5 ESTATUTO DO REFUGIADO
O Brasil estipulou, em 1997, uma lei específica para refugiados: a Lei 9.474, de 22 de julho. Tal lei é resultado do Programa Nacional de Direitos Humanos de 1996, e foi elaborada em conjunto por representantes do ACNUR e do governo brasileiro.
Foram estabelecidos critérios de reconhecimento do status de refugiado, determinando-se o procedimento para esse reconhecimento, sendo criado, inclusive, um órgão administrativo, vinculado ao Ministério da Justiça, competente para tratar do tema, o Comitê Nacional para Refugiados, o Conare.
Antes de adentrar propriamente o tema, há que ser refeita uma distinção entre asilo e refúgio, à luz do ordenamento brasileiro.
O asilo, como discorrido, fora criado pela DUDH, em 1948. Já o refúgio é bem anterior à data mas passou a ser regulamentado internacionalmente pela Convenção de 1951. No Brasil, o asilo é regulado pelo Estatuto do Estrangeiro, lei 6.815/1980, enquanto o refúgio é tratado por lei específica, tema deste capítulo que segue. Como será demonstrado, a concessão do refúgio seguirá um procedimento disposto na lei, sendo analisado por um órgão específico, o Conare, formado por um corpo técnico-jurídico, sendo concedido caso sejam preenchidos os requisitos legais.
Caso não seja reconhecida a condição de refugiado, caberá recurso. O asilo, por sua vez, é um ato de soberania do Estado, sendo uma decisão discricionária. Ainda que sejam preenchidos os requisitos determinados, não havendo possibilidade de recurso. Cumpre ressaltar que, embora tenham todas essas diferenças, o objetivo deles é o mesmo: a proteção da pessoa humana.
5.1 Critérios para definição de refugiado
O Brasil inovou ao adotar a definição ampliada de refugiado prevista na Declaração de Cartagena sobre Refugiados (1984), incluindo dentre os motivos de reconhecimento “[...] a grave e generalizada violação de direitos humanos” (Art.1º, III). Este conceito reúne, para sua materialização, três relevantes condições especialmente consideradas pelo Conare: a dificuldade até mesmo em se identificar a existência de um Estado, tal qual conceituado pelo direito internacional público, em um território específico; a observação naquele território da falta de uma paz estável e durável; e o reconhecimento, por parte da comunidade internacional, de que o Estado ou território em questão se encontra em uma situação de grave e generalizada violação de direitos humanos.
Assim, são três os requisitos para se reconhecer a condição de refugiado no Brasil. Tais dispositivos refletem aquilo tudo que a Convenção de 1951 contém quanto à definição de refugiado, promovendo atualização da norma ao contexto contemporâneo e somando um elemento de proteção àquelas pessoas que saem de seus países em razão de desagregação política, principalmente quando há violação massiva dos direitos humanos.
O artigo 2º prevê que os efeitos da condição de refugiados serão extensivos ao cônjuge, aos ascendentes e aos descendentes, assim como aos demais membros do grupo familiar do refugiado que dependerem dele economicamente, desde que se encontrem, é claro, no território nacional. O Conare, em 11 de março de 1999, editou a Resolução Normativa nº 4, para criar critérios objetivos para a definição dos graus de parentesco. A resolução definiu que o refúgio será outorgado por reunião familiar ao companheiro, com união de fato devidamente comprovada. Quanto aos filhos, claro, trata-se dos naturais ou adotivos. Consideram-se ascendentes os pais, avós ou bisavós ou até mesmo trisavós. A Resolução também considera equiparado ao órfão o menor cujos pais encontram-se presos ou desaparecidos.
5.2 Pessoas que não podem ser consideradas refugiadas
A lei, em seu artigo 3º, preconiza que nem todos os indivíduos se beneficiarão da condição de refugiado, elencando os que estão excluídos, isto é, aqueles que já desfrutem de proteção ou assistência por parte de organismo ou instituição das Nações Unidas que não o Acnur; sejam residentes no território nacional e tenham direitos e obrigações relacionados com a condição de nacional brasileiro; tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo, participado de atos terroristas ou tráfico de drogas; sejam considerados culpados de atos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas.
