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As normas não escritas do diálogo institucional brasileiro:judiciário e executivo

Agenda 25/05/2017 às 14:55

Os diálogos existem enquanto fenômeno jurídico-social. Sua aceitação para uma transformação no contexto dos Poderes Executivo-Judiciário é essencial para que se movimente para um equilíbrio institucional.

Introdução

O presente artigo objetiva discutir e esplainar algumas diretrizes do diálogo institucional brasileiro no âmbito dos Poderes Judiciário e Executivo, observando que as normas para tal não são escritas ou positivadas. Antes, são ínsitas à natureza do sistema e tem se tornado, cada vez mais, fundamento para o equilíbrio de um Estado Democrático brasileiro.

O avanço de uma sociedade é clarificado quando há independência sócio-política, onde o Estado não se vê obrigado a ditar regras específicas e impositivas; mas a articulação entre os Poderes e o povo já é tamanha que o país consegue trilhar um caminho de equilíbrio ao mesmo tempo em que vive uma democracia. O Brasil ainda está distante dessa realidade, mas já vive um momento em que torna mais concreto o Art. 2º da Constituição Federal: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”  

É notório que o Poder Judiciário já tem vivido certa diplomacia judicial[1]. Inclusive com redes judiciais transnacionais por intermédio da Assessoria do Supremo. Tema que cabe também é o Diálogo entre Juízes que ocorre com a pacificação de jurisprudências e a tendência à corroboração de um entendimento por meio de citações mútuas e em todas as esferas, ocorrendo inclusive entre Tribunais e Cortes.

Ora, o Executivo só tem o dever de cumprir determinada interpretação de norma constitucional a partir da decisão do Supremo que supera a obrigação do legislativo de estabelecer regras constitucionais claras. Ainda que não haja a previsão no diálogo institucional entre os poderes ele ocorre de forma virtual na aplicação finalística da lei.

Por outro lado observa-se cada vez mais uma tendência do Executivo em não cumprir Leis Inconstitucionais, prática não infirmada pelo Judiciário mas que se tornou obrigatória e vinculante.[2]

Outrossim, “Não interessa à República brasileira inibir o protagonismo dos brasileiros, convertendo-os em membros de uma sociedade tutelada, a depender do Estado-juiz para a resolução de problemas que podem ser enfrentados na madura e saudável discussão dos próprios interessados. A solução negociada é muito mais ética que a decisão judicial. Esta é a mais forte, a mais poderosa, mas também a mais precária das respostas”. [3]

 

Capítulo 1 - Normas não escritas como prática emergente para o diálogo entre os Poderes

 

A cada dia torna-se mais necessária uma interdependência entre as esferas de Poder para que se consolide uma ação prática na aplicação do Direito. Normativas não expressas em códigos estão ínsitas na comunicação entre os Poderes e seguem, ainda que timidamente, a tendência mundial de uma prática voltada mais aos acordos, interpretação de normas e Cortesia. É uma tendência que está iminente, não é apenas uma construção teórica.    

1.1 As normas não escritas como fenômeno jurídico

Um pensamento estritamente positivista pode ser entendido desta declaração: “minha bandeira, minha profissão de fé é a seguinte: os textos acima de tudo.”[4] Tal, já não é a visão de muitos constitucionalistas modernos, e da própria prática entre os poderes que vem surgindo fortemente em posição antagônica à rigidez dos textos.

O Constitucionalismo Moderno é representado pela Constituição escrita como parâmetro rígido do exercício de Poder, configurando seu princípio de autoridade. Vincula-se necessariamente à forma escrita, já difundida no pensamento oitocentista; tal para que a segurança de um direito fundamental estivesse consagrado em uma Carta que o qualificasse como norma superior. Assim, o direito está ínsito à lei, o que não ocorria nos tempos de Aristóteles, Cícero ou Thomas Hobbes, quando havia uma distinção clara entre lei e direito. A mudança de conceito veio com o jusracionalismo iluminista e o liberalismo clássico onde predominou o pensamento de Supremacia da Lei com a consequente queda das tradições absolutistas e do Ancién Régime.

Ferdinand Lassale já anunciava que a Constituição material está diretamente relacionada com os fatores reais de poder porque se confunde com a própria origem da Constituição formal.

