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A denúncia de um tratado

Agenda 29/04/2017 às 00:40

O artigo discute a natureza jurídica do instituto e a discussão doutrinária sobre o seu procedimento no direito interno.

O tratado designa qualquer acordo concluído entre dois ou mais sujeitos de direito internacional, destinado a produzir efeitos de direito e regulado pelo direito internacional.

Os tratados internacionais se submetem a requisitos de existência, de validade e de eficácia, no plano internacional. A nulidade de um tratado pode vir em virtude da existência de coação sobre representante de um Estado ou sobre o próprio Estado, bem como se no momento de sua celebração estava em conflito com uma norma imperativa de Direito Internacional geral (ius cogens). Veja-se o artigo 69 da Convenção de Viena. 

Já o artigo 60 da Convenção de Viena disciplina a matéria com relação a reciprocidade nos tratados internacionais. Aliás, este artigo 60 faz distinção entre os tratados bilaterais e multilaterais, distinguindo ainda o que se trata por violação grave, a única a ensejar a terminação ou suspensão da execução do tratado. 

Discute-se a questão da denúncia de um tratado.

A Convenção de Viena em seu artigo 56, §1º, dispõe sobre a denúncia:

 Artigo 56. Denúncia ou retirada de um tratado que não contém disposições sobre extinção, denúncia ou retirada.

1. Um tratado que não contem disposição sobre sua terminação e não prevê a denúncia ou retirada do mesmo não pode ser objeto de denúncia ou retirada a não ser que:

a)  Fique estabelecido que as partes tiveram a intenção de admitir a possibilidade de denúncia ou retirada; ou

b)  O direito de denúncia ou retirada possa ser inferido da natureza do tratado.

Francisco Rezek(Direito dos Tratados, 1984. ) ensina sobre a denúncia:

Se exprime por escrito numa notificação, carta ou instrumento: sua transmissão a quem de direito configura o ato internacional significativo da vontade de romper o compromisso. Trata-se de uma mensagem de governo, cujo destinatário, nos pactos bilaterais, é o governo da parte co-pactuante. Se coletivo o compromisso , a carta de denúncia dirige-se ao depositário, que dela fará saber às demais partes”. Este depositário “é o governo de um dos Estados partes no tratado coletivo, ou é a  secretaria de uma Organização Internacional que tenha aceito esse encaro.

A renúncia é um ato unilateral no qual o Estado manifesta sua vontade de deixar de ser parte do acordo internacional.

A exemplo da ratificação e da adesão, a denúncia é um ato unilateral, de efeito jurídico inverso ao que produzem aquelas duas figuras: pela denúncia, manifesta o Estado sua vontade de deixar de ser parte no acordo internacional.

Ensinou Francisco Rezek (Direito dos Tratados, 1984, pág. 486) que os tratados existem que, por sua natureza, são imunes à denúncia unilateral. Tal é, seguramente, o caso dos tratados reais, ou dispositivos, ou de vigência estática. No plano coletivo dificilmente se encontrarão compromissos de vigência estática. Há, porém, como ainda lecionou Rezek, quem repute igualmente imunes à denúncia, por sua própria natureza, os tratados normativos de elevado valor moral e social, como as Convenções de Genebra sobre o direito humanitário aplicável aos conflitos armados, ou o Pacto Briand-Kellog de renúncia à guerra como intrumento de politica nacional.

Ensinou Francisco Rezek (Direito dos Tratados, pág. 501 a 502, citado por Valério Mazzuoli, Curso de Direito Internacional Público, terceira edição, pág. 280 e 281): "Tenho como certo que o chefe do governo pode, por sua singular autoridade, denunciar tratados internacionais - como de resto vem fazendo, com franco desembaraço, desde 1926.(....) Parece bastante lógico que, onde a comunhão de vontades entre o governo e parlamento seja necessária para obrigar o Estado, lançando-o numa relação contratual internacional, repute-se suficiente a vontade de um daqueles poderes para desobrigá-lo por meio da denúncia. Não há falar, assim, à luz impertinente do princípio do ato contrário, que se as duas vontades tiveram de somar-se para a conclusão do pacto, é preciso tê-las de novo somadas para seu desfazimento. Antes, cumpre entender que as vontades reunidas do governo e do parlamento presumem-se firmes e inalteradas, desde o instante da celebração do tratado, e ao longo de sua vigência pelo tempo afora,  como dois pilares de sustentação da vontade nacional. Isso levará à conclusão de que nenhum tratado - dentre os que se mostrem rejeitáveis por meio de denúncia - deve continuar vigendo contra a vontade quer do governo, quer do Congresso. O ânimo negativo de um dos dois poderes políticos em relação ao tratado há de poder determinar sua denúncia, visto que significa o desaparecimento de uma das bases em que se apoiava o consentimento do Estado. 