5.3 Direitos e deveres do refugiado
Cumpre destacar que o disposto nos artigos 4º e 5º da Lei confere ao refugiado e à refugiada reconhecidos pelo Conare os direitos e deveres constantes não só na Lei 9.474/97, como também aqueles advindos dos tratados internacionais dos quais o Brasil é Estado Parte. Cabe menção especial ao Estatuto dos Refugiados de 1951 e ao Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1967 do âmbito das Nações Unidas. Trata-se, sem dúvida, de um claro sinal da Lei em prol da convergência das três vertentes da proteção internacional da pessoa humana: o direito humanitário, os direitos humanos e o direito dos refugiados e das refugiadas.
Em resumo: os artigos se referem ao fato de que os refugiados recebidos, reconhecidos e integrados no Brasil, têm obrigações de acatar as leis gerais, regulamentos e providências destinadas à manutenção da vida civil e da ordem pública. Por exemplo: se praticam um crime, respondem por esse crime normalmente. Se deixam de cumprir uma obrigação, respondem efetivamente por essa obrigação. Podem ser presos, podem ter seus bens confiscados em razão de dívidas, podem responder a processo civil, podem responder a processo penal.
O artigo 6º, por sua vez, prevê um direito específico e decorre de uma disposição da Convenção de 1951. Ele prevê que o refugiado no Brasil terá direito a uma cédula de identidade comprobatória da sua condição jurídica. Também terá direito à carteira de trabalho e passaporte brasileiro. Tais documentos servem para evitar situações de risco ao refugiado como, por exemplo, sua expulsão do território nacional ou a aplicação da extradição. Impede que se viole o principio do non-refoulement, que impede que o refugiado seja devolvido ao país de origem por uma medida inadvertida das autoridades de imigração.
5.4 Solicitação do status de refugiado
Com o intuito de facilitar o ingresso do refugiado ao território nacional, o art. 7º consagrou a possibilidade de solicitação do status de refugiado à qualquer autoridade migratória que se encontre na fronteira, resguardando, em seu primeiro parágrafo, a impossibilidade de sua “[...] deportação para fronteira de território em que sua vida ou liberdade esteja ameaçada” (BRASIL, 1997). A autoridade fronteiriça brasileira, para os temas migratórios, é a Polícia Federal.
O Conare, por meio da Resolução Normativa nº 1, de 27 de outubro de 1998, editou um formulário para que seja preenchido pelo policial federal na fronteira, com o modelo do termo de declaração. O parágrafo segundo do mesmo dispositivo legal consagra que, se o refugiado for considerado perigoso pela Polícia Federal, tal benefício não poderá ser invocado. São casos, em geral, que envolvem processos de extradição, que dizem respeito à cooperação jurídica entre os Estados, no sentido de devolver o indivíduo à Justiça da qual ele fugiu ou de onde recusa a responder um processo criminal.
Ademais, a Lei assume o princípio universal do Direito Internacional dos Refugiados de que o ingresso irregular em um território não constitui impedimento para a solicitação de refúgio por um estrangeiro neste território não poderia estar mais explícito na legislação brasileira. O artigo 8º da Lei é cristalino com relação à garantia desse princípio. A leitura ampliada também permite concluir que a negativa do refúgio não é obstáculo para a permanência no território nacional.
Se há algum impedimento neste sentido, trata-se da irregularidade migratória em seu sentido mais extenso. Tal fato é essencial para a efetiva proteção dos refugiados, uma vez que, caso se exigisse a sua entrada legal no território de refúgio estar-se-ia praticamente impedindo sua vinda, já que, na maioria das vezes, a obtenção de um visto e/ou um passaporte é impossível, em virtude da situação no país de origem.