Segundo Carolina Cardoso Guimarães Lisboa [5] a rigidez constitucional configura o próprio controle do exercício de Poder, a sanção implica na plena nulidade do ato hierarquicamente inferior (Marbury v. Madison), e a Constituição seria a única norma considerada de hierarquia superior, sendo um verdadeiro “culto ao texto”. Não se pode olvidar dos benefícios das normas escritas, pois as próprias democracias sociais surgiram com os textos constitucionais normatizados gerando Direitos Sociais, de Liberdade e Políticos.

Há normas não escritas provenientes da prática e normas vindas da interpretação judicial, por outro lado parte da doutrina considera apenas as provenientes dos costumes e usos constitucionais.

A própria Constituição americana não está apenas no texto positivado, mas tem sido enxergada nas Leis ordinárias que tem cunho constitucional e já estão na consciência da população; na interpretação judicial e de presidentes; bem como nos usos e costumes. Para Louis Favoreau as normas constitucionais não escritas podem ser emanadas da prática –relação entre os poderes- ou dos juízes –por meio da interpretação judicial[6].

As Normas constitucionais podem ser subdivididas em normas diretas – a própria interpretação constitucional- e indiretas – que representa o processo de desenvolvimento do Direito-; as práticas parlamentares; a composição dos Ministérios e os valores e crenças de uma comunidade. Aqui também há que se observar o conjunto de valores e crenças de uma sociedade, que são condições de sua transformação.

 A mudança constitucional por meio dos costumes é produzida por fatos, sem ensejar numa mudança formal do texto: mutação constitucional (Jellinek). Os costumes seriam aqui, comportamentos não previstos na Constituição, mas adotados pelos órgãos do Poder Público reiteradamente; portanto, estudados como norma constitucional não escrita.

Quanto ao costume, até a metade do séc. XII era a única fonte do Direito francês; e no Antigo Regime ainda era a principal forma de constatação do direito. Mesmo com as constituições que seguiram após a queda do absolutismo, sempre existiram espaços para a interpretação dos costumes, até a Constituição francesa de 1958, que ainda sendo detalhada dá brecha às regras não escritas.

Os costumes foram deixados como fonte que não teriam escopo de mudança constitucional. Com Duguit está o pensamento mais moderno no sentido de que o Direito não é criação do Estado mas existe fora e acima dele[7]. A força jurídica da norma resulta da consciência social e a lei positiva é apenas um modo de expressão da regra de direito, que é constatada pelo legislador e não criada por ele. Assim, o direito também pode ser constatado por meio do costume, que, no âmbito público, resulta das práticas seguidas durante certo tempo pelos governantes e seus agentes.

Citando Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “Este direito inscrito nas consciências certamente não importa senão em princípios, tomo este termo no sentido de normas generalíssimas, que são, todavia, vistas como critério de validade substancial das regras, mormente quando explicitadas pelo Poder. Sim, porque é ele sempre concebido como superior a este direito positivado.”[8]

1.2 A factibilidade da receptividade e avanços das normas constitucionais não escritas

O diálogo institucional está cada vez mais emergente e sua aceitabilidade enquanto diálogo de juízes e entre Cortes é cada vez mais comum. O progresso dos diálogos está para o avanço do Estado e democracia, conferindo maior credibilidade aos Poderes, demonstrando princípios éticos e cooperação essenciais para que o sistema se erga forte. E tal prática já tem se infirmado enquanto costume constitucional.

A questão do costume no direito constitucional é tema dos mais confusos e ardilosos. Rials[9] cita Doyen Hauriou (retrata uma concepção formal de um costume antagônico à teoria Constitucional, e que seria, inclusive, lecionado em uma cadeira a parte) que afirmava que as formas jurídicas empregadas pela organização do Estado em vista da liberdade são na ordem histórica de sua aparição: as instituições costumeiras que são de todos os tempos; o reino da lei e as constituições nacionais. O costume na hierarquia das normas teria trancado o problema de saber se convém aí deixá-lo. Tal é uma constatação de que as instituições costumeiras são fenômeno fático e existem independente do reconhecimento de sua existência. Seguem paralelas a políticas, governos e constituições.   

Ora, um costume de direito constitucional é legítimo. E tal é justificado pelos estudos profundos sobre o tem, bem como uma aplicação fática, independente de uma constatação teórico-jurídica. Não que o costume seja regra, pelo contrário, é por caminhar em sentido paralelo e ao mesmo tempo complementar que compõe o presente estudo.

