1. Conceito, diretrizes e modalidades.
Trata-se de modalidade especial de concessão de serviço público que possui como objetivo atrair o investimento privado, nacional ou estrangeiro, para a viabilização de projetos de grande vulto que não podem ser suportados apenas pela administração pública. Em contrapartida, ao parceiro privado (contratado) é garantido um retorno mínimo sobre o capital investido, mediante uma contraprestação paga pelo parceiro público a longo prazo, gerando despesas de caráter continuado ao ente público.
É regida pela lei 11.079/2004, de caráter geral nacional e de observância obrigatória por todos os entes da administração direta e indireta dos Poderes Executivo e Legislativo, pois editada pela União no exercício da competência prevista no artigo 22, XXVII, da CF. Ressalte-se que existe uma parte dessa lei que se aplica apenas à União, especificamente seus artigos 14 a 22.
Nas contratações realizadas por meio de parceiras público-privadas, devem ser observadas as seguintes diretrizes, de acordo com o artigo 4.º da Lei 11.079/04:
I – eficiência no cumprimento das missões de Estado e no emprego dos recursos da sociedade;
II – respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços e dos entes privados incumbidos da sua execução;
III – indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado;
IV – responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias;
V – transparência dos procedimentos e das decisões;
VI – repartição objetiva de riscos entre as partes;
VII – sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas dos projetos de parceria.
A Lei 11.079/04 traz das duas modalidades de contratação que consubstanciam parcerias público-privadas, quais sejam, a concessão administrativa e a concessão patrocinada.
- concessão patrocinada: trata-se de delegação de serviços públicos ou obras públicas quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada do usuário, uma contraprestação do ente público concedente. Se a contraprestação da administração ultrapassar 70% do valor da remuneração do parceiro privado, existirá a necessidade de autorização legislativa específica. A ela se aplicam subsidiariamente as normas da lei 8789/95.
- concessão administrativa: aqui há a delegação de serviços (a lei não o qualifica como necessariamente público) dos quais a administração seja usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou o fornecimento e instalação de bens. Ou seja, a PPP nessa modalidade poderá abranger um:
- serviço público não remunerado por tarifa cobrada aos usuários, mas sim custeado pela administração, que será prestado diretamente à população pelo parceiro privado contratado, de forma que, nesse caso, a administração é usuária indireta; Ex: a construção de um hospital e a prestação de serviço de saúde pelo parceiro privado.
- serviço comum, que normalmente poderia ser objeto de um contrato administrativo de prestação de serviços, possuindo a administração como usuária direta, mas que, por forca da Lei 11.079/14, será regido como se uma concessão administrativa fosse.
À concessão administrativa se aplicam, de forma subsidiária, apenas alguns artigos da lei 8789/95. Ressalte-se que em ambas existirá a contraprestação da administração pública.
Por fim, destacamos as três hipóteses em que é vedada a realização das parcerias público-privadas, conforme artigo 2.º, §4.º da lei 11.079/04. São elas: (i) quando o valor do contrato seja inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais); (ii) cujo período de prestação do serviço seja inferior a 5 (cinco) anos (máximo de 35 anos); ou (iii) que tenha como objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública.
2. Formas de contraprestação da Administração Pública.
Conforme dispõe o artigo 6.º da Lei 11.079/04, a contraprestação da administração ao particular no bojo do contrato de concessão na modalidade parceria público-privada poderá ser uma (i) ordem bancária, (ii) cessão de créditos não tributários, (iii) outorga de direitos em face da administração pública, (iv) outorga de direitos sobre bens públicos dominicais, ou (v) outros meios de admitidos em lei.
A remuneração do parceiro poderá ser variável, de acordo com o seu desempenho, conforme metas e padrões de qualidade definidos no contrato. Poderá também ser concedido um aporte de recursos ao parceiro privado para realizar obras ou adquirir bens reversíveis, desde que tais gastos estejam autorizados pelo edital de licitação (atualmente não se exige lei específica autorizando esse aporte). Nesse caso, o parceiro não receberá qualquer indenização pela não amortização ou depreciação de parcelas referentes a esses bens, quando da extinção do contrato.
A regra é que o pagamento da contraprestação seja obrigatoriamente realizado após a disponibilização do serviço. Frise-se que contraprestação não se confunde com aporte de recursos, que poderá ser efetuado ainda na fase de investimentos, antes de existir qualquer serviço disponibilizado, desde que guarde proporcionalidade com as etapas executadas.
É possível que a administração efetue o pagamento da contraprestação ao parceiro privado mesmo que não tenha sido prestado o serviço na sua integralidade, desde que: (a) se trate de parcela fruível, ou seja, se (b) o serviço for divisível e parte do serviço puder ser desfrutado separadamente, (c) existindo autorização para tanto no contrato.
