RESUMO
A preocupação com a proteção ao meio ambiente trouxe reflexos relevantes e contraditórios ao comércio internacional. O princípio da precaução se insere nesse contexto obrigando a repensar a lógica do mercado. A análise da posição da União Européia e Mercosul confere uma reflexão sobre as Relações Internacionais entre os dois blocos sob a pauta ambiental.
SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Origens e características do princípio da precaução 3. O livre comércio internacional frente à utilização do princípio da precaução como instrumento de proteção ambiental 4. A postura internacional frente ao princípio da precaução 5. Considerações finais 6. Referências bibliográficas.
1. Introdução
A partir de 1972, uma nova maneira de compreender o meio ambiente se estabeleceu através da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano [1] realizada em Estocolmo, Suécia. As regras de Direito Ambiental, que até então eram dispersas e voltadas apenas para o âmbito interno, começaram a ser sistematizadas também em âmbito internacional. Por essa razão, houve um aumento significativo do número de instrumentos de proteção ambiental que deixaram de lado a preocupação exclusiva com as regras internas e regionais. Com isso, a preservação do meio ambiente passou a ser uma bandeira mundialmente defendida.
Outro marco da história do Direito Ambiental Internacional foi a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92). Esse encontro, realizado no Rio de Janeiro, contou com a participação de 178 Governos e a presença de mais de 100 Chefes de Estado ou Governo. Além de buscar uma consciência ambiental, foi marcante pela busca de proteção jurídica ao meio ambiente.
Da ECO-92 ressaltam-se os seguintes resultados: a) adoção de uma Declaração de princípios sobre ambiente de desenvolvimento; b) adoção de duas Convenções multilaterais mundiais, uma sobre diversidade biológica e outra sobre alterações climáticas e; c) a adoção de um plano de ação na comunidade internacional referente à implementação dos objetivos fixados na Declaração do Rio (desenvolvimento sustentável), este documento ficou conhecido por Agenda 21.
Dentre os princípios da Declaração do Rio, um deles em especial, vem a romper com a noção de avaliação de risco até então existente. Trata-se do Princípio 15, denominado princípio da precaução. Esse princípio, originário do direito ambiental alemão (Vorsorgeprinzip), é aplicado desde a década de 70 nas políticas de gestão ambiental. Através dele se justifica uma atitude inovadora diante de circunstâncias de incerteza científica. Sua lógica conduz a uma atitude de tomada de decisão em favor da preservação do meio ambiente, mesmo que isso seja contrário aos interesses econômicos por restringir o comércio de determinados produtos.
Sua popularização ocorreu recentemente quando eclodiram crises sanitárias de grande repercussão, como a encefalopatia espongiforme bovina (mal da vaca louca) e os conflitos em torno dos organismos geneticamente modificados (OGMs). Por esse princípio inverte-se a lógica de que para se restringir um determinado produto deve-se primeiramente demonstrar o dano que ele pode causar. Sua aplicação se baseia na mera existência de indícios de dano e, além disso, ocorre uma inversão no ônus da prova, fazendo com que o interessado em disponibilizar um determinado produto venha a demonstrar a inexistência de riscos e/ou danos.
Por certo, qualquer atitude que vise a impedir ou restringir o livre comércio vai de encontro à atual fase de liberação comercial. Nesse impasse, a aplicação do princípio da precaução passou a ser questionada em âmbito internacional sob a acusação de se tratar de mera barreira comercial, pois ainda não estão bem definidas as suas razões de aplicação e nem mesmo se os argumentos para tanto são em prol do meio ambiente ou mera justificativa para restringir o comércio.
A análise do panorama das relações internacionais demonstra uma divisão mundial quando se analisa o tema. De um lado, encontram-se os defensores de novas tecnologias de forma irrestrita que consideram o princípio da precaução como um entrave ao livre comércio (Estados Unidos, por exemplo). Do outro, estão aqueles que dão uma importância ao desenvolvimento racional de novas tecnologias, porém, cercado de cuidados e se preciso for, impondo restrições enquanto pairarem incertezas quanto à existência de riscos (União Européia).
