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As espécies exonerativas e seus respectivos efeitos sobre os mandamentos normativos tributários

Agenda 27/09/2004 às 00:00

O presente trabalho tem por escopo demarcar o sentido de ‘norma jurídica impositiva’, anotar alguns aspectos importantes a respeito da chamada ‘hipótese de incidência’, bem como abordar, em termos gerais, o instituto da ‘desoneração tributária’ e suas respectivas espécies, quais sejam, a) as próprias limitações constitucionais ao poder de tributar; b) imunidades; c) não-incidência; d) isenção; e) anistia; f) alíquota zero.

A fim de conceituar com percuciência ‘norma jurídica impositiva’, mister uma breve remissão à própria legislação tributária. Sendo assim, fontes materiais do direito tributário são os atos e situações que dão origem à obrigação tributária (cf. arts. 113 e §§, e 114 a 118, do CTN), ao passo que fontes formais são o conjunto de normas que incidem, justamente, sobre estes atos e situações. As fontes formais são subdivididas em principais, secundárias e indiretas. Estas últimas são, basicamente, a doutrina (livros, pareceres, artigos, simpósios, palestras, etc.) e a jurisprudência (a interpretação da lei dada pelo Judiciário). As secundárias, por sua vez, são os atos administrativos normativos, v. g., os decretos, regulamentos, atos, instruções, circulares, portarias, ordens de serviço, além dos convênios entre os órgãos estatais, sem exclusão de outros. E, complementando, as fontes formais principais são as próprias leis constitucionais federais e dos Estados-membros, leis complementares, ordinárias, delegadas, decretos legislativos, resoluções e tratados.

Destarte, a ‘norma jurídica impositiva’, derivada das fontes formais principais e secundárias, principalmente, caracteriza-se por ser obrigatória, coativa, imperativa, cogente, a cujo mando ninguém pode se furtar. Segundo DE PLÁCIDO E SILVA (2002:558), "dentro do seu sentido literal, é tomado na linguagem jurídica como regra, modelo, paradigma, forma ou tudo que se estabelece em lei ou regulamento para servir de pauta ou padrão na maneira de agir. Assim, a norma jurídica, instituída em lei vem citar a orientação a ser tomada em todos os atos jurídicos, impor os elementos de fundo ou de forma, que se tornam necessários, para que os atos se executem legitimamente. É o preceito de direito." Quanto aos aspectos tributários a ‘presença’ delas é fundamental, pois, sem ‘normas jurídicas impositivas’ prevendo todos os elementos que compõem o instituto da tributação, as sanções/punições, inclusive, certamente o contribuinte poderia se recusar a pagar, até porque poucos gostam de desembolsar mais do que o necessário a sua própria satisfação.

Na esteira, o fato gerador ou hipótese de incidência é a previsão legal que ‘emoldura’ uma situação de fato, especialmente de cunho patrimonial ou econômico, no sentido de abstrair um valor/quantia/montante a ser destinado à Fazenda Pública. Ou seja, é uma descrição abstrata de um comportamento suscetível de tributação e que visa prover os cofres do Estado no intuito de que este possa cumprir com as tarefas, funções e determinações a ele conferidas. Na hipótese de incidência ou Regra Matriz da Incidência Tributária, formulada pelo consagrado PAULO DE BARROS CARVALHO, estão presentes, em linhas gerais, cinco critérios: a) material (que é o próprio fato gerador e envolve o "verbo" – ser, circular, industrializar, etc. – e o "complemento" – proprietário, mercadorias, produtos, etc. –); b) temporal (a lei que cria o tributo deve precisar o momento da ocorrência do fato jurídico tributável); c) espacial (cada ente tributante tem o seu "campo geográfico" de atuação); d) quantitativo (representado pela base de cálculo e pela alíquota); e) pessoal (sujeito ativo: pessoa jurídica de direito público titular da competência tributária; e sujeito passivo ou contribuinte: pessoa física ou jurídica obrigada a pagar o respectivo tributo).

Na lição de SAHID MALUF (1995:22), "O Estado é o órgão executor da soberania nacional", vale dizer, como ensina CELSO BASTOS (1995:10) "O Estado é a organização política sob a qual vive o homem moderno. Ela caracteriza-se por ser a resultante de um povo vivendo sobre um território delimitado e governado por leis que se fundam num poder não sobrepujado por nenhum outro externamente e supremo internamente."

