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Os reflexos do estatuto da pessoa com deficiência no Direito Civil

O princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o Novo Regime das Incapacidades e outros reflexos do Estatuto no Código Civil de 2002.

4 OS REFLEXOS DO ESTATUTO NO DIREITO CIVIL

4.1 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

O princípio da dignidade da pessoa humana passou a fazer parte do constitucionalismo contemporâneo, trazendo reflexos para todos os ramos do direito. Com base na sua adoção, foi criada uma nova forma de pensar e experimentar a relação sociopolítica baseada no sistema jurídico, pois passou a ser princípio e fim do Direito atual produzido, sendo valorizado no plano nacional e internacional.

Surgiu contra todas as formas de degradação humana, e emergiu como imposição do Direito justo. Infelizmente, diariamente vivenciamos a destruição da dignidade do homem, através da destruição dos valores morais, éticos, que deviam permear a nossa sociedade, indivíduos são vítimas da violência social, vivendo sem o mínimo necessário para ter uma vida digna.

No Brasil, esse princípio constitucionalmente expresso, tem que conviver com um país de grandes injustiças sociais, desigualdades que afetam a harmonia social, que refletem na violência, desemprego, fome, miséria, exclusão social, enquanto isso a política nacional vive uma completa desmoralização, a contaminação das instituições que deveriam servir ao povo, estão sendo usadas para garantir o privilégio e a dignidade de uma minoria que não tem nenhum valor.

A justiça humana, oriunda do sistema jurídico emana e se fundamenta na dignidade da pessoa humana. O sistema normativo de Direito pode reconhecê-la como dado essencial da construção jurídico-normativa, tornando-se princípio do ordenamento e também a matriz que vai balizar toda a organização social, permitindo a proteção do homem e criando também garantias institucionais que ficarão à disposição de toda sociedade. Fica evidente que a dignidade é mais um dado jurídico, do que uma construção acabada no Direito, porque se firma no sentimento de justiça que acaba dominando o pensamento.

Podemos perceber que a dignidade da pessoa humana está explícita em todo sistema constitucional no qual os direitos fundamentais sejam reconhecidos e garantidos. A dignidade acaba diferenciando-se de outros elementos de caráter conceitual que compõe o Direito, pois a dignidade não é partida, partilhada ou compartilhada em seu conceito ou na sua experimentação.

Passando de conceito filosófico, que é a sua essência, a princípio jurídico, a dignidade da pessoa humana possibilitou ao Direito ter uma nova visão do homem, sendo repensado, reelaborado. Através da constitucionalização do princípio da dignidade da pessoa humana, retratou-se uma modificação parcial dos textos fundamentais dos Estados contemporâneos, possibilitando um novo momento do conteúdo do Direito, ressaltando o valor supremo da pessoa humana considerada em sua dignidade indeclinável, inquestionável e impositiva, inaugurando uma nova concepção de constituição, pois com a transformação do valor dignidade em princípio, agregado ao sistema de normas fundamentais, mudou-se o modelo jurídico constitucional que passa, de apenas um paradigma de preceitos, para um padrão normativo de princípios.

Antes, eram estabelecidos alguns modelos de comportamentos impostos, que serviam para a ação do Estado e como parâmetro para conduta dos indivíduos, estando presentes nos preceitos constitucionais que os estabeleciam de maneira contingente. Agora, os princípios que passam a informar os preceitos constitucionais ou legais, atendendo sua interpretação a finalidade que o povo busca.

Toda a construção jurídica acaba sendo modificada com a constitucionalização do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, pois ele torna-se o elemento fundamental e fundador da ordem constitucionalizada, e alocando-se na base do sistema. Com isso, torna-se um superprincípio constitucional, dele originando todas as escolhas políticas no modelo de direito organizado na formulação textual da constituição.

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, no Brasil, está presente no art.1º, inciso III, da Constituição da República de 1988, de maneira original, já que não estava contemplada nos textos constitucionais que a antecederam. Através dele, se vincula e obriga todas as ações e políticas públicas do Estado.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência traz dignidade a vida desses indivíduos que são vítimas de toda forma de preconceito, sentimento este que é indigno e antijurídico. A exclusão social é claro e manifesto fator de indignidade, colocando o deficiente à margem da sua própria sociedade. O sistema jurídico brasileiro através desse Estatuto vem consolidar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, trazendo novas perspectivas na vida dessas pessoas que já enfrentam tantas dificuldades nas suas tarefas diárias, e que são excluídas por não fazerem parte do padrão social estabelecido.

