Ultimamente, o país tem discutido o ideal modelo do Estado, especialmente ante a grave crise econômica causadora de uma recessão que, para muitos, jamais teve precedente semelhante, considerando a drástica redução do PIB, o elevado número de desempregados e destruição das bases para arrecadação tributária.
Neste sentido, o tamanho da máquina estatal tem sido a pedra de toque em praticamente todos os debates. De um lado, especialistas apontam para o passado, que permitiu a instauração do bem sucedido Plano Real, com a diminuição da intervenção do poder estatal na economia a partir de privatizações e de um sistema de regulação muito semelhante ao americano, que elegeu o controle do gasto público com base na criação das metas de superávit primário, o controle inflacionário utilizando basicamente as taxas de juros e também - embora aqui haja uma relevante discordância sobre sua efetiva aplicação -, o sistema de câmbio flutuante, o assim denominado tripé macroeconômico.
Em outro giro, heterodoxos entendem que a maior participação do Estado na economia, ora como indutor com base na concessão de crédito subsidiado pelas instituições públicas, ora como ator direto na participação econômica, tenha possibilitado ao país ultrapassar crises internacionais com a manutenção da atividade produtiva e do emprego em níveis aceitáveis, ou seja, a nova matriz econômica.
Não obstante estas linhas de discussão, o que se tem atualmente é o grave desequilíbrio orçamentário nacional, notadamente pela erosão das bases tributárias em conjunto com a explosão dos gastos públicos. Neste contexto, figuram os Estados da federação, que dependem tanto das participações constitucionais definidas pelo Sistema Tributário Nacional na CR/88, quanto de suas competências tributárias, sobejamente do ICMS, cuja a arrecadação tem sofrido um revés jamais visto na recente história da República. Para isso, basta analisar a lastimável situação das finanças do Rio de Janeiro, onde até os salários dos servidores públicos estão atrasados e sendo pagos em parcelas.
Há ainda a demanda que ora se situa no âmbito do STF sobre a atualização das dívida destes entes – discussão da constitucionalidade dos juros compostos na atualização destas dívidas-, que, a despeito de sua relevante importância, não é o único problema a ser enfrentado pela sociedade civil no debate político e jurídico. Uma grave questão que igualmente corrobora este cenário deve ser examinada com a lupa do equilíbrio das finanças de toda a federação, qual seja, o sistema de compensação tributária regulado pela União.
Como se sabe, o Sistema Tributário Nacional ampara-se na seguinte tríade: competências tributárias, imunidades e repartição de receitas. Em face desta última, a União, nos últimos anos, optou pelo aumento da carga tributária a partir da criação das contribuições sociais, que não figuram na repartição do bolo arrecadado, ficando, destarte, tanto os Estados, quanto os Municípios, desprovidos destas receitas no seu orçamento. Embora já haja críticas a este modelo – por exemplo, o economista canadense RICHARD BIRD, no artigo denominado Federalismo Fiscal, esclarece ser materialmente impossível a conciliação do orçamento se há centralização de competências tributárias e descentralização dos gastos públicos -, a mitigação deste sistema potencializa o prejuízo ao pacto federativo, agravando a dívida dos entes menores ante o sempre credor Governo Federal.
Sob a perspectiva das receitas, a questão ganha maior gravidade quando a União resolve ampliar o seu subsistema de compensação tributária, na medida que permite que o sujeito passivo utilize seu direito creditório indistintamente, bastando que o encontro de contas tenha como única condição que créditos e débitos se refiram a tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB). Hodiernamente, a Instrução Normativa RFB nº 1300/2012, pretensamente ao disciplinar os procedimentos para pedido de compensação, nos termos do art. 74 da Lei nº 9430/96, com a nova redação dada pela Lei nº 10637/2002, permite que o contribuinte utilize o direito creditório adstrito aos tributos administrados, especialmente de contribuições sociais, visando extinguir débitos fiscais ainda que não sejam relacionados ao mesmo tributo.
