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A natureza jurídica do despacho inicial que determina o processamento da concordata preventiva

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Agenda 21/10/2004 às 00:00

Embora atenda aos anseios e necessidades do devedor, o despacho que manda processar a concordata preventiva transfere ao credor todo o peso a ser suportado, uma vez que a doutrina e a jurisprudência consideram-no como um despacho de mero expediente.

RESUMO

Destina-se, o presente, ao estudo de um instituto de Direito Falimentar à luz do Direito Processual Civil. A concordata é o meio disponibilizado ao devedor que pretende o pagamento de seus credores, mas não no momento presente. Necessita o devedor de dilação de prazo para pagamento ou o perdão parcial desses credores para manter-se no mercado. Essa nova chance dada ao devedor, é nobre e está calcada no Princípio da Preservação da Empresa, pois a empresa (enquanto atividade econômica) hoje é vista como um bem maior. Embora atenda aos anseios e necessidades do devedor, o despacho que manda processar a concordata preventiva, transfere ao credor todo o peso a ser suportado, uma vez que a doutrina e a jurisprudência consideram-no como um despacho de mero expediente.


INTRODUÇÃO

O Direito Falimentar, sempre esteve a uma certa distância do Direito Processual Civil. Poucos se ocuparam em confrontá-los para saber exatamente no que eles se assemelham e no que se diferenciam.

Onde parecia não haver controvérsia, há uma sem conta de questões não respondidas ou então mal respondidas.

A globalização neste estágio atual forçou uma mudança radical no direito, principalmente no direito comercial, pois teve que se adaptar a tudo o que ocorre num mundo novo e ainda desconhecido, o mundo virtual.

As conseqüências estão sendo sofridas por empresas que não conseguiram acompanhar a evolução tecnológica ou aquelas que se quedaram diante de preços irresistíveis sinônimo de políticas quase sempre escravagistas.

Para este trabalho, o tema pinçado do universo do Direito Concursal é o despacho inicial que determina o processamento da concordata preventiva. Para tanto foram desenvolvidos cinco capítulos.

O primeiro capítulo trata da crise na empresa, a globalização como meio de salvação e ao mesmo tempo de derrocada da empresa. Apresenta, também, a sistematização da crise conforme a doutrina mais atual.

O segundo capítulo cuida da concordata, sua origem histórica, seu conceito, função, natureza jurídica e suas espécies, dando especial ênfase à concordata preventiva

Até então a matéria versa exclusivamente sobre Direito Concursal.

Dos atos processuais, matéria de natureza processual, trata o terceiro capítulo dando uma visão dos atos processuais em geral e dos atos processuais praticados pelo Juiz.

Já no quarto capítulo ocorre a mistura dos temas específicos visando o cotejamento da matéria abordada neste trabalho.

Não se incluiu neste estudo uma análise do Substitutivo ao Projeto de Lei nº 4376, de 1993, pois este se encontra nos confins da Câmara dos Deputados, sem qualquer movimentação há vários anos.

Diferentemente do Projeto de Lei, temos a atual lei de falências – Dec-Lei 7661/45 – que está tentando sobreviver às mudanças mundiais e as necessidades cada vez mais trôpega e urgente das empresas.

O quinto capítulo define primeiramente a natureza jurídica da concordata, para localizar neste universo a natureza jurídica do despacho que manda processar a concordata preventiva.

Comparando o despacho, objeto deste estudo, com os atos processuais já definidos no Capítulo III, encontra a natureza jurídica do despacho que determina o processamento da concordata preventiva.


CAPÍTULO I - A CRISE NA EMPRESA

1. A Globalização e a Empresa

A globalização, fenômeno que a pouco se fez notícia, não é uma novidade surgida neste século ou no anterior, e sim com a integração dos mercados regionais e data de cerca de cinco séculos passados [1].