3. Cláusulas contratuais e garantias no contrato de PPP.
No âmbito do contrato de parceria público-privada, a legislação de regência exige que sejam previstas determinadas cláusulas referentes a prazo de vigência, penalidades, repartição de riscos entre os contratantes, formas de remuneração, atualização dos valores contratuais, critérios para avaliação de desempenho do parceiro privado, prestação de garantias por este, bem com a forma de seu acionamento, dentre outras, conforme disposto no artigo 5.º da Lei 11.079/04, a seguir transcrito, in verbis:
I – o prazo de vigência do contrato, compatível com a amortização dos investimentos realizados, não inferior a 5 (cinco), nem superior a 35 (trinta e cinco) anos, incluindo eventual prorrogação;
II – as penalidades aplicáveis à Administração Pública e ao parceiro privado em caso de inadimplemento contratual, fixadas sempre de forma proporcional à gravidade da falta cometida, e às obrigações assumidas;
III – a repartição de riscos entre as partes, inclusive os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária;
IV – as formas de remuneração e de atualização dos valores contratuais;
V – os mecanismos para a preservação da atualidade da prestação dos serviços;
VI – os fatos que caracterizem a inadimplência pecuniária do parceiro público, os modos e o prazo de regularização e, quando houver, a forma de acionamento da garantia;
VII – os critérios objetivos de avaliação do desempenho do parceiro privado;
VIII – a prestação, pelo parceiro privado, de garantias de execução[1] suficientes e compatíveis com os ônus e riscos envolvidos, observados os limites dos §§ 3o e 5o do art. 56 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, e, no que se refere às concessões patrocinadas, o disposto no inciso XV do art. 18 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995;
IX – o compartilhamento com a Administração Pública de ganhos econômicos efetivos do parceiro privado decorrentes da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados pelo parceiro privado;
X – a realização de vistoria dos bens reversíveis, podendo o parceiro público reter os pagamentos ao parceiro privado, no valor necessário para reparar as irregularidades eventualmente detectadas.
XI - o cronograma e os marcos para o repasse ao parceiro privado das parcelas do aporte de recursos, na fase de investimentos do projeto e/ou após a disponibilização dos serviços, sempre que verificada a hipótese do art. 6.º, §2.º, da Lei 11.079/04. (destaques acrescidos ao original)
Por outro lado, a lei 11.079/04 traz algumas cláusulas que podem estar previstas no contrato de concessão em tela, mas não ostentam caráter de obrigatoriedade. Tais cláusulas estão previstas no artigo 5.º, §2.º da mencionada lei, e poderão versar sobre:
I - os requisitos e condições em que o parceiro público autorizará a transferência do controle ou a administração temporária da sociedade de propósito específico aos seus financiadores e garantidores com quem não mantenha vínculo societário direto, com o objetivo de promover a sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade da prestação dos serviços, não se aplicando para este efeito o previsto no inciso I do parágrafo único do art. 27 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; (Redação dada pela Lei nº 13.097, de 2015)
II – a possibilidade de emissão de empenho em nome dos financiadores do projeto em relação às obrigações pecuniárias da Administração Pública;
III – a legitimidade dos financiadores do projeto para receber indenizações por extinção antecipada do contrato, bem como pagamentos efetuados pelos fundos e empresas estatais garantidores de parcerias público-privadas.
Quanto às garantias, cumpre ser esclarecido que, quando prestadas pela administração pública, não são por obrigação decorrente de lei, ao contrário daquelas que são prestadas pelo parceiro privado em prol da execução do contrato, de natureza obrigatória, conforme disposto no inciso VIII do artigo 5.º, transcrito acima.
As garantias prestadas pela administração pública e, portanto, facultativas, poderão ser as seguintes, conforme disposto no artigo 8.º da Lei 11.079/04:
- vinculação de receitas, observadas as vedações constitucionais;
- instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei;
- contratação de seguro-garantia com seguradoras que não sejam controladas pelo poder público;
- garantias prestadas por organismos internacionais ou instituições financeiras que não sejam controladas pelo poder público;
- garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal criada para essa finalidade;
- outros mecanismos admitidos em lei;
4. Sociedade de propósito específico (SPE).
Constituída antes da celebração do contrato, possui como função implantar e gerir o objeto da PPP. Poderá assumir a forma de companhia aberta, com valores mobiliários negociados no mercado.
O seu controle acionário apenas poderá ser transferido nos termos do contrato e do edital, desde que conte com prévia autorização da administração pública e que, em regra, o pretendente possua capacidade técnica, idoneidade financeira, regularidade jurídica e fiscal. Apenas se a transferência se der para os financiadores da PPP, com o objetivo de promover a reestruturação financeira e assegurar a continuidade do serviço, é que serão dispensadas as exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira, regularidade jurídica e fiscal.
A maioria do seu capital votante não poderá ser da administração pública, exceto quando instituição financeira controlada por ente público adquire essa maioria em razão de inadimplemento dos contratos de financiamento.