Esse conceito de dignidade humana foi concebido desde os tempos mais remotos, e foi progredindo de acordo com a evolução da sociedade, e continua num intenso processo de aprimoramento para atender as demandas sociais. A dignidade trata-se de um atributo que está implícito no homem, desde os tempos mais rudimentares, até hoje de forma mais intensa, efetiva, complexa e sendo aplicada concretamente. Conforme o tempo histórico que fora analisada, fundou-se, por algumas vezes, em concepções religiosas, filosóficas e sociais. Indica assim, RIZZATO NUNES que “dignidade é um conceito que foi sendo elaborado no decorrer da história e chega ao início do século XXI repleta de si mesma como um valor supremo, construído pela razão jurídica” (O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana: Doutrina e Jurisprudência, São Paulo: Saraiva, 2º. ed.,2009, p.49).

Com o reconhecimento da imprescindibilidade de garantir ao ser humano a respectiva dignidade, o homem passa a assumir uma posição privilegiada de sujeito de direitos, deixando de ser visto apenas como mero objeto, tornando-se o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana como um valor absoluto, provocando efeitos em todos os sistemas constitucionais modernos, atingindo não apenas os direitos individuais, mas trazendo reflexos, também, em direitos de cunho econômico, social e cultural. A dignidade independe da compreensão do seu titular, no caso de um deficiente mental, ela estará preservada, ainda que desprovido de autoconsciência.

Segundo INGO WOLFGANG SARLET, trata-se da “qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existentes mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede vida” (Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 9º. ed. 2011, p.73).

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As normas jurídicas devem ser interpretadas sempre no sentido de garantir uma existência digna ao homem, preservando os seus direitos fundamentais, para proporcionar uma vida com qualidade e bem-estar. A dignidade da pessoa humana deve ser o centro do sistema jurídico brasileiro, permitindo a preservação da sua integridade física, psíquica e intelectual, garantindo sua autonomia e o livre desenvolvimento da personalidade. Deve ser entendida como o valor máximo da ordem jurídica brasileira.

Na atualidade, tivemos um grande avanço na inclusão e no respeito à dignidade das pessoas portadoras de deficiência, mas sabemos das dificuldades que são impostas a esse grupo de indivíduos no cotidiano. Historicamente são vítimas de uma cultura de exclusão e preconceito, na qual os indivíduos com deficiência são escondidos da sociedade.

Existe uma enorme dificuldade da sociedade brasileira de conviver com o diferente, com aquilo que foge dos padrões sociais já estabelecidos e aceitos por todos, demonstrando uma enorme dificuldade no sentido de aceitar a inclusão da pessoa com deficiência no meio social.

A sociedade acaba estigmatizando o deficiente como um ser incapaz, impossibilitado, defeituoso, imperfeito, refletindo uma generalização da deficiência, reduzindo a pessoa deficiente na sua própria deficiência. Esta visão limitada deve ser superada, dando lugar a um novo olhar, em que o indivíduo seja valorizado e respeitado, independentemente das suas limitações físicas e intelectuais.

Existe uma forte influência do meio social, no desenvolvimento intelectual, social e emocional da pessoa com deficiência, sendo necessária uma aceitação plena e efetiva, pautada pela naturalidade e respeito à dignidade desses cidadãos. Mas, ainda existem milhares de barreiras físicas e sociais, que impedem os deficientes de usufruírem os seus direitos, que muitas vezes são ignorados, mesmo existindo legislação que os assegure.

O Princípio da Dignidade Humana é basilar em qualquer Constituição moderna, então é necessário o respeito à honra, dignidade, moralidade, princípios éticos que estão implícitos na condição de cidadão. Esse princípio deve está alinhado e conviver em consonância com os demais princípios constitucionais, sendo correto afirmar que a ofensa aos princípios constitucionais que trazem garantias individuais, acabaria acarretando uma grave ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana, que é o alicerce dos demais princípios.  