MARX, ao redigir o Manifesto Comunista, já alardeava a crise comercial gerada pela "civilização em demasia, meios de subsistência em demasia, industrias em demasia, comércio em demasia." [2]

Recentemente transformada em tema que gera sentimentos passionais na economia, é ao mesmo tempo o salvador e o algoz das empresas. Salvador pois permite ampliação dos negócios a um nível mundial e algoz por ditar um padrão que muitas vezes não corresponde à realidade territorial onde a empresa se localiza.

É certo que com a abertura comercial dos países ao mundo, e hoje a internet a difundir culturas antes apagadas pela sua relação distanciada do resto do planeta, houve, no plano econômico, uma nova jornada imposta aos empresários. Conhecer tudo, saber tudo e ainda fazer-se conhecido não é uma tarefa tão fácil.

Muitos empresários conhecedores de sua área de atuação sucumbiram frente à facilidade encontrada pelos pequenos empresários no acesso ao mundo virtual que nos últimos anos vem ditando as normas empresariais. Normas essas que diversas vezes provaram servir apenas ao mundo virtual ou, por vezes, nem mesmo a ele.

A adaptação dos empresários deu-se de forma impositiva. Transformou a face da empresa tradicional que, além de seu estabelecimento comercial real, contam ainda com um estabelecimento virtual para garantir seu poder competitivo face esse novo mercado que quer mais agilidade nas negociações comerciais e que se mostra ávido por permanecer isolado do convívio humano.

A situação caótica de convivência do ser humano com seus pares favoreceu o desenvolvimento das relações virtuais e essas relações virtuais atingiram o meio empresarial que deve sempre se adaptar à realidade comercial vigente a fim de manter-se no mercado.

A crise na empresa, ou seja na atividade desenvolvida pelo empresário, tem profundas repercussões sociais e econômicas. Em uma primeira análise aponta-se: o desemprego causado pela necessidade de reestruturação como forma de sobrevivência da empresa e a subtração de bens ou serviços necessários à economia nacional ou para exportação e, ainda, o desaparecimento de uma industria com tecnologia de ponta que venha a produzir produto de consumo mundial. [3]

A dura realidade da empresa em crise nos traz a seguinte dúvida: liquidar ou sanear tal empresa? Pela doutrina mundial moderna, a liquidação é o recurso último, quando já não há sequer um único fio de esperança para a recuperação da empresa. Isto devido ao Princípio da Preservação da Empresa que está enformando as políticas empresariais. [4]

Há todo um movimento doutrinário no sentido de que as soluções estão tanto no poder público quanto nos próprios empresários.

Ao poder público cabe o controle do mercado como meio de proteger e fomentar o desenvolvimento das empresas nacionais. Coisa que atualmente não se vê, dada a necessidade dos políticos de impor-se ao resto do mundo sem se importar com as conseqüências internas.

Quanto aos empresários nacionais, muitos buscaram solução na venda quase total, se não total, de suas participações societárias a grandes grupos, como forma de receber uma propulsão nos negócios quase que totalmente engolidos por outros grupos ou empresas multinacionais que aqui se instalaram.

A doutrina nacional trata do tema, e já vem alertando sobremaneira o poder público sobre o caos da legislação vigente frente às mudanças contínuas da atividade empresarial.

Há na evolução dos institutos concursais três fases distintas: a primeira que tem início nos estatutos medievais até a Primeira Grande Guerra, onde os institutos eram tidos como exterminadores das empresas em crise, visto que se destinavam à liquidação do patrimônio do devedor e pagamento de seus credores; a segunda após a Primeira Guerra onde se favoreceu a manutenção da empresa de forma vigiada e, a terceira após a Segunda Guerra, onde a recuperação das empresas começou a tomar forma sob a preponderância do Direito Econômico.

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Na tentativa de adequar suas legislações a necessidades impostas pelo novo modelo, diversos países buscaram fórmulas para o saneamento das empresas que variaram desde a reorganização da empresa em crise por terceiros até a concordata amigável e o salvo-conduto para o falido fugido ou preso. [5]

A globalização, enquanto integração econômica, é a principal causadora da crise que se alastra na empresa, pois essa integração se faz nos moldes do neoliberalismo exacerbado pelo ideário capitalista. No Brasil, a crise não foi diferente.

