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O contexto do desenvolvimento do pensamento de Loïc Wacquant

(no movimento repressivista "law and order")

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Agenda 23/10/2004 às 00:00

Bibliografia

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Notas

1 Usarei, neste trabalho, para designar o mesmo sentido as palavras: indesejados, estranhos, pobres, miseráveis, débeis...

2 "Embora estejam disponíveis outras imagens sociológicas do processo civilizador, a mais comum (e amplamente aceita) é a que impõe como seus pontos centrais a supressão de atos irracionais e essencialmente antissociais e a gradual mas persistente eliminação da violência da vida social (mais precisamente, a concentração da violência sob controle do Estado, onde é usada para guardar os perímetros da comunidade nacional e as condições da ordem social). O que funde os dois pontos centrais num só é a visão da sociedade civilizada – pelo menos na nossa forma ocidental moderna – como, primeiro e antes de mais nada, uma força moral; como um sistema de instituições que cooperam e se completam mutuamente na imposição de uma ordem normativa e do império da lei, que por sua vez preservam condições de paz social e segurança individual mal defendidas em cenários pré-civilizados." BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Holocausto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. pp. 47-48.

3 "A vida organizada em torno do consumo, por outro lado, deve se bastar sem normas: ela é orientada pela sedução, por desejos sempre crescentes e quereres voláteis – não mais por regulação normativa. Nenhum vizinho em particular oferece um ponto de referência para uma vida de sucesso; uma sociedade de consumidores se baseia na comparação universal – e o céu é o único limite." BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 90.

4 "Ora, essas noções não brotaram espontaneamente, já todas constituídas da realidade. Elas inscrevem-se em uma vasta constelação discursiva de termos e teses vindos dos Estados Unidos sobre crime, a violência, a justiça, a desigualdade e a responsabilidade – do indivíduo da ‘comunidade’, da coletividade nacional – que pouco a pouco se insinuavam no debate público europeu e que devem o essencial de seu poder de persuasão à sua onipresença e ao prestígio redescoberto de seus pioneiros na cena internacional. A banalização desses lugares – comuns dissimula em risco que muito pouco tem a ver com os problemas aos quais se referem ostensivamente: a redefinição das missões do Estado, que, em toda a parte, se retira da arena econômica e afirma a necessidade de reduzir seu papel social e de ampliar, endurecendo-a, sua intervenção penal. O Estado-providência europeu deveria doravante ser enxugado, depois punir suas ovelhas dispersas e reforçar a ‘segurança’, definida estritamente em termos físicos e não em termos de riscos de vida (salarial, social, médico, educativo etc.) ao nível de prioridade da ação pública." WACQUANT, Loïc. As Prisões da Miséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. pp. 17-18.

5 "E articula nesses" – Murray – "termos categóricos e política penal que deve acompanhar a retirada social do Estado: ‘Um sistema judiciário não tem que se preocupar com as razões que levam alguém a cometer um crime. A justiça está aí para punir os culpados, indenizar os inocentes e defender os interesses dos cidadãos que respeitam a lei.’ Em termos claros, o Estado não deve se preocupar com as causas da criminalidade das classes pobres, à margem de sua ‘pobreza moral’ (o novo ‘conceito’ explicativo em voga), mas apenas com suas conseqüências, que deve punir com eficácia e intransigência." WACQUANT, ob. cit. p. 50.

6 "A penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com um ‘mais Estado’ policial e penitenciário o ‘menos Estado’ econômico e social que é própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos os países, tanto do Primeiro como do Segundo Mundo." Penalidade, segundo o autor, é o conjunto de práticas, instituições e discursos relacionados à pena e à pena criminal. WACQUANT. ob. cit. p. 7. (grifo do autor) A terminologia usada pelo autor de Primeiro e Segundo Mundo, ao meu ver, ficou no passado, pois com o fim da União Soviética, acabou a tripartição de Primeiro, Segundo e Terceiro Mundos. Passou-se a usar a seguinte terminologia: países desenvolvidos e subdesenvolvidos e/ou em desenvolvimento.

