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O poder reformador e seus limites.

Análise crítica do § 3º, art. 114, CF/88, acrescentado pela EC nº 20/98

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Agenda 16/09/2004 às 00:00

A Justiça do Trabalho passou a executar, de ofício, os débitos relativos às contribuições sociais a cargo do empregador, cuja competência, anteriormente, era afeta à Justiça Federal, tendo como titular do crédito tributário o INSS.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; CAPÍTULO I – A IDÉIA DE SISTEMA; CAPÍTULO II – O PROBLEMA DA VALIDADE DA NORMA; CAPÍTULO III – DOS MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO; CAPÍTULO IV – DO PODER REFORMADOR – LIMITES; CAPÍTULO V – O QUE SÃO CLÁUSULAS PÉTREAS; CAPÍTULO VI – DA MODIFICAÇÃO INTRODUZIDA A PARTIR DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20 – VIOLAÇÃO ÀS GARANTIAS E DIREITOS FUNDAMENTAIS – CLÁUSULAS PÉTREAS; CAPÍTULO VII – DO PODER JUDICIÁRIO – DIVISÕES DE COMPETÊNCIAS; CAPÍTULO VIII – DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE; CAPÍTULO IX – DOS PRINCÍPIOS VIOLADOS PELO § 3º, ARTIGO 114, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – CLÁUSULAS PÉTREAS – EMENDA INCONSTITUCIONAL; CONCLUSÃO; REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA


INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por objeto analisar a inovação legislativa que teve origem na Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, que acrescentou ao artigo 114 do Texto Supremo o § 3º, cuja redação é a seguinte: "Compete ainda à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no art. 195, I, "a", e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir".

A partir da inserção do § 3º, a Justiça do Trabalho passou a executar, de ofício, os débitos relativos às contribuições sociais a cargo do empregador (art. 195, I, alínea "a" e II), cuja competência, anteriormente, era afeta à Justiça Federal, tendo como titular do crédito tributário o Instituto Nacional de Seguro Social – INSS.

Além da impropriedade da linguagem empregada pelo legislador titular do poder reformador, cuja imperfeição poderá conduzir o intérprete à conclusão equivocada quanto ao conteúdo da norma, existem outros aspectos, de cunho eminentemente jurídico, que serão analisados sob a ótica do direito positivo que, indubitavelmente, causarão perplexidade ao leitor, mormente em relação ao resultado da norma posta, de duvidosa constitucionalidade.

Embora a Emenda Constitucional nº 20 (vinte) tenha sido publicada no final do ano de 1998, esse tema ainda desperta interesse geral, porquanto, além da escassez doutrinária a respeito, na prática, ocorreu uma ruptura do sistema (em relação às contribuições sociais do art. 195, CF), provocando verdadeira perplexidade aos operadores do direito positivo.


CAPÍTULO I

A IDÉIA DE SISTEMA

Sistema é conjunto de elementos estruturados, composto de regras que estabelecem a forma como aqueles (os elementos) se relacionam. Plagiando SANTI [1], "a idéia de sistema constituiu-se tradicionalmente, como conceito instrumental da ciência. O conhecimento científico requer em seu discurso garantias de sua própria validade, que lhe configuram grau máximo de certeza".

A ciência é composta de normas descritivas, ao passo que o direito positivo é eminentemente prescritivo.

No Sistema de Direito Positivo os elementos são os enunciados inseridos de acordo com as regras estruturais, que se relacionam entre si de modo a torná-lo harmônico e coerente, identificando-se como normas jurídicas (ou proposições jurídicas, na versão de SANTI).

Norma jurídica, para CARVALHO [2], "é a significação que colhemos da leitura dos textos de direito positivo".

Subdividem-se essas normas em regras de conduta e de estrutura, donde, na primeira hipótese, fixam padrões de comportamento voltados para as relações intersubjetivas, e, na última situação, fixam fórmulas para a produção daquelas primeiras.

Esse sistema organizado é estruturado mediante vínculos de coordenação e subordinação. Porém, como salienta CARVALHO [3], "o exame concreto dos vários sistemas de direito positivo chama a atenção para a existência de lacunas e contradições entre as unidades do conjunto".