Milton SANTOS fornece a visão mais verdadeira, a mais descompromissada com interesses e comprometida com a realidade deste país, apresentando a globalização em três dimensões: como fábula; como perversidade e uma outra globalização mais humana. [6]

Assim, a globalização como fábula, entende-se aquela que nos fazem crer existir pela transmissão repetida de um sem número de fantasias, a exemplo da chamada "aldeia global". Já a globalização como perversidade é aquela sentida pela maior parcela da população, a fome, o desemprego, a mortalidade infantil, desencadeadas pelo aumento excessivo na competitividade. A outra globalização, seria aquela mais humana, conhecedora profunda das necessidades da humanidade, coerentes com a filosofia, cultura, raças de cada povo.

Enfim a globalização, atualmente, está a ser observada e sentida como perversidade.

O empresariado é diretamente afetado. Não há falar em preservação dos que atuam expostos nesta miscigenação. Mas pode-se, através de instrumentos eficazes, amenizar o impacto causado pelos atritos constantes.

Alguns doutrinadores brasileiros ousaram sistematizar a crise na empresa, sob o enfoque do direito econômico, somando ao direito falimentar a ampla visão daquele direito, com o intuito de conhecer o mal, para então criar o antídoto ou o remédio eficaz.

2.Sistematização da Crise na Empresa

A sistematização da crise na empresa deve ser realizada levando-se em conta outros ramos do direito que possuem ligação estreita com o Direito Comercial.

Atualmente o Direito Econômico tem sido largamente utilizado, pois seu enfoque mais amplo produz a interdisciplinaridade necessária ao Direito Comercial, que por tratar de assuntos ligados à empresa como um todo não pode almejar seu isolamento.

O Direito do Trabalho vem sendo um aliado fiel às discussões travadas pelos juristas sobre as reformas no Direito Falimentar em diversos países a exemplo da Espanha, que já em 1982 nas Jornadas sobre La Reforma Del Derecho Concursal Español, discutiam a autogestão (pelos trabalhadores) como forma de recuperação de empresas em crise, assim como o direito dos trabalhadores como um bem a ser resguardado em caso de crise da empresa. [7]

Fábio Ulhoa COELHO [8] sistematiza a crise da empresa de forma palatável, permitindo uma avaliação passo a passo da crise, pois, segundo ele, essa crise se manifesta de três diferentes formas: (i) a crise econômica que é a "retração considerável nos negócios desenvolvidos pela sociedade empresária."; (ii) a crise financeira que se revela quando a sociedade empresária não tem caixa para honrar seus compromissos.,e (iii) a crise patrimonial, que ocorre quando os bens do ativo não são suficientes para a liquidação do passivo.

É importante que se tenha em mente que a manifestação da crise, isoladamente, pode significar apenas uma fase a ser ultrapassada, se bem administrada. Entretanto a ocorrência destas três manifestações em uma reação em cadeia demonstra uma situação de insolvência que traz preocupação e perturba, por vezes, a economia em geral, causando com isso a desconfiança dos agentes econômicos, diminuindo a atuação destes com relação à sociedade empresária em questão.

O estudo da crise na empresa, nos conduz ao estudo da origem da concordata, por seqüência lógica neste trabalho, pois se busca definir a natureza jurídica de um determinado despacho cujo evento põe o concordatário em situação muito peculiar perante seus credores.


CAPÍTULO II – DA CONCORDATA

1. Origem Histórica

A origem da concordata remonta ao direito romano de forma "embrionária" [9]. Já para BONELLI, "o direito romano não conheceu a concordata com o devedor insolvente" [10], visto que havia, no direito romano, a responsabilidade pessoal dos herdeiros por dívidas do morto. Para que a memória do morto não fosse gravada com a infâmia, os herdeiros realizavam um acordo com os credores onde estes "concordavam (...) em reduzir os seus créditos às forças da herança." [11]

Concordam os doutrinadores [12], entretanto, que é nos estatutos das cidades italianas da idade média que se encontra a disciplina jurídica da concordata.