Exemplifica-se. Contribuinte com matriz localizada no Rio de Janeiro apura IRPJ devido de 1.000,00 reais, mas tem um crédito em seu favor, referente a pagamentos indevidos de COFINS, no valor de 800,00 reais. Neste passo, recolhe o valor de 200,00 reais e, conjuntamente, extingue o restante por meio de pedido de compensação, vale dizer, sob condição de ulterior homologação.. Em vez de recolher ao Fundo de Participação dos Estados (FPE) o valor de 215,00 reais – que influencia na participação financeira do Rio de Janeiro -, recolherá somente o valor de 43,00 reais(percentual constitucional de 21,5%), considerando que o direito creditório originou-se de um base de arrecadação que não está incluída na sistemática da repartição definida pelo constituinte originário.
Outro exemplo do desequilíbrio financeiro perpetrado por esta sistemática pode ser visto nas operações de crédito em favor de exportadores - ressarcimento de PIS e COFINS, onde o beneficiário pode, diante da demora do fisco federal em conceder a autorização para os depósitos dos valores, utilizá-los mediante pedido eletrônico de compensação (Perdcomp) para pagamentos de quaisquer tributos, inclusive aqueles insertos no rol de espécies sujeitas à repartição, causando, por consectário, graves prejuízos aos entes estaduais e municipais.
Portanto, como se verifica claramente, a demanda ultrapassa os limites da competência tributária, pois a União passa a conceder créditos de contribuições sociais, espécies que amparam o aumento da carga tributária sem a necessidade de partilha do produto desta arrecadação, para serem utilizados em impostos de sua competência e que devem ser objeto de repartição. A diminuição da arrecadação efetiva dos impostos caracteriza um grave prejuízo aos entes estaduais e municipais!
A mesma sistemática ocorre também com as demais espécies tributárias inseridas na repartição tributária garantidora do pacto federativo, sendo que, nos casos da participação direta, como é o caso do IPI – por exemplo, o total de 10% do IPI proporcionalmente às exportações de produtos industrializados do Estado -, a situação ganha contornos ainda mais prejudiciais.
As múltiplas abordagens teóricas sobre o federalismo fiscal têm sido razoavelmente unívocas em afirmar a necessidade de autonomia dos entes subnacionais na sua organização política e social, de maneira a satisfazer a implementação de políticas públicas voltadas para a prestação de serviços à população nos âmbitos regionais e locais.
Por outro lado, não se pode olvidar a premente necessidade de suprimir os entraves trazidos pelo legislador ordinário ou pelo constituinte reformador – a forma federativa se apresenta como cláusula pétrea, conforme estabelece o art. 60, §4º, I, da CR/88 -, como o amplo regime de compensação , que causa uma distorção na repartição do produto da arrecadação federal, comprometendo o planejamento orçamentário dos Estados e Municípios.
Com efeito, deve ser revisto o sistema de utilização de créditos quaisquer que sejam, desde que administrados pela RFB, para extinguir quaisquer débitos tributários junto à União, posto que o resultado disso interfere negativamente na participação dos demais entes na partilha dos recursos e, dentro de um plano maior, na afetação do princípio constitucional do federalismo fiscal. Se o aumento da arrecadação federal com as contribuições sociais já é cercado de críticas jurídicas e políticas, a compensação conforme aduzido acima, muito embora não seja objeto de discussão com a amplitude necessária, torna-se um obstáculo intransponível à máxima aplicabilidade do pacto federativo.
Acaso subsista este sistema, que pode até ser reconhecido pela União como uma ferramenta para alcançar a eficiência e simplificação no uso do direito creditório pelos contribuintes, é imperativo que se comece a pensar na criação de um fundo para que haja uma contrapartida financeira aos Estados e Municípios diante de tão relevante perda de recursos, com vistas a diminuir o agravamento da crise orçamentária regional e uma possível moratória das dívidas estaduais, ou, eventualmente, haja uma efetiva revisão na repartição constitucional das receitas entre os entes federativos, de modo a contemplar percentuais das contribuições aos mesmos Estados e Municípios.