RESUMO:
O presente artigo analisa a possibilidade do controle jurisdicional em processos administrativos sancionadores desprovidos de preceitos constitucionais. Esse tema se desenvolve pelo fato de atualmente a Administração Pública ser obrigada a respeitar as regras e princípios da Constituição. Verifica-se que o Estado, através do seu poder de polícia, estabelece limitações aos indivíduos em prol do bem estar social que quando descumpridas, podem ser sancionadas. No entanto, o legislador, em vista da impossibilidade de regulamentar todos os casos concretos possíveis, deixa uma margem para o administrador que, num juízo de discricionariedade, deve aplicar a medida sancionatória mais adequada a atingir a finalidade legal. Sabe-se, porém, que a pretexto de estar exercendo a discricionariedade que lhe é permitida, um número considerável de medidas são aplicadas desproporcionalmente a infração praticada, ou pior, ultrapassam os limites legais. Sucede que, apesar da garantia que tem o jurisdicionado, de ter essa sanção aplicada somente após a conclusão do processo administrativo instaurado, dificilmente o órgão atua de maneira imparcial no julgamento desses casos, pois ao mesmo tempo em que é juiz, é parte no processo. Ademais, percebe-se também que poucos casos são julgados conforme os preceitos constitucionais vigentes. Diante disso, busca-se a solução no controle jurisdicional destes atos, uma vez que assim haverá garantia de imparcialidade, possibilitando inclusive a analise do mérito dessas decisões, pois mesmo o juízo de conveniência e oportunidade do administrador deve estar sujeito a Constituição e suas garantias fundamentais.
Palavras-chaves: Controle Jurisdicional. Constitucionalização do Direito. Processo administrativo sancionador.
1 INTRODUÇÃO
Todas as pessoas ao exercerem atividades que possam de algum modo, acarretar riscos ou transtornos a coletividade estão sujeitas ao poder de polícia do Estado, podendo sofrer um processo administrativo sancionador para serem responsabilizadas pelas infrações administrativas cometidas.
No entanto, em que pese à discricionariedade que possui a Administração para aplicar sanções previamente regulamentadas, estas devem observar as normas legais e as regras e princípios fundamentais previstos na Constituição de 1988, adequando-se de modo a atendê-los.
Esse entendimento, de que a Administração deve observar a Constituição na pratica de seus atos e aplicação das penalidades tem ganhado força com o surgimento do movimento conhecido como Constitucionalização do Direito.
Ocorre que, por diversas vezes se vê processos administrativos sancionadores desprovidos de razoabilidade e proporcionalidade, lesando diversos princípios constitucionais, atingindo inclusive a dignidade humana de muitos administrados sancionados.
Diante de tais situações, este artigo busca discutir o que pode ser feito para conter as afrontas e arbitrariedades administrativas nos processos administrativos sancionadores quando ignora os preceitos fundamentais.
Objetiva-se, com isso, refletir sobre o cabimento do controle jurisdicional dos atos administrativos, alicerçado no princípio da inafastabilidade da jurisdição, expressamente previsto no rol de garantias fundamentais da Constituição Federal (artigo 5º, inciso XXXV), no qual determina que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Para tanto, disserta-se inicialmente sobre o poder de polícia da administração pública bem como a discricionariedade existente na pratica de muitos dos seus atos, demonstrando a importância dessas prerrogativas para o bem estar da coletividade, bem como a necessária prudência na sua aplicação.
Em sequência, observa-se que do poder de polícia decorre a possibilidade de se constatar a ocorrência de uma infração administrativa que autorize a aplicação de uma sanção a qual origina um processo administrativo sancionador, como instrumento de garantia dos administrados ante as prerrogativas públicas, para que, seguindo as normas e princípios que o fundamentam, principalmente os princípios da legalidade e do contraditório e ampla defesa, legitimar a aplicação das sanções.
Porém, pode ocorrer desses processos não observarem algumas garantias legais e constitucionais de suma importância, fazendo com que a medida punitiva adotada ultrapasse limites, tornando-a um verdadeiro castigo ao que dela padece.
Em vista disso, é feita uma analise da possibilidade de aplicação do controle jurisdicional nos processos administrativos sancionadores, de modo a empregar os mandamentos constitucionais, precipuamente, os princípios da razoabilidade e proporcionalidade para promover uma decisão justa, onde a sanção corresponda ao real prejuízo causado pela pratica de determinada infração.
Importante destacar ainda que tal assunto é relevante precipuamente por dois aspectos: para orientar ao administrador público do dever de atuar de modo que observe os limites e promova os fins ditados pela Constituição e estimular os administrados sancionados em promover a defesa de seus direitos quando suprimidos dos mesmos.
2 PODER DE POLÍCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Os poderes administrativos são imprescindíveis para compreender os motivos justificadores da imposição pelo poder público do processo administrativo sancionador, no qual se possibilita a punição de infrações praticadas por particulares com ou sem vínculo jurídico especifico com a administração.
