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Evolução da pena.

Análise sobre o desenvolvimento das punições e sua crise

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Agenda 17/05/2017 às 22:51

8 AS PUNIÇÕES NO BRASIL

No primeiro artigo do Código Penal vemos a influência de Beccaria, ao determinar-se que “não há crime sem lei anterior que o defina. Nem pena sem prévia cominação legal”. A primeira regra de uma das mais importantes leis do país a respeito de pena é uma clara proteção ao cidadão; e isto não é desimportante. A regra também trazida pelo artigo 5º, inciso XXXIX da Constituição Federal é um limitador direto ao poder de punir do Estado e contra o mau uso do mesmo.

A Lei de Execuções Penais, em seu artigo 1º, também demonstra a importância dada ao cidadão, quando define o objetivo da execução, que é de proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado. A punição é, portanto, apenas um meio de alcançar a reinserção do condenado. Não é um fim em si mesma, mas se reveste de outras funções, e dentre elas a ressocialização.

Além dos supracitados, a influência dos grandes pensadores e movimentos penais está presente em inúmeras leis e artigos, demonstrando o embasamento científico de parte da legislação e sua eficácia teórica. Porém, no caso brasileiro, o grande problema encontra-se na execução das penas e na ação ou omissão do Estado diante dos problemas relacionados a Justiça Criminal, não apenas no judiciário, mas por todo o sistema criminal, até mesmo após o cumprimento da pena.

O Estado brasileiro segue a regra adotada por inúmeros países: a pena privativa de liberdade como meio primário de punição aos delitos. A regra geral para os crimes é a privação de liberdade, sendo alguns destes apenados de forma diversa. É possível que, cumprindo determinadas condições, a pena privativa de liberdade seja substituída por alguma outra, ou algum instituto penal, no entanto, ainda em caráter de exceção. Além disto, é comum que o descumprimento das regras das outras medidas leve ao encarceramento.

O resultado é nítido: o número de encarcerados aumenta em conjunto com os condenados dentro do sistema penal; e não apenas de modo teórico. Em junho de 2014 o número de era de 711.463, um aumento de 400% e 20 anos. E há ainda 373.991 mandados de prisão em aberto, o que totalizaria mais de hum milhão de presos. Além disto há outro dado desanimador, 85% dos homicídios não são solucionados, ou seja, grande parte dos crimes cometidos tem autoria desconhecida [29].

Diante dos números, pergunta-se a respeito da eficiência das atuais punições como meio hábil a atingir as funções da pena. Em primeiro lugar, falemos sobre a pena diretamente aplicada ao condenado e a sua capacidade de fazer com que o mesmo deixe de delinquir, ou seja, prevenção especial negativa. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do sistema carcerário de 2008 concluiu que “hoje sabemos que a prisão não previne a reincidência e que devemos caminhar para alternativas que permitam ao autor de um delito assumir responsabilidades e fazer a devida reparação do dano eventualmente causado” [30]. Segundo a CPI, a taxa de reincidência criminal é de 46,03%, ou seja, quase metade dos presos voltam a delinquir.

Também podemos citar desafio da ressocialização, ou prevenção especial positiva. Ao aprisionar um indivíduo em um ambiente insalubre, que não comporta o número de presos ali “enjaulados”, onde passa quase todo o tempo com outros indivíduos que também delinquiram, onde há uma cultura própria, e dominado por facções criminosas é, no mínimo, ingênuo falar em ressocialização. Ainda que hajam divergências quanto a legalidade ou moralidade da ressocialização, é esperado que se há uma pretensão neste sentido deve-se dar um tratamento adequado para que esta ocorra. No mais são apenas palavras sem valor prático, ali postas com o fim de tentar dar uma visão humanizada sobre os horrores que ocorrem no cárcere.

Por fim, a sua função de prevenção geral também aparenta ser falha. Beccaria nos ensinou há séculos que a certeza da punição tinha um efeito ainda maior do que a gravidade desta. Ou seja, era mais provável que alguém deixasse de delinquir quando soubesse que seria punido, do que o deixasse de fazer quando houvesse uma mera possibilidade de que isto ocorresse, ainda que sua punição fosse maior; isto porque é comum, quando a punição não é certa, que o indivíduo aja acreditando que não será descoberto. Como fora mencionado acima, 85% dos homicídios no Brasil não são elucidados, e a consequência disso é uma das maores taxas de homicídio do mundo, com quase 60.000 mortes violentas por ano [31].

