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Vícios de consentimento na conciliação do Direito de Família

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Agenda 29/05/2017 às 09:56

A Conciliação vem ao Direito de Família facilitar a resolução de conflitos e proporcionar a escolha da melhor solução aos jurisdicionados. Conheça os principais pontos que acercam o instituto e como ele vem sendo usado no cenário jurídico atual, buscando-se evitar, ao máximo, os vícios de consentimento.

Introdução

Com a nova idéia de processo, o processo democrático, faz-se necessário que sejam dadas todas as garantias constitucionais, além das garantias processuais já estabelecidas pelo Código de Processo Civil.  No decorrer do processo, o juiz deve se atentar para os sinais que as partes emitem em relação ao interesse em transigir.

No direito de família é de suma importância a audiência de conciliação, pois se tratam de partes com interesses anteriormente conexos, e que agora já não o são mais.

Ao se tratar de conciliação no direito de família, há um cuidado maior do juiz em evitar os vícios de consentimento, para que o feito não incorra nas sanções previstas pela legislação pátria.

É de extrema relevância o tema proposto, tendo em vista as modificações na estrutura processual contemporânea, saindo dos entendimentos enrijecidos pelo rigor da lei, propondo uma análise constitucional do processo, buscando a real efetividade da sentença homologada na audiência de conciliação.

Desta forma, pretende-se com esse estudo, em seu primeiro capítulo analisar o negócio jurídico, seus defeitos suas sanções, a fim de se investigar se o acordo homologado pelo magistrado seria um negócio, tendo forma e força de lei entre as partes.

O segundo capítulo tem como objetivo analisar os meios alternativos de solução de conflitos, sua formas, tanto as extrajudiciais, quanto as judiciais, e passando à conciliação, sua origem, seus objetivos e princípios, além de aprofundar especificamente na audiência de conciliação do processo que versa sobre direito de família e o “animus” das partes nela.

No terceiro capítulo, prima-se ao estudo do ingresso e aperfeiçoamento do magistrado, o provimento do cargo, além de sua preparação, tendo em vista a responsabilidade de evitar os vícios de consentimento na audiência de conciliação, utilizando de técnicas, teorias e elementos psicológicos, buscando a verdadeira efetividade do processo democrático.


1. NEGÓCIO JURÍDICO

Este capítulo trata dos negócios jurídicos, seus vícios e suas sanções. O negócio jurídico interfere diretamente na atuação do juiz em relação ao vício de consentimento, principalmente em relação á validade do acordo homologado pelo juiz.

O Código Civil de 2002 traz o capítulo dos “negócios jurídicos”, determinando que para haver negócio jurídico deverá haver agente capaz, vontade explicitamente manifestada e objeto lícito[1]·. (BRASIL,2006, p.265)

Não há que se falar em negócio jurídico sem remeter á idéia de subjetividade, pois, o próprio negócio advém de duas vontades que concorrem para um mesmo fim.

Vê-se que o acordo homologado na audiência de conciliação tem por característica a congruência de vontades, vislumbrada nos negócios jurídicos, de forma a garantir a segurança jurídica deste.

Desta feita, não há que se falar em negócio jurídico sem manifestação, expressa ou tácita, da vontade das partes, de forma que, por inobservância desta, contraia algum tipo de irregularidade.

Para isso, várias teorias foram adotadas para explicar essa visão de subjetividade da vontade da parte, sendo estas:

a) Teoria da Vontade Real (Savigny): a vontade é o elemento produtor de efeitos jurídicos; (GAGLIANO, 2005, p.337)

b) Teoria da Declaração: deve ser considerada a declaração emitida pelo agente, tendo em vista a segurança jurídica e estabilidade das relações negociais, como escopo a paz social que a estabilidade traz, através da declaração de vontade. (GAGLIANO, 2005, p.337)

A divergência doutrinária não é tão profunda, tendo em vista que o negócio jurídico como manifestação de vontade tem como fim produzir efeitos tutelados em lei, e a vontade interna e a que é exteriorizada são, segundo Gagliano, “faces de uma mesma moeda”. (GAGLIANO, 2005, p. 339)