Pode se dizer que poderes administrativos são prerrogativas do Estado para perseguir o interesse público, materializando-se através da pratica de um ato administrativo. Carvalho Filho (2014, p.51) conceitua os poderes administrativos como “o conjunto de prerrogativas de direito público que a ordem jurídica confere aos agentes administrativos para o fim de permitir que o Estado alcance seus fins”.
São decorrentes de princípios que estão na base de toda a função administrativa, com destaque para o princípio da supremacia do interesse público, que proclama a superioridade do interesse da coletividade, firmando sua prevalência sobre o particular, como condição para uma ordem social estável, onde todos possam se sentir garantidos e resguardados (BANDEIRA DE MELLO, 2013, p. 70).
Com base nisso, a doutrina estuda e conceitua diversos poderes, sendo relevante destacar o poder de polícia como principal meio para a instauração de um processo administrativo sancionador.
Antes, no entanto, é importante distinguir as medidas sancionadoras aplicadas com fundamento no poder de polícia do Estado das punições internas as infrações funcionais dos servidores e demais pessoas sujeitas a disciplina dos órgãos e serviços da administração pública. Este se trata do poder disciplinar, uma prerrogativa especial, no qual os servidores e pessoas vinculadas ficam sujeitos a disciplina interna da instituição, instaurando-se um processo administrativo quando do conhecimento da uma infração, para apurar e aplicar a pena cabível (DI PIETRO, 2011, p. 95).
Importante ressaltar ainda, que o poder disciplinar somente abrange as sanções impostas a particulares ligados por um vínculo específico com a Administração, como a punição a um particular que tenha celebrado um contrato administrativo e descumpra as obrigações contratuais. No entanto, todas as pessoas que exerçam alguma atividade que possa acarretar risco ou transtorno a coletividade possui um vínculo geral com a administração, decorrente do poder de polícia e não do por disciplinar e poderão sofrer medidas punitivas aplicadas pela Administração (ALEXANDRINO E PAULO, 2013, p. 232).
Feito estes esclarecimentos, temos então que a administração pública emprega seu poder de policia, quando faz o policiamento de todas as atividades e bens que afetam ou possam afetar a coletividade e consequentemente deste decorre a sua prerrogativa de aplicar sanções administrativas.
Carvalho Filho (2014, p.77) conceitua Poder de Polícia como “a prerrogativa de direito público que, calçada na lei, autoriza a Administração Pública a restringir o uso e o gozo da liberdade e da propriedade em favor do interesse da coletividade”.
Como se pode extrair do conceito acima derrogado, o Estado pode por restrições ou condições para o uso da liberdade e da propriedade assegurados aos administrados pelo texto constitucional e pelas leis. Percebe-se, por conseguinte, que esses direitos não podem ser usados plenamente pelos particulares.
Themístocles Brandão Cavalcanti (1956: v.3: 6-7) apud Di Pietro (2011, p. 115) diz que esse poder “constitui um meio de assegurar os direitos individuais porventura ameaçados pelo exercício ilimitado, sem disciplina normativa dos direitos individuais por parte de todos”. Ou seja, se trata de um limite a liberdade individual para assegurar esta própria liberdade.
A doutrina, de um modo geral, se remete ao Código Tributário Nacional em seu artigo 78, para trazer o conceito legal de poder de polícia previsto no direito brasileiro, no qual a Constituição em seu artigo 145, inciso II, permitiu a instituição de taxas pelos entes federativos em razão do exercício do poder de polícia, sendo o seguinte:
Considera-se poder de polícia a “atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”.
Assim, esse interesse público se refere a diversos setores da sociedade, tais como segurança, saúde, meio ambiente, defesa do consumidor, propriedade, etc e por essa razão pode se encontrar nos Estados a polícia sanitária, polícia das águas, polícia de trânsito, polícia ambiental e tantas outras.
Contudo, esse interesse público deve ser relevante. Só pode intervir nos direitos individuais na medida estritamente necessária para realização dos objetivos estatais de bem-estar social.
Ocorre que, como é impossível a lei exaurir todas as limitações abrangidas pelo poder de polícia e as várias possibilidades concretas de infração, o legislador deixa uma margem, um campo de abertura para que a administração pública aplique a medida necessária analisando o caso concreto de modo a obter a finalidade que previu a legislação. Nesse passo, pode se dizer que o poder de polícia comporta atuação discricionária dos seus atos administrativos.
Segundo Gustavo Scatolino e João Trindade (2016, p. 361) “a discricionariedade do poder de polícia reside no uso da liberdade legal de valoração das atividades a serem “policiadas”, na gradação das sanções aplicáveis, bem como pelo melhor momento de agir”.
Importa ressaltar que a discricionariedade apesar de muitas vezes tratada como um poder autônomo é, para renomados doutrinadores, como Bandeira de Mello (2013, p. 852-853), Maria Sylvia di Pietro (2011, p. 90) e Justen Filho (201, p. 594) considerado um atributo dos outros poderes e dos atos administrativos, pois não existe um ramo de atuação administrativa que seja só discricionária e dessa forma não é correto dizer que o poder de polícia seja só discricionário, pois os atos podem ser vinculados também.