Por evidente, há os contrários a tal fenômeno. Para Carré de Malberg[10] “O costume é impotente para criar direito com valor constitucional”. A razão para um argumento que descredencia fortemente o costume enquanto norma constitucional é que, para Malberg, a força da constituição consiste precisamente em que os princípios, instituições ou direitos que ela consagra, não possam ser modificados senão por uma constituinte.

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Na doutrina francesa observa-se duas correntes em favor de uma larga admissão do costume constitucional: a sociológica e a democrática. A primeira é representada por Léon Duguit, observando que não convém uma hierarquia onde a supremacia do direito constitucional escrito se impõe sobre o costume. A democrática é representada por René Capitant, que tem abordagem pragmática, e observa o direito em vigor para justificar um costume. Aqui, a força constituinte do costume não é um aspecto de soberania popular.

Assim, há vários ângulos que merecem ser observados, mas sem que restrinja o conceito ou uma interpretação singular a algum deles. As posições de um jurista, historiador, sociólogo ou de um político tem todas a devida validade em seus contextos. Entretanto, a mistura dos gêneros deve ser evitada e há que se proteger o domínio do direito ao máximo.

Just Saint (L’esprit de La Revolution) tem uma visão estritamente legalista sobre o sentido da Carta Magna: “A Constituição é o princípio e o nó das leis; toda instituição que não emane da Constituição é tirânica; por isso as leis civis, as leis políticas, as leis do direito das gentes, devem ser positivas e não ficar nas fantasias, que estejam nas presunções dos homens.” Por evidente cada visão cabe ao seu contexto histórico-social,  sendo complexa a situação da sociedade pós-iluminismo onde se considerava oposto À democracia e a estrutura dos poderes que o judiciário articulasse para além das definições legais. A situação atual é diversa e está tendente a uma maior articulação.

Já para Michel Troper [11] é admissível pensar em norma como expressão social bem como respeitar sua formação, num contexto jurídico; assim também reconhece a possibilidade de um diálogo para que a norma ou as balizas para ela, se instaure. Assim, o fato possui a significação de norma quando um ou vários órgãos o conferem esse significado. No próprio sistema político existem práticas repetidas que recebem status normativo. O próprio significado da norma a faz existir como regra. No discurso dos Poderes Públicos o costume recebe significação de uma norma para poder servir de fundamento a outras.

Segundo René Capitant [12] na linguagem jurídica habitual o direito costumeiro se opõe ao direito escrito e parece englobar todo o direito não escrito. Na realidade as duas noções são distintas e o costume não é senão um dos aspectos nos quais se revela o direito não escrito. Ora, uma regra costumeira constitui um direito costumeiro.

A própria teoria das revoluções não pode ser explicada apenas pelo direito escrito positivado, sobre tal se manifestaram Kelsen e Carré de Malberg. O direito positivo não exclui o direito não escrito nem subordina a ele o valor. É mais útil admitir essa noção de uma forma geral o direito mais moderno reduziu o valor do direito não escrito, mas este ainda tem papel considerável.

As regras não escritas não podem desempenhar o papel de uma declaração formal. Essa seria questão sob pena de falsear profundamente a instituição e confiar a guarda e sanção aos juízes. A forma escrita assegura um mínimo de precisão, estabilidade e rigidez, ou exerce um controle onde a norma não está inscrita em nenhuma parte sendo muito arriscado transformá-la em hegemônica. Organizar a interpretação judicial da constituição não escrita seria transformá-la em constituição jurisprudencial e em consequência uma variedade de constituição escrita. O direito não escrito não pode ficar sozinho corrobora com o direito escrito.

Carré de Malberg rejeitou deliberadamente a noção de costume constitucional, e de direito não escrito, mas foi conduzido pelos fatos a ver o contrário. Antes que um poder constituinte proclame nova Constituição, um período fático se desenrola liberto da constituição jurídica e o decreto dos constituintes aparece ao autor como ato inicial dando validade, independente da constituição anterior, do fato surge uma criação jurídica espontânea.