O Estado, nesta acepção, tem inúmeras atribuições e para que sejam executadas a bom termo, são necessários recursos financeiros, os quais, como visto, advêm, precipuamente, da tributação. Esta se caracteriza por um ônus, vale dizer, por meio de diversas formas, o contribuinte é compelido a ‘colaborar’ com o Estado, a fim de que este possa suprir e prover as exigências e as contraprestações suscitadas.

Na ‘contramão’, está a mencionada desoneração tributária, com suas respectivas espécies exonerativas, o que significa assegurar que, se de um lado está a obrigação de pagar tributos, de outro estão os meios pelos quais o contribuinte fica, por conseguinte, ‘isento’ de desembolsos.

Na vanguarda dos instrumentos em estudo – e nem poderia ser diferente –, estão as limitações constitucionais ao poder de tributar, inseridas na Carta Magna pelo Poder Constituinte Originário e já pacificadas pelo Supremo Tribunal Federal como cláusulas pétreas.

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Neste sentido, nos dispositivos do art. 150, estão contidos os princípios que impõe limites ao poder tributante. São prescrições absolutamente indispensáveis, na medida em que, como a Constituição, em termos gerais, não cria, propriamente, tributos, mas, estabelece as linhas mestras e os vetores a serem respeitados, trata-se da principal proteção ao contribuinte, em face à voracidade do Fisco e do próprio legislador infraconstitucional. Os princípios da estrita legalidade (150, I), da igualdade (150, II), da irretroatividade (150, III, a), da anterioridade (150, III, b), da não utilização de tributos com efeitos de confisco (150, IV), da não limitação ao tráfego de pessoas ou bens (150, V) e da uniformidade geográfica (151, I).

Neste diapasão, também como forma de desoneração, estão as imunidades. São as limitações relacionadas ao exercício da competência tributária, isto é, de plano, o Texto Magno – mesmo porque o conceito de imunidade está diretamente ligado à própria Constituição – impede que o legislador infraconstitucional tribute pessoas e/ou objetos e/ou pessoas e bens predeterminados.

A imunidade sobre pessoas políticas (ou subjetivas) pode ser exemplificada pelo que dispõe o art. 150, VI, a, visto que trata-se da chamada imunidade recíproca: "Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios; instituir impostos sobre; patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros." A determinação tem razão de ser, haja vista que, quanto à execução das finalidades essenciais do Estado, este depende do montante arrecadado pela tributação. E, se um ente federado tivesse que pagar impostos a outro, certamente seria um dispêndio inadequado e um ônus desnecessário, por motivos óbvios.

Quanto à imunidade sobre objetos (ou objetiva), o exemplo clássico é o dispositivo inserto no art. 150, VI, d, por intermédio do qual, as entidades da federação brasileira estão impedidas de cobrar impostos sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. Inegavelmente, a intenção merece reverência, pois, sem dúvida, trata-se de um estímulo deveras significativo à educação, cultura, leitura, informações, desenvolvimento intelectual, enfim, muitos outros benefícios diretos e indiretos advindos desta prescrição.

O exemplo que ilustra a denominada imunidade específica (ou mista), na qual estão envolvidos, conjuntamente, inter-relacionados e em função de determinado imposto, pessoas e bens, advém do inc. II, do § 4º, do art. 153. Deste modo, o imposto sobre a propriedade rural (ITR) não incide sobre pequenas glebas rurais, assim definidas em lei, quando as explore o proprietário que não possua outro imóvel. Da mesma maneira, o ICMS não incide sobre exportações, ou melhor, sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores.

Vale ressaltar que, não obstante a redação constitucional se referir à ‘não incidência’, é certo que o STF já determinou que qualquer que seja o termo expresso no Texto Magno, trata-se, na verdade, do obstáculo constitucional que representa, justamente, a própria imunidade constitucional.

A isenção é um benefício ou uma renúncia fiscal feita por norma infraconstitucional (reside aí a diferença entre imunidade e isenção) ou, ainda, a dispensa de um tributo devido ou que, normalmente seria devido. Trata-se de um instrumento não apenas de receitas, mas, também, de estímulo ou desestímulo a determinada situação e/ou conduta. É a chamada extrafiscalidade. O que exemplifica a assertiva é a isenção do imposto de renda (IR) à pessoas portadoras de problemas cardíacos ou, da mesma forma, estão isentos do IR aqueles que ganham até determinado valor. Também ilustra, a isenção que alguns municípios, São Paulo, por exemplo, dá a imóveis que têm um valor venal cotados abaixo de um patamar previamente estipulado.