A pessoa que chega a outro país sem o visto ou sem um documento de viagem é considerada irregular e como tal pode ser rechaçada no aeroporto, tendo que voltar a seu país de origem. Essa é a regra geral, mas que não deve prevalecer diante de uma hipótese de refúgio porque há situações em que a pessoa sai de seu país em razão de perseguição, diante de violações dos direitos humanos, de uma guerra civil, hipóteses em que é difícil contar com um documento de identidade, passaporte ou documento de viagem verdadeiro.
Além disso, a lei brasileira se alinha com as diretrizes preconizadas pelos princípios de Direitos Humanos e pelo Acnur, garantindo o ingresso no território nacional de pessoas em situação de refúgio sem documentação, o direito à liberdade de solicitantes de refúgio, bem como documentos de identidade e de trabalho provisórios.
Outro ponto que merece destaque, à luz das normas internacionais relativas aos direitos humanos, diz respeito à suspensão dos procedimentos administrativos ou criminais anteriores, quando da apresentação da solicitação de refúgio, disposta no artigo 10. Isso ocorre porque procedimentos criminais podem ser considerados como “estado de necessidade”, figura prevista no Direito Penal brasileiro, que exclui a culpabilidade do agente pelo fato praticado, quando não se tem como exigir dele uma conduta diversa da praticada, o que justificaria a prática do crime e ensejaria o arquivamento do processo, nos termos do § 1º, deste artigo. Esse procedimento deverá ser comunicado à Polícia Federal, que transmitirá as informações ao órgão onde tramitar o procedimento administrativo ou criminal.
5.5 CONARE
Um dos pontos de maiores destaque trazidos pelo estatuto foi a criação um órgão nacional específico e especializado para tratar da proteção internacional às vítimas de perseguição. Um órgão de deliberação coletiva, com funcionamento tripartite, ou seja: com a participação do governo local, da sociedade civil e das Nações Unidas, o Conare. Os artigos 11 a 14 estabelecem todas as diretrizes referentes à competência do Conselho, a sua estrutura e funcionamento.
O artigo 12 aduz que a competência do Conare deve levar em consideração a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967, como se percebe diante da leitura do texto legal. In Verbis:
Art. 12. Compete ao CONARE, em consonância com a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, com o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1967 e com as demais fontes de direito internacional dos refugiados:
I - analisar o pedido e declarar o reconhecimento, em primeira instância, da condição de refugiado;
II - decidir a cessação, em primeira instância, ex officio ou mediante requerimento das autoridades competentes, da condição de refugiado;
III - determinar a perda, em primeira instância, da condição de refugiado;
IV - orientar e coordenar as ações necessárias à eficácia da proteção, assistência e apoio jurídico aos refugiados;
V - aprovar instruções normativas esclarecedoras à execução desta Lei. (BRASIL, 1997).
A vinculação do Conare às normas internacionais anteriores, mencionada no caput do artigo, permite a aplicação subsidiária da normativa internacional à lei brasileira, tornando possível a interpretação de que a competência do Conare pode ser mais ampla quando instrumentos internacionais disciplinam o tema do refúgio. Já o inciso primeiro refere a “primeira instância”, deixando clara a existência do princípio do duplo grau de jurisdição, uma vez que, caso não seja concedido o refúgio, pode-se recorrer.
Cumpre destacar que a competência do Conare é sobre o instituto do refúgio, e não sobre o de asilo. Tal esclarecimento deve ser feito, uma vez que ambos os institutos, apesar de aparentarem ser sinônimos, se distinguem em diversos aspectos. Enquanto o asilo é um ato discricionário do Estado, onde o Estado concede de maneira arbitrária e por essa decisão não deverá satisfação a ninguém, o refúgio não nasce do oferecimento de um Estado soberano a um cidadão estrangeiro mas, sim, o reconhecimento de um direito que já existia antes da solicitação do estrangeiro que se encontra em território de outro Estado soberano que não o seu de nacionalidade.
Outro ponto que difere os institutos, e merece destaque, diz respeito à possibilidade de recorrer da decisão de concessão ou não do asilo ou refúgio. Em se tratando de ato discricionário, na hipótese da não concessão do asilo, por óbvio, não há possibilidade de recurso. Já no caso do refúgio, a não concessão do status de refugiado pode impetrar o recurso junto ao Ministério da Justiça, ao Conare ou até mesmo à Polícia Federal.