Neste caso, quando já esta fixada em lei à limitação de sua atuação, se trata de uma hipótese de caráter vinculado, em que a Administração terá que cingir-se a essa dimensão.
O exemplo bastante comum de ato de polícia vinculado é a licença, exigida para o exercício de certas atividades, como licença para dirigir veículos, licença para exercer determinadas atividades, que preenchido os requisitos que a lei prevê, a administração é obrigada a conceder o alvará de licença ou autorização.
Todavia, como não é possível a lei vincular todos os atos do poder de polícia, em razão da variedade de situações fáticas, é permitida ao administrador, dentro do seu juízo subjetivo e pessoal, a possibilidade de tomar uma providencia idônea capaz de atender o interesse publico, ou seja, atender a finalidade que inspirou determinada lei (MELLO, 2013, p. 978).
Contudo, embora se espere que o legislador subordine a atuação administrativa a um mínimo legal, muitas vezes são conferidos limites amplos e abrangentes em demasia a determinados atos normativos, principalmente quanto às sanções a serem aplicadas, como por exemplo, aplicação de multa de R$700,00 (setecentos reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais)[1], sem estabelecer critérios objetivos, deixando ao alvedrio do agente a livre escolha do que entende razoável e proporcional naquela situação.
Na solução desse percalço, Carvalho Filho (2014, p. 52) orienta no sentido de que não se deve cogitar a discricionariedade como um poder absoluto, onde não há limitações, mas sim, com refreamentos impostos pelos princípios gerais do Direito e pelo direito fundamental a boa administração.
Portanto, atuar fora desses limites, podem se constituir em atos arbitrários, excedentes da lei, que são considerados ilegítimos e inválidos, sendo justa a impugnação por parte da coletividade e do judiciário (CARVALHO FILHO, 2014, p. 52).
Ademais, segundo a moderna doutrina, é possível analisar ainda se o ato discricionário praticado é razoável e proporcional, de acordo com os preceitos constitucionais vigentes, conforme se discutirá mais adiante.
3 SANÇÕES ADMINISTRATIVAS
O sancionamento a um administrado, que possui um vinculo geral com a administração, decorre do cometimento de uma infração administrativa, por exemplo, as infrações ambientais, como pescar mediante a utilização de petrechos proibidos, provocar o perecimento de espécies da fauna aquática através da emissão de efluentes em rios e lagos, destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, dentre outras[2].
Bandeira de Mello (2013, p.864) conceitua sanção administrativa como “a providência gravosa prevista em caso de incursão de alguém em uma infração administrativa cuja imposição e da alçada da própria Administração”. E por serem temas ligados, compete citar a definição dada pelo mesmo doutrinador de infração administrativa que é “o descumprimento voluntário de uma norma administrativa para o qual se prevê sanção cuja imposição e decidida por uma autoridade no exercício de função administrativa - ainda que não necessariamente aplicada nesta esfera”.
As sanções derivadas do poder de polícia são, portanto, necessárias para tornar este poder eficaz na execução da ordem legal.
Existem vários tipos de sanções previstas, como sanções de advertência, multas, interdição do local ou estabelecimento, cassação de licenças, apreensão e destruição de bens e equipamentos, inabilitação temporária para certas atividades, entre outras.
Destaca-se que a finalidade da lei qualificar certos comportamentos como infração administrativa sujeita as sanções é desestimular a pratica das condutas proibidas, intimidando eventuais infratores ou reprimindo a reincidência, bem como servir de exemplo para a sociedade.
Bandeira de Mello (idem ibdem) sabiamente adverte sobre os objetivos das sanções no sentido de que:
Não se trata, portanto, de causar uma aflição, um “mal”, objetivando castigar o sujeito, levá-lo a expiação pela nocividade de sua conduta. O Direito tem como finalidade unicamente a disciplina da vida social, a conveniente organização dela, para o bom convívio de todos e bom sucesso do todo social, nisto se esgotando seu objeto. Donde, não entram em pauta intentos de “represália”, de castigo, de purgação moral a quem agiu indevidamente. E claro que também não se trata, quando em pauta sanções pecuniárias - caso das multas de captar proveitos econômicos para o Poder Publico, questão radicalmente estranha a natureza das infrações e, consequentemente, das sanções administrativas.
A vista disso, na aplicação das penalidades, além da necessária presença das condições de validade comum aos atos administrativos, como competência, finalidade e forma, é essencial a aplicação do princípio da legalidade, significando que somente a lei pode instituir as sanções.
Essa legalidade, no entanto, deve vir acompanhada de algumas regras que devem ser observadas pela polícia administrativa. Di Pietro (2011, p.124) descreve-as como sendo: a necessidade, uma vez que a medida só deve ser adotada para evitar ameaças reais ou prováveis perturbações ao interesse público; a proporcionalidade, que enseja uma relação necessária entre a limitação ao direito individual e o prejuízo a ser evitado; e a eficácia, uma vez que a medida deve ser adequada para impedir o dano ao interesse público.
