O tratado é um acordo formal: ele se exprime, com precisão, em determinado momento histórico, e seu teor tem contornos bem definidos, como ensinou Francisco Resek(Direito dos Tratados, 1984, pág. 22). A oralidade é não apenas destoante do modelo fixado em 1928, pela Convenção de Havana, e retomada em 1969 pela de Viena e desajustada ao sistema de registro e publicidade inaugurado pela Sociedade das Nações herdado pelas Nações Unidas, e assimilado, ainda por organizações regionais, como o Pacto da Liga dos Estados Árabes, artigo 17.
Fala-se que o tratado é um acordo concluído. De toda sorte, a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, adotada em 22 de maio de 1969, codificou o direito internacional consuetudinário referente aos tratados ao codificar normas costumeiras aceitas e eficazes e buscar harmonizar os procedimentos de elaboração, ratificação, denúncia e extinção de tratados. Tal Convenção entrou em vigor em 27 de janeiro de 1980. A Convenção adota como princípios o livre consentimento, a boa-fé e a norma de direito internacional pacta sunt servanda. Determina, ademais, que um Estado não pode invocar sua lei interna para justificar o descumprimento de um tratado de que seja parte.
Os tratados envolvem sujeitos de direito internacional público. Sujeitos de direito internacional público são os Estados independentes – aos quais se equipara a Santa Sé e ainda as organizações internacionais. Todo Estado independente, ainda que exíguo, frui capacidade para celebrar contratos. Mas a soberania não é um pressuposto dessa capacidade.
Na órbita internacional, o acordo é a expressão de uso livre, e da mais alta incidência na prática internacional. Veja-se o GATT(Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio), celebrado em 1947, que é um dos mais notórios e importantes tratados multilaterais em vigor. O Brasil aderiu a esse acordo em 1949, tendo feito amplo uso em suas negociações bilaterais ulteriormente subordinadas à aprovação do Congresso.
Por sua vez, a Convenção era, até meados do século XIX, termo adequado para se aplicar ao compromisso internacional de menor monta.O ajuste, arranjo são um indicativo seguro de sua importância secundária, como disse Francisco Rezek(obra citada, pág. 91). A expressão contrato, não muito aceita no direito internacional, foi utilizada pelo Brasil na celebração com os Estados Unidos, em 29 de setembro de 1944, de um contrato sobre a designação de um oficial da Marinha de Guerra dos Estados Unidos para servir como consultor técnico de Comissão de Marinha Mercante no Brasil.
Desde que a declaração envolva mais de um sujeito de Direito das Gentes, e que se destine a produzir efeitos juridicos, a declaração é um tratado internacional.Estatutos são tratados concebidos para reger o funcionamento de algum organismo. Código e Regulamento, no direito dos tratados, são expressões escolhidas no Congresso de Viena, em 1815, para o tratado pertinente à ordem de precedência no serviço diplomático.
Ao longo da história, foi necessário regulamentar as relações entre a Igreja e os Estados mediante Convenções entre as duas partes. Receberam o nome de Concórdias, Pazes, Capitula Concordata; hoje, Acordos; de forma corrente Concordatas. As Concordatas são convenientes e práticas para resolverem satisfatoriamente, e por mútuo acordo, os problemas que interessam à Igreja e ao Estado e como que «constituem a magna carta que assegure e garanta a situação da Igreja e dos cidadãos católicos num país» (António Leite, A Concordata de 1940 Portugal-Santa Sé, Lisboa 1993, 10).
As concordatas têm a particularidade de serem convenções diplomáticas entre a Igreja e um Estado, entre o poder eclesiástico e o poder civil. Diversamente dos outros tratados internacionais, as matérias concordatárias tocam o domínio temporal e o espiritual. Esta última especificidade explica, sem dúvida, o uso reservado do termo “concordata”, cuja etimologia latina cum corde evoca uma dimensão que ultrapassa o direito para atingir o coração. Mas “concordata” é sobretudo o chegar a acordo em relação a certos e importantes temas.
É opinião consensual que as Concordatas fazem parte do direito internacional, daí que os acordos concluídos entre os Estados e uma Igreja, neste caso a Católica, revestem-se de importância supranacional. As Concordatas são acordos entre poderes juridicamente iguais, sobre a base do Direito internacional, submetidas ao princípio geral do respeito obrigatório dos tratados (pacta sunt servanda). As concordatas são pactos bilaterais entre um Estado e a Santa Sé, sujeito reconhecido de direito internacional.