Roberto de Ruggiero, citado por Gagliano, adverte que;

(...) a vontade deve ser manifestada, não tendo valor para o direito objetivo a que, posto que legitimamente formada, se não  exteriorizou. Somente com a sua manifestação, o agente pode provocar a desejada reação jurídica e esta exteriorização, que torna visível à vontade lhe dá existência objetiva, é que nós chamamos declaração ou manifestação, sendo indiferente que se faça com palavras, gestos ou até mesmo com o simples silêncio. (GAGLIANO, 2005, p.339)

Portanto, para o direito pátrio, é necessária a efetiva manifestação de vontade, tendo em vista que, se esta não é exteriorizada, não pode ser considerado o negócio jurídico válido.

1.1 CONCEITOS DE ATO, FATO E NEGÓCIO JURÍDICO

1.1.1 ATO JURÍDICO

Ato jurídico é aquele que acarretará conseqüências jurídicas previstas em lei e não pelas partes, onde há uma regulação da autonomia privada, surgindo como mero pressuposto de efeito jurídico, preordenado na lei, porém sem natureza de auto-regulamentação. Classificam- se em materiais (reais) e participações. (DINIZ, 2010, p. 444)

Atos materiais são aqueles que consistem na atuação da vontade que lhes concede existência imediata, pois não tem como fim o conhecimento das pessoas, ou senão, não têm destinatário específico. Estes atos tratam dos efeitos invariáveis relativos à ordem jurídica, onde as conseqüências jurídicas são estritamente ligadas ao resultado, e este se produz independentemente da consciência do agente, e estas conseqüências estão predeterminadas em lei. (DINIZ, 2010, p.444)

Já as participações são as declarações para ciência ou comunicação de intenções e/ou fato detém destinatário específico, pois o sujeito da ação o pratica para que seja dado o conhecimento a outrem, e este tem um propósito para determinado ato. (DINIZ, 2010, p.444)

1.1.2 FATO JURÍDICO

Antes de tudo, é necessário que se entenda fato jurídico em sentido amplo, que é “todo acontecimento natural ou humano capaz de criar, modificar ou extinguir relações jurídicas” (GAGLIANO, 2005, p.316). E, partindo deste entendimento, verifica-se que o fato jurídico, que é entendido como o evento concretizador que a norma contempla em seu texto legal, engloba não somente os acontecimentos naturais (fatos jurídicos em sentido estrito), mas também ações humanas lícitas ou ilícitas bem como ações em que há atuação humana, desprovida de manifestação de vontade, porém, sem produção de efeitos jurídicos.

Nesse sentido, considerar-se-a fato jurídico em sentido estrito todo acontecimento natural que seja determinante na órbita jurídica, porém, nem todos os acontecimentos alheios à atuação humana merecem este qualificativo.

1.1.3 NEGÓCIO JURÍDICO

Essa categoria foi desenvolvida pela doutrina germânica, em período relativamente recente, tanto que, Clóvis Beviláqua, ao elaborar o projeto do Código Civil de 2002 não dispensou a devida atenção a ele. Quando analisada a legislação civil não se utilizou hora alguma da expressão “negócio jurídico”, apesar de o tratamento legal dado ao ato jurídico poder ser plenamente aplicável a este. (GAGLIANO, 2005, p.333)

Desta feita, as definições mais comuns e mais antigas são as voluntaristas, advertidas por Antônio Junqueira de Azevedo, citado por Gagliano, que define negócio jurídico como:

 a “manifestação de vontade destinada a produzir efeitos jurídicos”, “ato de vontade dirigido a fins práticos tutelados pelo ordenamento jurídico”, ou “uma declaração de vontade, pela qual o agente pretende atingir determinados efeitos admitidos por lei.