7 "A investigação sociológica mostra, ao contrário, que: a) no interior de uma sociedade moderna existem, em correspondência à sua estrutura pluralista e conflitual, em conjunto com valores e regras sociais comuns, também valores e regras específicas de grupos diversos ou antagônicos; b) o direito penal não exprime, pois, somente regras e valores aceitos unanimemente pela sociedade, mas seleciona entre valores e modelos alternativos, de acordo com grupos sociais que, na sua construção (legislador) e na sua aplicação (magistratura, polícia, instituições penitenciárias), têm um peso prevalente; c) o sistema penal conhece não só valorações e normas conformes às vigentes na sociedade, mas também defasamentos em relação a elas; freqüentemente acolhe valores presentes somente em certos grupos ou em certas áreas e negados por outros grupos e em outras áreas (pense-se no tratamento privilegiado, no código italiano, do homicídio por motivo de honra) e antecipações em face das reações da sociedade (pense-se na perseguição de delitos que não suscitam, ou ainda não suscitam, uma apreciável reação social: delitos econômicos, delitos de poluição ambiental) ou retardamentos (pense-se na perseguição de delitos em face dos quais a reação social não é mais apreciável, como determinados delitos sexuais, o aborto etc.); d) enfim, uma sociologia historicista e crítica mostra a relatividade de todo o sistema de valores e de regras sociais, em uma dada fase do desenvolvimento da estrutura social, das relações sociais de produção e do antagonismo entre grupos sociais, e por isso, também a relatividade do sistema de valores que são tutelados pelas normas do direito penal." BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999. pp. 75-76.

8 "De Nova York, a doutrina da ‘tolerância zero’, instrumentos de legitimação da gestão policial e judiciária da pobreza que incomoda – o que se vê, a que causa incidentes e desordens no espaço público, alimentando, por conseguinte, uma difusa sensação de insegurança ou simplesmente de incômodo tenaz e de inconveniência –, propagou-se através do globo a uma velocidade alucinante. E com ela a retórica militar da ‘guerra’ ao crime e da ‘reconquista’ do espaço público, que assimila os delinqüentes (reais ou imaginários), sem-teto, mendigos e outros marginais a invasores estrangeiros – o que facilita o amálgama com a imigração sempre rendosa eleitoralmente." WACQUANT, ob. cit. p. 30. (grifo do autor)

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9 "Acreditam na razão humana, sem suspeitar, sequer, de seus limites ou condições para obter o conhecimento e alcançar verdades universais quanto ao ser, à existência e à conduta." MARTINS, José Salgado. Preparação à Filosofia. Porto Alegre: Globo, 1969. p. 41.

10 Eleitoreiras pelo simples fato que nos Estados Unidos da América o voto é facultativo, ou seja, só vota quem quer. E, geralmente, as classes que se dispõe a votar é a média, a rica e minoria da classe pobre.

11 "É suficiente, para discernir as funções desempenhadas pela extensão desmesurada do aparelho carcerário americano no mesmo momento em que a criminalidade recua, desenhar em linhas gerais, o perfil sociológico da ‘clientela’ que ele recebe em seu ponto de entrada. Ele evidencia imediatamente que o meio milhão de reclusos que abarrotam as quase 3.300 casas de detenção do país – e os 10 milhões que passam por seus portões a cada ano – são recrutados prioritariamente nos setores mais deserdados da classe operária, e notadamente entre as famílias do subproletariado de cor nas cidades profundamente abaladas pela transformação conjunta do salariado e da proteção social. E mostra, portanto, que reelaborando sua missão histórica, o encarceramento serve bem antes à regulação da miséria quiçá à sua perpetuação, e ao armazenamento dos refugos do mercado." WACQUANT, Loïc. Punir os Pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001. p. 33.