Deve se advertir ainda, que as sanções precisam ser aplicadas em observância do devido processo legal, para que se tenha a garantia constitucional da ampla defesa e contraditório e caso não seja propiciado ao infrator à possibilidade de defesa e a produção de provas que sejam necessárias para substanciar suas alegações, surge um vício de legalidade que deve ser corrigido pela via administrativa ou judicial (CARVALHO FILHO, 2014, p. 94).
3.1 Abuso de poder e arbitrariedades na aplicação das sanções administrativas
A atividade da administração pública, apesar de contar com prerrogativas para o exercício de suas finalidades, deve seguir determinadas regras e princípios na prática de seus atos ou na abstenção destes, uma vez que seu uso incorreto pode gerar arbitrariedades e abuso de poder.
Nesse sentido, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2013, p. 262) destacam que o postulado da supremacia do interesse público justifica o exercício dos poderes administrativos na estrita medida em que sejam necessários ao atingimento dos fins públicos, sendo que o uso ilegítimo das prerrogativas caracteriza uma violação, genericamente denominado abuso de poder.
Bandeira de Mello (2013, p. 111) também orienta que os limites do poder se encontram nas finalidades legais, sendo o uso além desses limites considerado abuso de poder.
Abuso de poder é o uso do poder além de seus limites. Ora, um dos limites do poder é justamente a finalidade em vista da qual caberia ser utilizado. Donde, o exercício do poder com desvirtuamento da finalidade legal que o ensancharia está previsto como censurável pela via do mandado de segurança.
Ademais, é importante não confundir discricionariedade e arbitrariedade, pois quando o agente atua dentro dos limites e parâmetros determinados pela lei, age com a discricionariedade que lhe é permitida. No entanto, a partir do momento que se extrapola o que é permitido, esta sendo arbitrário, passível de controle judiciário. Assim preconiza Bandeira de Mello (2013, p. 436-437):
Não se confundem discricionariedade e arbitrariedade. Ao agir arbitrariamente o agente estará agredindo a ordem jurídica, pois terá se comportado fora do que lhe permite a lei. Seu ato, em consequência, e ilícito e por isso mesmo corrigível judicialmente. Ao agir discricionariamente o agente estará, quando a lei lhe outorga tal faculdade (que e simultaneamente um dever), cumprindo a determinação normativa de ajuizar sobre o melhor meio de dar satisfação ao interesse publico por forca da indeterminação legal quanto ao comportamento adequado a satisfação do interesse público no caso concreto.
É incontestável que havendo arbitrariedades, ocorre um ilícito que deve ser repreendido.
Outrossim, constata-se que a discricionariedade da administração pública, além dos limites legais impostos para o atingimento do fim desejado, encontra limites também nos direitos dos cidadãos e nas prerrogativas individuais asseguradas nas leis e na Constituição. Como diz Carvalho Filho (2014, p.87), há uma linha que reflete a junção entre o poder restritivo da Administração e a intangibilidade dos direitos assegurados aos indivíduos, não podendo agir aquém, pois estaria renunciando a interesses públicos, nem agir além dela, pois representa arbítrio e abuso de poder.
Dessa forma, percebe-se que há um consenso quanto à necessidade da proporcionalidade e da razoabilidade nas medidas aplicadas, de modo a também evitar a sua nulidade por infringir preceitos fundamentais dos indivíduos.
Como exemplifica Bandeira de Mello (2013, p.873), nos casos em que se aplicam sanções pecuniárias, a falta de razoabilidade pode conduzir ao caráter confiscatório da multa o que é juridicamente inadmissível.
Portanto, quando a lei prevê, por exemplo, uma punição por meio de multa, fixando um valor mínimo e um máximo, o agente não é totalmente livre para aplicar o valor que quiser, deve analisar a natureza da infração, para que haja uma proporcionalidade punitiva.
Destarte, a fim de legitimar toda a atuação administrativa na aplicação das sanções de sua alçada, é indispensável o processo administrativo, que como será explanado a seguir, deve buscar através da imparcialidade, atender as finalidades públicas e ao mesmo tempo aplicar punições justas, razoáveis e sem qualquer indício de arbitrariedades e abuso de poder.
4 PROCESSO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR
Como visto, o Estado cria regras e através de seu poder de polícia, fiscaliza as infrações cometidas, aplicando as sanções cabíveis. Para que esse procedimento público seja considerado legal, ele deve ocorrer dentro de um processo administrativo.
O melhor conceito de processo administrativo é dado por Carvalho Filho (2014, p.985) definindo-o como “instrumento que formaliza a sequência ordenada de atos e de atividades do Estado e dos particulares a fim de ser produzida uma vontade final da Administração.”