À Santa Sé, órgão de governo central da Igreja Católica, o direito internacional reconhece o jus tractatum e o jus legationis. Por viam contractus estabelece-se uma norma comum ao Estado e à Igreja. Não é a Conferência Episcopal que assina a Concordata, mas sim a Santa Sé. A Conferência Episcopal poderá sim assinar acordos pontuais, se essa for a vontade superior, expressa na Concordata, como ensinou o P. Saturino Gomes(O que e uma concordata?). As concordatas têm a particularidade de ser convenções diplomáticas entre a Igreja e um Estado, entre o poder eclesiástico e o poder civil. Diversamente dos outros tratados internacionais, as matérias concordatárias tocam o domínio temporal e o espiritual. Esta última especificidade explica sem dúvida o uso reservado do termo “concordata”, cuja etimologia latina cum corde evoca uma dimensão que ultrapassa o direito para atingir o coração. Mas “concordata” é sobretudo o chegar a acordo em relação a certos e importantes temas
A expressão ato foi usada nos seguintes casos: Ato Geral de Berlin, sobre o Congo(1885); o Ato Geral de Bruxelas sobre o tráfico de escravos(1890), o ato de Chapultepec, sobre a solidariedade interamericana(1945). A expressão Pacto foi dada ao ato constitutivo da Sociedade das Nações em 1919, após a Primeira Guerra Mundial. O Protocolo se dá por variante terminológica de trtado quando esteja a designar um autêntico compromisso, entre sujeitos de direito internacional. No acordo, temos o caso do espaço Schengen.
O Acordo de Schengen é uma convenção entre países europeus sobre uma política de abertura das fronteiras e livre circulação de pessoas entre os países signatários. Um total de 30 países, incluindo todos os integrantes da União Europeia (exceto Irlanda e Reino Unido) e três países que não são membros da UE (Islândia, Noruega e Suíça), assinaram o acordo de Schengen. Liechenstein, Bulgária, Roménia e Chipre estão em fase de implementação do acordo. A área criada em decorrência do acordo é conhecida como espaço Schengen e não deve ser confundida com a União Europeia. Trata-se de dois acordos diferentes, embora ambos envolvendo países da Europa.
De todo modo, em 2 de outubro de 1997 o acordo e a convenção de Schengen passaram a fazer parte do quadro institucional e jurídico da União Europeia, pela via do Tratado de Amsterdam. É condição para todos os estados que aderirem à UE aceitarem as condições estipuladas no Acordo e na Convenção de Schengen.O acordo de Schengen foi assim denominado em alusão a Schengen, localidade luxemburguesa situada às margens dorio Mosela e próxima à tríplice fronteira entre Alemanha, França e Luxemburgo (este último representando o Benelux, onde já havia a livre circulação).
Ali, em junho de 1985, foi firmado o acordo de livre circulação envolvendo cinco países, abolindo-se controles de fronteiras, de modo que os deslocamentos entre esses países passaram a ser tratados como viagens domésticas. Posteriormente, o Tratado de Lisboa, assinado em 13 de dezembro de 2007, modificou as regras jurídicas do espaço Schengen, reforçando a noção de um "espaço de liberdade, segurança e justiça", que vai além da cooperação policial e judiciária e visa a implementação de políticas comuns no tocante a concessão de vistos, asilo e imigração, mediante substituição do método intergovernamental pelo método comunitário.Essa a missão da Europa do pós-segunda guerra. A missão de liberdade e de segurança jurídica, muito mais do que um entreposto econômico. O que importa é uma Europa sem fronteiras, de livre circulação.
Trata-se de uma tratado-lei. Para isso, volto-me as lições de Rezek( Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 12.) e ainda de Hildebrando Accioly(Manual de direito internacional público. 17ªed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 32). Vejamos a teoria dos tratados exposta por autores como Celso Albuquerque de Mello(Dreito internacional Público. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, v. I). O tratado internacional, no seu processo de conclusão, atravessa diversas fases:" negociação, assinatura, ratificação, promulgação, publicação e registro". Cada uma dessas fases possui normas próprias e características específicas.
E completa que em sentido estrito, os tratados possuem uma conclusão mediata com as seguintes fases: negociação, assinatura, ratificação, promulgação, registro e publicação, e existe neles uma unidade de instrumento jurídico. A validade e executoriedade do ato internacional no ordenamento interno brasileiro dá-se através de sua promulgação. Publicado o Decreto Legislativo que aprovou o ato internacional, cabe ao Executivo promulgá-lo, por decreto assinado pelo Presidente da República e referendado pelo Ministro das Relações Exteriores.