No que tange as suas competências é relevante notar que, na realização de suas atividades, o CONARE expede Resoluções Normativas com o escopo de regulamentar questões práticas relativas aos refugiados, como, por exemplo, a Resolução Normativa 1, que traz em seu anexo o modelo do termo de declaração que deve ser preenchido pelo refugiado quando de sua solicitação de refúgio.
Outro artigo que merece destaque é o artigo 14, que dispõe acerca da estrutura do Conare. In Verbis:
Art. 14. O Conare será constituído por:
I – um representante do Ministério da Justiça, que o presidirá;
II – um representante do Ministério das Relações Exteriores;
III – um representante do Ministério do Trabalho;
IV – um representante do Ministério da Saúde;
V – um representante do Ministério da Educação e do Desporto;
VI – um representante do Departamento de Polícia Federal;
VII – um representante de organização não-governamental, que se dedique a atividades de assistência e proteção de refugiados no País. (BRASIL, 1997).
O Conare é composto por representantes de distintos Ministérios (Justiça, Relações Exteriores, Trabalho, Saúde e Educação), contemplando majoritariamente representantes do Poder Executivo Federal, um assento para a sociedade civil (exercido pela Cáritas Arquidiocesana), com direito a voz e voto, e um assento para a representação do Acnur/Brasil, com direito a voz, sem direito a voto, além de um representante do Departamento da Polícia Federal e de organização não governamental que se dedique a atividades de assistência e proteção de refugiados no país. Os membros do Conare serão designados pelo Presidente da República, mediante indicações dos órgãos e da entidade que o compõem. O reconhecimento da condição de refugiado, portanto, é uma questão técnico-jurídica, que se debate em um devido processo legal.
Mister destacar que fora firmado um convênio, em 2012, para a participação da Defensoria Pública da União (DPU) como membro consultivo do conselho. É a DPU que presta atuação jurídica aos refugiados, geralmente hipossuficientes economicamente, a ponto de não poder arcar com as custas processuais.
5.6 Procedimento de solicitação do refúgio
Quanto ao procedimento adotado, “o estrangeiro deverá apresentar-se à autoridade competente e externar vontade de solicitar o reconhecimento da condição de refugiado”. Isso significa que este deverá apenas, apresentar-se à autoridade e externar sua vontade de solicitar refúgio. Acontece que nem sempre a pessoa que venha fugida de seu país sabe dessa determinação. Essa foi a razão pela qual, durante vários seminários ocorridos no Brasil inteiro, o Conare já treinou e capacitou a Polícia Federal no sentido de aferir essa vontade de maneira bastante precisa. Passada essa fase, “a autoridade competente notificará o solicitante para prestar declarações, ato que marcará a data de abertura dos procedimentos”. As declarações serão prestadas com a ajuda de um intérprete e deverão conter a identificação completa, além do relato das circunstâncias e fatos que fundamentam o pedido, sendo estes corroborados por provas condizentes com o que fora alegado.
Caso seja aceita a solicitação de refúgio, será emitido documento autorizando a estada até a decisão final do processo. O prazo de validade do protocolo será de 90 (noventa) dias, prorrogável por igual período, até a decisão final do processo. Nesse período, o estrangeiro estará autorizado a residir legalmente no Brasil.
Enquanto o processo estiver tramitando, será aplicável o Estatuto do Estrangeiro, lei 6.815/80, respeitadas as disposições específicas contidas nesta Lei.
O artigo 26 consagra que “[...] a decisão pelo reconhecimento da condição de refugiado será considerada ato declaratório e deverá estar devidamente fundamentada” (BRASIL, 1997). Em outras palavras: o reconhecimento da condição de refugiado não é ato administrativo constitutivo, devendo a condição de refugiado retroagir ao momento em que o fundado temor de perseguição determinou a saída do indivíduo de seu país de origem.
