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Suspensão da eficácia de liminar ou sentença em mandado de segurança: um olhar para o direito tributário

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5. INCIDENTE DE SUSPENSÃO DE SEGURANÇA E DIREITO TRIBUTÁRIO

Feitas tais considerações acerca do incidente de suspensão de segurança, é momento de voltar-se para a análise de sua aplicabilidade no âmbito do direito tributário.

Como já se afirmou alhures, o mandado de segurança é meio processual bastante utilizado pelo contribuinte para defender-se dos atos praticados pelo Fisco, sendo a liminar nele proferida, inclusive, modo de suspensão da exigibilidade do crédito tributário.

Dada a larga utilização do writ em matéria tributária, por óbvio que o incidente de suspensão da eficácia das decisões nele proferidas também é bastante utilizado nesta seara. Com efeito, a Fazenda Pública, principalmente sob o fundamento de risco de grave lesão à economia pública, maneja o incidente processual em apreço com certa frequência visando suspender as decisões liminares suspensivas da exigibilidade do crédito tributário.

A exigência do crédito tributário então, que estava suspensa, volta a vigorar com a suspensão da decisão de inferior instância pela presidência do tribunal. No caso de sentenças concessivas de segurança, que extinguem o crédito tributário, a extinção fica diferida até o momento da decisão final acerca da remessa necessária ou recurso voluntário interposto. Como adverte Cássio Scarpinella Bueno[69],

[...] o emprego da suspensão de segurança quando está sub judice tributo é nulificar a relevância do disposto no art. 151, IV e V, do Código Tributário Nacional, pelos quais, como cediço, a concessão de liminar em mandado de segurança, a de medida liminar ou de tutela antecipada em outras espécies de ação judicial tem, por si só, o condão de suspender a exigibilidade do crédito tributário. 

Uma vez concedida medida com aquele viés, a suspensão da eficácia da decisão contra o Poder Público significa, em termos diretos, que o contribuinte precisará recolher o valor do tributo questionado aos cofres públicos. Ao fazê-lo, contudo, a viabilidade de fruição in natura por ele pretendida — e, em um primeiro momento, assegurada, mercê da decisão jurisdicional proferida em seu favor — cai por terra. A regra do solve et repete passa a ser, assim, a única solução para o caso concreto, em flagrante contradição com os avanços do direito processual civil mais recente e — o que é ainda mais grave — com o próprio sistema diferenciado de tutela material reconhecido pelo Código Tributário nacional, como demonstram suficientemente, os dispositivos acima evidenciados.

Muitas vezes também, o Estado banaliza o incidente de suspensão de segurança, medida excepcionalíssima, buscando não à proteção do interesse público, mas sim evitar que as suas receitas sejam reduzidas através da contestação quanto à regularidade ou legalidade da cobrança de determinados tributos.

Nota-se, aí, que o Estado não está a proteger o interesse público propriamente dito, mas o seu próprio, patrimonial, o que, como já foi dito, afigura-se inadmissível. Sobre isso, socorro-me, uma vez mais, das valiosas lições do professor Cássio Scarpinella Bueno[70]:

É evidente que a liminar que determina a suspensão da exigibilidade do crédito tributário impede o ingresso de valores para os cofres públicos. Quando, contudo, a medida é tomada com base na ilegitimidade da cobrança tributária, não é tolerável, juridicamente, que elementos estranhos à juridicidade daquela cobrança — assim, os argumentos ad terrorem estampados no caput do art. 15 da Lei n. 12.1026/2009: “evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas” — possam querer justificar o ingresso obstado pelo juízo de instância inferior, tal qual sói ocorrer em se tratando de suspensão de segurança.

Também é comum que a pessoa jurídica de direito público interessada utilize-se do incidente de suspensão de segurança em matéria tributária sob o fundamento de que a decisão que se pretende ver suspensa poderá ter um efeito “bola de neve” ou “multiplicador”, pois novas decisões semelhantes poderão ser concedidas prejudicando a arrecadação tributária. Aqui, novamente, devem ser ratificados os argumentos do parágrafo anterior.

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Eduardo Arruda Alvim[71], aliás, neste particular, discorre que:

[...], não poderá a Fazenda Pública, por exemplo, em mandado de segurança por intermédio do qual se discuta determinada exigência tributária, pretender a suspensão dos efeitos da decisão concessiva da ordem, exclusivamente porque a mesma pode conduzir a uma avalanche de decisões contrárias aos interesses arrecadatórios da Fazenda, dado o precedente que será aberto. Fosse isso possível, e estariam reduzidos a zero o alcance e utilidade do mandado de segurança.

Marcelo Abelha Rodrigues[72] destaca, ademais, que:

Ainda, é pratica muito comum nos pedidos de suspensão de execução de decisão ao presidente do tribunal a alegação de que a pessoa jurídica de direito público passa por problemas financeiros, que a crise é geral, que a inadimplência dos tributos é constante, e que por isso, se naquela situação não lhe fosse dada a suspensão da segurança, constituiria num agravamento da situação. Essas alegações não são ao nosso ver suficientes para permitir o deferimento da medida, pelo simples fato de que se trata de alegações genéricas, não demonstrando a potencialidade concreta de lesão aos interesses tutelados na norma.