É diante desse cenário que se pretende tecer algumas considerações sobre o princípio da precaução, na busca por uma melhor compreensão de suas características. Buscar-se-á analisar a forma como se estabelece o livre comércio internacional frente à utilização do princípio, abordando especialmente a visão dada pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Por fim, o tema será analisado no âmbito das relações internacionais/comerciais entre Mercosul e União Européia, conduzindo a tecer algumas considerações acerca das características e natureza principiológica decorrentes da idéia de precaução.
2. Origens e características do princípio da precaução
Desde a década de 70, o princípio da precaução vem sendo utilizado como um princípio norteador das políticas de gestão ambiental em casos de ameaça de dano irreversível ao ambiente. [2] Porém, como texto escrito, ele surgiu de forma explícita em 1987 na 2ª Conferência Internacional para a proteção do Mar do Norte. [3]
Inicialmente, era apenas usado no direito internacional. Com o passar dos anos, o princípio começou a ser trazido para o direito interno dos países, sendo na França o primeiro lugar a ganhar um valor jurídico de norma legal, com a Lei Barnier, de 02 de fevereiro de 1995. Essa lei inseriu o artigo L.200-1 ao Código Rural Francês que assim dispõe: a ausência de certeza, levando em conta os conhecimentos científicos e técnicos do momento, não deve retardar a adoção de medidas efetivas e proporcionais visando a prevenir o risco de danos graves e irreversíveis ao meio ambiente, a um custo economicamente aceitável. [4]
O princípio da precaução foi reconhecido por diversos textos internacionais, de valor jurídico inegável. Todavia, conforme já mencionado, sua consagração pública se deu na Declaração do Rio, cujo Princípio 15 assim dispõe: quando haja perigo de dano grave ou irreversível, a falta de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para postergar a adoção de medidas eficazes em função dos custos para impedir a degradação do ambiente.
No Direito Comunitário Europeu o princípio foi acolhido pelo Tratado de Maastricht [5] em seu art. 130-R e, posteriormente, confirmado junto ao art. 174* [6] do Tratado de Amsterdã. [7]
Muito embora existam vários textos com conceituações semelhantes sobre o princípio da precaução, ainda existem dúvidas quanto a sua aplicação no campo jurídico. Por isso, algumas propostas de explicação do princípio já estão sendo elaboradas. Uma delas é dada por Kourislsky & Viney para quem
o princípio da precaução deve orientar qualquer pessoa que tome decisões concernentes a atividades que comportam um dano grave para a saúde ou para a segurança das gerações presentes ou futuras, ou para o meio ambiente. Este princípio impõe-se, especialmente, aos poderes públicos, que devem fazer prevalecer os imperativos de saúde e segurança sobre a liberdade ao livre comércio entre particulares e entre Estados. O princípio da precaução obriga observar todas as disposições que permitem, a um custo economicamente e socialmente suportável, detectar e avaliar o risco, de reduzi-lo a um nível aceitável, elimina-lo. Além disso, deve informar as pessoas envolvidas, recolhendo suas sugestões sobre as medidas visadas para tratar o risco. O dispositivo de precaução deve ser proporcional à amplitude do risco e pode ser a qualquer momento revisado. [8]
Cumpre ressaltar que o princípio da precaução não se confunde com o clássico princípio da prevenção, segundo o qual deve-se primeiramente constatar a produção do dano para, posteriormente, agir. Através do princípio da precaução, deixa-se de lado essa lógica, executando-se a medida necessária à proteção ambiental e sanitária, sem adiamento. Em caso de dúvida ou incerteza, deve-se agir imediatamente. A incerteza sobre os prováveis efeitos nocivos de um determinado produto não deve ser capaz de evitar a adoção de medidas protetivas à saúde e ao meio ambiente. [9] Portanto, tem-se que a precaução é aplicada a riscos potenciais, enquanto a prevenção é aplicada a riscos conhecidos. A precaução pode ser encarada como um prolongamento dos métodos de prevenção aplicados aos riscos incertos.