Esse decreto é acompanhado de cópia do texto e publicado no Diário Oficial da União. O ato internacional que dispensou a aprovação congressual é objeto apenas de publicação. Sendo a promulgação um ato de direito interno, sua ocorrência não se confunde com a entrada em vigor do acordo, que se dá no plano do Direito Internacional Público. O início da vigência de um tratado pode ser definido pelas partes conforme estabelece o art. 24 da Convenção de Viena:
“Artigo 24
Entrada em vigor
1. Um tratado entra em vigor na forma e na data previstas no tratado ou acordadas pelos Estados negociadores.
2. Na ausência de tal disposição ou acordo, um tratado entra em vigor tão logo o consentimento em obrigar-se pelo tratado seja manifestado por todos os Estados negociadores.
3. Quando o consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado for manifestado após sua entrada em vigor, o tratado entrará em vigor em relação a esse Estado nessa data, a não ser que o tratado disponha de outra forma.
4. Aplicam-se desde o momento da adoção do texto de um tratado as disposições relativas à autenticação de seu texto, à manifestação do consentimento dos Estados em obrigarem-se pelo tratado, à maneira ou à data de sua entrada em vigor, às reservas, às funções de depositário e aos outros assuntos que surjam necessariamente antes da entrada em vigor do tratado.”
Contudo, alguns tratados preveem que o documento só entrará em vigor após o deposito de um número de ratificações.Caso as partes não tenham determinado a forma de entrada em vigor, a vigência se dará partir do consentimento manifestado por todos os Estados-Partes. A Convenção de Viena determina ainda que, quando o consentimento de um Estado em se obrigar por um tratado for manifestado após a entrada em vigor, a vigência com relação a esse Estado ocorrerá nesta data.
Aos tratados aplica-se o princípio da irretroatividade, a não ser que as partes estabeleçam de forma diversa. Além disso, o tratado é vigente em relação a todo o território de cada uma das partes, salvo disposição em contrário. A tradição constitucional brasileira não concede o direito de concluir tratado aos Estados-membros da Federação. Nessa linha a Constituição diz competir a União, manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais (art. 21, I, da CF).
Por tal razão, qualquer tratado que um estado federado ou município brasileiro deseje concluir com Estado estrangeiro, ou unidade dos mesmos que possua poder de concluir tratados deverá ser feito com a intermediação do Ministério das Relações Exteriores, decorrente de sua própria competência legal. Quanto à execução e aplicação dos tratados, a Convenção de Viena estabelece que uma parte não poderá invocar disposições de seu direito interno para justificar o descumprimento de um tratado (art. 27). O próprio tratado deverá determinar solução para os casos de não-execução, prevendo, ainda, instrumentos de soluções de controvérsias.
A Convenção determina ainda que o Estado, ao se comprometer a um tratado, poderá formular reservas, salvo se (I) a reserva for proibida pelo tratado; (II) o tratado apenas autorize determinadas reservas; (III) a reserva seja incompatível com o objeto e finalidade do tratado (art. 19). A possibilidade de apresentar em um tratado constitui-se em uma forma de viabilizar uma maior participação dos Estados nos atos internacionais multilaterais, pois se permite a uma a Parte deixar de consentir relativamente a uma ou algumas de suas disposições. Deve, entretanto, a reserva ser compatível coma finalidade e objeto do ato.
Extingue-se um tratado quando o intento terminativo for comum às partes por ele obrigadas. Vale destacar que não serão estas, necessariamente, aquelas mesmas que um dia negociaram o pacto e o puseram em vigor, em virtude de possíveis adesões e denúncias.
Entende-se que a distinção entre tratados contratuais e tratados normativos vem padecendo de uma incessante perda de prestigio. É nítida, segundo Rousseau, a diferença funcional entre os tratados-contratos, assim chamado porque através deles as partes realizam uma operação jurídica - tais acordos de comércio, de aliança, de cessão territorial - e os tratados-leis ou tratados normativos, por cujo meio as partes editam uma regra de direito objetivamente válida.