No dizer de AMÉRICO FÜHRER (2002:70), "A isenção corresponde a uma norma aditiva, que modifica a norma básica, fazendo com que um tributo, em regra, devido não o seja, em certas circunstâncias. A norma modificadora integra-se com a norma básica, formando um todo lógico. Com bem explica Luciano Amaro, ‘a isenção atua geralmente num sistema de par de normas, em que uma é a regra, a outra, exceção’. Ou, como ensina Roque Carrazza, ‘a lei isentiva e a lei tributante convivem harmoniosamente, formando uma única norma jurídica tributária (diferente da que existia antes de a isenção ser criada)’."

FRANCISCO BRUNO NETO (1999:232) complementa a lição, demonstrando que, "isenção é a dispensa legal de um determinado tributo, via de regra concedida face a relevante interesse social ou econômico regional, setorial ou nacional. Só pode isentar quem tem a competência para tributar. Pode ser subjetiva, objetiva ou mista. Quanto ao primeiro tipo, caracteriza-se por visar favorecer ou atingir determinada pessoa (depende de requerimento especial e cumprimento de condições). Quanto ao segundo, visa favorecer ou atingir a coisa tributada (o produto, não importa quem o venda). Por fim, o terceiro tipo da isenção, ocorre quando visa à pessoa e à coisa (o produto)."

A anistia é a não aplicação de penalidades ao contribuinte, vale dizer, prevista no art. 175, II, do CTN, significa o perdão legal da multa tributária. É preciso ficar atento para não incorrer em erro de interpretação, haja vista que o que é elidido, na anistia, é a multa e não o próprio tributo. Observar as anistias concedidas pelo Poder Público é de grande valia, na medida em que, ‘descobrindo’ tais concessões e levando ao conhecimento dos clientes a possibilidade de economia em sua contabilidade, certamente a relação de confiança e credibilidade entre eles e o Escritório será consolidada.

Adiante, como explica AMÉRICO FÜHRER (2002:70), "A incidência corresponde ao fato ou situação em que o tributo é devido. Dado o fato gerador concreto, recai ou incide sobre ele o tributo. A não-incidência, por sua vez, corresponde a um fato ou a uma situação que ficou fora do alcance da norma tributária."

A não-incidência, na verdade, pode ser considerada, ao mesmo tempo, como gênero e como espécie. Explica-se. A não-incidência pode decorrer de imunidade ou isenção, daí ser considerada como gênero. Como espécie, é a chamada não-incidência pura e simples. Nesta, o Poder Público simplesmente se abstém de tributar determinado fato econômico e/ou operação mercantil, sem exclusão de outras. É o exemplo do imposto sobre grandes fortunas, de competência da União, a qual, até por não ter, ainda, definido cabalmente o que seja, por ora, deixa sua competência, digamos, à espera de uma ação neste sentido.

A alíquota zero é a última abordagem. Tanto por meio de lei, como por decisão do Poder Executivo (O CTN prevê esta hipótese, em alguns impostos que têm caráter extrafiscal, como por exemplo, o imposto sobre a importação (II), art. 21, e o sobre a Exportação (IE), art. 26), a alíquota, como diz o próprio nome pode ser reduzida a zero, o que quer dizer, evidentemente, que há uma nítida desoneração.

É, portanto, um regime especial e que pode vigorar por um tempo longo ou curto, dependendo da vontade do Executivo e/ou do legislador. É passível de alteração a qualquer tempo e as empresas e/ou demais interessados devem ficar atentas a difíceis, mas não impossíveis, reduções de alíquotas que possam beneficiar as suas respectivas atividades econômicas. Atenção, também, para o reverso.

Como corolário, fica, pois, a sugestão no sentido de que se faça um estudo e uma análise em toda a legislação, a fim de que sejam encontradas situações favoráveis e que possibilitem a ‘desoneração’ dos contribuintes, sistematicamente ‘esfolados’ pela voracidade fiscal brasileira.


BIBLIOGRAFIA

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Sobre o autor
Marco Aurélio Paganella

membro do Escritório Fernando, Nagao, Cardone, Alvarez Jr. & Advogados.Bacharel em Direito pela UNISA - Universidade de Santo Amaro/SP. Especialista em Direito Constitucional e em Direito Tributário pelo IICS/CEU - Instituto Internacional de Ciências Sociais/Centro de Extensão Universitária/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAGANELLA, Marco Aurélio. As espécies exonerativas e seus respectivos efeitos sobre os mandamentos normativos tributários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 447, 27 set. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5737. Acesso em: 22 nov. 2024.

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