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Se a impunidade por um lado é um grande incentivo ao cometimento de delitos, por outro, é um dos fatores que gera clamor social na busca pelo recrudescimento das penas e bestialização dos apenados. Nenhum dos dois, no entanto, demonstrou ser eficiente na ressocialização ou prevenção de novos crimes. Na verdade, a exclusão do preso da sociedade, como se nem indivíduo fosse, é um dos fatores que o leva a delinquir novamente.


9 CONCLUSÃO

Com milhares de anos passados desde as primeiras punições, tidas como simples retribuição ao mal que alguém havia causado, é ululante que não só a justificativa, mas tudo o que envolve a pena, passou por alterações sensíveis. Embora nem sempre de maneira retilínea, pode-se afirmar que houve de fato uma evolução, quando tomamos por base não só o desenvolvimento das punições em si, mas também a ciência penal pela qual a mesma hoje está envolta.

Constituem-se crimes aqueles atos lesivos a determinados bens jurídicos, assim determinados em Lei, aos quais, supostamente, o direito penal seria o único capaz de dar resposta satisfatória, ou seja, apenar determinada conduta com base em regras do ordenamento jurídico. Assim, pode-se dizer que a relação entre pena e crime é estreita. O fato das penas apenas serem determinadas por Lei já era uma ideia expressa e difundida no século XVIII através das obras de Beccaria [32], e representa um dos maiores ganhos humanitários contra a tiraria dos déspotas e a arbitrariedade dos maus juízes.

Importante salientar que a proteção dada pelo Direito Penal possui o caráter de ultima ratio, e, portanto, apenas deveria ser utilizada quando as outras formas de solução desses eventuais conflitos se mostrassem improfícuas. Além disso, deve visar a proteção da sociedade como um todo, e o seu desenvolvimento. Todavia, como Juarez Cirino dos Santos aponta, o Direito Penal tem objetivos latentes, dentre os quais busca subjugar determinados grupos e pessoas [33]. Visando manter o controle social, as penas e demais aparatos do Sistema Criminal e do Direito penal são utilizados diversas vezes de forma escusa e abjeta.

Além do problema supracitado, a pena de privativa de liberdade está inegavelmente em crise, apesar de ser uma punição incontestavelmente melhor quando comparada com as atrocidades cometidas na idade média — e ainda hoje em determinadas culturas. No caso brasileiro, especificamente, isto fica nítido quando se olha para o enorme prejuízo que causa ao erário, os efeitos psicológicos e físicos causados aos reclusos e seu notável fracasso em agir como meio ressocializador [34]. Com isso, temos a principal resposta penalógica do Estado em indubitável malogro.

Apesar do panorama desesperançoso, as contínuas reformas da legislação Penal pátria tem buscado novas respostas ao problema da pena privativa de liberdade. As chamadas penas alternativas tem o mesmo escopo das prisões, buscando ressocializar o agente, tendo caráter preventivo e também seu perder seu caráter de retribuição. Sua promessa, no entanto, é de que os danos causados à sociedade e aos reclusos são bem menores, trazendo ganhos de maneira geral e aparente resposta satisfatória.

Os problemas com as medidas adotadas no Brasil estão ligadas à sua baixa aplicação, vez que ainda constituem uma parcela pequena em relação ao total de penas aplicadas; à sua limitação quanto aos crimes que podem ser objeto de tais penas, vez que os requisitos para sua aplicação são específicos; e quanto aos indivíduos apenados, pois também é exigido certas qualidades do agente para que as mesmas sejam aplicadas.

Contudo, mesmo com a baixa possibilidade de se adotar medidas alternativas à pena de prisão, o maior problema encontra-se no plano prático da aplicação das penas privativas de liberdade. Os presídios superlotados, o “etiquetamento” dos presos, as baixas condições de saúde e higiene a que estão submetidos, o racismo institucional, os maus tratos e o domínio das facções criminosas sobre os presídios tornam a ressocialização impossível, e o pouco interesse do Estado pela situação dos detentos evidencia que a solução destes obstáculos não é sua prioridade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. 3ª Ed. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

BITTENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal: parte geral 1. 21ª Ed. rev. ampl. atual. - São Paulo: Saraiva, 2015.

Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 4ª Ed. - São Paulo: Saraiva, 2011.

FOUCAULT. Michel, Vigiar e Punir. 37ª Ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2009.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, vol 1. 17ª Ed. rev. amp. atualiz. - São Paulo: Impetus, 2015.

MIRABETE, J.F. FABBRINI, R.N. Manual de Direito Penal. Parte Geral. 3ª Ed. rev. atualiz. - São Paulo: Atlas, 2015.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral parte especial. 7ª Ed. rev. atualiz. amp. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011

PRADO, L. R. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol 1 – Parte Geral. 7ª Ed. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal – Parte Geral. 4º ed. rev e atualiz. - Florianópolis: Conceito Editorial, 2010


CITAÇÕES

[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral parte especial. 7ª Ed. rev. atualiz. amp. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 73.