   

4.2 O Novo Regime das Incapacidades

Um Estado que pretenda ser solidário e fundado na dignidade da pessoa humana, necessita construir mecanismos através dos quais os excluídos possam superar a desigualdade, com o intuito de garantir sua liberdade e autonomia. Deve-se discutir a autonomia no próprio plano existencial da pessoa, e não apenas com relação a questões patrimoniais.

Muitas vezes, a limitação que se realiza ao estabelecer a incapacidade, acaba não atendendo só aos interesses do indivíduo que a sofre. A incapacidade é um instrumento protetivo do incapaz, mas além de desempenhar essa função, acaba muitas vezes contrariando o próprio sujeito, pois sua capacidade torna-se limitada, e acaba servindo a outras utilidades.

Existe uma percepção histórica, de que a incapacidade sempre serviu como um instrumento protetivo, mas muitas vezes o que se mostra é uma penalidade ao sujeito. A incapacidade não atende exclusivamente aos interesses exclusivos do incapaz, muitas vezes atende a interesses de terceiros, bem como do ordenamento jurídico, no sentido de proteger o negócio jurídico.

Retirar de um sujeito sua autonomia, implica na perda do controle do seu patrimônio, e na impossibilidade de decidir sobre o seu projeto de vida. Fragilizando o indivíduo, e criando um abismo para a sua integração ao convívio social. Esses fatores acabam levando a graves violações de privacidade, como também o próprio corpo torna-se presa fácil para abusos.

O ordenamento jurídico brasileiro avançou com a chegada do Estatuto da Pessoa com Deficiência, pois retirou o status de incapaz do portador de transtorno mental, com as modificações realizadas na curatela e a inserção no sistema da tomada de decisão apoiada, inaugurando uma visão mais inclusiva destes sujeitos na sociedade.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência, criado pela Lei nº 13.146/15, que passou a vigorar no dia 02 de Janeiro de 2016, modificou alguns dispositivos do Código Civil de 2002 que tratavam da capacidade civil. Os artigos 114 e 123, inciso II do referido Estatuto, revogaram os incisos do artigo 3º do Código Civil, e alteraram seu caput, como também acabou modificando os incisos II e III, artigo 4º, do Código Civil.

Com isso, são absolutamente incapazes apenas as pessoas menores de 16 (dezesseis) anos, já as pessoas entre 16 (dezesseis) e 18 (dezoito) anos são considerados relativamente incapazes, assim como, os ébrios habituais, os pródigos, os viciados em tóxicos, e aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade.

Houve uma alteração na teoria das incapacidades que estava consagrada na redação do Código Civil de 2002, com isso, deixou de existir efetivamente, uma relação entre a deficiência (física, mental, intelectual) e a incapacidade para os atos da vida civil. Pois, no caso concreto, pode acontecer de uma pessoa com deficiência não sofrer qualquer restrição à possibilidade de manifestar as suas vontades e desejos. Como também, pode acontecer de uma pessoa sem qualquer tipo de deficiência, não ser capaz de expressar a sua vontade, como no caso do menor de dezesseis anos de idade, provocando uma alteração na estruturação das incapacidades absolutas e relativas.

Através da nova redação do art.3º do Código Civil, fica evidente, que a única hipótese existente de incapacidade absoluta é a do menor de dezesseis anos. Com isso, nenhum motivo psíquico é capaz de ser levantado para se questionar a incapacidade absoluta.

O fundamento humanista salta aos olhos, no caso do art.4º do Código Civil, quando o legislador possibilitou uma nova compreensão, estabelecendo um novo rol dos relativamente incapazes. Possibilitou o afastamento das indagações relativas ao estado mental, pois fica claro, que a deficiência física, mental ou intelectual, não é, motivo determinante da incapacidade jurídica de uma pessoa. Ser deficiente, não significa a condição de ser incapaz, pois toda pessoa é especial pela simples condição humana.

Pode ocorrer de a pessoa com deficiência física, mental ou intelectual não conseguir, por algum motivo específico, externar a sua vontade, nesse caso podendo sujeitar-se ao regime da incapacidade relativa, mas nessa hipótese, a incapacidade decorre da impossibilidade de manifestação de vontade, e não da sua deficiência.