A primeira espécie surgida, foi a concordata suspensiva nos fins do século XIII, inserida na legislação falimentar das cidades medievais italianas. Seu amadurecimento deu-se ao final do século XIV e início do Século XV.

A concordata preventiva teve seu primeiro registro legal após a segunda metade do século XVI. SANTARELLI, citado por ABRÃO, relata:

"Porquanto não tenham faltado certos exemplos de concordatas preventivas na praxe dos séculos precedentes – como documentou, para Veneza, Cassandro – o primeiro conspícuo exemplo de orgânica regulamentação legislativa da matéria se tem nos estatutos luqueses da metade do século XVI, onde se contém uma norma que soa significativamente – daqueles que dessem seu estado para não falir. Nela é estabelecido que qualquer mercador, devedor de várias pessoas por, ao menos, duzentos escudos, que quisesse estipular um acordo com seus credores antes que fosse citado para efeito de ser considerado falido (o que confirma inequivocamente a natureza preventiva do acordo), devia apresentar-se aos juízes da Corte dos Mercadores e pedir a convolação de seus credores,... " (13)

1.1. Origem no Direito Comparado

Da Itália o instituto da concordata foi levado para a Alemanha, Suíça, Espanha, Holanda e França, onde foi regulamentado pela primeira vez na Ordenança de 1673. A concordata foi tratada no Código Comercial Francês de 1807 com a mesma severidade dispensada à falência, sendo amenizada somente em lei posterior datando de 1838.

O Código Comercial Francês foi o modelo de muitas legislações estrangeiras. Influenciou a codificação espanhola de 1829, assim como diversas legislações latinas [14].

1.2. Origem no Direito Brasileiro

No Brasil, a concordata suspensiva foi o primeiro instituto a ser regulado. O Código Comercial Brasileiro (1850), influenciado pelas legislações italiana, espanhola e portuguesa, em sua parte Terceira: "Das Quebras", no artigo 847 [15], regulou, de forma singela, a concordata.

A concordata era concedida pela maioria, em número, dos credores que representassem dois terços dos créditos alcançados pela concordata. Havia também a exigência da boa fé do comerciante, exigência esta que permanece até o presente.

Já em seu artigo 898 [16] trazia, concomitantemente à concordata suspensiva, a moratória como meio do devedor que provasse a impossibilidade de pagamento imediato e possuidor de fundos suficientes para pagamento integral de seus credores mediante a espera de um certo lapso de tempo, que não poderia exceder o limite de três anos [17].

O Decreto 917, de 24.10.1890, revogou a parte Terceira do Código Comercial e introduziu em nossa legislação a concordata preventiva, porém não suprimiu a moratória.

A moratória somente foi ab-rogada com o advento da Lei n. 859, de 16.08.1902. Entretanto manteve o acordo extrajudicial, que somente foi revogado em 1908 com a lei n. 2024, de 17 de dezembro. As leis posteriores, entre elas o Decreto-Lei 7661, de 21.06.45, atual lei de falências e concordatas, mantiveram as mudanças.

Outra lei de suma importância para a história da concordata no direito brasileiro é a de n. 4.983, de 18.5.66, que deu nova redação ao artigo 175 da Lei de falências, modificando o início da contagem do prazo para cumprimento da concordata preventiva, que antes iniciava a partir da homologação da concordata e passou a iniciar na data do ingresso do pedido em juízo.

2. Conceito e Função da Concordata

CARVALHO DE MENDONÇA, tendo por base autores estrangeiros e nacionais [18], afirmou ser a concordata "em sua ampla acepção (...) um acôrdo especial entre o devedor e os seus credores quirografários, unânimes, ou representados por certa maioria, tendo por fim evitar a declaração da falência, ou fazer cessar os efeitos da que já existe declarada." [19]

Conforme explica SILVA PACHECO, essa forma de conceber a concordata teve sua razão na legislação anterior ao Decreto-Lei 7661/45, pois "falavam em acordo e em aceitação dos credores... " [20]. Assim, houve rica produção doutrinária fundada no conceito de contrato, tanto considerando a concordata um "contrato único, sui generis," quanto "conjunto complexo de contratos individuais." [21]

Com o advento do Decreto-Lei 7661/45, que modificou sensivelmente o instituto da concordata passou-se a definir tal instituto sob novas perspectivas e ângulos.