[2] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, vol 1. 17ª Ed. rev. amp. atualiz. - São Paulo: Impetus, 2015, p. 15.

[3] MIRABETE, J.F. FABBRINI, R.N. Manual de Direito Penal. Parte Geral. 3ª Ed. rev. atualiz. - São Paulo: Atlas, 2015, p. 15.

[4] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, vol 1. 17ª Ed. rev. amp. atualiz. - São Paulo: Impetus, 2015, p. 16.

[5] MIRABETE, J.F. FABBRINI, R.N. Manual de Direito Penal. Parte Geral. 3ª Ed. rev. atualiz. - São Paulo: Atlas, 2015, p. 16.

[6] MIRABETE, J.F. FABBRINI, R.N. Manual de Direito Penal. Parte Geral. 3ª Ed. rev. atualiz. - São Paulo: Atlas, 2015, p. 16.

[7] MIRABETE, J.F. FABBRINI, R.N. Op. cit. p. 16.

[8] FOUCAULT. M., Vigiar e Punir. 37ª Ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2009, p. 48.

[9] PRADO, L. R. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol 1 – Parte Geral. 7ª Ed. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 68.

[10] PRADO, Luis Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol 1 – Parte Geral. 7ª Ed. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. . p. 69.

[11] BITTENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal: parte geral 1. 21ª Ed. rev. ampl. atual. - São Paulo: Saraiva, 2015, p. 77.

[12] PRADO, Luis Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol 1 – Parte Geral. 7ª Ed. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 73.

[13] BRUNO. Aníbal. in. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, vol 1. 17ª Ed. rev. amp. atualiz. - São Paulo: Impetus, 2015, p. 16.

[14] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, vol 1. 17ª Ed. rev. amp. atualiz. - São Paulo: Impetus, 2015, p. 35.

[15] BITENCOURT, C. R. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 4ª Ed. - São Paulo: Saraiva, 2011, p.60.

[16] PRADO, Luis Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol 1 – Parte Geral. 7ª Ed. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 80.

[17] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, vol 1. 17ª Ed. rev. amp. atualiz. - São Paulo: Impetus, 2015, p. 50.

[18] CARRARA, Francesco. Programa do Curso de Direito Criminal: parte geral, vol 1. Campinas – SP: LZN, 2002, p. 32.

[19]CARRARA, Francesco. op. cit. p. 35.

[20] BITTENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal: parte geral 1. 21ª Ed. rev. ampl. atual. - São Paulo: Saraiva, 2015, p. 103.

[21] MIRABETE, J.F. FABBRINI, R.N. Manual de Direito Penal. Parte Geral. 3ª Ed. rev. atualiz. - São Paulo: Atlas, 2015, p. 21.

[22] BITTENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal: parte geral 1. 21ª Ed. rev. ampl. atual. - São Paulo: Saraiva, 2015, p. 104.

[23] FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal: o criminoso e o crime. 1 ed. Campinas: Russel, 1999, p. 188.

[24] PRADO, Luis Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol 1 – Parte Geral. 7ª Ed. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 85.

[25] BITTENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal: parte geral 1. 21ª Ed. rev. ampl. atual. - São Paulo: Saraiva, 2015, p. 107.

[26] PRADO, Luis Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol 1 – Parte Geral. 7ª Ed. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 87

[27] BITTENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal: parte geral 1. 21ª Ed. rev. ampl. atual. - São Paulo: Saraiva, 2015, p. 110

[28].PRADO, Luis Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol 1 – Parte Geral. 7ª Ed. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 90.

[29] Disponível em <http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/cidadania-nos-presidios>. Acesso em 04 de maio de 2017.

[30] Disponível em <http://www.ipea.gov.br/portal/mages/stories/PDFs/relatoriopesquisa/ 150611_relatorio_reincidencia_criminal.pdf> acesso em 04 de maio de 2017.

[31] Disponível em <http://infogbucket.s3.amazonaws.com/arquivos/2016/03/22/atlas_da_ violencia_2016.pdf> acesso em 04 de maio de 2017.

[32] BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. 3ª Ed. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 24.

[33] SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal – Parte Geral. 4º ed. rev e atualiz. - Florianópolis: Conceito Editorial, 2010, p. 4 e seg.

[34] BITENCOURT, C. R. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 4ª Ed. - São Paulo: Saraiva, 2011, p.162 e seg.

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