A estrutura piramidal do Sistema de Direito Positivo, ou seja, todas as normas que o compõem têm seu fundamento de validade na Constituição Federal, e permite ao intérprete eliminar as contradições; trata-se pois, de buscar sempre e invariavelmente o "fundamento de validade" da norma, inspirado na lição kelsiana, onde toda produção normativa tem, necessariamente, assento noutra (relação de subordinação e hierarquia).

A esse respeito, escreveu CARRAZZA [4] que,

[...] as normas jurídicas apresentam-se hierarquizadas, no mundo do direito, formando o que se convencionou chamar de "pirâmide jurídica". Nela, a juridicidade de cada norma é haurida da juridicidade daquela que a suspende. Resulta daí, que a ordem jurídica, longe de ser um sistema de regras disposta no mesmo patamar, é uma construção escalonada de diferentes níveis de normas jurídicas, onde a Constituição, no dizer expressivo de Hans Kelsen, "[...] representa o escalão de Direito Positivo mais elevado". Em suma, o direito positivo caracteriza-se pela estrutura normativa escalonada, onde a Constituição possui a suprema hierarquia.

No ápice dessa pirâmide imaginária estão as normas constitucionais e que dão o fundamento de validade todas as demais normas posta no sistema.


CAPÍTULO II

O PROBLEMA DA VALIDADE DA NORMA

Sabemos que a Ciência do Direito é conjunto de enunciados descritivos, ao passo que o Direito Positivo é o conjunto de normas jurídicas válidas, cujo sistema se apresenta em linguagem prescritiva. SANTI [5] confirma essa versão, afirmando que "norma jurídica é a proposição prescritiva que tem a forma implicacional, associando a um possível dado factico uma relação jurídica".

Para alguns abalizados doutrinadores, a validade da norma se confunde com a sua própria existência, enquanto que para outros, não menos respeitados, a validade é um atributo ou qualidade da norma, indicando a necessidade de conformação com os demais componentes do mesmo sistema, como se necessária fosse a confirmação da norma recém produzida por outra já existente, ainda que hipotética.

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A primeira corrente é defendida, dentre outros, por CARVALHO [6], para quem "é intuitivo crer que a validade se confunde com a existência, de sorte que afirmar que u´a norma existe implica em reconhecer sua validade, em face de determinado sistema jurídico".

Já a segunda posição, foi bem esmiuçada por PIMENTA [7], que apoiado na lição de Von Wright, escreveu: "norma existente é a norma posta no sistema, enquanto norma válida é aquela que está em conformidade com a norma que representa o se fundamento, tanto a que guiza a regra de competência e o procedimento, quanto a que determina o conteúdo".

Destarte, mal comparando, nessa última hipótese a norma surgiria como se fosse um instrumento musical, integrante de uma grande orquestra (sistema de direito positivo) que, ao ser executado, em conformação com a determinação do maestro (competência), poderia produzir dois resultados, a saber: a) se executado no momento apropriado (procedimento), emitiria um som harmônico e afinado com os outros instrumentos (normas); b) se executado em desconformidade com as regras de competência e procedimento, provocaria total desarmonia, desafinando o "conserto", representado nesse mundo imaginário pelo sistema.

Confesso-lhes que essa segunda corrente doutrinária é encantadora e até mesmo convincente; porém, por uma questão de método teórico, filio-me àquela abalizada por CARVALHO [8], por opção arbitrária.

Portanto, o modelo adotado será aquele que contempla a validade da norma como conseqüência da própria existente, ou seja, norma produzida e introduzida no sistema é existente e, por isso, válida.


CAPÍTULO III

DOS MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO

Interpretar é atividade intelectual, que busca declarar o conteúdo, o sentido e alcance da regra objeto de análise.

Como as normas jurídicas são significações colhidas dos textos, é tarefa do intérprete, na aplicação do direito, o exercício da interpretação (grifo nosso).

A doutrina colocou à disposição do intérprete vários métodos, dentre eles, destacam-se o literal, lógico e o sistemático.