Foi um passo importante na busca pela promoção da igualdade dos indivíduos portadores de transtorno mental, já que afasta o transtorno da necessária incapacidade, já que o fato de um indivíduo possuir transtorno mental de qualquer natureza, não o faz, automaticamente, um incapaz.

Essa mudança, não afasta a possibilidade, de o portador de transtorno mental vir a ter sua capacidade limitada para a prática de determinados atos da vida civil. Pode ele ser submetido ao regime da curatela, afastando sim, definitivamente a sua condição de incapaz. As alterações não ocorreram não apenas no Código Civil de 2002, mas também nas próprias determinações do Estatuto como no seu artigo 6º:

Art.6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:

I - casar-se e constituir união estável;

II - exercer direitos sexuais e reprodutivos;

III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;

IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;

V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e

VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

Pois, determina de modo expresso que a existência da deficiência não afeta a plena capacidade civil. Enumeram de modo exemplificativo os atos que o portador de deficiência poderá praticar sem qualquer restrição. São direitos que possuem um forte caráter existencial, trazendo dignidade aos portadores de deficiência. Trazendo em si, uma lógica, de que mesmo que o portador de transtorno mental venha sofrer alguma limitação a administração do seu patrimônio, através do instituto da curatela, não será afetado nas suas questões existenciais. As medidas protetivas devem ter como escopo maior, garantir a realização das pessoas, e não apenas com o intuito de proteger o seu patrimônio.

O Estatuto embora cause reflexos patrimoniais em seus diversos aspectos, preocupa-se primordialmente com a garantia das questões existenciais da pessoa com deficiência, assegurando sua dignidade. O art. 11 do referido estatuto, determina que “a pessoa com deficiência não poderá ser obrigada a se submeter a intervenção clínica ou cirúrgica, a tratamento ou a institucionalização forçada”. Essa importante garantia, impede a fragilização da autonomia do portador de transtorno mental, como ocorria na internação compulsória.

Além de garantir a condição de capaz para estes indivíduos, o Estatuto possibilita a promoção da dignidade, trazendo a oportunidade de uma maior qualidade de vida, atendendo as demandas existenciais, combatendo as injustiças.

É necessária uma modificação cultural dos operadores do direito, para que existam sucessos com tais mudanças advindas desse novo diploma legal. Pois, fica como lembrança o quadro em que os juízes pouco utilizavam a incapacidade relativa, preferindo declarar o sujeito absolutamente incapaz, sendo necessária uma mudança de postura e pensamento jurídico e humano.

4.3 Outros Reflexos do Estatuto no Código Civil de 2002

            O Estatuto trouxe diversas novidades, e assim fez surgir algumas dúvidas na doutrina, o que é natural. Com relação à prescrição e decadência, surge a ideia de que deixando o portador de transtorno mental da condição de incapaz, passariam aquelas a correr contra estes, o que antes não ocorria. O que determina o art.198, inciso I, é que não corre a prescrição em desfavor dos incapazes de que trata o art.3º, já o art.208 determina que a mesma regra seja aplicável com relação a decadência. Sendo assim, a mudança afeta alguns dos sujeitos tidos como deficientes, pois aquele que se enquadrava antes como relativamente incapaz já não era atingido pela proteção do Código Civil de 2002.

            O portador de Deficiência poderá testemunhar em igualdade de condições com as demais pessoas, assegurando-lhes os recursos de tecnologia assistiva (art.228). O seu testemunho terá o mesmo valor de qualquer outro indivíduo, a não ser, que esteja sujeita à curatela. O magistrado poderá analisar no caso concreto, eventual dificuldade fática do deficiente em depor.

            Haverá impacto em toda a teoria do negócio jurídico e nas situações negociais em geral, devido ao afastamento de uma gama das causas de invalidade. Não sendo mais a pessoa com deficiência incapaz, o que causaria de plano a invalidade do negócio jurídico por ela praticado, a busca por essa invalidação, ao analisar o caso concreto, seguirá na seara dos defeitos do negócio jurídico.