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Ainda, nesse sentido, Orlando Gomes, citado também, pondera que “o negócio jurídico é, para os voluntaristas, a mencionada declaração de vontade, que se dirige, de acordo com a lei, a constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica.” (GAGLIANO, 2005, p.337)

1.2 DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

A vontade é o centro dos negócios jurídicos, por onde se é exprimida o querer real do agente, por meio explícito, de forma verbal ou escrita, ou até mesmo exprimida pelo silêncio deste. Esta deve ser voluntária, idônea, porém se não corresponde à vontade real do agente, o negócio está suscetível a nulidade ou anulabilidade.

Os “Defeitos do Negócio Jurídico” estão regulados pelo Código Civil de 2002 no seu Capítulo IV, do Livro III, anteriormente tratado no sistema do Código de 1916, traziam os defeitos dos quais poderiam ser eivados os negócios jurídicos, por motivo da vontade viciada.

Quando a vontade do agente é manifestada com algum vício ou defeito que a turve, ou que lhe faça ser mal externada, está diante de, na maioria das vezes, um ato ou negócio jurídico anulável, onde este terá vida jurídica apenas enquanto o prejudicado não venha a pedir sua anulação.

O diploma de 1916 ainda trouxe a diferenciação entre os vícios de consentimento, sendo aqueles em que a vontade exprimida pelo agente não corresponde com a real intenção deste. Desta forma, seriam vícios de consentimento o erro, dolo, coação, porém, o Código Civil Brasileiro incluiu o estado de perigo e a lesão nesta classificação, e os vícios sociais, que são aqueles em que a declaração do agente é a sua real vontade.

1.2.1 ERRO OU IGNORÂNCIA

O erro[2] “manifesta-se mediante compreensão psíquica errônea da realidade, ou seja, a incorreta interpretação de um fato. A ignorância é um ‘nada’ a respeito de um fato, é o total desconhecimento” (VENOSA, p.398) ou, ainda, “erro é a idéia falsa da realidade. Ignorância é o completo desconhecimento da realidade” (GONÇALVES, 2006, p.154).

Desta forma, vê-se que o no erro ou ignorância, o agente enganar-se-à sozinho, e quando induzido por outrem, caracterizará o dolo, que será analisado oportunamente. O erro é a exteriorização de uma idéia pessoal errada, incorreta, contraria á verdade, já a ignorância é ausência de conhecimento, ou falta de noção, de conhecimento do homem médio. Apesar de a legislação pátria equiparar erro e ignorância, e aplicar as regras do erro à ignorância, vê-se nitidamente a incongruência entre as duas noções.

1.2.1.1ERRO SUBSTANCIAL

De acordo com o artigo 138 do Código Civil Brasileiro: “São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstancias do negócio.”

Desta forma, percebe-se que a legislação exige que o erro seja substancial, ou seja, é aquele que incidirá sobre circunstancias e aspectos relevantes à celebração do negócio jurídico. Dá causa ao negócio, não necessariamente sendo a única.

Tem caráter decisório por ser exprimido pela vontade do declarante, e que, se fosse conhecido anteriormente por este, não concluiria o negócio.

Pode-se notar essa determinação no artigo 139 do Código Civil Brasileiro[3], além de dividir o erro substancial em:

  1. error in negotio, onde o declarante quer praticar um determinado ato, porém outro é praticado;
  2. error in corpore, onde o objeto principal, a coisa que é objetivada pelo declarante não era constante do negócio, ou seja, este interessa o objeto principal da declaração;
  3. error in persona, quando diz respeito à identidade ou certa qualidade essencial atribuída da pessoa a qual se refira à declaração de vontade.

Vele ressaltar que em relação ao error in corpore e o error in negotio existe o que a doutrina chama de erro obstáculo, que não seria um vício de consentimento pleno, porém, seria considerado um óbice em relação à manifestação de vontade. (VENOSA, 2006, p. 404)

1.2.1.2 ERRO ACIDENTAL

O erro acidental é tratado no artigo 138, com complementação no artigo 142 do Código Civil.