Porém, só o método sistemático contempla os planos sintático, semântico e pragmático e por isso CARVALHO [9] o considerou como "o método por excelência", na medida em que o direito positivo, como corpo de linguagem de cunho prescritivo, exige a investigação nesses três planos, "recolhendo a significação adequada do produto legislado".

Optou-se, neste trabalho, por exercitar a interpretação sempre e invariavelmente pelo método sistemático, contemplando os planos sintático, semântico e pragmático, para, ao final, retirar dos textos examinados a significação mais adequada.


CAPÍTULO IV

DO PODER REFORMADOR – LIMITES

SILVA [10] afirmou que,

[...] o poder constituinte originário, que é a manifestação primeira e mais elevada da soberania popular, realiza sua obra, a Constituição, nele traduzindo o princípio da supremacia e, com isso, ele se ausenta, se oculta, desaparece, porque o seu poder soberano passou a ser encarnado naquela supremacia. A soberania da Constituição perdurará até que o poder constituinte originário seja novamente chamado para elaboração de nova Carta Política.

Veja que o "Poder Originário" é soberano e ilimitado, inclusive quando uma Constituição substitui outra, diferentemente do "Poder Constituído", que é regrado, condicionado e porque não dizer limitado.

A meu ver, trata-se de legítima norma de conduta, que impõe ao legislador imbuído do poder "constituído" limitações à produção de outras normas – formais e materiais.

Interessa-nos nesse momento o estudo das limitações materiais (embora seja imperioso reconhecer que as limitações formais também podem levar à inconstitucionalidade da norma posta), para se saber se o poder "reformador" pode atingir qualquer disposição constitucional ou se existem algumas que são intocáveis (grifo nosso).

Antes, porém, é fundamental estabelecermos o conceito de reforma, a fim de bem delimitar o tema em foco.

Para SILVA [11], reforma "consiste num processo não formal de mudanças das constituições rígidas, por via da tradição, dos costumes, de alterações empíricas e sociológicas, pela interpretação judicial e pelo ordenamento de estatutos que afetem a estrutura orgânica do Estado".

Daí o citado mestre fazer referência à reforma como gênero para englobar os métodos de mudança constitucional – emenda e revisão -, salientando que a emenda "é o processo formal de mudança".

Discussões à parte, crêem os doutrinadores que o conceito de reforma deve ser empregado no sentido mais amplo, cabendo à emenda (espécie daquele gênero) a função de introduzir no sistema de Direito Positivo (subsistema constitucional) a modificação do Texto Supremo, mediante processo formal que requer agente competente, conforme delimitado na própria Constituição Federal.

Destarte, empregaremos o termo reforma como gênero e emenda como espécie, na verdade, o veículo introdutor de normas primárias.

De início, apenas para aguçar a discussão, é fundamental nos referirmos ao § 4º, artigo 60, do atual Texto Magno, in verbis, que estabelece as limitações ao poder reformador, prescrevendo: "§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias individuais".

As limitações, segundo a doutrina moderna, subdividem-se em temporais, circunstanciais e materiais. A primeira, pouco utilizada no Brasil, refere-se ao fator tempo, surgindo para o legislador como um obstáculo instransponível até o alcance do limite temporal fixado. A segunda aparece a partir de fatos eleitos pelo constituinte que, se ocorridos no mundo fenomênico, impedem temporariamente qualquer proposta reformadora. Exemplo típico é a limitação do artigo 60, § 1º, da Carta Política de 1988.

Por último, surge a terceira e mais importante limitação – a material -, que aparece como imposição do próprio constituinte ao excluir determinadas matérias do conteúdo de incidência do poder de reforma (art. 60, § 4º - I a IV), (grifo nosso).

No campo do Direito Tributário subsiste figura jurídica distinta da limitação material, mas que também impede o legislador (ordinário) de exercitar a competência tributária plena sobre fatos jurisdicizados pelo constituinte, cujo instituto se denominou de imunidade.

A diferença entre a limitação material do poder reformador e a limitação constitucional que decorre da imunidade tributária é que, nessa última hipótese, a norma é direcionada para o legislador ordinário, cada qual dentro de sua competência, enquanto que na primeira figura o interessado é o titular do poder reformador (Congresso Nacional).