ABRÃO, define a concordata como "um procedimento judicial visando a regularizar as relações patrimoniais entre o devedor comerciante impontual ou insolvente, e seus credores quirografários, evitando, ou removendo os efeitos da falência." [22]

Na definição de SAMPAIO DE LACERDA, a concordata é "o ato processual pelo qual o devedor propõe em Juízo melhor forma de pagamento de seus credores, a fim de que, concedida pelo juiz, evite ou suspenda a falência." [23]

MIRANDA VALVERDE, entretanto, definiu-a como "uma demanda, tendo por objeto a regularização das relações patrimoniais entre o devedor e seus credores quirografários e por fim evitar a declaração da falência, ou fazer cessar os efeitos dela, se já declarada." [24]

Os conceitos apresentados, desde os mais remotos até os mais atuais, têm em comum o entendimento que a função da concordata é de evitar ou cessar (se já declarada) a falência. Entretanto, tais conceitos, divergem quanto à natureza jurídica da concordata.

Ao meu ver, a concordata é uma ação do devedor contra seus credores, para promover o pagamento destes sem a liquidação do patrimônio da empresa e sua conseqüente extinção. Tem a função precípua de permitir o restabelecimento da empresa, devolvendo o equilíbrio patrimonial e a segurança entre o devedor e seus credores. Concedida antes da quebra evita a falência e se concedida após a quebra gera sua suspensão.

2.1. Função Econômica da Concordata

A falência constitui gravame à empresa que se encontra em crise, mas que possui chances de sobrevivência se a ela forem dados meios para tanto. O que seria um aniquilamento passa a ser, com a concordata, a esperança do restabelecimento da empresa.

Não se pode perder a idéia de que, muito mais que evitar ou suspender a falência, a concordata possui função econômica de suma relevância na política econômica nacional. Ela permite a manutenção do desenvolvimento da atividade a que se dedica o empresário, mantendo empregos e o produto ou serviços acessíveis à população em geral.

Jorge LOBO, tratando do gravame imposto pela falência, descreve opinião de GIOVANNI LO CASCIO:

Giovanni lo Cascio, (...) destaca, fazendo eco das palavras de todos os tratadistas, que a falência constitui um procedimento extremamente grave, seja para o devedor, seja para os credores, seja para a economia pública, bastando atentar no fato de que o empresário, com a quebra, perde o seu negócio e bens materiais e imateriais que o compõem, quando assiste à destruição de valores e de créditos, sem se falar numa longa e onerosa demanda judicial. A cessação das atividades de uma empresa, a interrupção de seus negócios e as repercussões do desastre econômico que provoca, até mesmo no âmbito de outras complexas organizações, pode gerar um estado de crise de ordem geral na economia nacional. O instituto da concordata (...), visa atenuar as conseqüências negativas da falência e impedir que se concretizem situações de notável dano público e privado, permitindo que o devedor conserve a administração de seus bens, não sucumba aos efeitos negativos de uma liquidação forçada, extinga, definitivamente, as próprias obrigações e fique livre para recomeçar suas atividades. (25)

O mesmo autor, citando BOLAFFIO, argumenta que a concordata,

"lança uma tábua de salvação aos credores, raramente imunes de responsabilidade na catástrofe de seus devedores, e vem em auxílio dos credores, evitando-lhes um procedimento longo e dispendioso, mesmo porque o devedor, mantido à frente do seu comércio, cautelosamente vigiado para evitar abusos, não tem o crédito inteiramente perdido; o aviamento, se não é mudado, continua operando; permanecem vivas as relações de negócios; os parentes e amigos, naturalmente piedosos, se não solícitos, acodem em seu socorro; por isso as condições que passam a estar os credores são indubitavelmente melhores do que aquelas conseguidas com a catástrofe. [26]

Assim, muito mais que simples forma de dilatar prazos ou remir parcialmente dívidas para evitar ou suspender a falência, a concordata é um instituto que têm função econômica de natureza primordial ao equilíbrio das relações comerciais e sociais.