O erro acidental, que se opõe ao substancial, não é suficiente para anular o negócio jurídico.

Este tipo de erro recai sobre as qualidades secundárias, ou seja, de menor importância relativa à pessoa do declarante ou do objeto, e, por sua vez não acarretam nenhum prejuízo efetivo, e mesmo se conhecido, o negócio realizar-se-ia mesmo assim.

Desta forma, sua anulação só poderá ser efetivada diante de erro substancial, mantida pelo Código de 2002 em relação ao Código de 1916.

1.2.1.3 ERRO ESCUSÁVEL

Também conhecido como erro justificável ou desculpável, consistindo no erro que mesmo com todas as diligências, ocorreu no negócio. O próprio artigo 138 do Código Civil demonstrou a necessidade do erro escusável, onde o padrão do homem médio (homo medius), do homem normal, é usado para saber se este seria reconhecido ou não. Para isto, analisa-se a conduta do agente e a média das pessoas, além de analisar a jurisprudência da época, o diploma legal e as condições pessoais do agente.

1.2.2 DOLO

A legislação brasileira não trouxe a definição de dolo, porém, trouxe em seu artigo 145 que: “são os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for sua causa”. Já Venosa, traz a definição de dolo que o Código Civil português traz no seu artigo 253, onde (VENOSA, 2006, p.415):

entende-se por dolo qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratório ou terceiro, do erro do declarante.

Já entre os juristas brasileiros, a definição de Clóvis Beviláqua é clássica, onde o “Dolo é artifício ou expediente astucioso, empregado para induzir alguém a pratica de um ato jurídico, que prejudica, aproveitando ao autor do dolo ou a terceiro.” (VENOSA, 2006, p.415)

O dolo, portanto, é o induzimento malicioso de alguém a pratica de um ato que lhe é prejudicial, mas proveitoso ao autor do dolo ou a terceiro. Pode ser entendido também como o erro provocado por terceiro, e não pelo próprio sujeito enganado.

Desta forma, Washington de Barros Monteiro e Serpa Lopes, citados por Silvio de Salvo Venosa, enumeram os requisitos do dolo, sendo estes (VENOSA, 2006, p.418):

a) intenção de induzir o declarante a praticar o ato jurídico;

b) utilização de recursos fraudulentos graves;

c) que esses artifícios sejam a causa determinante da declaração de vontade;

d) que procedam do outro contratante, ou seja, por este conhecidos como procedentes de terceiros.

Desta forma, vê-se que o dolo deverá ser essencial, que será o impulsionador, o propulsor da vontade do declarante, estará na base do negócio jurídico, de outra forma, caracterizar-se-à o dolo acidental, que poderá viciar o ato minimamente.

Denomina-se dolo essencial ou principal aquele onde em que há o vício de consentimento, que torna o ato anulável. Este é vislumbrado no artigo 145 do Código Civil Brasileiro que dispões que: “São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa”.

Já o dolo acidental é visualizado no artigo 146, onde: “o dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, o seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo.” O dolo acidental gera responsabilidade para o culpado, nas formas do artigo 186 do Código Civil, onde “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

Desta forma vê-se que o dolo principal ou essencial torna o ato anulável, enquanto o dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, apesar de ambos terem o propósito de enganar.

Tem-se ainda o dolo de terceiro, que é vislumbrado no artigo 148 do Código Civil, onde não basta apenas o dolo entre os contratantes, não é necessário que um dos contratantes saiba do dolo, porém se faz necessário que este tenha tirado proveito. Assim o beneficiário participa da consumação da vontade viciada por cumplicidade ou por ciência do vício para que se possa anular o negócio. (DINIZ, 2010, p.481)

Se o beneficiário não tiver o conhecimento do dolo, caberá indenização contra o terceiro que o enganou intencionalmente por parte da vítima. Não comprovando, nos negócios jurídicos bilaterais, que uma das partes conhecia o dolo do terceiro e mesmo que haja esta presunção, não poderá ser anulado o negócio, mas o terceiro poderá ser responsabilizado por perdas e danos. (DINIZ, 2010, p.481)

A omissão dolosa, vislumbrada no artigo 147 do Código Civil traz que nos negócios bilaterais, o silencio importa a omissão, e sem esta o negócio nunca teria se concretizado.