O processo administrativo é um dos mais importantes instrumentos de garantia dos administrados ante as prerrogativas públicas, sendo um recurso extremamente necessário para conter as ingerências do Poder Público sobre a sociedade.
Bandeira de Mello (2013, p. 502) justifica essa importância na ocorrência da passagem do Estado Liberal, quando era escassa a intervenção pública na sociedade, para o Estado Social, onde houve uma ação transformadora do poder público para atingir finalidades tidas como essenciais no âmbito social e econômico. E ainda,
O Poder Público assumiu a função de promotor das mais variadas iniciativas no campo social e econômico, exigindo dos particulares, demais disso, ajustamento de suas condutas aos desideratos absorvidos como finalidades coletivas. Este fenômeno, disseminado em todas as partes, no Brasil está francamente abrigado nas implicações do art. 170 da Carta Constitucional, onde se estatui que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social cujas realizações, obviamente, fazem presumir uma atuação intensa e omnímoda.
Assim, diante da nova dinâmica propiciada ao Estado para assegurar o bem comum, deve-se zelar pelo correto e prudente encaminhamento dos seus atos, especialmente no que diz respeito à aplicação de medidas punitivas aos administrados.
Sem embargo, tem-se que um processo administrativo é distinto do processo judicial.
Di Pietro (2011, p.622) explica que o processo judicial sempre se instaura mediante provocação de uma das partes, necessitando da intervenção de um terceiro, o juiz, que atuando com imparcialidade, aplica a lei ao caso concreto, sendo uma relação jurídica trilateral, pois composta pelas partes (autor e réu) e pelo juiz.
Já o processo administrativo pode ser instaurado pelo interessado ou por iniciativa da própria administração, numa relação bilateral, tendo de um lado o administrado e do outro a administração, que quando decide, age como parte que atua no próprio interesse e nos limites impostos pela lei.
A respeitável professora (idem ibdem) explica ainda que a distinção fundamental entre a função administrativa e a função jurisdicional reside no fato de não existir coisa julgada nas decisões da administração, pois ninguém pode ser juiz e parte ao mesmo tempo ou ser juiz em causa própria.
Ressalta-se que no Direito brasileiro não há uma sistematização para o processo administrativo e suas regras podem vir espalhadas em diversos diplomas legais e até em atos normativos ou de organização. No entanto, o processo administrativo mesmo sem sistematização uniforme, tem influência de princípios e normas jurídicas para que seja possível a sua conclusão dentro das regras gerais do Direito.
No âmbito federal, a Lei 9.784/1999 estabelece normas básicas que visam a proteção do direito dos administrados e o melhor cumprimento dos fins da administração, sendo considerado um grande passo para a uniformidade normativa geral, uma vez que acredita-se não ser possível uma unificação geral tendo em vista a autonomia dos serviços de cada entidade estatal.
Quanto a classificação de processo administrativo, há na doutrina diversas divisões, que são agrupados em função de variados critérios, falando-se em processos internos e externos, litigiosos e não litigiosos, sendo significativos aqueles que trazem conflitos entre os interesses do particular e a administração.
Expõe-se aqui, o entendimento de Bandeira de Mello (2013, p. 507) que existem processos internos e externos, sendo que os processos externos se dividem em ampliativos e restritivos.
Processos externos ampliativos são subdivididos em razão de diversos critérios, sendo relevante aqueles de iniciativa do próprio interessado, como o pedido de permissão de uso do bem público ou iniciativa da Administração, como uma licitação para aquisição de bens, obras ou serviços.
Os processos externos restritivos podem ser subdivididos em meramente restritivos, como as revogações em geral e sancionadores que implicam a aplicação de uma sanção, sendo este o que interessa, pois é em relação a eles que se põe o tema presente, no qual se busca verificar os princípios que devem ser aplicados e as garantias oferecidas aos administrados.
Assim, vemos que o processo administrativo é o gênero que se divide em várias espécies.
Feito estes esclarecimentos, a fim de delimitar o tipo de processo administrativo que importa a este estudo, qual seja o processo administrativo sancionador, é essencial assinalar que além dos princípios próprios da Administração, deve-se reconhecer os princípios constitucionais aplicáveis hodiernamente para um desenvolvimento processual válido e dentro dos preceitos legais e constitucionais.
Antes de tudo, princípio constitucional é um mandamento nuclear de um sistema, que serve para definir a lógica e racionalidade das normas, conferindo-as sentindo harmônico, sendo que sua violação é muito mais grave que violar qualquer norma, pois implica ofensa a todo um conjunto de comandos do sistema, subvertendo seus valores fundamentais (MELLO, 2013, p. 975).
Gustavo Binenbojm (2014, p. 468) assevera que toda a atividade administrativa deve observância aos princípios e regras constitucionais, principalmente no exercício do poder punitivo pela Administração Pública, onde se afeta de forma severa os direitos fundamentais dos particulares e por esse motivo toda a atividade repressiva da Administração deve ser reconduzida a lógica garantista da Constituição, que possui um sistema robusto de princípios e regras para a proteção dos administrados contra o exercício arbitrário do poder punitivo estatal.