5. Licitação prévia.
A contratação da parceria público-privada deve, necessariamente, ser precedida de licitação na modalidade concorrência, embora seja possível a adoção de alguns elementos extraídos do procedimento do pregão, a exemplo da possibilidade de lances verbais e a inversão das fases de habilitação e julgamento. O objeto deverá estar contemplado no PPA e a minuta do edital deverá ser submetida à consulta pública, facultando-se que o edital exija a prestação de garantia de proposta dos licitantes, em até 1% (um por cento) do valor estimado da contratação. Também é possível a eleição da arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, como mecanismo de resolução de conflitos.
O julgamento das propostas poderá ser precedido da etapa de qualificação das propostas técnicas. Poderão ser adotados os seguintes critérios nessa etapa:
- menor tarifa;
- combinação da menor tarifa e melhor técnica;
- menor valor da contraprestação da administração pública;
- combinação do menor valor da contraprestação da administração pública e melhor técnica;
Existe a possibilidade de participação do elaborador do projeto básico e/ou executivo, direta ou indiretamente, na licitação e na execução do contrato, derrogando a Lei 8666/93 nesse ponto.
5. Regras especificamente aplicáveis à União.
A Lei 11.079/2004 possui regras de caráter geral, aplicáveis a todos os entes, bem como de caráter federal, que se restringem à União.
A criação de um comitê gestor das parcerias público-privadas federais (CGP) é exemplo de particularidade no âmbito das parcerias no âmbito da União. É criado por meio de decreto e possui as seguintes funções:
- Definir os serviços prioritários que reclamam e execução através da PPP;
- Disciplinar os procedimentos para a contratação por meio de parcerias público-privadas;
- Autorizar a abertura da licitação e aprovar o seu edital. É importante mencionar que a licitação será realizada pelo Ministério ou Agência reguladora, mas deverá contar com a prévia autorização do CGP;
- Apreciar os relatórios de execução dos contratos.
Outra particularidade consiste na criação do Fundo garantidor da parcerias público-privada (FGP). Trata-se de ente de natureza privada e gerido por instituição financeira controlada (direta ou indiretamente) pela União, com o propósito de servir de garantia nas parcerias público-privadas, quando for exigida do parceiro público. Seu patrimônio é formado por bens e direitos da União, fundos especiais, autarquias, fundações e empresas estatais, que serão integralizados por meio de cotas. Esses bens e direitos poderão ser:
- Dinheiro, títulos da dívida pública, bens imóveis dominicais e móveis;
- Bens públicos de uso especial ou comum do povo, após desafetação;
- Recursos orçamentários, no âmbito de encargos financeiros da União;
O fundo poderá ser acionado pelo parceiro privado quando:
- Existente crédito líquido e certo, aceito a não pago pelo parceiro público após 15 dias contados da data do vencimento;
- Débitos constantes de faturas emitidas e não aceitas pelo parceiro público após 45 dias contados do vencimento, desde que não tenham sido expressamente rejeitadas por ato motivado;
Em caso de inadimplemento do parceiro público e uma vez acionado o Fundo Garantidor, os bens e direitos dos entes públicos, utilizados para integralizar as suas cotas, serão alvo de constrição judicial e alienação, fugindo à regra da impenhorabilidade trazida pelo artigo 100 da CF, em razão de que vem recebendo críticas por parte da doutrina, em especial DI PIETRO.
A dissolução do fundo será deliberada em assembleia dos cotistas e ficará condicionada à prévia quitação da totalidade dos débitos garantidos ou da liberação das garantias pelos devedores.
É possível a criação de um patrimônio de afetação no âmbito do FGP, destinado a garantir um específico contrato.
Por fim, consigne-se que, no âmbito da responsabilidade fiscal, a lei 11.079/2004 veda que a União contrate novas parcerias público-privadas quando a soma das despesas de caráter continuado derivadas de conjuntas parcerias já contratadas exceda, no ano anterior, a um por cento da receita corrente liquida do exercício, bem como as despesas anuais dos contratos vigentes, nos dez anos subsequentes, não excedam a um por cento da receita corrente liquida projetada para os respectivos exercícios. A União ficará proibida de garantir ou realizar transferências voluntárias a Estados, DF e Municípios que desrespeitarem a regra acima, utilizando-se o percentual de limite de 5% da receita corrente liquida.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALEXANDRE, Ricardo; DEUS, João de. Direito Administrativo Esquematizado. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método. 2015.
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 25ª ed. São Paulo: Saraiva. 2017.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 30ª ed. São Paulo: Atlas. 2016.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas. 2014.
MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 10ª ed. São Paulo: Saraiva. 2016.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende de. Licitações e Contratos Administrativos. Teoria e Prática. 4ª ed. São Paulo: Método. 2015.
Nota
[1] Garantia limitada a 10% do valor do contrato mais o valor dos bens reversíveis. No caso de concessão patrocinada envolvendo obra pública, a garantia será limitada ao valor desta.