Os tratados-leis são geralmente celebrados entre muitos Estados com o objetivo de fixar as normas de Direito Internacional. As convenções multilaterais como as de Viena são um exemplo perfeito deste tipo de tratado. Os tratados-contratos procuram regular os interesses recíprocos dos Estados, isto é, buscam regular interesses recíprocos e são geralmente de natureza bilateral, mas, existem diversos exemplos de tratados multilaterais restritos. Os tratados-contratos podem ser executados ou executórios. Os primeiros, também chamados transitórios ou de efeito limitado, são os que devem ser logo executados e que, levados a efeito, dispõem sobre matéria permanentemente, como ocorrem nos tratados de cessão ou de permuta de territórios. Os tratados executórios ou de efeito sucessivo são os preveem atos a serem executados regularmente, toda vez que apresentem as condições necessárias, como nos tratados de comércio e nos de extradição.
Quando o tratado se incorpora ao direito pátrio? De acordo com Francisco Rezek ao Direito Internacional Público é indiferente o método eleito pelo país para incorporar a recepção de um tratado em seu direito interno, o que importa é que o tratado seja cumprido fielmente pelas partes. Para Valério Mazzuoli (Curso de Direito Internacional Público, 2009, pg. 313), pensa-se que é o Congresso Nacional quem ratifica os tratados e que cabe a este a discussão final e definitiva sobre a questão.Mas a última palavra e com competência exclusiva para ratificar um tratado é do Presidente principalmente pelo disposto no artigo 10 da Convenção de Viena sobre os Tratados, pois é ele quem compete à representação externa do Estado Brasileiro. A ratificação faz com que o tratado se torne obrigatório para o Estado, após a sua troca ou depósito, no plano internacional de acordo com o artigo 14 da citada convenção.
Assinado o tratado, será ele submetido à apreciação e aprovação do legislativo antes de sua derradeira conclusão. Mas a assinatura do tratado não obriga a sua submissão ao parlamento e pode o Presidente interromper o prosseguimento do tratado ao crivo do legislativo ou até mesmo depois de todo o processo de negociações, não assiná-lo alegando motivos de ordem interna ou externa. O referendum tem o cunho de apenas autorizar, o que não pode ser traduzido por um ato obrigatório, o Presidente ratifica o tratado se ainda assim ele o quiser. Nada há que fundamente a tese de que a aprovação só se conceba em termos integrais. Nem o Congresso se estende obrigado à aprovação pura e simples – como alternativa de rejeição – nem o governo lança dúvida sobre a legitimidade da aprovação qualificada.
Discute-se a questão da primazia no conflito entre a lei interna e o tratado. A lição que se tem é de que a chamada primazia da norma mais favorável significa que deve ser aplicada pelo intérprete necessariamente a norma que mais favoreça o indivíduo. Assim, a primazia da norma mais favorável nos leva a aplicar que a norma internacional quer a norma interna, a depender da que seja a mais favorável ao indivíduo. Tal princípio é verdadeiro dispositivo convencional internacional, uma verdadeira clausula tradicional insculpida nos tratados internacionais de direitos humanos. Cito aqui a lição de Cançado Trindade (Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos,, 1999] para quem no Direito Internacional dos Direitos Humanos encontra-se superada a polêmica entre monistas e dualistas.
