalizou a ideia de que no Existencialismo e Homem é a medida de todas as coisas, desse modo, “o mundo existencialista é um mundo sem direitos, onde todos têm direito a tudo e não têm direito a nada”.
Consequentemente, segundo o professor Azevedo (op. cit.) seria uma “insanidade” querer controlar a liberdade existencialista, seja através do Estado, seja através da Moral. Diante dessa dificuldade, portanto, o Existencialismo seria menos coerente que o Positivismo Jurídico, pois o arbítrio e o capricho são a base de todas as escolhas e decisões, e assim haveria apenas um individualismo feroz que ficaria isolado na subjetividade de cada um.
Especificamente, no que se refere ao homem sartreano, ele seria um ser solitário, e, portanto, a filosofia do Existencialismo como um todo seria incompatível com o Direito que busca agregar as pessoas e regrar a sua melhor convivência. Nesses termos, o “Existencialismo é antijurídico por excelência”. O Direito seria fraternal, agregador, catalizador e centrífugo; enquanto o Existencialismo seria dissociador, anti-fraterno e centrípeto.
4 METODOLOGIA
Ao contrário da tradição separatista anteriormente descrita, essa pesquisa procura conhecer e aprofundar o fenômeno de reconciliação do Direito com o Existencialismo; por isso, utiliza um método que não apenas descreve a realidade dos tribunais, mas também aperfeiçoa a aplicação do conceito de danos existenciais, deixando claro, ainda, a sua lógica de argumentação através dos estudos de casos envolvendo sentenças judiciais, concebidas nesses termos como verdadeiros manifestos existencialistas do Direito.
O método aplicado é formado por seis categorias programáticas ou epistemológicas: ontologia, metodologia, axiologia, teoria, práxis e contexto espacial-temporal das ideias.
De acordo com o modelo original delimitado pelo autor Crhistopher Lloyd (1995), a ontologia se refere aos pressupostos fundamentais ou essenciais da investigação e caracteriza a identidade filosófica e dogmática de determinada unidade epistêmica, ou núcleo rígido do programa científico de pesquisa. A metodologia, por sua vez, reúne métodos e técnicas que orientam a forma como serão colhidos os dados empíricos ou mesmo bibliográficos durante a execução do projeto de pesquisa. Finalmente, a teoria é dotada de vários enunciados universais e particulares que representam a visão de mundo do programa de pesquisa ou unidade epistêmica, explicando ou interpretando os dados empíricos e bibliográficos disponibilizados pelo pesquisador.
A partir desse modelo, Montarroyos (2010, entre outras publicações recentes) considerou importante acrescentar três categorias auxiliares: axiologia, práxis e contexto, tendo em vista suprir a necessidade específica das Ciências Humanas e Ciências Jurídicas em conhecer a complexidade do conhecimento social.
A axiologia, segundo Montarroyos (op. cit.), define os valores, desvalores e contra valores da investigação, afirmando que o conhecimento jurídico não é neutro. A práxis, por sua vez, representa os modelos de solução de problemas, sendo, portanto, uma categoria de natureza utilitarista e pragmatista. Por último, a categoria do contexto registra o tempo histórico e o espaço social do objeto de estudo.