12 "Os Estados Unidos recorrem, no curso de sua história, não a uma, mas a muitas ‘instituições peculiares’ para definir, confinar e controlar os afro-americanos. A primeira é a escravidão como pivô da economia das plantações e matriz original da divisão racial da época colonial até a Guerra Civil. A segunda é o chamado ‘sistema de Jim Crow’, sistema legal de discriminação e de segregação do berço à tumba que ancorava a sociedade agrária do Sul do fim da Reconstrução até a Revolução dos Direitos Civis, que o derrubou um longo século depois da abolição da escravatura (Woodward, 1957; Litwack, 1998). O terceiro dispositivo especial graças ao qual a América conteve os descendentes de escravos nas metrópoles do norte industrial é o gueto, produto do cruzamento da urbanização e da proletarização dos afro-americanos da Grande Migração de 1914 – 1930 até os anos 60, quando a transformação conjunta da economia e do Estado e a mobilização crescente dos negros contra a exclusão de casta, que culminou com a vaga de confrontos urbanos reportados pelo Relatório da Comissão Kerner (Spear, 1968; Kerner Commission, 1988), tornaram-no parcialmente obsoleto. Argumentei aqui que a quarta ‘instituição peculiar’ da América é o novo complexo institucional composto por vestígios do gueto negro e pelo qual aparato carcerário, ao qual o gueto ligou-se por uma relação estreita de simbiose estrutural e de suplência funcional." WACQUANT, ob. cit. p. 99. (grifo do autor)

13 "Para atenuar estas carências do aparelho público, as mesmas firmas que disputam o florescente mercado do encarceramento privado oferecem-se para fornecer os sistemas informáticos ‘chaves na mão’ e os serviços administrativos e humanos necessários para respeitar a nova lei. Grandes empresas como Electronic Data System (a companhia fundada e dirigida por Ross Perot), Lockheed Information Services (filial da gigante do armazenamento Lockheed Martin), Andersen Consulting, IBM e Untsis vão fzaer concorrência às associações caritativas e benevolentes no mercado de serviços aos pobres." WACQUANT, ob. cit. p. 50. A nova lei comentada pelo autor é sobre à assistência social.

14 "O California Department of Correction, CDC para os iniciados, é um verdadeiro Estado dentro do Estado, e seus empregados formam um dos lobbies mais influentes da Califórnia. Com a força de um orçamento de 4 bilhões de dólares (ou seja, 8% das despesas públicas, acima das dotações para o ensino superior), esta administração emprega 42 mil pessoas e gere uma rede de 32 prisões e 38 boot camps para jovens delinqüentes. Em 1.º de outubro de 1996, estes estabelecimentos abrigavam 143.028 detentos, dos quais 31,5% latinos e 29,6% brancos, sendo que estas três categorias representam respectivamente 7%, 26% e 69% da população californiana." WACQUANT, Loïc, A Ascensão do Estado Penal nos EUA. In: Discursos Sediciosos: Crime, Direito e Sociedade. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p. 31.

15 "De fato, a dita ‘reforma’ dos serviços sociais nada tem de reforma, pois consiste em abolir o direito à assistência para as crianças mais desfavorecidas e substituí-lo pela obrigatoriedade do salariado desqualificado e subpago para seus pais. Ela afeta apenas um setor menor dos gastos sociais do Estado americano – aqueles voltados para as famílias pobres, os enfermos e os indigentes -, excluindo os programas que beneficiam as classes médias, habitualmente reagrupados sob a denominação social insurance, por oposição ao termo maldito welfare. Finalmente, longe de inovar, esta ‘reforma’ só faz reciclar remédios vindos diretamente da era colonial e que, no passado, já deram provas de sua ineficácia (KATZ, 1996): estabelecer uma demarcação categórica entre pobres ‘merecedores’ e pobres indolentes, empurrar estes últimos através da coação para os segmentos inferiores do mercado de trabalho e ‘corrigir’ os comportamentos supostamente desviantes e desviados que seriam a causa da miséria de uns e outros." WACQUANT, ob. cit. p. 41.

16 É preciso levar em consideração que cada Estado da Federação americana tem maior grau de autonomia no que tange às decisões legislativas, comparando com a organização federativa brasileira. Por isso, nem sempre as obrigações exigidas para os delinqüentes, até crimes, sejam as mesmas para o resto das unidades da federação.

