Nos últimos meses um importante assunto para os profissionais do direito voltou a ser debatido, qual seja a criação de um curso tecnólogo em serviços jurídicos. Recentemente o Ministério da Educação (MEC) homologou parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) autorizando o funcionamento de curso superior de tecnologia em serviços jurídicos.
O aluno que se matricular no referido curso terá em média uma formação dividida em 04 ou 05 semestres, dependendo da instituição e seu diploma é considerado de nível superior. Segundo o relator do CNE este tipo de curso em momento algum visa disputar o mercado de trabalho com bacharéis em direito e muito menos com advogados. Segundo ele o tecnólogo em serviços jurídicos tem como escopo encaminhar o seu formando para o mercado de trabalho exercendo funções paralegais e auxiliares da justiça.
É bem verdade, e tem total razão o relator do CNE quando afirma que “nem toda formação do mundo jurídico está sob a batuta do advogado, havendo diversas áreas cartoriais e administrativas, por exemplo, em que o profissional tecnológico pode desempenhar suas atividades”.
A OAB por sua vez se manifestou contrária à criação deste tipo de curso. Em nota chegou mesmo a declarar que o CNE “mais que se distancia de sua função de zelar pelo rigoroso padrão de qualidade do ensino" e abre caminho para o surgimento de uma "classe indefinida de profissionais, criando problemas ainda mais sérios às centenas de milhares de bacharéis em direito que hoje se formam e não encontram posição favorável no mercado de trabalho". Hoje pretende levar a questão ao Judiciário.
Eu entendo as duas posições de um lado o CNE e o MEC querem ampliar a formação de pessoas que não pretendem seguir longo caminho para os seus estudos, mas desejam ter uma formação adequada para algumas funções e de outro lado a OAB vendo a dificuldade de milhares de bacharéis em direito e mesmo de advogados para a devida inserção no mercado de trabalho, enxerga este curso tecnólogo como mais uma ameaça.
Segundo entrevista dada pelo presidente da OAB/RJ, somente o Estado do Rio de Janeiro possui uma proporção de 8,34 advogados para cada mil habitantes, logo podemos concluir que o mercado está saturado. O modelo atual da formação jurídica é insustentável. Nas palavras do próprio presidente da OAB/RJ:
“Não há mercado para um milhão de advogados. O que nós estamos tentando no Rio de Janeiro desde o tempo em que fui presidente de caixa é criar condições para aqueles que não conseguem manter o próprio escritório. Estamos vendendo para uma parcela da juventude brasileira um sonho que não vai se realizar. Mesmo quem passa entre os 10% que são aprovados no exame de Ordem, tem que estar ciente que não há mais espaço real para o exercício profissional deste contingente todo. A OAB tem que transformar o modelo de advocacia do Brasil. Não adianta participar de um jogo que é do governo e que foi criado com base em interesses econômicos a partir dos anos 90, de que essa é uma profissão de sucesso garantido. O advogado hoje que ingressa na profissão, na média, é um proletário. É uma insanidade que existam mais de 120 faculdades de Direito no Rio de Janeiro”.
Ainda continua, dizendo:
“É criar um mercado que seja verdadeiramente sustentável para atender à sociedade. Lidar com essa advocacia cada vez mais heterogênea, com advogados muito bem-sucedidos, mas que em sua maioria é composta de jovens que se aplicam e estudam, mas têm pouca oportunidade no seu dia-a-dia. A OAB se arrisca a virar um grande sindicato e perder a característica de ser uma representante da sociedade civil, uma representante dos direitos humanos. É esse conflito que nós temos que enfrentar”.
Eu concordo plenamente com ele. Como advogada, iniciando o meu escritório há cerca de dois anos, posso afirmar o mercado está saturado, não temos em sua maioria qualidade na prestação de serviço. A justiça está se tornando uma indústria de indenizações, com petições modelos, juízes leigos e por aí vai. A crise do ensino jurídico é tão grande que bacharéis em direito e advogados se sentem ameaçados por um curso tecnólogo em serviços jurídicos. De maneira alguma, estou querendo desmerecer este tipo de formação, mas simplesmente mostrar que existe uma diferença em suas respectivas formações, portanto um não precisaria se sentir ameaçado pelo outro. Um exemplo básico é a formação de contadores, neste tipo de formação nós encontramos o técnico em contabilidade e o contabilista que convivem de forma pacífica e harmoniosa.
Particularmente, embora reconheça que a vida do advogado, principalmente o autônomo não está fácil, eu não sou contra e não vejo problema em um curso tecnólogo em serviços jurídicos. Posto que a reflexão que me faço é a seguinte: será que eu estudei cinco anos e depois me submeti ao exame da Ordem dos Advogados do Brasil para ficar tirando cópia de processos, para resolver conflitos em juizados especiais (conflitos esses que deveriam ser resolvidos pelo próprio cidadão e um mediador), ficar realizando serviços burocráticos que não requerem nenhum senso crítico?
Se esta é a função do advogado, então eu não sou advogada e não entendi o que é advogar. Depois de cinco anos de estudo de disciplinas estritamente jurídicas, deveríamos ser capazes de pensar a lei, de adequá-la e interpretá-la. Isso não somente função do juiz, devemos utilizar todos os recursos legais em prol de nossos clientes, de preferência de maneira preventiva. O advogado não existe para apenas ingressar com ações judiciais. A sua função e sua competência são ou deveriam ser bem mais amplas.
Portanto, em minha opinião a criação deste curso apenas reforçou, colocou em evidência a crise do ensino jurídico. Temos um curso de direito a cada esquina. Temos bacharéis e até mesmo advogados que não sabem se expressar no português correto. Isso sim é uma ameaça e desvalorização da profissão. Muitas dessas pessoas de repente não teriam feito o curso de direito no modelo atual; teriam feito um tecnólogo e estariam muito satisfeitos em seus diplomas adequados às suas funções.
Hoje o que presenciamos é um cenário de bacharéis e advogados frustrados realizando atividades muito aquém de seus diplomas e de suas capacidades. Parte desses profissionais enxerga a saída nos concursos públicos, porque aí sim quando eu for juiz ou promotor eu serei respeitado.
Por fim, sem mais delongas, em minha opinião a OAB ao invés que perder energia e dinheiro na luta contra a criação deste curso deveria realizar um estudo comparado acerca do ensino jurídico com a França por exemplo. Lá nós temos a presença de um equivalente ao tecnólogo, o que eles chamam de “Capacité en Droit”. No modelo francês de ensino a cada etapa de ensino, da formação o profissional está habilitado a se inserir em determinado ramo do mercado de trabalho e somente depois de mais ou menos 07 anos de estudo o profissional é considerado advogado. Ao longo desses anos de estudo ele teve contato não somente com disciplinas jurídicas, mas de outras áreas do conhecimento a fim de formar um profissional completo, tal como gestão do negócio.