Em algumas situações isoladas e especiais os destinatários de ambas as limitações se confundem (art. 59, I e II, CF/88); porém, as exigências e os procedimentos são totalmente diferentes (art. 60, I, II e III, e § 2º, CF/88).

A comparação se deve ao fato de que, em ambas as situações, afloram a incompetência das pessoas políticas para expedir atos normativos que alcancem ou modifiquem as situações específicas estabelecidas pelo constituinte.

Delineado o conceito e o campo de atuação do legislador titular do poder reformador, surge, a seguir, a indagação quanto aos limites específicos e individuais do art. 60, § 4º, I a IV, CF/88, ou seja, será que só nessas hipóteses que há "incompetência" para exercitar o poder constituído ou, ao contrário, existem outras limitações não previstas expressamente no Texto Magno, as chamadas limitações implícitas?

Para SILVA [12] existem limitações de índole implícitas. E exemplifica, tornando mais fácil a compreensão do leitor:

É claro que o texto não proíbe apenas emendas que expressamente declarem: "Fica abolida a Federação", ou "Suprima-se o inciso II do art. 5º". A vedação atinge a pretensão de modificar qualquer dos elementos conceituais da Federação no sentido de seu enfraquecimento, isto é, que encaminhe, "tenda" (emenda "tendente", diz o texto) para a sua abolição, ou emenda que "tenda" a enfraquecer qualquer dos direitos e garantias individuais constante do art. 5º.

VIEIRA [13], sobre esse tema, escreveu: "Ao impedir a deliberação sobre proposta de emenda "tendente a abolir" esses princípios, instituições e direito, o constituinte colocou-os em posição hierarquicamente superior a das demais normas da Constituição".

É fácil notar que ambos os doutrinadores citados enfatizam e destacam a palavra "tendência" para assinalar que os limites estão voltados também para outras normas constitucionais que reforcem os dispositivos elencados nos diversos incisos do art. 60, § 4º, da Constituição vigente.

Corrobora com essa afirmação FERREIRA [14], quando diz que: "Veda-se não apenas a emenda que suprima princípios fundamentais, mas também aqueles que, sem suprimi-los de imediato, acabam por lesá-los deflagrando o processo de erosão da ordem constitucional".

Há que se enfatizar, entretanto, que essas posições doutrinárias não são unânimes, visto que parte da doutrina tem se preocupado com eventual "engessamento" do processo de reforma, dado o conceito aberto que fora submetido às palavras "tendente a abolir" e "princípios constitucionais".

Manoel Gonçalves Ferreira Filho [15] alerta que, por ser exceção e não regra, a limitação material "há de ser interpretada restritivamente".

Imagino que a solução mereça análise mais acurada, mas que não será tratada aqui com a profundidade que o assunto requer, até por não ser objeto do tema central que o presente trabalho se propôs.

Adotarei como modelo teórico, apenas para manter a coerência com as conclusões que serão apresentadas ao final, aquele que reconhece a natureza jurídica das normas insertas nas limitações ao poder de reformar como sendo verdadeiros princípios explícitos, sem deixar de reconhecer, também, a existência de princípios implícitos, assentados pilares constitucionais que dão sustentação ao edifício imaginário de Celso Antônio Bandeira de Mello (grifo nosso).

Esses princípios, por sua vez, se voltam à proteção das instituições básicas da Carta Magna, e por isso é forçoso reconhece-los como fundamentais tanto quanto os explicitados pelo constituinte e como tal, inibem a ação legislativa que emana do poder reformador.

Destarte, é forçoso dizer que os limites do titular do poder reformador são aqueles inseridos no art. 60, § 4º, I a IV, da CF/88, in verbis que dispõem o seguinte: "§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais".

Certo é, pois, que a norma emanada do poder reformador, ou poder constituinte derivado, não pode, validamente, alterar norma que, em virtude de preceito explícito do poder constituinte originário, está amparada por cláusula de imodificabilidade.

