"Não devemos parar de explorar e o fim de toda nossa exploração será chegar ao ponto de partida e conhecer o lugar pela primeira vez."
(T. S. Eliot)
1. Introdução
Está em pauta a discussão a propósito da legitimidade do exercício, por membros do Ministério Público, de atividades de investigação dirigidas à apuração de infrações criminais. [1]
Decisão paradigmática sobre o tema está para ser tomada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento de ação direta de inconstitucionalidade aforada contra dispositivos da Lei Federal n.º 8625 de 12 de fevereiro de 1993 e da Lei Complementar n.º 75 de 20 de maio de 1993, que contemplam, entre as atribuições do Ministério Público, a realização de diligências investigatórias. Há outros feitos, igualmente tramitando perante a Excelsa Corte, que envolvem deliberação sobre a matéria.
A polêmica que ora se estabeleceu nos meios de comunicação de massa já era observada na seara jurídica. Tomando-se apenas julgados do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, temos que neste a posição dominante sobre a competência investigatória do Ministério Público manifesta-se em sentido positivo (2), enquanto naquele caminha em sentido distinto (3), tratando-se, não obstante, de entendimento ainda não pacificado (4).
Não é o caso, aqui, de levantar todas as razões, jurídicas e extra-jurídicas, que levaram determinados operadores jurídicos a questionar a legitimidade da atuação do Ministério público quando suas atividades investigatórias bem sucedidas resultaram em material probatório consistente para a provocação da jurisdição penal. Convém limitar a abordagem ao campo técnico-jurídico, no qual a atividade investigatória do Ministério Público vem sendo combatida basicamente com dois argumentos: tal atividade a) não residiria, a partir da leitura da Constituição, entre suas funções, motivo pelo qual o Parquet não ostentaria atribuição no sítio investigatório, particularmente em matéria criminal (eventual atuação importando, por isso mesmo, em ofensa ao princípio do devido processo legal); b) a investigação criminal constitui função exclusiva da polícia judiciária; por isso, o Parquet não poderia atuar nesse sítio sem ofensa ao princípio da separação dos poderes. Os argumentos decorrem de um específico modelo de interpretação constitucional que leva em conta, basicamente, a literalidade do texto normativo.
A idéia neste texto não é apontar quem é melhor para apurar infrações criminais, o policial ou o membro do Ministério Público. Não se trata, sem mais, de aderir a esta ou àquela tese. Trata-se, antes, de oferecer alguns elementos para a melhor compreensão do arranjo constitucional envolvendo a competência dos órgãos dotados de dignidade constitucional, implicando isso, daí sim, tomada de posição. Cumpre, então, tecer breves comentários sobre o ponto chave da questão, qual seja, a interpretação constitucional.
2. Interpretação constitucional
As relações sociais hodiernamente travadas não raras vezes ensejam demandas complexas cuja tutela jurisdicional adequada só pode ser aventada com o manejo de técnicas arrojadas de interpretação constitucional.
Nota-se uma mudança no campo metodológico que orienta a prática constitucional na busca de um modelo hermenêutico que permita conferir a dinamicidade necessária ao texto para potencializar a eficácia dos direitos e garantias fundamentais e realizar as promessas constitucionais. Neste passo, texto e norma deixam de manter uma relação unívoca e absoluta (5). O texto é o universo sobre o qual se debruça o operador jurídico. A norma, não se confundindo com o texto, é o resultado da operação hermenêutica.
Nos últimos anos, evidenciados os limites do positivismo, seja ele de matriz exegética, seja ele de matriz normativo-kelseniana, operou-se um deslocamento no campo das técnicas de interpretação, de molde a, especialmente nos casos difíceis, voltar o horizonte da ação a razão prática. Agora, portanto, além do exercício da subsunção ou da categorização, o intérprete haverá de manejar os recursos da argumentação e da ponderação para a resolução dos complexos problemas que se apresentam na sociedade contemporânea (tecnológica, de informação, pós-industrial, em rede, de risco, etc.) insuscetíveis de enfrentamento a partir de um padrão metodológico próprio de sociedades e discursos constitucionais menos complexos.