1.2.3 COAÇÃO

A coação[4] “é toda ameaça ou pressão exercida sobre um indivíduo para forçá-lo, contra a sua vontade, a praticar um ato ou realizar um negócio.” (VENOSA, 2006, p.430)

Segundo Francisco Amaral, citado por Venosa, “a coação não é, em si, um vício de vontade, mas sim o temor que ela inspira, tornando defeituosa a manifestação de querer do agente” (VENOSA, 2006, p. 430)

A coação transforma a vontade espontânea, deixando-a viciada, pela violência exercida sobre o agente.

O conceito de coação, de acordo com o direito romano, traz duas formas de coação: a absoluta ou física, onde não existe qualquer forma de manifestação de vontade ou consentimento, geralmente obtida mediante emprego de força física, e a relativa ou moral, onde o coator dá opção ou escolha à vítima: fazer o que lhe é exigido ou sofrer as conseqüências da ameaça.

A coação moral ou relativa é a única que constitui vício da vontade e torna o negócio anulável, pois esta “atua sobre a vontade da vítima, sem aniquilar-lhe o consentimento, pois conserva ela uma relativa liberdade, podendo optar entre a realização do negócio que lhe é exigido e o dano com que é ameaçado” (DINIZ, 2010, p.485).

Diante disso, são requisitos da coação:

  1. Essencialidade, onde será visualizada a conexão, a relação de causalidade entre a ameaça e declaração, ou seja, o negócio deverá ter sido realizado somente por haver grave ameaça ou violência;
  2. Intenção de coagir, que é o animus de retirar do coagido o consentimento do negócio;
  3. gravidade do mal cominado, onde a intensidade seja tal que o coagido tenha um temor exacerbado de dano ao bem que considera relevante;
  4. injustiça de ilicitude da cominação, quanto à injustiça, trata-se do fator ético, onde há uma dificuldade enorme de precisão. Porém, no tocante à ilicitude, caracteriza o abuso de direito;
  5. dano atual ou iminente, onde o dano deve ser palpável para a vítima, dano próximo e provável, onde se afasta o impossível, o remoto, que deverá ser analisado de acordo com o caso concreto;
  6. justo receio de prejuízo, igual, ou pelo menos, ao decorrente do dano extorquido, atualmente, não se exige mais que este seja igual, pois, para Beviláqua e Silvio Rodrigues, tal requisito deveria ser dispensado, quando o dano não se referisse à ordem material, e mesmo para balancear o dano de ordem material com a intensidade da ameaça, analisar-se-ia espontaneidade da manifestação de vontade, gravidade, iminência do dano, entre outros, como se refere o artigo 151 do Código Civil Brasileiro de 2002;[5]
  7. ameaça de prejuízo à pessoa ou bens da vítima, ou pessoas de sua família, neste requisito, o termo por ser mais amplo, de forma que o prejuízo se refere à vítima, a seus bens, ou á vida de seus familiares, e aos bens destes. Quando se trata de familiares da vitima, apropriado é o termo família,  é mais amplo, onde incluem-se os sogros, cunhados e afins, de forma que este tem por impulso preservar seus entes queridos.O diploma legal atual e o anterior não definiram o alcance do termo família.(VENOSA, p.431-438)

Ainda poderá haver coação quando for exercida por terceiros[6]·, que é aquela na qual a coação exercida vicia o negócio jurídico, se este dela teve ou devesse ter tal conhecimento o contratante que aproveitar-se dela. Nesse sentido, deve haver uma apuração da responsabilidade civil, e a parte que aproveitou pelo conhecimento prévio deste, deverá responder solidariamente com o coator por todas as perdas e danos que causarem ao coatco. (FIUZA, 2002, p. 151)