Disse ele:
¨No presente domínio de proteção, não mais há pretensão de primazia do Direito Internacional ou do Direito Interno, como ocorria na polêmica clássica e superada entre monistas e dualistas. No presente contexto, a primazia é da norma mais favorável às vítimas que melhor as proteja, seja ela norma de Direito Internacional ou de Direito Interno.¨
É salutar lembrar as observações de Cançado Trindade:
“A disposição do artigo 59 (2) da Constituição Brasileira vigente, de 1988, segundo a qual os direitos e garantias nesta expressa não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que o Brasil é parte, representa, a meu ver, um grande avanço para a proteção dos direitos humanos em nosso país. Por meio deste dispositivo constitucional, os direitos consagrados em tratados de direitos humanos em que o Brasil seja parte incorporam-se ipso jure ao elenco dos direitos constitucionalmente consagrados. Ademais, por força do artigo 5° (1) da Constituição, têm aplicação imediata. A intangibilidade dos direitos e garantias individuais é determinada pela própria Constituição Federal, que inclusive proíbe expressamente até mesmo qualquer emenda tendente a aboli-los (artigo 60 (4) (IV). A especificidade e o caráter especial dos tratados de direitos humanos encontram-se, assim, devidamente reconhecidos pela Constituição Brasileira vigente. Se, para os tratados internacionais cm geral, tem-se exigido a intermediação pelo Poder Legislativo de ato com força de lei de modo a outorgar a suas disposições vigência ou obrigatoriedade no plano do ordenamento jurídico interno, distintamente, no tocante aos tratados de direitos humanos em que o Brasil é parte, os direitos fundamentais neles garantidos passam, consoante os parágrafos 2 e 1 do artigo 5° da Constituição Brasileira de 1988, pela primeira vez entre nós a integrar o elenco dos direitos constitucionalmente consagrados e direta e imediatamente exigíveis no plano de nosso ordenamento jurídico interno. Por conseguinte, mostra-se inteiramente infundada, no tocante em particular aos tratados de direitos humanos, a tese clássica — ainda seguida em nossa prática constitucional — da paridade entre os tratados internacionais e a legislação infraconstitucional. Foi esta a motivação que me levou a propor à Assembleia Nacional Constituinte, na condição de então Consultor jurídico do Itamaraty, na audiência pública de 29 de abril de 1987 da Subcomissão dos Direitos e Garantias Individuais, a inserção em nossa Constituição Federal — como veio a ocorrer no ano seguinte — da cláusula que hoje é o artigo 5° (2). Minha esperança, na época, era no sentido de que esta disposição constitucional fosse consagrada concomitantemente com a pronta adesão do Brasil aos dois Pactos de Direitos Humanos das Nações Unidas e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o que só se concretizou em 1992. E esta a interpretação correta do artigo 52 (2) da Constituição Brasileira vigente, que abre um campo amplo e fértil para avanços nesta área, ainda lamentavelmente e em grande parte desperdiçado. Com efeito, não é razoável dar aos tratados de proteção de direitos do ser humano (a começar pelo direito fundamental à vida) o mesmo tratamento dispensado, por exemplo, a um acordo comercial de exportação de laranjas ou sapatos, ou a um acordo de isenção de vistos para turistas estrangeiros. A hierarquia de valores, deve corresponder uma hierarquia de normas, nos planos tanto nacional quanto internacional, a ser interpretadas e aplicadas mediante critérios apropriados. Os tratados de direitos humanos têm um caráter especial, e devem ser tidos como tais. Se maiores avanços não se têm logrado até o presente neste domínio de proteção, não tem sido em razão de obstáculos jurídicos — que na verdade não existem —, mas antes da falta de compreensão da matéria e da vontade de dar real efetividade àqueles tratados no plano do direito interno, (Apud , Direitos Humanos Internacionais, MENDES, 2011, p. 749).”
Essa primazia na matéria de direitos humanos da norma mais favorável pode ser vista pela leitura do artigo 29 b da Convenção Americana de Direitos Humanos quando se lê:
¨Nenhuma disposição da presente Convenção pode ser interpretada no sentido de:
b – limitar o gozo e o exercício de qualquer direito de liberdade que possa ser reconhecido em virtude de leis de qualquer dos Estados-partes ou em virtude de Convenções em que seja parte um dos referidos Estados.¨
A isso se some que a Convenção Americana de Direitos Humano, surgida em 1969, com força de tratado internacional, e que entrou em vigor em 1978, estabeleceu direitos de ordem político, social, civil e ainda estabeleceu uma Corte Interamericana de Direitos Humanos, um autêntico tribunal, que pode exercer, para aqueles Estados partes que reconhecem sua jurisdição, uma prestação jurisdicional de caráter contencioso relativos a casos concretos com relação a Convenção Americana e ainda outros tratados de proteção a pessoa humana, na esfera da comunidade interamericana.
O certo é que, de há muito, havia discussão á nível doutrinário e jurisprudencial com relação a posição hierárquica dos tratados e convencionais internacionais sobe direitos humanos recepcionados pelo Brasil, sendo a matéria pacificada, no entendimento do Supremo Tribunal Federal, em 3 de dezembro de 2008, quando no julgamento do Recurso Extraordinário 466.343- 1/SP, prevaleceu a tese da supralegalidade dos Tratados Internacionais dos Direitos Humanos, suscitada pelo Ministro Gilmar Mendes.
De toda sorte, lanço as principais teses na matéria:
a)Hierarquia Infraconstitucional – Ordinária – 1977 a 2004 – defendida pelo Ministro Xavier de Albuquerque no RE 80.004 – SE;
b) Hierarquia Supraconstitucional – 1999 – defendida por Celso Duvivier de Albuquerque Mello;
c) Hierarquia Constitucional – 2008 – Teoria defendida pelo Ministro Celso de Mello no julgamento do RE 466.343 – 1/SP;
e) Hierarquia Supralegal – 2008 – defendida pelo Ministro Gilmar Mendes no julgamento referenciado.