Caso seja concedido o refúgio, o refugiado será registrado junto ao Departamento de Polícia Federal, devendo assinar termo de responsabilidade e solicitar cédula de identidade pertinente. Caso contrário, caberá recurso ao Ministro de Estado da Justiça, no prazo de quinze dias, contados do recebimento da notificação. Por sua vez, “a decisão do Ministro de Estado da Justiça não será passível de recurso”. Caso a recusa seja definitiva, o indivíduo poderá continuar em território brasileiro, estando sujeito não mais ao Estatuto do Refugiado mas, sim, ao Estatuto do Estrangeiro. Ainda assim, poderá o estrangeiro beneficiar-se de uma solução imigratória alternativa e obter um visto de residência no Brasil, caso preencha os requisitos gerais previstos na lei de estrangeiros, no momento em vigor a Lei nº 6.815, de 1980.
5.7 Extradição
Os artigos 33, 34 e 35 tratam da extradição, adotando o mesmo espírito do artigo 8º já mencionado, resguardando-SE os princípios de Direitos Humanos, ao aduzir, em suma, que “[...] o reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio” (BRASIL, 1997). A lei vai além, uma vez que consagra a possibilidade de suspensão do processo de extradição, até a decisão definitiva, enquanto o processo de refúgio perdurar.
A adoção desses critérios, sendo preterida a extradição, é mais facilmente compreendida quando se compara o refúgio à extradição. Nas palavras de Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto (2010, p.183-184):
Os dois institutos tutelam bens jurídicos distintos: enquanto o bem jurídico protegido pela extradição é a cooperação internacional, o refúgio tem como bens jurídicos a própria vida, a liberdade e a integridade física de alguém que tenha fundado temor de perseguição. A concessão do refúgio deve, sim, impedir o seguimento da extradição, quando os fundamentos dos processos forem idênticos. Há um certo juridicismo na análise de um pedido de extradição. As solicitações de refúgio, por sua vez, são analisadas sob a ótica do indivíduo e sua situação no Estado de origem ou de residência. Contemplam vários aspectos como a situação estrutural, política, jurídica e social dos países de origem do estrangeiro e sua inserção naquela comunidade. Há grande subjetividade em sua análise, já que se tratam de situações de origem complexa e variável conforme o país ou o próprio indivíduo. São recorrentes casos de perseguições refinadas, sutis, bem diferentes daqueles que são objeto de ampla divulgação e de notório conhecimento. Há casos em que a perseguição nem ocorre diretamente, mas há um fundado temor de que ocorra, bastando isso – nos termos da Convenção da ONU e da lei brasileira – para que o refúgio seja outorgado no sistema de proteção jurídica internacional.
5.8 Expulsão
Outro ponto importante, ainda no que concerne à saída do indivíduo que busca o refúgio, diz respeito à expulsão. Há uma influência da Lei nº 6.815/80, o Estatuto do Estrangeiro. Dispõe a lei citada que é passível de expulsão o estrangeiro que, de qualquer forma, atentar contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranquilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou cujo procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais.
Outro fator trazido por tal lei é a impossibilidade de expulsão. De acordo com a norma legal, não se procederá à expulsão se implicar extradição inadmitida pela lei brasileira ou quando o estrangeiro tiver cônjuge brasileiro do qual não esteja divorciado ou separado, de fato ou de direito, e desde que o casamento tenha sido celebrado há mais de 5 (cinco) anos; ou, ainda, quando tiver filho brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele dependa economicamente.
A Lei nº 9.474/97 inseriu no ordenamento jurídico nacional outra hipótese de inexpulsabilidade, que é a de ser o estrangeiro refugiado no país.
5.9 Cessação ou perda da condição de refugiado
Já quando o assunto diz respeito à cessação ou a perda da condição de refugiado, a lei brasileira se baseou, de forma integral, na Convenção de 1951, uma vez que todos os critérios adotados lá foram reproduzidos cá.