O direito positivo não é direito colocado pelo legislador, é direito em vigor, aplicado onde as prescrições são executadas na sociedade. Quando não há antinomia entre direito escrito e não escrito; uma regra não escrita é substituída por uma escrita. O direito positivo não exclui o direito não escrito, nem o subordina; sendo útil admitir tal noção, pois o direito positivo moderno reduziu ai direito legislativo ou jurisprudencial o lugar que lhe é reservado em matéria constitucional. Mas o papel do não escrito ainda é considerável.

Para compreender o direito não escrito é necessário interpretar a Constituição escrita dentro de um período. Há diferenças profundas que separam os textos constitucionais da realidade política. Há divórcios semelhantes entre a lei e o direito, assim uma jurisprudência desenvolve seu poder de interpretação jurídica até que um real poder legislativo corrobore com ela.

Na jurisprudência se confere uma repetitividade que consagra um costume. A aparição e transformação do regime parlamentar na França e Inglaterra aconteceram sem que leis o determinassem. Ainda hoje textos da monarquia limitada estão nas constituições desses países.   

1.3 A efetividade da prática dos costumes constitucionais no Brasil

No Direito Constitucional francês da III República praticavam-se os decretos-lei; havia uma norma que proibia a reeleição; e, após a reeleição de Grevy em 1886 nenhum chefe de Estado disputou segundo mandato presidencial. Na França também houve desuso da faculdade presidencial de demandar ao Parlamento uma segunda deliberação das Leis, tal porque a norma não foi exercida durante toda a vigência da Constituição de 1875.

Alguns costumes contrários à constituição podem estar em desuso como a perda da efetividade de disposição formal. Um costume derrogatório seria fonte do direito, pois a norma em contradição com a legal. O desuso é fato inexpressivo. Na doutrina francesa há alguns exemplos de desuso como o direito de dissolução das câmaras legislativas e direito do presidente da República de demandar segunda deliberação da Lei.

No Brasil, até Collor em 1992, quando se aplicou o impeachmeant, tal era inutilizado completamente, mesmo as normas constitucionais costumeiras podem ser formalmente constitucionais. O costume constitucional acomoda preceitos constitucionais à realidade dando efeitos à estrutura constitucional.

Até mesmo na eleição do Procurador Geral da República observa-se um costume constitucional de eleger apenas membros do Ministério Público Federal excluindo-se as outras carreiras, ainda que o artigo 128, §1º não seja restritivo. Pela falta de especificação acabou por aceitar um costume que apenas seria derrogado por outro ou, se houvesse mudança formal da Constituição. A prática de costumes constitucionais deve ser admitida de maneira flexível, pois cria normas por meio de comportamentos repetidos ao longo do tempo. Pois, ainda que seja rejeitada enquanto norma continuará a vigorar.

Capítulo 2 - O diálogo institucional como condicional para uma aplicação consubstanciada do Direito

Um diálogo racional entre Cortes pátrias e transnacionais tem se mostrado opção para decisões mais amplas e com repercussão mais próxima à justiça. Isso porque a fusão de conceitos e pensamentos, ainda que contrários a determinados entendimentos, faz surgir novas realidades jurídicas. A Europa tem maior abertura para um diálogo, enquanto o Brasil ainda se mostra reticente, pois está em grande parte enrijecido em dogmas demasiadamente formais.

2.1 O diálogo institucional como base para o avanço de um diálogo internacional

A internacionalização do diálogo de juízes é compreendida como a manifestação do desemparedamento territorial do diálogo. A noção de abertura dos juízes não é jurídica, mas permite abrir o leque. O diálogo induz contradições, mas também concordância.

Peter Hogg e Allison Bushell[13] inauguraram o debate canadense nos termos de “diálogo”, fazendo um levantamento empírico de todos os casos, em 15 anos, que a corte declarou a inconstitucionalidade de uma lei. Na maioria dos casos o parlamento respondeu por meio de uma “sequência legislativa” (legislative sequel); mesmo quando a lei não é declarada inconstitucional, o debate público despertado pode levar o legislador a atentar-se para problemas na lei e eventualmente a alterá-la. O silêncio legislativo, portanto, foi a exceção.

Para os autores citados, a Corte pode combater a inércia e forçar o parlamento a assumir responsabilidade e a justificar mais claramente suas decisões. Toda resposta legislativa à decisão Judicial, exemplificaria um tipo de diálogo. Quando a decisão judicial deixa em aberto a possibilidade de resposta legislativa, caracteriza o processo como um diálogo. A revisão judicial não é um veto, mas o começo de uma comunicação inter-institucional a respeito de como conciliar direitos individuais com os objetivos de políticas econômicas e sociais.