Destaco, ab initio, que, no passado, o Supremo Tribunal Federal entendia pela não prevalência automática dos atos internacionais em face da lei ordinária, já que, para aquela jurisprudência a ocorrência de conflito entre essas normas deve ser resolvida pela aplicação do critério cronológico(a normatividade posterior prevalece) ou pela aplicação do critério da especialidade.
Por oportuno, lembro entendimento havido no julgamento da Carta Rogatória 8.279 – República Argentina, Ministro Celso de Mello, onde o Supremo Tribunal Federal analisou caso envolvendo a Convenção Americana dos Direitos Humanos, incorporada internamente em 1992, pelo Decreto Legislativo 27/92 e promulgada pelo Decreto Executivo 678/92.
Mas não se pode deixar de entender como razoável que a Constituição de 1988, da leitura do artigo 5º, parágrafo primeiro e segundo, incorporou automaticamente as normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, dotando tais normas de dignidade constitucional
Celso de Albuquerque Mello é defensor da tese de que há preponderância dos tratados internacionais de direitos humanos em relação ás normas constitucionais, que não teriam, no seu entender, poderes revogatórios em relação às normas internacionais. Tal modelo tem concretude no direito comparado do que se lê das Constituições do Paraguai, Argentina e Venezuela.
Trago a posição do Ministro Rezek, que argumentou:
“A disposição do artigo 59 (2) da Constituição Brasileira vigente, de 1988, segundo a qual os direitos e garantias nesta expressa não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que o Brasil é parte, representa, a meu ver, um grande avanço para a proteção dos direitos humanos em nosso país. Por meio deste dispositivo constitucional, os direitos consagrados em tratados de direitos humanos em que o Brasil seja parte incorporam-se ipso jure ao elenco dos direitos constitucionalmente consagrados. Ademais, por força do artigo 5° (1) da Constituição, têm aplicação imediata. A intangibilidade dos direitos e garantias individuais é determinada pela própria Constituição Federal, que inclusive proíbe expressamente até mesmo qualquer emenda tendente a aboli-los (artigo 60 (4) (IV). A especificidade e o caráter especial dos tratados de direitos humanos encontram-se, assim, devidamente reconhecidos pela Constituição Brasileira vigente. Se, para os tratados internacionais cm geral, tem-se exigido a intermediação pelo Poder Legislativo de ato com força de lei de modo a outorgar a suas disposições vigência ou obrigatoriedade no plano do ordenamento jurídico interno, distintamente, no tocante aos tratados de direitos humanos em que o Brasil é parte, os direitos fundamentais neles garantidos passam, consoante os parágrafos 2 e 1 do artigo 5° da Constituição Brasileira de 1988, pela primeira vez entre nós a integrar o elenco dos direitos constitucionalmente consagrados e direta e imediatamente exigíveis no plano de nosso ordenamento jurídico interno. Por conseguinte, mostra-se inteiramente infundada, no tocante em particular aos tratados de direitos humanos, a tese clássica — ainda seguida em nossa prática constitucional — da paridade entre os tratados internacionais e a legislação infraconstitucional. Foi esta a motivação que me levou a propor à Assembléia Nacional Constituinte, na condição de então Consultor jurídico do Itamaraty, na audiência pública de 29 de abril de 1987 da Subcomissão dos Direitos e Garantias Individuais, a inserção em nossa Constituição Federal — como veio a ocorrer no ano seguinte — da cláusula que hoje é o artigo 5° (2). Minha esperança, na época, era no sentido de que esta disposição constitucional fosse consagrada concomitantemente com a pronta adesão do Brasil aos dois Pactos de Direitos Humanos das Nações Unidas e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o que só se concretizou em 1992. E esta a interpretação correta do artigo 52 (2) da Constituição Brasileira vigente, que abre um campo amplo e fértil para avanços nesta área, ainda lamentavelmente e em grande parte desperdiçado. Com efeito, não é razoável dar aos tratados de proteção de direitos do ser humano (a começar pelo direito fundamental à vida) o mesmo tratamento dispensado, por exemplo, a um acordo comercial de exportação de laranjas ou sapatos, ou a um acordo de isenção de vistos para turistas estrangeiros. A hierarquia de valores, deve corresponder uma hierarquia de normas, nos planos tanto nacional quanto internacional, a ser interpretadas e aplicadas mediante critérios apropriados. Os tratados de direitos humanos têm um caráter especial, e devem ser tidos como tais. Se maiores avanços não se têm logrado até o presente neste domínio de proteção, não tem sido em razão de obstáculos jurídicos — que na verdade não existem —, mas antes da falta de compreensão da matéria e da vontade de dar real efetividade àqueles tratados no plano do direito interno, (Apud MENDES, 2011, p. 749).”