Esse diploma legal traz, ademais, em seus artigos 38 e 39, as hipóteses de cessação e de perda da condição de refugiado, sendo a diferença entre estes o fato de que, naquela, a condição de refugiado não é mais necessária, pois o indivíduo passou novamente a contar com a proteção de seu Estado de origem e/ou de residência habitual (por exemplo, se o motivo do refúgio foi uma guerra civil e ela acabou), e essa ter um caráter punitivo, ou seja: o Brasil por algum ato do refugiado (por exemplo, a prática de ato contrário à segurança nacional) não quer mais oferecer a sua proteção a ele.
A possibilidade legal das cláusulas de cessação decorre do fato de o reconhecimento do status de refugiado ocorrer a partir da situação objetiva do Estado de origem ou residência habitual do refugiado e que, havendo alteração para melhor, a qual implique o término das causas que ensejaram o refúgio, a proteção por um terceiro Estado torna-se desnecessária.
Do mesmo modo que quanto ao reconhecimento do status de refugiado, a decisão acerca da perda ou a cessação da condição de refugiado é passível de recurso ao Ministro da Justiça, de acordo com o disposto no artigo 40. Em ambos os casos o prazo para apelação é de 15 dias a contar da data da notificação da decisão ao solicitante de refúgio. Caso a condição de refugiado cesse, ou seja, perdida definitivamente, o indivíduo passará a ser enquadrado no regime geral de permanência de estrangeiros no território nacional (o citado Estatuto do Estrangeiro), conforme parágrafo único do artigo 39.
5.10 Soluções duradouras para a situação dos refugiados
Finalmente, é importante indicar que a normativa brasileira sobre refugiados também contém toda uma seção específica sobre soluções duradouras para a situação dos refugiados: integração local, repatriação voluntária e reassentamento. Todas essas soluções surgiram quando da criação do ACNUR.
A integração local perpassa por todos os pontos abordados anteriormente, conquanto o refugiado passe a viver como um habitante do país no qual buscou refúgio, tendo direitos e deveres inerentes aos nacionais daquele Estado.
Já a repatriação voluntária, como o próprio nome diz, é a volta ao país de origem, de maneira espontânea, que seja da sua própria vontade. Para tanto, os motivos que fizeram as pessoas saírem do país devem ter cessado. O ACNUR tem um papel fundamental nesse processo, incluindo a organização de visitas ao país de origem por parte dos refugiados para que estes possam verificar as condições de repatriação, divulgação de informação atualizada sobre o país e região de origem dos refugiados e engajamento em atividades de paz e reconciliação, promoção de moradia e restituição de propriedades, além de apoio legal e assistência aos retornados.
O reassentamento, por sua vez, consiste na prática de um Estado acolher, em seu território, refugiados já reconhecidos como tais, pelo ACNUR e/ou por outro Estado, mas que não tiveram toda a proteção necessária fornecida pelo país que lhes deu acolhida (seja por necessidade de proteção jurídica e física, seja pela necessidade de cuidados médicos específicos, seja por uma condição especial – como a de crianças e adolescentes, de idosos, de mulheres em situação de risco ou de famílias separadas) ou por total falta de integração local. Os países de reassentamento seriam, assim, uma espécie de segundo país de acolhida para refugiados que não conseguiram ou não puderam permanecer no país que primeiro os acolheu, sendo, portanto, o terceiro país do refugiado (após o seu país de origem e/ou de residência habitual e o país de acolhida).
O reassentamento não constitui um direito do indivíduo, apesar de estar presente nos diplomas legais acerca da temática dos refugiados, mas, sim, uma tentativa, quando possível, de oferecer uma nova oportunidade de integração. Outra importante característica do reassentamento vem a ser seu caráter necessariamente voluntário, isto é, o refugiado deve concordar em mudar de país de proteção.
No marco do reassentamento solidário, o Brasil passou a adotar dois procedimentos para a acolhida de reassentados: o procedimento padrão e o procedimento por fast track, procedimento facilitado e menos moroso, que se aplica em situações emergenciais de necessidade urgente de proteção.