A defesa inconteste de instituições tradicionais pode ter o efeito de bloquear demandas da sociedade moderna. As Cortes Internacionais não podem ser vistas como instrumento de ameaça à soberania nacional, elas revelam um papel mais abrangente; onde a intervenção é consentida e a cooperação é o princípio mais forte. Elas devem ser vistas como meio para institucionalizar certas demandas que apenas nelas teria escopo.

Cabe uma maior abertura argumentativa nos julgados brasileiros; a citação de outras jurisprudências numa proposta de ampliar a percepção jurídica é bom começo. A visão limitadora é a que se restringe às origens do estado moderno, sendo Radicais os que se limitam ao ideário iluminista. Aqui, qualquer concepção de estado de direito que atribua ao Parlamento toda a competência para criar normas jurídicas irá defender uma visão limitada e restritiva da atuação do juiz. Um Judiciário conservador na aplicação do texto legal seria uma garantia contra o subjetivismo de juízes. Mas essa foi uma realidade de outra época e o processo evolutivo não é inflexível, pelo contrário. Cada modelo institucional responde a demandas e características específicas dos países em que eles são implementados.

Nos EUA, grande parte dos avanços no campo social foi efetivada no Judiciário e não no Parlamento, a Corte acaba tendo a liberdade de livrar o povo dos lobbies do parlamento. Essa foi a estratégia de desenvolvimento desse país, garantindo maior liberdade ao judiciário, ainda que sob várias críticas. Mas o processo de democracia também está nessas questões.

2.2 As repercussões jurídicas do diálogo Executivo e Judiciário brasileiros

 

Rodrigo Brandão 9 afirma que a tese do monopólio judicial cede espaço na doutrina; a prática jurisdicional brasileira ainda é esta, sendo pouco afeta à possibilidade de outros órgãos, que não os judiciais, interpretarem a Constituição. O autor pontua que o STF como guardião da Constituição Federal tem função insatisfatória. Aqui abrangendo indecisões que não ultrapassam as Regras Jurídicas cumprindo uma legítima Função Judicial (Direito). O Direito é o limite à atividade jurisdicional, não se auferindo a íntima convicção do juiz, mas tendo implicação na objetividade do Direito.

Para decidir o julgador geralmente se apóia num modelo atitudinal ou legalista. O Modelo Atitudinal apoia-se mais na ideologia que em textos normativos. Tal é demonstrado por Jeffrey Segal e Harold Spaeth em estudo que observou que a partir do voto dos juízes podia determinar se era Conservador ou Liberal. O STF está inclinado para tal modelo; mas observa-se várias peculiaridades como legalismos etc.

A dicotomia entre os Modelos só foi superada em 1980 com a figura do Neoinstitucionalismo. Introduziu-se nova compreensão do comportamento individual de juízes e legisladores, face os modelos bem como à dinâmica dos Poderes.

Muitas críticas confundem ataques à Suprema Corte e mecanismos de reversão de decisões judiciais, como se tais mecanismos fossem os únicos usados para fazer prevalecer a visão do Parlamento sobre a Corte. Para Robert Dahl (1957) a Suprema Corte não consistiria em mera instituição legal, mas política; critérios de interpretação constitucional apenas jurídicos consistem em “ficção”, criando dilemas de legitimidade democrática.

A fragilidade institucional do judiciário está na implementação das decisões judiciais quando da dependência da atuação de atores públicos e privados. (Para Hamilton o Judiciário é o Poder menos perigoso). O Constitucionalismo brasileiro está repleto de ataques institucionais ao STF; como formas de controle ao Judiciário a Constituição de 1988 dá poder ao Parlamento em aprovar orçamento dos Tribunais e salário dos Juízes; tal é convertido em instrumento de retaliação ao Judiciário (como a equiparação dos salários dos parlamentares aos subsídios dos Ministros).

A Influência do modelo norte-americano de nomeação e investidura dos juízes da Suprema Corte se dá na nomeação pelo Presidente, confirmação da indicação pelo Senado, vitaliciedade. A figura do Accountability   remete à obrigação de membros de um órgão administrativo ou representativo de prestar contas a instâncias controladoras ou a seus representados.