Enfatizando essa premissa, a lei 9.784/99 que regula o processo administrativo no âmbito da administração pública federal, expressamente prevê em seu artigo 2º os princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência como de observância obrigatória.
Assim, preceitos constitucionais já estão expressamente previstos em leis estritamente necessárias ao administrador público, não cabendo ao mesmo agir de modo contrário.
Carvalho Filho (2014, p.94) adverte, além do mais, que o processo administrativo que aplica uma sanção, se trata de um processo acusatório, e por isso deve reconhecer a incidência, por analogia, de alguns axiomas consagrados no âmbito do Direito Penal e Processual Penal, devido à similitude de seus fins.
Tais conclusões perpassam os posicionamentos doutrinários, para atingir a pratica dos tribunais, podendo ser visto nas decisões do nosso egrégio Superior Tribunal de Justiça, que deliberou favoravelmente a transposição de garantias constitucionais e penais para o direito administrativo sancionador, onde por vezes ocorreram processos sem observância de garantias, valendo-se do fundamento das prerrogativas da administração pública.
O julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança, RMS 24559/PR, de relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, dessa forma assentou:
Consoante precisas lições de eminentes doutrinadores e processualistas modernos, à atividade sancionatória ou disciplinar da Administração Pública se aplicam os princípios, garantias e normas que regem o Processo Penal comum, em respeito aos valores de proteção e defesa das liberdades individuais e da dignidade da pessoa humana, que se plasmaram no campo daquela disciplina. (STJ - RMS: 24559 PR 2007/0165377-1, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 03/12/2009, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/02/2010)
A dedução é irrefutável, pois ambos (direito penal e direito administrativo sancionador) estão submetidos ao poder punitivo estatal, e por isso mesmo possuem um núcleo principiológico comum, que busca limites para conter o arbítrio do poder no moderno Estado Democrático de Direito.
Desse modo, a premissa principal dos princípios é a subordinação da ação estatal ao atendimento do interesse público, observando valores expressos como direitos fundamentais dos cidadãos, buscando conter o arbítrio, principalmente quanto aos limites do poder punitivo estatal na aplicação das sanções pela própria Administração.
No entanto, em que pese todas as garantias dadas ao sujeito passivo de um processo administrativo sancionador, e todos os preceitos que deveriam ser praticados pela Administração Pública, esta ainda continua se valendo de sua discricionariedade e prerrogativas a fins para aplicar punições autoritárias e desarrazoadas, merecendo por essa razão, o controle jurisdicional de seus atos.
5 CONTROLE JURISDICIONAL DE PROCESSOS ADMINISTRATIVOS SANCIONADORES
A partir do momento que se identifica o cometimento de uma infração passível de sanções administrativas, se instaura o processo contra o responsável, cuja sequência de atos deve propiciar todas as garantias legais e constitucionais quanto à forma, competência e finalidade, além do mérito ser dotado de medidas necessárias, proporcionais e efetivas para o fim que almeja.
Normalmente, quanto os aspectos legais do processo, atinentes ao rito processual, há um consenso de que a administração cumpre regularmente seu papel. O problema surge quando, com o pressuposto de agir dentro da discricionariedade que lhe é permitida, aplicam-se medidas sancionatórias desproporcionais, irrazoáveis, carregadas de arbitrariedades e abuso de poder, conforme já explanado.
A fim de refrear tais medidas, surge a possibilidade de controle jurisdicional desses processos administrativos, que tem fundamento principalmente no fato dos próprios órgãos da administração serem responsáveis de fazer operar a vontade concreta da lei, praticando diversos atos com esta finalidade, como regulamentando leis e fiscalizando o seu cumprimento, ao mesmo tempo que processam aqueles que causarem infrações e aplicam a penalidade que lhes forem convenientes e oportunas, sendo juiz e parte simultaneamente.
Diante dessa realidade, o poder judiciário por ser um órgão independente e imparcial, é o único que pode proferir decisões com força de coisa julgada, garantindo a correta aplicação dos ditames constitucionais (DI PIETRO, 2011, p. 622).
Percebe-se, dessa forma, que só a Justiça pode dizer se a pratica discricionária é legal e dentro dos limites de opção do agente administrativo, de modo a verificar nulidades e coibir abusos da Administração. No entanto, muito se ressalva que o judiciário não pode apreciar o mérito administrativo. Nesse sentido expõe Carvalho Filho (2016, p. 113)
O que se veda ao Judiciário é a aferição dos critérios administrativos (conveniência e oportunidade) firmados em conformidade com os parâmetros legais, e isso porque o Juiz não é administrador, não exerce basicamente a função administrativa, mas sim a jurisdicional. Haveria, sem dúvida, invasão de funções, o que estaria vulnerando o princípio da independência dos Poderes (art. 2º da CF).