De uma maneira geral, o escopo da precaução é ultrapassar a prevenção. Não seria mais preciso que um dano se produzisse, ou se mostrasse iminente, para que um gesto visando a evitar a produção ou a repetição desse dano fosse legítimo. Invertendo essa lógica, a precaução baseia-se na experiência em matéria técnica e científica: as vantagens que surgem a curto prazo são, com freqüência, seguidas de desvantagens a médio e longo prazo. Logo, é preciso dotar-se dos meios de prever o surgimento de eventuais danos, antes mesmo de ter a certeza da existência de um risco. [10]
A análise do risco caminha juntamente com a busca pela certeza científica. Em geral, somente se afirma acerca da existência de um risco quando o mesmo pode ser cientificamente comprovado. Todavia, a espera por essa comprovação pode levar a efeitos irreversíveis. Isso se deve ao elevado rigor científico empregado para demonstração de causa e efeito.
Nesse ponto se insere o princípio da precaução; ou seja, quando estiverem presentes indícios científicos razoáveis, já será possível agir preventivamente com relação aos efeitos de determinadas atividades, tecnologias ou substâncias que sejam potencialmente nocivas, ainda que sem comprovação científica. Por essa lógica, a falta de certeza científica não pode ser usada para justificar a continuidade do uso de uma substância ou tecnologia nociva. [11]
Portanto, numa situação de incerteza, a primeira etapa de uma análise científica consiste em formular as hipóteses de risco. Com base nisso, pode-se chegar a uma situação de risco potencial cujo conceito deriva da idéia de risco do risco nas palavras de Kourilsky & Viney. [12] Nessa fase de análise do risco se verifica se o caso é de aplicar o princípio da prevenção ou o da precaução. Para o primeiro é necessário um risco conhecido, enquanto para o segundo é suficiente a existência de um risco potencial (risco incerto).
Para evitar a perpetuação desse debate tão acirrado e controvertido busca-se traçar contornos quanto à sua aplicação. É importante deixar claro que o princípio da precaução (teoricamente) não consiste em renunciar aos benefícios trazidos pelo desenvolvimento tecnológico. Além disso, não se trata de um princípio que visa à abstenção, muito pelo contrário, ele visa à ação. Ou seja, visa a agir de forma a conciliar o desenvolvimento tecnológico à manutenção e preservação do meio ambiente, contudo, baseado em uma atitude de prudência.
Sua implicação reside na adoção de medidas proporcionais para prevenir os riscos potenciais que possam estar presentes na nova tecnologia, levando em consideração que tais riscos sejam tidos como aceitáveis e conhecidos. Todavia, o princípio não busca atingir um nível irreal de segurança, visando ao risco zero. Sua aplicação visa a avaliar a gravidade dos riscos e a probabilidade de se efetivarem. Para que isso seja possível, é necessária uma vigilância não apenas para tomar uma decisão (agir ou não agir), mas também para examinar as conseqüências dessa decisão.
Um exemplo a ser seguido quanto à análise do risco é a realizada no âmbito da União Européia onde são levados em consideração três elementos básicos nessa problemática: avaliação, gestão e comunicação. A avaliação do risco [13] se dá diante de pareceres científicos elaborados no intuito de esclarecer os eventuais riscos. A gestão é tida como a dimensão político-econômica que o assunto assume no âmbito da Administração Pública junto ao Direito Comunitário. No tocante à comunicação, verifica-se que sua dimensão se enquadra dentro do caráter democrático do princípio da precaução, pois a divulgação das informações colhidas é um direito inerente aos consumidores, principais interessados em obter informações corretas sobre produtos e serviços são postos à sua disposição.