1.2.4 ESTADO DE PERIGO

O estado de perigo[7] “é quando alguém se encontra em situação equiparada ao ‘estado de necessidade’ e, por isso, assume obrigação excessivamente onerosa.” (GONÇALVES, 2006, p.166)

 O estado de perigo aproxima-se, na realidade, do estado de necessidade vislumbrado no direito penal, onde se aplica a análise da inexigibilidade de conduta diversa, mas, por se tratar de instituto mais amplo, abrangerá as mais diversas situações. Segundo Venosa, “pode-se afirmar, sem preocupação com o tecnicismo, que o estado de perigo é uma modalidade do estado de necessidade.” (VENOSA, 2006, p.441)

Desta forma, pode dividir-se em dois elementos: o objetivo, que é assunção de “obrigação excessivamente onerosa”, e o subjetivo, que caracterizar-se-à pela necessidade de salvar-se de qualquer forma de grande risco existente.

Importante saber sobre o estado de perigo é que se o negócio jurídico advindo por meio deste for entendido.

Parte da doutrina entende que o estado de perigo se aproxima da coação moral, pois a vítima não se encontra em plenas condições de exprimir sua vontade. Porém, não se confundem os dois, porquanto no estado de perigo há uma parte que não é responsável pelo estado em que se colocou ou ficou a vítima.

1.2.5 LESÃO

A lesão[8] é “o prejuízo que uma pessoa sofre na conclusão de um ato negocial resultante da desproporção existente entre as prestações das duas partes”, ou:

“O negócio defeituoso em que uma das partes, abusando da inexperiência ou da premente necessidade da outra, obtém vantagem manifestamente desproporcional ao proveito resultante da prestação, ou exageradamente exorbitante dentro da normalidade”. (VENOSA, 2006, p. 445)

O Código Civil Brasileiro incluiu a lesão no rol dos vícios de consentimento, configurando-se quando alguém obtém lucro exagerado, desproporcional, aproveitando-se da inexperiência ou da situação de necessidade do outro contratante.

A lesão consiste nos prejuízos que um contratante experimenta em um contrato comutativo onde não recebe da outra parte valor igual ou proporcional ao da prestação que forneceu. Há que se ver que a desproporção não é qualquer desproporção: esta deve ser manifesta, além de se exigir ainda que a avaliação da desproporção entre as prestações seja feita “segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico”.[9]

A lesão conta com dois requisitos: o objetivo, que é a desproporção manifestada entre as prestações recíprocas, que é a geradora de lucro exagerado; e o subjetivo, que é caracterizado pela “inexperiência” ou “premente necessidade” da pessoa lesada. (GONÇALVES, 2006, p.168)

A lesão ocorrerá quando não há estado de perigo, decorrente da necessidade de salvar-se.

A desproporção das prestações a que se refere o artigo deverá ser aferida no momento de contratar, e quando esta surgir a posteriori ao negócio torna-se irrelevante, pois nesta hipótese estaríamos diante da cláusula rebus sic stantibus (teoria da imprevisão).

Logo, a desproporção deverá ser apurada pela técnica pericial, ponderada pelo julgador. Além disso, a doutrina denomina a lesão usurária ou real quando a lei exigir, além dos requisitos objetivos e subjetivos, o dolo de aproveitamento; e enorme ou especial quando a lei limitar-se-à à mesma exigência de vantagem desproporcional, sem indagação de má-fé da parte beneficiada.

1.2.6 FRAUDE CONTRA CREDORES

A fraude contra credores[10] é vício social, no qual é executada com o intuito de prejudicar terceiros, neste caso, o (s) credor (es).

Trata-se de vício de muitas faces e visualizado em várias situações cotidianas e no Direito.