Todavia, vemos uma tendência muito voltada para o controle jurisdicional, que busca adequar às condutas, sejam públicas ou particulares, dentro dos ditames constitucionais, para conferir validade e sentido a todas as normas infraconstitucionais. Esse movimento, muito bem delineado pelo jurista Luís Roberto Barroso é chamado de Constitucionalização do Direito, que vem expandindo as normas constitucionais por todo o sistema jurídico. Nessa perspectiva explica que
“a Constituição figura hoje no centro do sistema jurídico, de onde irradia sua força normativa, dotada de supremacia formal e material. Funciona, assim, não apenas como parâmetro de validade para a ordem infraconstitucional, mas também como vetor de interpretação de todas as normas do sistema.” (BARROSO, 2015, p.22)
Não se trata de uma ideologia, mas um fenômeno que a cada dia vem ganhando mais força a fim de os valores, fins públicos e os comportamentos ditados pelos princípios e regras da Constituição sejam observados obrigatoriamente para que as normas infraconstitucionais tenham validade.
Barroso (2015, p. 13) ressalta ainda que a constitucionalização alcança a atuação dos três Poderes, “inclusive e notadamente nas suas relações com os particulares”.
No que diz respeito à Administração Pública, Barroso (idem ibdem) manifesta que a constitucionalização do direito limita a discricionariedade, impõe deveres de atuação e fornece fundamento de validade para a prática de atos de aplicação direta e imediata da Constituição, independente da interposição do legislador ordinário.
Tal observação é muito pertinente, uma vez que vem trazer ao administrador público a percepção de que ele, acima de tudo, deve obedecer a Constituição, os direitos fundamentais, pois é ela que num contexto geral, traz os objetivos do Estado, garante direitos e deveres a todos, por ter sido legitimada por um poder constituinte originário.
Gustavo Scatolino e João Trindade (2016, p. 48 – 49) reiteram esse pensamento, relatando ser uma tendência fornecer fundamentos de validade para a prática de atos de aplicação direta e imediata da Constituição, independente da interposição do legislador ordinário, ou seja, a possibilidade do agente administrativo atuar tendo como fundamento direto a Constituição.
Ressalta-se que o mais determinante na constitucionalização do direito administrativo é a incidência dos princípios constitucionais de caráter geral, a partir da dignidade da pessoa humana e da proteção dos direitos fundamentais, superando os paradigmas tradicionais e consequentemente alterando a qualidade das relações entre Administração e administrado, possibilitando, sobretudo, o controle judicial do mérito do ato administrativo (BARROSO, 2015, p. 31-32).
Nesse sentido reforça ainda o renomado Ministro do Supremo Tribunal Federal:
O conhecimento convencional em matéria de controle jurisdicional do ato administrativo limitava a cognição dos juízes e tribunais aos aspectos da legalidade do ato (competência, forma e finalidade) e não do seu mérito (motivo e objeto), aí incluídas a conveniência e oportunidade de sua prática. Já não se passa mais assim. Não apenas os princípios constitucionais gerais já mencionados, mas também os específicos, como moralidade, eficiência e, sobretudo, a razoabilidade-proporcionalidade permitem o controle da discricionariedade administrativa (observando-se, naturalmente, a contenção e a prudência, para que não se substitua a discricionariedade do administrador pela do juiz). (BARROSO, 2015, p. 32)
Assim, através desse fenômeno, vem ocorrendo uma mitigação na possibilidade do controle judicial sobre o mérito administrativo, onde muitos doutrinadores têm considerado os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade como valores que podem ensejar o controle da discricionariedade, principalmente se tratando de atos sancionatórios, considerando que a intensidade e extensão da sanção deve ter coerência com a lesividade e gravidade da conduta que se pretende reprimir ou prevenir.
Justen Filho (2014, p. 262), validando o exposto, explica que a regra é que as escolhas feitas pelo administrador sejam insuscetíveis de revisão, mas sendo uma decisão de mérito desarrazoada, arbitrária ou destituída de qualquer aptidão para alcançar a finalidade da norma, deve ser passível de revisão.
Sob outra perspectiva, Bandeira de Mello (2013, p. 980) pondera que há casos que qualquer um, dentro de um nível normal de entendimento, pode perceber que, mesmo a lei tendo contemplado certa discrição ao ato, a decisão tomada não foi a adequada, comportando censura judicial que não implica invasão do mérito do ato. E ainda,
Com efeito, discricionariedade só existe nas hipóteses em que, perante a situação vertente, seja impossível reconhecer de maneira pacífica e incontrovertível qual a solução idônea para cumprir excelentemente a finalidade legal. Ou seja: naquelas em que mais de uma opinião for razoavelmente admissível sobre a medida apropriada para dar a melhor satisfação ao objetivo da lei. Em suma, está-se aqui a dizer que a discricionariedade é pura e simplesmente o fruto da finitude, isto é, da limitação da mente humana. A inteligência dos homens falece o poder de identificar sempre, em toda e qualquer situação, de maneira segura, objetiva e inobjetável, a medida idônea para preencher de modo ótimo o escopo legal.