Os Estados-partes à Convenção Americana têm a obrigação não apenas de ¨respeitar¨ estes direitos garantidos na Convenção, mas também de ¨assegurar¨ o livre e pleno exercício destes direitos. Um governo tem, consequentemente, obrigações positivas e negativas relativamente à Convenção Americana. De um lado, há a obrigação de não violar direitos individuais; por exemplo, há o dever de não torturar um individuo ou privá-lo de um julgamento justo. Mas a obrigação do Estado vai além desse dever negativo e pode requerer a adoção de medidas afirmativas necessárias e razoáveis em determinadas circunstâncias para assegurar o pleno exercício dos direitos garantidos pela Constituição americana.
No plano da jurisdição contenciosa faço referência história ao caso Velasquez-Rodriguez, atinente ao desaparecimento forçado de indivíduo no Estado de Honduras. Acolhendo comunicação encaminhada pela Comissão Interamericana, a Corte condenou o Estado de Honduras ao pagamento de indenização aos familiares do desaparecido, em decisão publicada em 21 de julho de 1989. Foram lembrados os artigos 4º da Convenção que confere a qualquer pessoa o direito de ter sua vida respeitada; o artigo 5º, no sentido de que ninguém deve ser submetido a tortura; o artigo 7º, que proíbe a detenção arbitrária, prevendo procedimentos a bem do devido processo legal. Necessário anotar com relações às reservas.
A reserva é um qualificativo do consentimento. Define- a a Convenção de Viena como a declaração unilateral do Estado que consente, visando a excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado em relação a este Estado(artigo 2º, § 1º, d).Como ensinou Rezek(obra citada, pág. 337) a reserva pode qualificar tanto o consentimento prenunciativo, à hora da assinatura dependente de confirmação, quanto o definitivo, expresso por meio de ratificação por adesão. No primeiro caso, argumenta-se que a reserva será conhecida dos demais negociadores antes que resolvam sobre sua própria ratificação, eliminando-se o que se chama de fator surpresa.
A reserva ocorre nos chamados tratados coletivos, ao término de cuja negociação nem todos os Estados participes terão apreciado positivamente cada uma das normas que compõem o texto. Ela é maneira de tornar possível que, reputando inaceitável apenas parte - em geral mínima , ou, quando menos, limitada – do compromisso, possa o Estado ingressar em seu domínio jurídico. A reserva é o corolário das naturais insatisfações que, ao término da negociação coletiva, da Conferência, ter-se-á produzido com relação a aspectos vários do compromisso numa parte mais ou menos expressiva da comunidade estatal ali reunida.A doutrina não compreende que haja uma reserva a tratado bilateral. Uma pretensa reserva a tratado bilateral não é reserva, mas recusa de confirmar o texto avençado e convite à renegociação.
Há várias espécies de reservas. A reserva de ratificação se expressa ao ensejo da assinatura, e por meio da qual, se diz apenas que tal firma não obriga definitivamente o Estado ali representado, cuja ratificação no momento oportuno deverá ser feito. Considera-se, outrossim, imprópria, a chamada reserva de estrito teor político, com que o Estado, não pretendendo rejeitar, ou aceitar modificadamente, qualquer dispositivo do tratado, vale-se do desejo da assinatura, ou da confirmação do consentimento, para uma declaração preservativa de direitos que estime possuir, favorável ou contrária à participação de algum outro Estado no pacto coletivo.
Consideram-se impróprias as chamadas reservas interpretativas. Mas não se considera exatamente imprópria a reserva com que o Estado proclama o não-reconhecimento de outra parte pactuante. Isso porque o que tal reserva modifica é o rol das pessoas jurídicas de Direito das Gentes congregadas pelo tratado, uma vez que o autor da reserva declara seu propósito de não o cumprir em relação àquela parte.