São explícitas as que impedem a alteração da Federação: o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais. Não se permite nem mesmo deliberação sobre proposta de emenda tendente a aboli-las, tal como explicitado acima.

O art. 60 em seu § 4º, é quem fixa os Limites Materiais do Poder Constituído de Reforma.

Não há como aceitar, por sua patente inconstitucionalidade, eventual afronta às chamadas "cláusulas pétreas", ainda que decorrente de norma introduzida pelo titular do poder reformador.


CAPÍTULO V

O QUE SÃO CLÁUSULAS PÉTREAS?

Convém, antes de adentrar propriamente no tema deste trabalho, entender o que são cláusulas pétreas e como elas protegem direitos adquiridos.

Decerto que as palavras têm vida. Como signos lingüísticos, constituem verdadeiros pedaços de vida encartadas em folhas de papel. Por isso, cumpre-nos investigar o sentido dos vocábulos, porque eles, se empregados indevidamente, constituem as fontes dos mal entendidos.

O adjetivo "pétrea" vem de pedra, significando "duro como pedra". Trasladando a etimologia da palavra para o campo constitucional, cláusula pétrea é aquela imodificável, irreformável, insuscetível de mudança formal.

Tais cláusulas consignam o núcleo irreformável da Constituição. Preferimos denominá-las, sem exclusão dos outros termos, de cláusulas de inamovibilidade, porquanto diante delas, o legislador não poderá remover elenco específico de matérias (v.g., art. 60, § 4º, da Constituição).

Assim, a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos poderes, os direitos e garantias individuais, incluindo-se aí os direitos adquiridos, não podem sofrer mudanças, porquanto são inamovíveis.

Mas vale investigar a índole jurídica das cláusulas de inamovibilidade. Elas são aquelas que possuem uma supereficácia, ou seja, uma eficácia total, como é o caso do mencionado § 4º, do art. 60, CF/88.

Total, pois contêm uma força paralisante e absoluta de toda a legislação que vier a contrariá-las, quer implícita, quer explicitamente. Daí serem insuscetíveis de reforma, e.g, arts.1º; 2º; 5º, I a LXXVII; 14; 18; 34,VII, a e b; 46,§ 1º; 60, § 4º etc.

São ab-rogantes, desempenhando efeito positivo e negativo. Têm efeito positivo, pois não podem ser alteradas através do processo de revisão ou emenda, sendo intangíveis, logrando incidência imediata. Possuem, noutro prisma, efeito negativo pela sua força paralisante, absoluta e imediata, vedando qualquer lei que pretenda contrariá-las.

Permanecem imodificáveis, exceto nas hipóteses de revolução, quando ocorre ruptura na ordem jurídica, para se instaurar uma outra.

Como se vê, as cláusulas de inamovibilidade trazem limites materiais ao poder de reforma constitucional, os quais foram reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal.

Alguns desses limites ou vedações materiais são expressos, outros implícitos.

A essa altura já se percebe que não é todo e qualquer assunto que constitui alvo da competência reformadora. De fato, sendo o poder reformador subordinado e instituído pelo instrumento que lhe traçou o perfil e ditou o seu modus operandi, qual seja, o poder constituinte originário, nem tudo ele pode, nem todas as manifestações solicitadas poderá satisfazer, nem todas as reclamações formuladas poderão ser acolhidas.

Conseqüência disso, o legislador ordinário não tem a varinha de condão para fazer mágicas, exercendo livremente o poder de criar situações inconstitucionais, mantidas pela interpretação distorcida de preceitos e princípios constitucionais reformados.

Assim, quem desejar saber a extensão das cláusulas do art. 60, § 4º, da Constituição, não precisa ir muito longe. Basta ter em mente o caráter instituído que condiciona as formas de exercício da competência reformadora.

Sobre o autor
Ary Raghiant Neto

Advogado em Campo Grande (MS),especialista em Direito Tributário, aqui atuando para Recife.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAGHIANT NETO, Ary. O poder reformador e seus limites.: Análise crítica do § 3º, art. 114, CF/88, acrescentado pela EC nº 20/98. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 436, 16 set. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5693. Acesso em: 22 dez. 2024.

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