Superado o paradigma da consciência, está-se, agora, a operar sob o influxo do paradigma da linguagem, exigente de um renovado papel para os operadores jurídicos:
"Como as Constituições na sociedade heterogênea e pluralista, repartida em classes e grupos, cujos conflitos e lutas de interesses são os mais contraditórios possíveis, não podem apresentar-se senão sob a forma de compromisso ou pacto, sendo sua estabilidade quase sempre problemática, é de convir que a metodologia clássica tinha que ser substituída ou modificada por regras interpretativas correspondentes a concepções mais dinâmicas do método de perquirição da realidade constitucional." (6)
A força normativa da Constituição depende grandemente da atualidade de suas normas para gerar a identidade dos diferentes grupos sociais que nela apostam suas esperanças.
"... perde força hermenêutica qualquer interpretação que busque no desenvolvimento histórico da formação de determinado instituto a construção de uma mens legislatoris ou mens legis. Tal procedimento, de índole marcadamente historicista, mostra-se antitético com o que contemporaneamente se entende por hermenêutica. Quer-se dizer, o historicismo esbarra nos câmbios de paradigma; no caso do Direito, esse câmbio é evidenciado pelo advento de uma nova Constituição.
A validade do ‘método histórico’, nos termos em que está colocado, poderia levar o processo hermenêutico à produção de decisões absolutamente desconectadas da realidade." (7) (g. n.)
É nesse quadro que as mais polêmicas questões afetas às prescrições normativas devem ser resolvidas. E o poder de investigação criminal do Ministério Público aí se apresenta. Cumpre lembrar que a instituição ministerial passou por profunda alteração funcional com o advento da Constituição Federal de 1988, já que no sistema anterior, apresentava-se dependente do Poder Executivo. Diante disso, determinadas concepções acerca de suas atribuições não se coadunam com o paradigma democrático então instituído, demandante de constante afirmação. Daí porque não se deve compreender as funções ministeriais apartadas das transformações felizmente operadas com o sistema constitucional vigente (8).
Aliás, também a seara penal vem sofrendo mudanças necessárias para acompanhar as novas demandas sociais e refrear o avanço de condutas criminosas aperfeiçoadas com a velocidade da modernização tecnológica. Não é crível que o Código de Processo Penal seja interpretado, ainda, sem levar em conta o processo de mutação desencadeado pela nova Constituição. É preciso sintonizar a legislação processual-penal com o texto constitucional, operar a sua constitucionalização, fazer vazar as conseqüências da filtragem constitucional, realizar, enfim, a leitura da lei com os olhos voltados para a Constituição e para o futuro.
A aplicação da lei penal e processual penal tem por escopo oferecer solução para as condutas desviantes, sempre tipificadas, atentatórias aos valores e bens, reconhecidos pela normatividade constitucional, que dão base à organização social. Para operacionalizar a atividade do Estado no sítio considerado, a Constituição cria órgãos e instituições, retirando do cidadão a possibilidade de manifestar ação de caráter persecutório, enfim, de fazer justiça com as próprias mãos. O Constituinte, portanto, confere ao Estado o monopólio de tal relevante ação. A paz social fica, é indubitável, em grande parte dependente da eficiência e eficácia dos métodos postos em prática pela estrutura estatal. Diante de semelhante circunstância, é natural que as instituições e os órgãos públicos incumbidos da fundamental tarefa possam contar com recursos e preparação adequados ao salutar atendimento das vítimas e à persecução, nos termos da lei, dos acusados de transgressão. A separação de funções neste campo é instrumental, e assim deve ser considerada.
Traçado este breve panorama, é possível perceber que a questão sobre a legitimidade da apuração de infrações criminais pelo Ministério Público deve ser avaliada com adequada dose de cuidado, isto para que não se reduza à significação de uma disputa contaminada por eventuais interesses intra-orgânicos em tudo distante do necessário compromisso com a realização dos postulados do Estado Democrático de Direito.