Em consonância com essas orientações, encontra-se o Livro Branco sobre a segurança dos alimentos [14], cuja prioridade é garantir um elevado padrão de segurança alimentar. Sua orientação é a de extrapolar as exigências físicas e químicas dos produtos, vindo a determinar que sejam assegurados aos consumidores produtos capazes de fornecer os nutrientes essenciais a uma boa dieta, sem danos à saúde. Nele são feitas propostas para adoção de medidas que ampliem os padrões de segurança dos alimentos, abrangendo toda a cadeia alimentar. Assim, a saúde e o bem estar dos animais também devem ser levados em consideração, pois afetam diretamente a segurança e qualidade dos alimentos. A atribuição da responsabilidade de produzir resultados científicos constitui, portanto, a conseqüência dessas medidas. Desta forma, esses produtos são considerados perigosos e/ou nocivos até que as empresas desenvolvam o trabalho científico necessário para demonstrar que são seguros (inversão do ônus da prova).
Em suma, o princípio da precaução visa a questionar a lógica mercantilista decorrente da globalização, de forma a proteger o meio ambiente e a saúde pública na busca por um desenvolvimento sustentável.
Posição contrária à decorrente desse princípio se baseia no argumento de que o mesmo é um entrave ao livre comércio mundial, pois impõe barreiras à livre troca de mercadorias entre as nações, atuando como protecionismo disfarçado, além de trazer obstáculos ao progresso científico. Por essas razões, não há como se afirmar se a aplicação do princípio da precaução é justa ou injusta, correta ou não. Ao se contrapor com o livre comércio se está diante de valores totalmente diferentes. Por um lado, a busca pelo lucro e a circulação de bens e capitais; e por outro, a busca pela obtenção de garantias de que essa prática comercial não irá colocar em risco a saúde e o meio ambiente. A sua importância é evidenciada justamente por trazer uma nova forma de encarar os riscos e de buscar a ação diante de casos de insegurança e incerteza. Por isso, é sempre importante frisar que o princípio não visa à inação, pelo contrário, visa à ação no intuito de se acabar com a incerteza científica através do estímulo a pesquisas que possam verificar a existência ou não de riscos.
3. O livre comércio internacional frente à utilização do princípio da precaução como instrumento de proteção ambiental.
Um dos objetivos colimados por países que se reúnem em blocos econômicos é o de livre circulação de mercadorias. Para tanto, os países membros comprometem-se a não impor restrições de cunho meramente protecionista de forma a impedir a integração econômico-comercial. Nesse ponto se insere uma questão delicada da aplicação do princípio da precaução como instrumento de proteção ambiental. Isso porque de um lado está o interesse e compromisso de integração econômica e de estabelecer um livre comércio, e de outro está a adoção de medidas restritivas baseadas em incertezas quanto aos riscos de determinados produtos postos à disposição para o consumo.
O impasse oriundo dessa posição antagônica pode ser visualizado pelas severas críticas feitas pela Organização Mundial do Comércio (OMC) ao princípio da precaução, a qual o vê como um entrave ao comércio mundial. Isto porque a aplicação do princípio estaria alicerçada em meros indícios de danos, o que tornaria a atitude de impedir ou não a circulação de determinados produtos extremamente subjetiva podendo ensejar a prática de medidas protecionistas. Além disso, para a OMC, o fato de o princípio da precaução não trazer consigo medidas coercitivas para sua efetivação, não legitimaria, portanto, o impedimento à livre circulação de mercadorias. Em contrário a essa concepção, está a União Européia que já se valeu de sua aplicação em diversos casos onde havia incerteza quanto aos riscos potenciais para a saúde humana e animal e para o meio ambiente.
O princípio da precaução, como já visto, é um princípio de aplicabilidade recente. Alguns tratados internacionais já o consagraram. Contudo, no âmbito da OMC, ainda é visto com muitas restrições. Isso fica evidente quando se compara a imposição das regras da OMC em detrimento das orientações retiradas da Convenção Internacional da Biodiversidade assinada durante a ECO-92 e de outras convenções e tratados internacionais em matéria ambiental.