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Francisco Rezek (obra citada) admite, como se percebe, e disse Mazzuoli, a tese de que a vontade do Congresso Nacional também é hábil para provocar a denúncia de um pacto internacional, mesmo quando não coincidente com as intenções do Poder Executivo. Nesta esteira, concluiu: "Neste passo, é imperioso reconhecer o desequilíbrio reinante entre os instrumentos de ação do governo e do Congresso. Se o intento de denunciar é do primeiro, o ato internacional pertinente dará sequência imediata à decisão do Presidente da República - a quem se subordinam todos os mecanismos do relacionamento exterior e todos os condutos da comunicação oficial com nações estrangeiras e demais pessoas jurídicas de Direito das Gentes. Tendo origem no Congresso o propósito da denúncia, não deixará de recair sobre o Executivo a responsabilidade por sua formulação no plano internacional. De par com isso, o meio com que o Congresso exteriorize sua vontade ante o governo não pode ser um decreto legislativo de rejeição de acordo vigente - a falta de previsão de semelhante ato na faixa de competência exclusiva do parlamento. Por exclusão, cabe entender que a lei ordinária é o instrumento próprio a que o legislativo determine ao governo a denúncia de tratados, tal como fez em 1911, no domínio extradicional (....)". A lei ordinária, porém, não é produto exclusivo do parlamento, visto que depende de sanção do chefe do governo. Este vetará o projeto caso discorde da ideia da denúncia; e só o verá promulgado, contra a sua vontade, como disse Francisco Rezek, caso, para tanto, convirjam dois terços do total de membros de cada uma das casas do Congresso. 

Concluiu Francisco Rezek: "Aqui se encontra a evidência maior do desequilíbrio entre a manifestação de vontade do governo e a expressão da vontade do Congresso, no sentido de desvincular o país de um pacto internacional. A segunda não apenas percorre, na forma, caminhos oblíquos: ela deve, antes de tudo, encontrar-se escorada no mais amplo quorum que nossa legislação constitucional reclama, qual seja o necessário à rejeição do veto presidencial". 

Bem concluiu Mazzuoli (obra citada, pág. 281) que o Congresso Nacional pode, por meio de lei, denunciar tratados internacionais, tendo eventualmente que derrubar o veto do Presidente da República que poderá existir, caso o Poder Executivo não aceite a denúncia proposta pelo Parlamento. E a rejeição do veto deve-se dar pelo voto da maioria absoluta dos membros do Parlamento em sessão conjunta (CF, artigo 66, parágrafo quarto). Disse ainda Mazzuoli que nesse ponto está de acordo com a tese esposada por Francisco Rezek. Mas concluiu: O que nos afigura razoável é o Presidente da República denunciar, sozinho, tratados internacionais para cuja ratificação necessitou de autorização do Congresso Nacional. 

Quando um tratado admite   disciplinar  sua própria denúncia, o problema da possibilidade jurídica da retirada unilateral simplesmente não se coloca. Os pactos de vigência estática não falam em denúncia, como que presumindo, as partes, a evidência de sua vocação para a perpetuidade.Discute-se o procedimento que deve ser dado à denúncia do tratado no direito interno brasileiro.

Veja-se o caso do acordo básico de assistência técnica Brasil – OIT (Rio de Janeiro, 1953).

A Constituição da OIT(Versalhes, 1919), artigo 1§º dita:

"Nenhum membro da Organização Internacional do Trabalho poderá retirar-se da Organização sem dar aviso prévio de sua intenção(...). Tal aviso surtirá efeito dois anos depois da data de sua recepção…".

Segundo noticiou o site do STF,  de 14.9.2016, pedido de vista do ministro Dias Toffoli interrompeu o julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1625, na qual a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag) questiona o Decreto 2.100/1996. Nele, o presidente da República deu publicidade a denúncia à Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata do término da relação de trabalho por iniciativa do empregador e veda a dispensa injustificada.

A análise da questão foi retomada com a apresentação do voto-vista do ministro Teori Zavascki, que acompanhou a orientação de que é necessária a participação do Poder Legislativo na revogação de tratados e sugeriu modulação de efeitos para que a eficácia do julgamento seja prospectiva. “Esse é um caso daqueles precedentes cuja decisão do Supremo fica como marca na história do constitucionalismo brasileiro”, ressaltou.

O ministro destacou que a discussão da matéria visa saber qual é o procedimento a ser adotado no âmbito do direito interno para promover a denúncia de preceitos normativos decorrentes de acordos internacionais. Em seu voto, propôs tese segundo a qual “a denúncia de tratados internacionais, pelo presidente da República, depende de autorização do Congresso Nacional”.