As normas constitucionais que disciplinam as funções do Ministério Público e também de outros órgãos e instituições estatais formam um sistema, significando isso que sua correta compreensão envolve esforço maior do que o consistente na singela leitura (interpretação simples e literal) das disposições constitucionais pertinentes. O sistema em questão abriga disposições que orientam a evolução dinâmica de sentidos decorrente das mudanças operadas no plano da faticidade. O correto entendimento da matéria, portanto, envolve operação hermenêutica capaz de testar e, mais do que isso, superar o aprisionamento do território da pré-compreensão.
3. Uma questão de cooperação permanente e compartilhamento eventual
3.1. Investigação e acusação no juizado de instrução
A importância da devida interpretação das disposições constitucionais avulta quando se percebe entre os argumentos na linha da ilegitimidade dos procedimentos investigatórios promovidos por membros do Ministério Público, a tentativa de petrificar os debates ocorridos no Congresso Constituinte em prejuízo da Constituição mesma. Como se sabe, o Constituinte, à época, recusou proposta no sentido de instituir-se, entre nós, o sistema de juizados de instrução. Este é um fato. Mas daí não é possível extrair como conseqüência a idéia segundo a qual foi implantado, para a polícia judiciária, o monopólio das atividades investigatórias, quando na esfera criminal.
O juizado de instrução constitui modelo de investigação processual penal adotado em alguns países europeus no qual se manifesta rígida separação entre as funções de acusação e instrução. A separação, ensejada por razões históricas, deixa a cargo do promotor ou procurador acusar, a cargo do juiz a promoção da instrução e a cargo de outro órgão jurisdicional o julgamento. De modo que quem instrui não julga. É verdade que tal modelo foi sensivelmente modificado na atualidade, mas é preciso ressaltar, por outro lado, que mesmo aí não se opera separação rígida entre as funções de acusação e investigação, como se poderia imaginar.
Em alguns países que adotam o juizado de instrução, não é permitido ao membro do Ministério Público realizar a instrução, já que esta função é privativa do juiz. Este, detentor de amplos poderes, pode ordenar uma série de diligências para garantir a segura apuração do delito, como determinar a prisão preventiva, escutas telefônicas, busca e apreensão, etc.
O Ministério Público, enquanto órgão acusador, não tem poderes para promover a instrução criminal no sistema de juizados de instrução, nem no sistema processual penal brasileiro. Aqui, tanto o Ministério Público quanto a polícia judiciária devem (e é bom que continue assim) solicitar ao juiz medidas de maior gravidade que possam afetar direitos fundamentais. Entenda-se que isso não significa que o órgão ministerial esteja proibido de investigar, mas sim de promover a instrução do processo penal.
É preciso notar, não obstante, que o juizado de instrução vem cedendo passo a outro sistema no qual o Ministério Público é responsável pela investigação preliminar (9). Neste sentido, afirma Aury Lopes Jr:
"A instrução preliminar a cargo do MP tem sido adotada nos países europeus como um substituto ao modelo de instrução judicial anteriormente analisado (juizado de instrução). Neste sentido, a reforma alemã de 1974 suprimiu a figura do juiz instrutor para dar lugar ao promotor investigador. A partir de então, outros países, com maior ou menor intensidade, foram realizando modificações legislativas nessa mesma direção, como sucedeu, v.g, na Itália (1988) e em Portugal (1995). Na Espanha, a Lei Orgânica (LO) 7/88 que instituiu o procedimento abreviado deu os primeiros passos nessa direção, ao outorgar ao fiscal maiores poderes na instrução preliminar." (10)
Ora, o debate constituinte do qual não resultou, entre nós, a adoção do sistema do juizado de instrução não é determinante para solução da questão da constitucionalidade da atuação do Ministério Público envolvendo a realização de certas diligências em investigação criminal. Primeiro, pela ressalva da interpretação constitucional adequada; segundo porque mesmo que tivesse sido adotado tal modelo, não se impediria a controvérsia instaurada, que está cingida ao binômio acusação/investigação, e não ao binômio acusação/instrução.