O STF não tem como óbices apenas a autorrestrição judicial, mas as limitações institucionais, antecipando-as para preservar sua legitimidade institucional. Quando a corte está alinhada à opinião pública tem maior nível de Accountability, reduzindo a questão contra majoritária. Apenas em decisões de menor importância política e visibilildade não existem as mesmas reações políticas.

A fragilidade institucional do Judiciário, bem como a proteção que ele exerce aos direitos de minorias contra os Poderes políticos e econômicos está diametralmente oposta à falência do Constitucionalismo.

A Teoria Doutrina dos diálogos constitucionais (Peter Hogg e AllisonBushell) trata da  Possibilidade de reversão legislativa de decisão constitucional, faz do Controle de Constitucionalidade um catalisador de diálogo entre poderes. Maiorias legislativas reverteriam decisões da Corte.  O Judiciário tutelaria os direitos de minorias sem voz no processo politico.

A Doutrina da Supremacia Judicial (Frederick Shauer e Larry Alexander) trata da função estabilizadora do Direito. Posiciona a Suprema Corte como autoridade interpretativa da Constituição. Esta Lei é a de maior hierarquia, devendo todos os agentes públicos e privados se submeter às decisões da Suprema Corte. A perspectiva juriscêntrica sendo a última palavra do Judiciário haveria um desengajamento dos demais poderes.

A pluralidade interpretativa não conduz necessariamente a anarquia constitucional. Aceitar um Parlamento desfazer decisões judiciais transitadas em julgado faria dele uma instituição tirânica. Todos os agentes e Instituições públicas são falíveis, há que observar sempre o sistema de freios e contrapesos. Isso porque, os modelos de Supremacia estimulam posturas idiossincráticas. Por outro lado, deve-se preservar a supremacia judicial para a defesa das minorias. A força e legitimidade da Corte estão no apoio popular.

Como já mostrava Kelsen, a aplicação da Lei pode, até mesmo, atingir a validade das normas jurídicas criadas pelo Parlamento. Ao deixarem de serem aplicadas, caindo em desuso, as normas perdem a validade[15].

2.3 Consagração das normas não escritas para garantia de direitos fundamentais no Brasil

Muitas vezes observa-se uma tendência nos magistrados brasileiros de fazer sobressair suas opiniões pessoais em detrimento da justiça para o caso. A tendência ao personalismo é forte e assim aumenta a independência ao se relacionar com a coisa pública[16].

Urge uma racionalidade judicial, uma condução das decisões pautada em coerência com princípios e valores sociais, nesse sentido Ronald Dworkin e Robert Alexy, cabendo aqui a despersonalização da jurisdição; e tal, se vincula fortemente ao processo de democratização.

A decisão é tomada por agregação da opinião dos juízes dos órgãos colegiados e não dá qualquer destaque às razões para decidir. Padrão pautado em argumentos de autoridade. Quando são citados outros casos pátrios ou jurisprudências relacionadas ao tema, é apenas para corroborar o entendimento do julgador. Um diálogo não existe no Brasil, mas é necessário.

Assim, a jurisdição brasileira tem por característica ser opinativa; estimula os juízes a terem opiniões, não decisões bem fundamentadas. O modelo mais coerente é aquele voltado à argumentação que fundamenta determinada decisão, não opiniões por estas dependerem do indivíduo.

A crítica ao formalismo ainda é proeminente. Um formalista se propõe a resolver problemas complexos por meio de abstrações vazias, ocultando as peculiaridades dos casos concretos. Não observa então a força dos valores e normas não escritas.

Para superar o formalismo é preciso construir não mais uma crítica ao direito e à separação de poderes, mas uma visão positiva do direito que se coloque além das estruturas tradicionais que caracterizam o Estado de Direito e conceba a racionalidade jurisdicional de outra maneira, atribuindo novos papéis aos agentes de poder e à sociedade.

A jurisprudência em matéria de responsabilidade civil cotidianamente condena o vencido em danos punitivos, figura que não existe explicitamente em nossa legislação, mas que é justificada com base em princípios e outros diplomas normativos. Responsabilidade civil não serviria para punir em nome da prevenção de danos futuros por parte de outros agentes, mas o fato é que ela está sendo usada desta forma.