3. Natureza Jurídica da Concordata.

Em virtude de divergências doutrinárias, surgiram diversas teorias que buscaram identificar a natureza jurídica da concordata. Duas delas, porém, são consideradas como teorias mestras, das quais derivaram outras tantas

3.1. Teoria Contratualista

Para os adeptos da teoria contratualista a concordata seria um contrato entre devedor e credores.

CARVALHO DE MENDONÇA observou que "a concordata se apresenta como contrato especial, estabelecendo ao mesmo tempo obrigações diretamente derivadas da convenção para os que a realizam e obrigações ex lege para os abstinentes, ou dissidentes em minoria." [27]

SAMPAIO DE LACERDA, usando as palavras de SOARES DE FARIA, entendia ter a concordata, natureza jurídica de contrato anômalo, sui generis, original, de natureza particular..." [28] Sustentava para tanto que:

essa originalidade derivava de que o vínculo surgia, embora não houvesse unanimidade dos credores e tornava-se, então, obrigatória para todos os credores que expressa ou tàcitamente nela consentissem, como, por fôrça da lei, os que dela dissentissem,(...) [29]

LÖRH, citado por SAMPAIO DE LACERDA, considerava a concordata dicotômica, possuindo tanto o caráter contratual, "para os aderentes" como o legal "para os credores ausentes e dissidentes, isto porque o acordo só se torna obrigatório depois de homologado pelo juiz." [30]

Já OETKER, afirmava ser, a concordata, o resultado "da união de três atos jurídicos: a proposta do devedor, a aprovação pela assembléia de credores e a sentença judicial." [31]

A explicação para essa teoria encontrava fundamento nos próprios textos das leis anteriores ao Dec-Lei 7661/45, pois falavam claramente em acordo, aceitação dos credores.

Mas é MIRANDA VALVERDE que traz a crítica mais apurada a esta teoria. Segundo este autor "ela é impotente para explicar a eficácia da concordata em relação aos credores que não se habilitaram no concurso, pois que eles não concorrem para formar nem a maioria, nem a minoria, são estranhos à assembléia de credores."

E continua: "a teoria contratual tem ainda o grave defeito de abstrair da sua concepção o complexo dos atos que formam o processo, fora do qual a concordata, no sentido técnico-jurídico, não existe." [32]

3.2. Teoria Não-Contratualista

Devido às lacunas apresentadas pelas teorias contratualistas e o advento da atual Lei de Falências, a teoria não-contratualista tomou forma. Para seus defensores a concordata seria uma ação, "uma demanda (Schultze), na qual a sentença dá a força obrigatória." [33]

MIRANDA VALVERDE citando a teoria desenvolvida por SCHULTZE, afirma que "com a insolvência (...) surge para os credores uma ação (pretensão) de concurso(...). A Concordata é um meio destinado à extinção daquela ação, e, por conseguinte, ao encerramento do concurso." [34]

Afirma ainda que "o conjunto dos credores constitui, como litisconsortes, uma só parte na causa, pois se trata de ação de concurso, que não pode ser decidida senão de um modo único e com fôrça obrigatória para todos os credores."

E conclui que a concordata "é uma demanda que se inicia com a proposta do devedor e prossegue, segundo as prescrições processuais, até a sentença, que rejeita ou homologa o pedido do devedor. (...)" E, é "da sentença (...) que decorre a força obrigatória da concordata." [35]

Resta evidente que as teorias defendidas pelos doutrinadores aqui apresentadas, tiveram seu desenvolvimento em razão da legislação vigente à época de sua formulação.