            Dispõe o art. 928 do Código Civil que “o incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes”. Agora, deixando o portador de transtornos mentais, de ser incapaz, sua responsabilidade deixa de ser subsidiária, mas sim direta, não sendo mais aplicado o art.928. O portador de transtorno mental continua podendo ser submetido à curatela, com isso, será possível a responsabilização objetiva do curador, nos casos previstos no art.932, inciso II, do Código Civil.

            Permite ao portador de transtorno mental, mesmos nos casos de curatela, que ele possa casar-se independentemente da autorização do curador (art.1.518), assim como deixa de ser nulo o casamento contraído por ele, revogando o art.1.548, inciso I. Trata-se de um mecanismo de inclusão social, pois possibilita o deficiente casar-se independente de autorização de terceiros. Com relação ao casamento, o Estatuto revoga o art.1.557, inciso IV, do Código Civil, sendo que a ignorância quanto à pré-existência de doença mental do outro conjugue, ainda que natureza grave, não pode mais ser motivo de alegação como erro essencial sobre a pessoa.

            Foi recém-criado o art.1.783-A no Código Civil, por determinação do art.116 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, vejamos:

Art. 116.  O Título IV do Livro IV da Parte Especial da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passa a vigorar acrescido do seguinte Capítulo III:

“CAPÍTULO III

Da Tomada de Decisão Apoiada

Art. 1.783-A.  A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade.

§ 1o Para formular pedido de tomada de decisão apoiada, a pessoa com deficiência e os apoiadores devem apresentar termo em que constem os limites do apoio a ser oferecido e os compromissos dos apoiadores, inclusive o prazo de vigência do acordo e o respeito à vontade, aos direitos e aos interesses da pessoa que devem apoiar.

§ 2o O pedido de tomada de decisão apoiada será requerido pela pessoa a ser apoiada, com indicação expressa das pessoas aptas a prestarem o apoio previsto no caput deste artigo.

§ 3o Antes de se pronunciar sobre o pedido de tomada de decisão apoiada, o juiz, assistido por equipe multidisciplinar, após oitiva do Ministério Público, ouvirá pessoalmente o requerente e as pessoas que lhe prestarão apoio.

§ 4o A decisão tomada por pessoa apoiada terá validade e efeitos sobre terceiros, sem restrições, desde que esteja inserida nos limites do apoio acordado.

§ 5o Terceiro com quem a pessoa apoiada mantenha relação negocial pode solicitar que os apoiadores contra-assinem o contrato ou acordo, especificando, por escrito, sua função em relação ao apoiado.

§ 6o Em caso de negócio jurídico que possa trazer risco ou prejuízo relevante, havendo divergência de opiniões entre a pessoa apoiada e um dos apoiadores, deverá o juiz, ouvido o Ministério Público, decidir sobre a questão.

§ 7o Se o apoiador agir com negligência, exercer pressão indevida ou não adimplir as obrigações assumidas, poderá a pessoa apoiada ou qualquer pessoa apresentar denúncia ao Ministério Público ou ao juiz.

§ 8o Se procedente a denúncia, o juiz destituirá o apoiador e nomeará, ouvida a pessoa apoiada e se for de seu interesse, outra pessoa para prestação de apoio.

§ 9o A pessoa apoiada pode, a qualquer tempo, solicitar o término de acordo firmado em processo de tomada de decisão apoiada.

§ 10. O apoiador pode solicitar ao juiz a exclusão de sua participação do processo de tomada de decisão apoiada, sendo seu desligamento condicionado à manifestação do juiz sobre a matéria.

§ 11. Aplicam-se à tomada de decisão apoiada, no que couber, as disposições referentes à prestação de contas na curatela.”

Trata de modelo alternativo ao da curatela, que é o da tomada de decisão apoiada. Acaba privilegiando o direito de escolha do portador de transtorno mental, que pode constituir ao seu lado, uma rede de pessoas baseada na confiança existente, para lhe auxiliar nos atos da vida.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Estatuto da Pessoa com Deficiência possibilita uma nova realidade para as pessoas portadoras de deficiência, pois traz uma visão mais humanista, pautada pela garantia dos direitos fundamentais, pela igualdade de oportunidades, trazendo dignidade na vida dessas pessoas, refletindo os novos caminhos adotados pelo sistema jurídico brasileiro.