Segundo Venosa, a fraude contra credores é “todo artifício malicioso que uma pessoa emprega com intenção de transgredir o direito ou prejudicar interesses de terceiros.” (VENOSA, 2006, p. 457)

A lei pátria rege-a no direito das obrigações, onde o patrimônio do devedor responderá pelas obrigações por ele adquiridas[11]. Trata-se do princípio da patrimonialidade,[12] onde o patrimônio do devedor constituirá garantia geral dos credores. Havendo desfalque malicioso e substancialmente, onde se percebe que o passivo restante não garante o adimplemento das dívidas, torna-se o obrigado insolvente, pois seu ativo supera o passivo.

Porém, só se caracterizará a fraude se o credor já for insolvente, ou tornar-se insolvente pelo desfalque realizado. Se, contudo, for solvente, onde seu patrimônio for o bastante para saldar seu passivo e o fizer com sobra, sua liberdade é plena para dispor de seus bens.

São três os requisitos que caracterizam a fraude contra credores:

  1. anterioridade do crédito, que está expressa no artigo 158, §2º do Código Civil Brasileiro[13], pois ao contratar-se com insolvente, já, àquela época já não existia patrimônio que garantisse, devendo ser obrigação do credor certificar-se da situação patrimonial do devedor;
  2. eventus damni, o elemento objetivo, que é todo ato que prejudica o credor, aonde deve haver nexo causal entre o ato do devedor e sua insolvência, impossibilitando a efetiva satisfação do crédito ou reduzir a garantia, tornando-a insuficiente (DINIZ, 2010, p. 511), e,
  3. consilium fraudis, elemento subjetivo, é caracterizado pela má-fé, (GAGLIANO, p. 409) que é a intenção de prejudicar do devedor ou do devedor aliado a terceiro que, com o animus de ilidir os efeitos da cobrança. (DINIZ,2010, p.511)  .

1.3 SANÇÕES AOS DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Tratada na doutrina como “invalidade do negócio jurídico”, a expressão abrange a nulidade e a anulabilidade do negócio jurídico, sendo expressões utilizadas para designar negócios que não produziram os efeitos almejados pelas partes. (GONÇALVES,2006, p.183)

Segundo Maria Helena Diniz, citada por Gagliano, a nulidade “vem a ser a sanção, imposta pela norma jurídica, que determina a privação dos efeitos jurídicos do negócio praticado em desobediência ao que prescreve” (GAGLIANO, p. 417).

Já GRINOVER, CINTRA E DINAMARCO, afirmam que “o reconhecimento da nulidade de um ato viciado é uma forma de proteção e defesa de ordenamento jurídico vigente.” (GAGLIANO, 2005, p. 417- 418)

A previsibilidade doutrinária e normativa da teoria busca impedir a proliferação de atos jurídicos que tenham ilegalidades, ou portem vícios mais ou menos gravosos, dependendo da natureza do interesse que venha a ser violado. ( GAGLIANO,2005, p.418)

Diante dessa perspectiva, segundo GAGLIANO:

é correto dizer que o ato nulo (nulidade absoluta), desvalioso por excelência, viola norma de ordem pública, de natureza cogente, e carrega em si vício considerado grave. O ato anulável (nulidade relativa), por sua vez, contaminado por vício menos grave, decorre da infringência de norma jurídica protetora de interesse eminentemente privados. ( GAGLIANO,2005,p. 418)

1.3.1 NULIDADE

A nulidade tem como função tornar sem efeito o negócio jurídico. Tem por idéia fazê-lo desaparecer, como se nunca tivesse existido.

O negócio é nulo quando ofender preceitos de ordem pública, ou seja, quando estiver diante de vício que impeça o negócio de ter existência legal e produzir efeitos, por não ter obedecido aos requisitos essenciais.

Segundo Gagliano, considerar-se-á nulo o negócio jurídico quando este:

a)      for celebrado por pessoa absolutamente incapaz;

  1. for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
  2. o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
  3. não revestir a forma prescrita em lei;
  4. preterir alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;
  5. tiver por objeto fraudar a lei imperativa;
  6. tiver havido simulação. (GAGLIANO, 2005, p. 421)

Dessa forma, a ocorrência de qualquer dessas hipóteses acarretará a nulidade total do ato. Logo, estas estão diretamente ligadas com os pressupostos de validade do negócio jurídico.