Não é demais lembrar, com Lenio Streck e Luciano Feldens, que
"... a partir da superação da hermenêutica clássica, que trabalha(va) com a idéia de que interpretar é extrair do texto o seu sentido (Auslegung), pela hermenêutica de cunho filosófico, passou-se a entender que o processo interpretativo não é reprodutivo, mas sim, produtivo. Interpretar é, pois, dar/atribuir sentido (Sinngebung). Com isto, deixa de existir equivalências entre texto e norma e entre vigência e validade, em face do que se denomina na fenomenologia hermenêutica de diferença ontológica.
Desse modo, se o texto não ‘carrega’ a sua norma e se a vigência de um dispositivo não implica diretamente a sua validade, é possível afirmar que textos anteriores à Constituição recebem automaticamente novas normas, atribuíveis a partir do topos hermenêutico que é a Constituição de 1988. Sentidos jurídicos atribuídos a textos legais, por exemplo, em 1963 (Projeto RÁO), 1941 (Código de Processo Penal) e 1957 (decisão do STF da lavra de HUNGRIA) não se mantêm na contemporaneidade pós-Constituição de 1988, pela profunda alteração do papel do Estado, da Constituição e, fundamentalmente, da função a ser exercida pelo Ministério Público." (11)
Afasta-se, portanto, o argumento de que a frustrada tentativa de adoção do modelo de juizado de instrução possa justificar a opção de atribuir, de forma monopolizada, a função de investigação – apartada da acusação – à polícia judiciária. A legitimidade das diligências investigatórias do Ministério Público decorre da nova ordem constitucional e nela deve ser compreendida.
Se das deliberações dos Constituintes não pode ser deduzida a proibição da ação ministerial no campo investigatório criminal, eis que tal ação decorre, naturalmente, da interpretação atualizada do texto constitucional vigente, com mais razão o mesmo ocorrerá quando em questão as deliberações do legislador ordinário. A efetividade da Constituição não pode ficar a mercê de contingentes interesses políticos, nem sempre concertados com os interesses sociais que legitimam os respectivos mandatos. Daí porque, projetos de lei,e mesmo projetos de emenda constitucional eventualmente não aprovados, não constituem diretriz hermenêutica séria para justificar determinada interpretação do texto ou para fechar questão sobre assunto que assume importância vital para a sociedade. Inclusive porque, em muitos casos, antes de ostentarem natureza verdadeiramente constitutiva, apresentavam finalidade meramente explicitadora, declaratória de uma condição disputada mas, todavia, perfeitamente extraível do texto constitucional.
De outra banda, conjuga-se ao argumento do juizado de instrução a idéia de que uma separação absoluta entre as funções de acusação e investigação asseguraria a imparcialidade dos órgãos respectivos. Patente equívoco por julgar, primeiramente, toda a instituição em função de valores que só a personalidade de cada pessoa vai determinar. Em segundo lugar não há fundamento jurídico para se creditar mais imparcialidade a membros do Ministério Público ou da polícia judiciária, seja qual função exerçam. Uma análise mais detida da função acusatória do Ministério Público permite aferir que o intuito investigatório é, a partir de indícios de um fato típico identificar e comprovar sua autoria e materialidade, seja a partir de notícia que lhe foi confiada diretamente, seja a partir de inquérito policial, seja a partir de investigação cível própria que apontou emergência também de ilícito criminal. (12)
Não há uma distância abissal entre Ministério Público e polícia judiciária no exercício de suas respectivas atribuições, o que pode ser deduzido já da finalidade precípua de cada qual: - defesa da ordem jurídica democrática e preservação da ordem pública, respectivamente. Tais objetivos convergem na direção de outro maior: - a pacificação social por todos almejada, cuja efetivação demanda a conjugação de esforços.
3.2. Investigação e acusação no sistema constitucional brasileiro
Tem-se, então, que no modelo brasileiro não há divisão rígida, insuperável, entre as funções de investigação e acusação, de modo que ambas podem ser exercidas com responsabilidade pelos membros do Ministério Público. Isso não afasta a concepção segundo a qual aos órgãos é dada uma função precípua a ser devidamente exercida. No caso da instituição ministerial, reconhece-se como precípua a função acusatória desde que entendida, reitere-se, no contexto do Estado Democrático de Direito (a função acusatória não pode ser exercitada a qualquer custo, eis que o membro do Parquet é, antes de tudo, o fiscal da ordem jurídica e, portanto, da Lei e da Constituição). A investigação pode ser entendida como atividade típica da polícia judiciária, mas nem por isso exclusiva.