“Todavia proponho que se outorgue eficácia apenas prospectiva a esse entendimento a fim de que sejam preservados dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade não só o decreto aqui atacado como os demais atos de denúncia isoladamente praticados pelo presidente da República até a data da publicação da ata do julgamento da presente ação, o que conduz, no caso concreto, a um juízo de improcedência”, explicou o ministro, ao frisar que julga improcedente o pedido unicamente em razão dos efeitos da modulação.

O ministro Teori Zavascki salientou a relevância que os tratados têm atualmente, principalmente os tratados sobre direitos humanos que, ao serem aprovados com procedimento especial, incorporam-se como norma de hierarquia constitucional. Embora considere indiscutível que o Poder Executivo tenha papel de destaque no âmbito das relações exteriores, na opinião do ministro “fica difícil justificar que o presidente da República possa, unilateralmente, revogar tratados dessa natureza”.

Ele considerou que, apesar de dois votos terem sido proferidos pela integral procedência do pedido e outros dois votos pela procedência parcial, o núcleo desses quatro votos é convergente. “Nas minhas contas, o meu voto seria o quinto no mesmo sentido”, observou.

A matéria exige pesquisa doutrinária sobre o tema.

Em 1926, quando, nos últimos meses do governo Artur Bernardes, ficou decidido que o país se desligaria da Sociedade das nações. O Consultor Jurídico do Itamarati,  Clóvis Beviláqua respondeu de forma afirmativa, em parecer datado de 5 de julho de 1926.

Entendia o eminente jurista brasileiro que a regra jurídica constitucional que exige a manifestação do Congresso não se referiu à denúncia, só tendo feito menção de que necessita aprovação congressual a ratificação, isto com relação ao texto da Constituição de 1891, a primeira da época republicana.

Para Clóvis Beviláqua, se a Constituição silenciou a respeito, é porque a intervenção do Congresso no processo de denúncia seria dispensável. Ademais, disse ele: “se há no tratado uma cláusula, prevendo e regulando a renúncia, quando o Congresso aprova o tratado, aprova o modo de ser o mesmo denunciado; portando pondo em prática essa cláusula, o Poder Executivo apenas exerce um direito que se acha declarado no texto aprovado pelo Congresso. O ato da denúncia é meramente administrativo. Para Clóvis Beviláqua cabe ao Presidente esta atribuição diante de dispositivos constitucionais porque a Constituição lhe confere o direito de representar a nação em suas relações com outras. E ele a exerce, pondo-se em comunicação com os Estados estrangeiros, celebrando tratados, ajustes e convenções, nomeando membros do corpo diplomático, declarando a guerra, por si, nos casos de invasão ou agressão estrangeira. Mas essa atuação do Congresso apenas se faria em casos estritos.

Na lição de José Francisco Rezek (Direito dos tratados, pág. 500 a 501), embora se tenha como certo que o Presidente da República pode, pela sua singular autoridade, denunciar tratados sem a anuência do Congresso, discorda, entretanto por seus fundamentos jurídicos. Disse ele: “Tenho como certo que o chefe do governo pode, por sua singular autoridade, denunciar tratados internacionais. Parece bastante lógico que, onde a comunhão de vontades entre governo e parlamento seja necessária para obrigar o Estado, lançando-o numa relação contratual internacional, repute-se suficiente a vontade de um daqueles poderes, para desobriga-lo por meio de denúncia.”

Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n. 1 de 1969, tomo III, 2ª edição, pág. 109) negava validade à tese de Beviláqua e com razão, ao dizer: “aprovar tratado, convenção ou acordo, permitindo que o Poder Executivo o denuncie, sem consulta, nem aprovação(do Parlamento) é subversivo dos princípios constitucionais” de forma que o Presidente da República, do mesmo modo que faz na ratificação, deve “apresentar projeto de denúncia, ou denunciar o tratado, convenção ou acordo ad referendum do Congresso Nacional”.

A posição do eminente Pontes de Miranda nos parece a mais acertada. Afinal, todo poder emana do povo, e, no congresso Nacional, estão os representantes do povo e dos Estados-membros e Distrito Federal, que devem ser ouvidos quando da denúncia do tratado. Ademais esse último entendimento se coaduna com o devido equilíbrio e preservação dos poderes da República.

Lembre-se que, no que concerne aos tratados internacionais que tratam de direitos humanos, onde há cláusulas eternas que devem ser respeitadas, não  se concebe denúncia por parte do Estado brasileiro (artigo 5º, § § 1º, 2º e 3º da Constituição).

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

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