A subsunção (que dá alguma racionalidade ao direito) também tem um significado político, coerente com certa visão da separação dos poderes e ligada a certo modo de ver o Estado e sua relação com a sociedade. Ora, o formalismo em sua versão legalista também está ligado à ideia de que o Estado tem o monopólio da produção normativa e da jurisdição dentro de um determinado território. Para esta visão do Direito, os conflitos sociais são regulados, principalmente, pelas regras editadas pelo Estado e, em caso de conflitos que não sejam resolvidos espontaneamente pelas partes, a questão deve ser levada ao Poder Judiciário; o órgão competente para decidi-las e dotado de poder para impor suas decisões mesmo contra a vontade das partes.

Consoante Weber, o direito ocidental é formal, pois permite decidir conflitos a partir de critérios jurídicos, ou seja, com fundamento em normas jurídicas dotadas de racionalidade própria, autônomas em relação a valores morais, éticos, políticos, econômicos

O ativismo judicial é tema importante no desenvolvimento das instituições democráticas. Sobre ativismo judicial Rodrigo Brandão define que é “um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, que permite uma participação mais ampla e intensa na concretização de valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros poderes”.
Miguel Seabra Fagundes, já clarificava que ao Legislativo cabe criar o Direito; ao Executivo, aplicar a lei de ofício; e ao Judiciário, aplicá-la, quando provocado. A coerência dos Ministros,no sentido técnico-jurídico, pois há que se respeitar, também, as fontes sociais do direito. A eliminação de um Projeto de Lei na sua origem pela razão dele não se conformar com a Interpretação do Julgador; mas que não ofende, diretamente, a Constituição.

Tal foi demonstrado no MS n. 33033, com o Voto de Gilmar Mendes que discute a permanência ou não das deliberações envolvidas no PL 4.470/2012, projeto que permitiria a migração de parlamentares para novos partidos criados, porém, sem a transferência proporcional dos fundos partidários e do horário de propaganda eleitoral no rádio e na televisão. O Ministro Gilmar Mendes rotulou o projeto como casuístico, sustando um projeto que se mostra, como uma tentativa de regulamentar a criação de partidos.

Assim o Ministro aponta que: “mesmo alternando momentos de maior e menor ativismo judicial, o Supremo Tribunal Federal, ao longo de sua história, tem entendido que a discricionariedade das medidas políticas não impede o seu controle judicial, desde que haja violação a direitos assegurados pela Constituição” (Ministro Gilmar Mendes). A crítica está em que um sistema de checks-and-balances substancial não pode admitir controle judicial excessivo e, casuístico.

Apesar de todas as críticas e de uma prática não muito notória no Brasil, o ativismo é reconhecido por fazer a interpretação legal caminhar no sentido de uma justiça que alcance a solução do caso e sirva como base para novas discussões. Sendo importante para o diálogo.

É provável que o Brasil nunca desenvolva um modelo de racionalidade judicial sistemático que atenda os altos padrões das teorias européias. Entretanto, medidas que aumentem a racionalidade das decisões pátrias devem ser aceitas, sem desconstruir o ordenamento em função de padrões externos. Garantindo aqui a individualidade do país. (RODRIGUEZ, 2013).

CONCLUSÃO

Como assinalou Norberto Bobbio a linguagem dos direitos é apresentada de forma retórica e que direitos protegidos num ordenamento jurídico inspirado no constitucionalismo há “juízes imparciais e várias formas de poder executivo das decisões de juízes”[17].

Os diálogos existem enquanto fenômeno jurídico-social. Sua aceitação para uma transformação no contexto dos Poderes Executivo-Judiciário é essencial para que se movimente para um equilíbrio institucional. Assim também, o reconhecimento da possibilidade desse diálogo é essencial para que as Cortes nacionais incorporem elementos significativos para a aplicação do Direito. 

As transformações para evolução de uma sociedade são inevitáveis. Barrá-las é impedir o avanço. Muitos mecanismos devem ser articulados para promoção de um Estado de Direito nesse diálogo, incorporando reflexões da própria sociedade, inclusive soluções como as audiências públicas e a possibilidade de oferecer amicus curiae, além de outros meios de participação direta do cidadão na jurisdição.

Hans Kelsen, já apontou que a justiça deve tratar casos semelhantes de modo semelhante (KELSEN, 1979); entretanto é complexo e arriscado encontrar uma solução dogmática possível para um problema. Há sim, que tornar a decisão cada vez mais equânime, trazendo à baila fatores que multipliquem as chances de acerto. Sendo consideradas como tal o próprio diálogo constitucional, institucional e de juízes.