Diante da gravidade do ato, a nulidade poderá ser argüida por qualquer interessado ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir, podendo, inclusive, o juiz, de ofício, razão pela qual se diz que “se opera de pleno direito”.[14]

Além disso, ressalta-se que o negócio jurídico não admite confirmação, e dessa forma, constatando-se o vício, o fato deverá ser repetido e afastado seu defeito.

O Código Civil, em seu artigo 169, diz que “o negócio jurídico nulo é insuscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo”. (BRASIL, 2006, p. 271)

Assim, pode-se afirmar que quando o ato for nulo, este produzirá efeitos, porém limitados à orbita dos fatos, e não haverá possibilidade de negar que mesmo que este ato tenha existido, há impossibilidade de reconhecimento da validade jurídica.

1.3.2 ANULIBILIDADE

O negócio anulável é aquele que a ofensa atinge o interesse particular de pessoas que o legislador pretendeu proteger se desejarem possa promover a anulação do ato, e será considerado válido se o interessado se conformar com os seus efeitos e não atacar, nos prazos legais, ou o confirmar.

Segundo Sílvio Rodrigues, citado por Gagliano:

procura o legislados proteger interesse particular, quer de pessoa que não atingiu ainda pleno desenvolvimento mental, como o menor púbere ou o silvícola, quer de pessoa que tenha concordado em virtude de um vício de vontade, quer ainda, de indivíduo que tenha sido ludibriado pela simulação ou pela fraude. Aqui o interesse social é mediato, de maneira que o ordenamento jurídico, conferindo ação ao prejudicado, não toma qualquer iniciativa e se dispõe a validar o ato, se o interessado não promover a sua anulação.

Diferentemente da nulidade absoluta, a anulabilidade não tem efeitos antes da coisa julgada, não poderá ser pronunciada de ofício, exigindo, para seu reconhecimento a alegação dos legítimos interessados. Nesse sentido, o melhor entendimento é no sentido de que se trata de pessoa juridicamente interessada, nesse sentido, o próprio declarante, ou seu representante legal.

E por força do princípio da conservação, a doutrina pátria reconheceu as medidas sanatórias, que são “instrumentos jurídicos destinadas a salvaguardar a manifestação de vontade das partes, preservando-a da deficiência que inquina o ato”. (GAGLIANO,2005, p. 421)

As medidas sanatórias são classificadas em:

  1. medidas involuntárias, que decorrem diretamente da lei, e não concorrem, para configurá-la, a vontade das partes;
  2. medidas voluntárias,  que derivam da vontade das partes. (GAGLIANO,2005, p. 429)

Mesmo com as medidas sanatórias, havendo a ação de anulação, reza o artigo 182 do Código Civil que: “anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente.”

Nesse sentido, deve-se observar que ainda que a anulação do negócio jurídico, sem pedido expresso da restituição da coisa indevidamente transferida ao réu, não permitirá ao juiz concedê-lo de ofício.

Como visto, os negócios jurídicos são aqueles onde a manifestação de vontade tem por fim produzir efeitos admitidos em lei, onde os seus defeitos podem causar a nulidade do negócio, fazendo com que este nunca tenha existido, ou causar a anulabilidade, que faz com que volte o ato ao seu estado anterior ao vício.

É de suma importância a análise dos vícios do negócio jurídico, pois, na sentença homologatório, que é prolatada na audiência de conciliação, tendo em vista a segurança jurídica dos atos.

Sobre a autora
Priscilla Meirielle Assis Silva e Sousa

Especialista em Direito e Processo Tributário pela Escola Paulista de Direito; Bacharel em Direito pela Faculdade Pitágoras; Professora na Empresa Forte Cursos.

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Monografia elaborada como requisito de aprovação no curso de Bacharelado em Direito pela Faculdade Pitágoras

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