Assim, cabe ao judiciário fulminar qualquer comportamento ilegítimo da administração, que a pretexto de exercer a discricionariedade, ultrapassa as fronteiras dela, violando preceitos normativos que limitam esta prerrogativa pública.
Não obstante, chama-se a atenção para o fato de não ser fácil controlar essa discricionariedade, devendo ser exercido apenas em situações concretas, onde será possível verificar se houve um respeito aos ditames constitucionais nas suas condutas, porquanto a exacerbação ilegítima pode ofender ao princípio da separação dos Poderes, cujo valor fundamental é o equilíbrio entre eles.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm sido firmes na orientação de que examinar a ilegalidade e abusividade nos atos administrativos não viola a separação dos poderes, bem como questões atinentes a proporcionalidade e razoabilidade. Assim instrui os arestos colacionados:
“É firme o entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que o exame de legalidade e abusividade dos atos administrativos pelo Poder Judiciário não implica violação ao princípio da separação dos Poderes. (STF - RE: 638125 SP, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 09/04/2014, Primeira Turma, Data de Publicação: DJE 14-05-2014)
“Não viola o princípio da separação dos poderes o controle pelo Poder Judiciário de ato administrativo eivado de ilegalidade ou abusividade, o qual envolve a verificação da efetiva ocorrência dos pressupostos de fato e direito, podendo o Judiciário atuar, inclusive, nas questões atinentes à proporcionalidade e à razoabilidade.” (STF - AI: 800892 BA, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 12/03/2013, Primeira Turma, Data de Publicação: DJE 07-05-2013)
“É sabido que em tema de controle judicial dos atos administrativos, a razoabilidade e a proporcionalidade decorrentes da legalidade podem e devem ser analisadas pelo Poder Judiciário, quando provocado a fazê-lo. Com o advento da Constituição da República de 1988 foi ampliado o conceito da legalidade, sob o prisma axiológico. Dentro desse conceito amplo de legalidade, a atividade administrativa deve estar pautada nos princípios gerais de direito e nos princípios constitucionais, sob pena de ser considerada ilegal, por não atender aos fins públicos colimados no Estado Democrático de Direito.” (STJ - RMS: 16536 PE 2003/0102707-3, Relator: Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), Data de Julgamento: 02/02/2010, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/02/2010)
Portanto, observado a sua legitimidade, sem atuar abusivamente, o judiciário exerce um papel significante nos processos administrativos sancionadores, pois é capaz de resguardar o sistema democrático e promover os valores constitucionais.
Possibilitar esse controle traz ainda mais segurança, principalmente pelo fato do poder judiciário ser um órgão imparcial, equidistante das partes, capaz de analisar com mais equilíbrio se o processo e a pena aplicada foram justos para as partes.
6 CONCLUSÃO
Por todo o exposto é possível inferir a importância da inafastabilidade da jurisdição para assegurar a ordem e o Estado Democrático de Direito, viabilizando, no contexto apreciado nesse estudo, o controle de atos administrativos sancionadores quando desprovidos de direitos fundamentais assegurados aos particulares pela Constituição.
Conforme visto, o poder de polícia dado ao Estado para limitar liberdades individuais é bem vindo, pois busca garantir o bem estar da coletividade, trazendo segurança e harmonia na convivência em sociedade, sendo legitimo utilizar-se de medidas eficazes para garantir o cumprimento das regras estabelecidas.
Contudo, sabe-se que pode ocorrer da Administração Pública exceder os limites na aplicação das penas derivadas do seu poder de polícia e tendo em vista o processo administrativo sancionador tramitar em diversas fases dentro do mesmo órgão público, hesita-se quanto ao mérito da decisão, principalmente, quando dentro de um juízo racional de valores surge um sentimento de injustiça e desproporcionalidade nas punições aplicadas.
Acredita-se que possibilitando o controle jurisdicional dos atos praticados em todo o processo administrativo, inclusive das decisões de conteúdo meritório, quando estas ferem gravemente princípios constitucionais, coíbe-se a pratica de processos aparentes, em que previamente já se sabe o resultado final, onde os atos são praticados tão somente para justificar tal desfecho.
Para isso, se reforça o relevante papel do princípio da proporcionalidade como importante parâmetro para controlar os atos do Poder Público na aplicação de sanções administrativas, para que estas sejam adequadas, necessárias e proporcionais.
E por certo, deve o judiciário em casos concretos postos a seu exame, ter a discernimento e prudência necessária para verificar se é um caso de violação de preceitos constitucionais ou não, prestigiando sempre o princípio da separação dos poderes, mas garantindo que os direitos individuais do sancionado estejam assegurados por aqueles que ele pode se socorrer.
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[1]Decreto Federal 6.514/2008, art. 35: Pescar em período ou local no qual a pesca seja proibida: Multa de R$ 700,00 (setecentos reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), [...]
[2] Infrações previstas na Lei 9.605/1998.