No Brasil, essa discussão perdeu forças quando da entrada em vigência da atual Lei de Falências (Dec-Lei 7661/45) que dá à concordata natureza jurídica de ação, demanda, em seus artigos 146, quando fala expressamente em "sentença" [36]; 147, quando obriga a todos os credores, mesmo aqueles não admitidos, a uma decisão judicial [37] e Art. 177, onde informa que a petição com o pedido de concordata preventiva é dirigida ao juiz, que concederá ou não. [38]

A teoria não contratualista que trata a concordata como ação é a que melhor se aplica à atual legislação brasileira tendo em vista a forma como ela se desenvolve no âmbito judicial. Como a generalidade das ações o autor propõe sua demanda contra os réus, alegando direito líquido e certo que lhe assiste. Se configurado tal direito ser-lhe á concedida a concordata, caso contrário haverá a decretação da falência.

4. Espécies de Concordata

Como explanado anteriormente, a concordata é uma ação, portanto deve ser proposta em juízo, sendo a via extrajudicial descartada por força da atual Lei de Falências. [39]

Os artigos 130 a 155 do Dec-Lei 7661/45 definem o tratamento legal da concordata de maneira geral. Os artigos posteriores tratam das duas espécies de concordata existentes no direito brasileiro:

4.1. A Concordata Preventiva

A concordata preventiva "evita que o devedor seja declarado falido; concedida, poderá, contudo, ser rescindida, convertendo-se o procedimento em falência." [40]

Ao analisar o artigo 156 [41] da Lei de Falências, apontam os doutrinadores [42] três modalidades de concordata preventiva:

4.1.1. a concordata preventiva moratória ou dilatória

O devedor almeja tão somente a prorrogação do prazo de pagamento de suas dívidas quirografárias.. (Art. 156, II, pagamento de 100% em 24 meses.)

4.1.2. a concordata preventiva remissória

O devedor propõe remissão parcial de suas dívidas comuns.(Art. 156, I).

4.1.3. a concordata preventiva mista

O devedor propõe a dilação e remissão parcial de suas dívidas comuns ou quirografárias.. (Art. 156, II, pagamento de 60% em 6 meses; 75% em 12 meses e, 90% em 18 meses).

4.2. A Concordata Suspensiva

Seu escopo é suspender a falência, fazendo com que o falido volte a ter a posse e administração de seus bens e a dar regular andamento na sua atividade empresarial. Tem por requisito essencial uma sentença decretatória de falência.

"É chamada (...) impropriamente de extintiva da falência. (...) se, a qualquer momento, o concordatário não cumpre suas obrigações ou infringe a lei, reabre-se a falência. Daí porque a denominação mais adequada é a de concordata suspensiva da falência." [43]

A concordata suspensiva, na opinião de ABRÃO [44], possui duas modalidades: a remissória e a mista (pagamento de 50 por cento em até dois anos).

4.3. Peculiaridades da Concordata Preventiva e da Concordata Suspensiva

Apontando as diferenças entre as espécies de concordata, SILVA PACHECO, afirma ser a concordata preventiva uma "ação autônoma", que tem como escopo evitar a falência pois requerida antes de decretada a falência do devedor, e "visa à prestação executiva, pelo Estado, nos moldes estabelecidos na lei". [45]

Já sobre a concordata suspensiva, o autor diz tratar de "ação incidente", pois requerida após a quebra, tem como propósito a suspensão da falência e "visa à prestação executiva tendente a liquidar o passivo, na forma excepcionalmente prevista em lei." [46]

Pontue-se que o favor da concordata, ao contrário da falência, não se estende ao comerciante irregular ou de fato, o que torna o instituto, de certa forma, elitista. Por outro lado a concordata tem um propósito que vai muito além do querer do empresário. Ela se funda no princípio da preservação da empresa, e se volta aos empresários de direito.

Sobre a autora
Anna Christina Gonçalves De Poli

Advogada e Professora de Direito Comercial na UTP-PR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

POLI, Anna Christina Gonçalves. A natureza jurídica do despacho inicial que determina o processamento da concordata preventiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 471, 21 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5813. Acesso em: 22 dez. 2024.

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