A exclusão social é um mal que deve ser erradicado de qualquer sociedade evoluída, precisamos instaurar no nosso país, uma nova gama de valores morais, éticos, sociais, culturais e políticos que atendam realmente as nossas necessidades, trazendo equilíbrio e harmonia ao meio em que vivemos, sendo resultado de uma efetiva justiça social.

Estamos cansado de um país tão desigual e dividido, que sofre com suas instituições contaminadas por uma aversão a moralidade. O Estado tem como objetivo maior proporcionar um bem-estar social ao seu povo, trazer segurança jurídica, atenuar os problemas econômicos, sociais e políticos, direcionar as políticas públicas no sentido de garantir uma vida digna a todos.

Os portadores de deficiência são marginalizados todos os dias na nossa sociedade, são vistos muitas vezes como um fardo a ser carregado, que não são capazes de acrescentar nada de importante e efetivo ao seio social. Visão essa fruto de uma democracia pautada em valores frágeis e desconexos, onde os interesses escusos de uma minoria sempre prevalecem em detrimento do interesse geral.

Todos nós temos nossas fragilidades, incapacidades, diferenças, mas só através de oportunidades e da segurança jurídica que nos é oferecida, é que podemos superar esses obstáculos. O Homem é reflexo dos valores que o cercam, dos princípios que o norteiam, necessitando ser integrado e incluído nos fatos e ações sociais. A dignidade deve estar inserida constantemente na sua vida, para que possa desenvolver de forma plena e efetiva toda a sua capacidade.

O nosso país deve respeitar e permitir a representação da minoria do nosso povo, que é vítima de longo prazo, de um processo de degradação e exclusão que causa sérios danos a sua dignidade. O Brasil é fruto das diferenças, de um povo carente de bons exemplos, que sofre com uma democracia frágil, onde o Estado não consegue atender as demandas existentes, provocando um caos social, econômico e político.

O Direito deve produzir mecanismos e instrumentos capazes de destruir tantas desigualdades e injustiças sociais que afetam diretamente os direitos fundamentais dos indivíduos, restabelecendo a harmonia social necessária para trazer equilíbrio nas relações jurídicas. Precisamos de efetividade, que tragam os resultados desejados no caso concreto.

Uma sociedade livre de preconceito, discriminação, hipocrisia, produzirá efeitos benéficos a todos, precisamos nos livrar dos valores que só provocam retrocesso social, que excluem a minoria marginalizada do convívio social. A regra deve ser a inclusão, o respeito, o amor ao próximo, a supervalorização da dignidade da pessoa humana, garantindo a efetiva consagração dos direitos humanos.

Que o Estatuto da Pessoa com Deficiência seja realmente um instrumento de transformação social, que traga a necessária justiça e dignidade a vida das pessoas portadoras de deficiência, provocando uma visão humanista e derrubando de forma definitiva as barreiras do preconceito e da discriminação. Que o sistema jurídico não seja apenas decorativo, mas verdadeiramente cumprido, respeitado, produzindo os reais efeitos desejados por todos.

O Estado deve atender de forma ampla e efetiva as necessidades de qualquer cidadão, sem nenhum tipo de segregação ou discriminação na escolha das suas políticas públicas. Necessita corrigir as injustiças sociais que os grupos minoritários sofreram no decorrer da nossa história, permitindo que a cidadania seja exercida de forma plena.

A sociedade deve assumir sua responsabilidade na inclusão dos milhares de brasileiros que vivem à margem do convívio social, sofrendo um atentado a sua dignidade, um desrespeito aos direitos humanos tão ecoados no mundo contemporâneo, precisamos romper definitivamente com os padrões e valores desvirtuados que só trazem retrocesso e injustiças ao nosso convívio social.   

Sobre os autores
Thiago Batista Mariano

Bacharel em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará

Reginaldo Bezerra Cunha

Graduando em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará - FAP.

Auricélio Alves Gonçalves

Acadêmico de Direito na Faculdade Paraíso do Ceará; Escrivão da Polícia Judiciária do Estado do Ceará.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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