Isso decorre em virtude de o GATT [15] ter sido estabelecido numa época em que poucos países possuíam leis ambientais significativas, e não havia acordos regionais ou bilaterais que disciplinassem a conduta para exploração dos recursos naturais. Na atualidade estão em vigor duzentos acordos internacionais (à margem da OMC) relativos a diversas questões ambientais e multilaterais. Aproximadamente vinte destes acordos incluem disposições que podem afetar o comércio, por exemplo, proibindo determinados produtos ou autorizando os países a limitarem o comércio em determinadas circunstâncias. [16]
Com a criação da OMC, em 1994, através da assinatura do Acordo de Marrakesh, os países membros reconheceram já no próprio preâmbulo a previsão de vir a buscar preservar a proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável entre os objetivos da organização. O preâmbulo reconhece
que suas relações na esfera da atividade comercial e econômica devem tender a elevar os níveis de vida, a garantir o pleno emprego e um volume considerável e em constante aumento de ingressos reais e demanda efetiva e a acrescentar a produção e o comércio de bens e serviços, permitindo ao mesmo tempo a utilização ótima dos recursos mundiais de conformidade com o objetivo de um desenvolvimento sustentável e procurando proteger e preservar o meio ambiente e incrementar os meios para fazê-lo, de maneira compatível com suas respectivas necessidades e interesses segundo os diferentes níveis de desenvolvimento econômico. [17]
Todavia, alguns anos depois, na nona Rodada de Negociação da OMC que iniciou em 2001 em Doha, conhecida como Rodada do Milênio, as questões sociais e ambientais permaneceram em segundo plano, demonstrando que a busca pelo livre comércio ainda prevalece. Uma vez mais foi vetada a utilização do princípio da precaução. [18] As incertezas da biotecnologia foram descartadas como sendo simples entraves protecionistas quando, na verdade, apontam verdadeiros dilemas para a saúde de todos. [19] Enfim, a Conferência de Doha restabeleceu uma certa normalidade às relações internacionais, retomando a pauta do comércio que estava ofuscada pela questão da segurança e do combate ao terrorismo. [20]
Além disso, outros fatores devem ser levados em consideração. As convenções internacionais de proteção ao meio ambiente são vistas sob a ótica da OMC como meras normas de indicação de conduta, pois muitas delas não possuem caráter sancionador. Porém, importante frisar que a falta de sanção não pode ser suficiente para desnaturar o caráter jurídico do princípio da precaução. Nem todo dever vem associado à sanção e nem por isso deixa de fazer parte do ordenamento jurídico. Poderá quem sabe um dia além de ser um princípio geral de direito, servir como um instrumento de controle constitucional quando seu conteúdo estiver claramente sedimentado. Uma explicação para tal interpretação reside na própria natureza jurídica de certas normas internacionais que não possuem um caráter coercitivo, sendo denominadas de soft law. [21]
Na soft law, trata-se de normas com vistas a comportamentos futuros dos Estados, que não chegam a ter o status de normas jurídicas, mas que representariam uma obrigação moral aos Estados (obrigações imperfeitas, mas, de qualquer forma, com alguma normatividade) e têm uma dupla finalidade: a) fixar metas para futuras ações políticas nas relações internacionais; b) recomendar aos Estados adequarem as normas de seu ordenamento interno às regras internacionais contidas na soft law. Podem assumir diversas formas ou denominações, como non binding agreements, gentlemen’s agreements, códigos de conduta, memorandos, declaração conjunta, declaração de princípios, ata final, e até mesmo denominações tradicionalmente reservadas a normas da hard law como acordos e protocolos. [22]
Este conceito ainda é recente e sem uma distinção adequada entre hard law e soft law, pois se encontra em construção.