Há que se agregar valores e conceitos que superem as opiniões pessoais e corroborem para um julgamento coerente. As Cortes brasileiras ainda não se mobilizaram no sentido de um diálogo transnacional paulatino. Mas essa é a tendência.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRANDÃO, Rodrigo. Supremacia Judicial versus Diálogos Constitucionais: a que cabe dar a última palavra sobre o sentido da Constituição? Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.

CAPITANT, René. “Le Droit Constitutionel non écrit”. Reccueil d’étude en honneur de François Gény. T.1. Paris: Sirey, 1934, p.1-8.

DICEY, Albert Venn., Introduction à l’étude du droit constitutionnel (1885), trad. Fr., Paris, Giard & Brière, 1902, p. 20-28 (extraits).

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Constituição e Governabilidade: Ensaio sobre a (in)governabilidade brasileira, São Paulo: Saraiva, 1995.

HOGG, Peter W. & BUSHELL, Alisson A. The Charter Dialogue Between Courts and Legislatures (Or Perhaps the Charter of Rights Isn’t Such a Bad Thing After All) in Osgoode Hall L. J., 35, 1997.

LISBOA, Carolina Cardoso Guimarães. Normas constitucionais não escritas: costumes e convenções da Constituição, São Paulo: USP, 2012.

MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, baron de la Brède et de. O espírito das leis, tradução de Gabriela de Andrada Dias Barbosa, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.

RIALS, Stéphane. “Réflexions sur la notion de coutume constitutionnelle”. La Revue administrative  n°189. Juillet 1979, p. 265-273.

RODRIGUEZ, José Rodrigo. Como decidem as Cortes? Para uma crítica do direito (brasileiro), São Paulo: Saraiva, 2013.

ADI n. 2.797, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, Plenário, DJ 19.12.2006.


[1] Diplomacia Judicial por Luis Claudio Coni http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/destaquesNewsletter.php?sigla=newsletterPortalInternacionalFoco&idConteudo=217832

[2]FERRAZ, Anna Candida da Cunha. Processos informais de mudança da Constituição, p. 206.

[3] Trechos de artigo do desembargador José Renato Nalini, sob o título “O que esperar da Justiça”, publicado 2 de fevereiro de 2014 no jornal O Estado de S. Paulo

[4] Demolombe no Prefácio de seu Cours de Code de Napoleón

[5]Normas constitucionais não escritas: costumes e convenções da Constituição, São Paulo: USP, 2012.

[6]FAVOREAU, Louis. Rapport Introductif. Les règles et principes non écrits em droit public. Paris: Editions Panthéon-Assas, 2000, p.14

[7] DUGUIT, Léon. Traité de Droit Constitucionnel. Tome I. Paris: Ancienne Librairie Fontemoing & CIe, Éditeurs, 1927, p. 65 a 183

[8] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Aspectos do direito constitucional contemporâneo, cit., p. 58

[9] RIALS, Stéphane. Réflexions sur La notion de coutume constitucionelle. La revue administrative, n. 189, 1979, p. 265-273

[10] MALBERG, R. Carré de. La loi, expression de La volonté génerale 1931, reed. Paris, Economica, 1984- p 107-108

[11] TROPER , Michel, « Du fondement de la coutume à la coutume comme fondement » in Droits, n°3, 1986, p. 11-24

[12] Titre I, chapitre Premier; Le droit constitutionnel non écrit in Mélanges François Gény, Paris, Sirey, 1934,tome III, p. 1-8

[13]  HOGG, Peter W. &BUSHELL, Alison A. The Charter Dialogue Between Courts and Legislatures (Or Perhaps the Charter of Rights Isn’t Such a Bad Thing After All) in Osgoode Hall L. J., 35, 1997

[14 BRANDÃO, Rodrigo. Supremacia Judicial versus Diálogos Constitucionais: a quem cabe dar a última palavra sobre o sentido da Constituição? Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.

[15] KELSEN, 1979, p. 237-238

[16] Como decidem as cortes. Rodrigo Rodriguez p.7

[17] A Era dos Direitos: tradução de Carlos Nelso Coutinho – Norberto Bobbio –Rio de Janeiro Ed Campus 1992-p.9

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