É evidente que a apuração de infrações penais requer uma série de ações que podem se dar no bojo de procedimentos variados, dentre os quais o inquérito policial é o mais comum. Mais comum, porque nem todos os procedimentos de investigação criminal preliminar substanciam inquéritos policiais. Cumpre ter clareza quanto a isso.
Não se resolve o problema que constitui objeto do presente texto a partir da definição do titular do inquérito policial. Ora, é inegável que tal procedimento integra a esfera das atividades da polícia judiciária. A questão de fundo é outra: - diz respeito à legitimidade do Ministério Público, através de seus próprios procedimentos, realizar, em determinadas circunstâncias muito bem justificadas, diligências investigatórias que venham a subsidiar a formação da convicção a propósito da necessidade de provocação da jurisdição penal.
É preciso afastar argumentos apaixonados que insistem numa equivocada pretensão do Ministério Público de substituir-se à polícia judiciária ou mesmo de presidir inquéritos policiais, pois não é disto que se trata. Não há substituição dos órgãos encarregados, em princípio, da investigação criminal. A polícia judiciária deve continuar responsável pelos inquéritos policiais, sendo certo que o Ministério Público haverá de realizar investigações em casos excepcionais, devidamente justificados, sem que isso possa significar o esvaziamento da esfera funcional da instituição policial.
Exercer a função de polícia judiciária não significa exclusivamente realizar inquéritos policiais, pois envolve outras atividades (apoio ao Poder Judiciário para cumprimento de decisões liminares ou definitivas, promoção da segurança de magistrados e funcionários da Justiça ameaçados em razão de suas funções, etc.). De outra banda, o inquérito policial – uma das formas de investigação de infrações penais – constitui procedimento típico da polícia judiciária.
Além dos inquéritos policiais, diligências investigatórias podem ser realizadas no contexto de diversos outros procedimentos promovidos por órgãos do Executivo, Legislativo ou Judiciário. É o caso do procedimento fiscal da Receita Federal para investigação do delito de sonegação fiscal (13), das diligências do COAF na apuração de "lavagem" de dinheiro (14), do inquérito judicial (15) (16) , das diligências das Comissões Parlamentares de Inquérito (17), da investigação de prática de crime por magistrados realizado pelo próprio Poder Judiciário (18). Portanto, as hipóteses de investigação criminal preliminar não se resumem aos inquéritos policiais, não constituindo, por isso mesmo, atividade exclusiva da polícia judiciária.
Afirmar que à polícia judiciária incumbe presidir o inquérito policial nada acrescenta ao debate, já que o Ministério Público quando promove certas diligências investigatórias não o faz mediante instauração de inquérito policial. Não há que se falar, portanto, em usurpação de competência. Trata-se, antes, de cooperação entre instituições para a consecução de objetivo comum, qual seja, diminuir a impunidade na seara mais delicada do contexto jurídico, que é a criminal.
Cooperação é imperativo constitucional (19) decorrente de diversas disposições constitucionais, inclusive da interpretação hodierna do princípio da separação de poderes. Sobre este ponto, leciona Konrad Hesse:
"Objeto da divisão de poderes é, antes, positivamente uma ordem de colaboração humana, que constitui os poderes individuais, determina e limita suas competências, regula sua colaboração e, desse modo, deve conduzir à unidade do poder estatal – limitado. Essa tarefa requer não só um refreamento e equilíbrio dos fatores de poder reais, senão ela é também, sobretudo, uma questão de determinação e coordenação apropriada das funções, assim como das forças reais que se personificam nesses órgãos." (20)
Cumpre cotejar a hermenêutica até aqui desenvolvida com as normas constitucionais de regência da matéria a fim de que nem mesmo aos mais apegados à literalidade textual reste dúvida sobre a legitimidade das investigações realizadas pelo Ministério Público.