Ainda ancorado numa concepção formalista, de que as obrigações internacionais somente são exigíveis dos Estados à medida que assumem as formas das fontes tradicionais, há autores de nomeada que negam a soft law um caráter jurídico e consideram-nas como "obrigações naturais, ou morais". A nosso ver, a soft law não é uma obrigação de natureza moral; não nos sentiremos à vontade em admitir como uma obrigação moral às recomendações de uma agência oficial da ONU ou do Banco Mundial ou de um banco regional sobre a realização prévia estudos de impacto ambiental no território de um Estado peticionário de um financiamento milionário a um projeto de grandes obras públicas, cuja inobservância impossibilitaria qualquer concessão de fundos! [23]
Assim, o cerne do entrave vislumbrado pela OMC reside no fato de os acordos internacionais que buscam enfrentar os problemas relativos ao meio ambiente envolverem por vezes sanções comerciais, para o caso de descumprimento de regras ambientais, as quais limitam a liberalização comercial, significando uma barreira comercial não tarifária.
Portanto, fica clara a intenção de a OMC subordinar as questões ambientais aos princípios do livre comércio, afinal a mesma é uma organização onde o objetivo principal é a supressão de barreiras ao livre comércio internacional. Assim como as normas ambientais podem representar um tipo de barreira ao comércio, a solução dada pela OMC é buscar a harmonização das normas ambientais e evitar que o discurso "politicamente correto" de proteção ao meio ambiente não seja usado para indevidamente restringir o comércio. Esse talvez seja o ponto de atrito e que requer uma análise cuidadosa para se aferir até aonde existe mesmo a necessidade de se proteger o meio ambiente impedindo-se a circulação de mercadorias e onde começa o interesse de proteção comercial (reserva de mercado) alicerçado em um discurso politicamente correto e amplamente aceito que é o de proteção ambiental.
Nesse ponto, resta aos países que se acharem em situação prejudicial recorrer a OMC para, através do seu Órgão de Solução de Controvérsias (OSC), analisar os motivos da aplicação de medidas restritivas ao comércio. Quanto a esse Sistema, no tocante às questões ambientais, convém ressaltar que o mesmo dá condições de os países membros utilizarem as regulamentações da própria organização para questionar as legislações ambientais nacionais ou regionais, o que pode trazer sérios prejuízos e controvérsias nas relações internacionais [24]. Isso se deve ao fato de que (...) seu sistema de solução de controvérsias quase-jurisdicional (...) detém poder de sanção. O resultado é que se pode dotar de coercibilidade acordos que resultam de uma só abordagem: a do livre comércio. [25]
Contudo, a questão não é tão simples assim e tampouco deve ser reduzida a uma ótica exclusivamente das relações comerciais. [26] Não se deve esquecer que tanto as normas que pregam o liberalismo econômico, como as normas multilaterais sobre meio ambiente participam de um fenômeno comum: a globalização. Assim, é igualmente o fenômeno da globalidade que deve impelir os Estados para adoção de uma lógica de cooperação, tanto no âmbito da OMC, quanto dos mecanismos existentes nos acordos multilaterais sobre meio ambiente. [27] É justamente nesse sentido que o Princípio 12 da Declaração do Rio dispõe sobre a cooperação entre os Estados, propondo uma alternativa para esse impasse:
Princípio 12 – Os Estados devem cooperar para o estabelecimento de um sistema econômico internacional aberto e favorável, propício ao crescimento econômico e ao desenvolvimento sustentável em todos os países, de modo a possibilitar o tratamento mais adequado dos problemas da degradação ambiental. Medidas de política comercial para propósitos ambientais não devem constituir-se em meios para a imposição de discriminações arbitrárias ou injustificáveis ou em barreiras disfarçadas ao comércio internacional. Devem ser evitadas ações unilaterais para o tratamento de questões ambientais fora da jurisdição do país importador. Medidas destinadas a tratar de problemas ambientais transfronteiriços ou globais devem, na medida do possível, basear-se em um consenso internacional. [28]