O Supremo Tribunal Federal, porém, admite o pedido de suspensão de segurança lastreado na tese de grave lesão à ordem e à economia públicas pela ocorrência do denominado “efeito multiplicador”, como se observa no julgado cuja ementa transcrevo abaixo:

AGRAVOS REGIMENTAIS NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS – ICMS. SERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA E DE TELECOMUNICAÇÕES. PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE. ALÍQUOTAS. EFEITO MULTIPLICADOR. AGRAVOS REGIMENTAIS AOS QUAIS SE NEGA PROVIMENTO. I – A natureza excepcional da contracautela permite tão somente juízo mínimo de delibação sobre a matéria de fundo e análise do risco de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. Controvérsia sobre matéria constitucional evidenciada e risco de lesão à economia pública comprovado. Os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade e veracidade, não afastada na hipótese. Efeito multiplicador demonstrado, conforme pontuado no RE 714.139-RG. II – O depósito judicial não transfere a plena titularidade e disponibilidade do montante depositado. III – Agravos regimentais aos quais se nega provimento.(STF – Pleno – SS 3717 AgR – Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI (Presidente) – j. em 29-10-2014 - DJe-226, de 17-11-2014).

Outro importante exemplo da utilização equivocada do instrumento processual em estudo na área tributária também citado por Marcelo Abelha Rodrigues[73] em sua abrangente obra,ocorre quando o Estado requer a suspensão da execução de decisão em mandado de segurança que excluiu determinada empresa, sob alegação da inconstitucionalidade da norma, do regime de substituição tributária para se lhe aplicar o regime antigo de recolhimento do imposto. Neste caso, normalmente, dois caminhos são trilhados pelo Estado: o primeiro, quando alega a constitucionalidade da substituição tributária e por isso deveria ser suspensa a execução da decisão concedida no writ; o segundo, quando alega que, se não fosse deferida a suspensão, poderia haver uma proliferação de mandado de segurança, servindo, pois, a suspensão como um estimulante negativo.

Referido autor, em seguida, espanca, com maestria, tais argumentos, ressaltando, principalmente, que o Estado intenta com incidentes de suspensão tais quais o exemplificado “pretender que o remédio seja usado para situações onde não há o concreto risco de dano (o que se possui é a mera expectativa de que venham a existir novos mandados de segurança)”[74].

O Supremo Tribunal Federal, no entanto, vem julgando pela possibilidade de suspensão de segurança das decisões proferidas contra o Fisco em tema de substituição tributária tão somente com base na ocorrência do prefalado efeito multiplicador plausível de gerar grave lesão à economia pública, senão veja-se o seguinte aresto:

CONSTITUCIONAL – PROCESSUAL CIVIL – TRIBUTÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA: SUSPENSÃO – GRAVE LESÃO À ECONOMIA PÚBLICA – EFEITO MULTIPLICADOR – SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA ‘PARA FRENTE’ – I. O Supremo Tribunal Federal, pelo seu Plenário, julgando os RREE 213.396-SP e 194.382-SP, deu pela legitimidade constitucional, em tema de ICMS, da denominada substituição tributária ‘para frente’. II – A medida liminar, nos termos em que concedida, impossibilita a Fazenda Pública de receber a antecipação do ICMS por um largo período, o que lhe causa dano, sendo ainda certo que a segurança, se concedida, a final, não resultará inócua, dado que ao contribuinte é assegurada a restituição do pagamento indevido. III – Necessidade de suspensão dos efeitos da liminar, tendo em vista a ocorrência do denominado ‘efeito multiplicador’. IV – Agravo não provido. (STF – AGRSS 1307/PE – Rel. Min. Carlos Velloso – j. em 1.º-3-2001 – DJU 11-10-2001, p. 007).[75]


6.         CONCLUSÕES

De todo o exposto, pode-se concluir o seguinte:

1. O mandado de segurança bem como as liminares nele proferidas, constituem-se em garantias constitucionais asseguradas ao particular para a defesa de seus direitos ameaçados por ato ou omissão ilegal ou abusiva cometida pela Administração, ou por quem as suas vezes fizer, por seus agentes.

2. Sendo writ constitucional cujas decisões possuem forte efetividade, devido a seu caráter mandamental, o mandado de segurança é utilizado à larga pelos contribuintes para se proteger de atos praticados pelo Fisco, mormente porque a liminar no mandamus possui efeito suspensivo da exigibilidade do crédito tributário.

3. O pedido de suspensão de segurança formulado por pessoa jurídica de direito público diretamente ao presidente do tribunal competente para apreciar o recurso cabível da decisão que se busca suspender é medida excepcional, de natureza incidental, utilizado quando o interesse público primário esteja ameaçado nas hipóteses de ameaça de grave lesão à ordem, saúde, à segurança e à economia públicas.

4. Conquanto não se exija a apreciação da legalidade da decisão que se visa suspender, como entende majoritariamente a doutrina e a jurisprudência, deve a decisão acerca da suspensão de segurança ser conduzida com vistas à juridicidade do provimento de inferior instância, somente podendo ser concedida a suspensão se a ordem judicial for flagrantemente contrária ao ordenamento vigente, sob pena de não recepção da norma do art. 15 da Lei n.° 12.016/09 pela Constituição Federal, posto que limitadora da garantia constitucional do mandamus.

5. Dado que o mandado de segurança é bastante utilizado na seara tributária, também o é o incidente de suspensão de segurança, devendo, no entanto, ser observado que o Estado não pode, ao nosso sentir, manejá-lo exclusivamente na defesa de seus interesses individuais arrecadatórios, fulcrado tão somente em expectativas de diminuição de receita com base no efeito multiplicador que a decisão desfavorável pode acarretar, sem a comprovação da concreta ameaça de lesão à economia pública, interesse superiormente protegido.

Sobre o autor
André Luiz Nelson dos Santos Cavalcanti da Rocha

Especialista em Direito Tributário. Assessor no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, André Luiz Nelson Santos Cavalcanti. Suspensão da eficácia de liminar ou sentença em mandado de segurança: um olhar para o direito tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5055, 4 mai. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57516. Acesso em: 23 dez. 2024.

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