17 "Os delinqüentes sexuais são, com os jovens dos bairros segregados e deserdados, o alvo privilegiado do panoptismo penal que floresce sobre os escombros do Estado caritativo americano. Os condenados por atentados ao pudor são certamente, já há muito tempo, objeto de medos e de medidas especiais em razão do estigma particularmente virulento que os persegue em uma cultura puritana. Na Califórnia, por exemplo, eles são obrigados desde 1947 a se registrarem junto ao comissariado de polícia de seu local de residência nos cinco dias seguintes à sua liberação de uma casa de detenção ou de pena e de aí compareceram anualmente nos cinco dias seguintes a seu aniversário. E, desde 1995, todo o delinqüente sexual californiano que não cumpre esta obrigação é passível de sofrer de 16 a 36 meses de prisão (e de reclusão perpétua automática se for a sua terceira condenação penal). Também lhes é formalmente proibido exercer uma profissão ou fazer parte de uma associação que os coloque em contato com menores, entre as várias restrições que os atingem. Mas, a exemplo de outros ex-presos, eles podiam até recentemente usar do anonimato para refazer a própria vida, uma vez purgada a sua pena. Não é mais o caso depois que o Congresso votou, em 1996, a ‘Lei de Megan’, que prescreve às autoridades a colocação dos ‘sex offenders’ no índex e que os entrega a inquisição permanente e à vingança aberta do público." WACQUANT, ob. cit. p. 113.

18 "Com efeito, a acusação fundamental que Marcuse faz à sociedade altamente desenvolvida, e em particular à americana, é de ser desumana. E é desumana porque coloca e mantém o homem num meio irracional e repressivo e, portanto, em contraste com suas prerrogativas fundamentais: a razão e a liberdade." NOGARE, Pedro Dalle. Humanismos e Anti-Humanismos: Introdução à Antropologia Filosófica. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 1990. p. 199. (grifo do autor)

19 Sonho americano que poucos podem sonhar e que há muito se tornou pesadelo para a grande parte da população. "American way of life".

20 Nota de pé de página número 79 do livro História do Direito Privado Moderno de FRANZ WIACKER, que diz o seguinte: "Lê Lys rouge, cap. VIII, I; no contexto de um requisitório socialista do antigo comunardo Choulette contra a revolução francesa que tinha reservado os seus frutos para a burguesia do terceiro estado: ‘Sim, somos burgueses... Isto significa para os pobres manter e agüentar os ricos na sua ociosidade. Eles têm que trabalhar sob a igualdade majestática das leis que proíbem tanto aos pobres como aos ricos dormir de baixo das pontes pedir pelas ruas e roubar pão. Isto foi um dos frutos da revolução. Pois esta revolução foi pelos tolos e pelos idiotas saqueadores do patrimônio nacional e, no fundamental, apenas conseguiu enriquecer os proprietários rurais e os rendeiros burgueses, pondo no trono a riqueza sob o nome da igualdade. E o que eu aqui digo nunca poderia ser impressa." p. 523.

21 A Revolução Francesa veio no sentido de inovar, acabar com as instituições então vigentes e implantar outras, aniquilando os privilégios estamentais, vigorantes no regime feudal. Possibilitou, assim, uma proteção a todos os cidadãos franceses, principalmente aos burgueses. Neste empreendimento revolucionário, importante foi a idéia geral e abstrata tida de Homem, levando, não só a França mas, para o mundo a intenção da valorização, em relação à antiga idéia, e proteção de direitos. Prerrogativas adquiridas apenas pela condição de ser Humano. "Os revolucionários de 1789, ao contrário, julgavam-se apóstolos de um mundo novo, a ser anunciado a todos os povos e em todos os tempos vindouros. Nos debates da Assembléia Francesa sobre a redação da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, multiplicaram-se as intervenções de deputados nesse sentido. Démeunier afirmou, na sessão de 3 de agosto, que ‘esses direitos são de todos os tempos e de todas as nações’. Mathieu de Montmorency repetiu, em 8 de agosto: ‘os direitos do homem em sociedade são eternos, (...) invariáveis como a justiça, eternos como a razão; eles são de todos os tempos e de todos os países’. Pétion, que foi maire de Paris, considerou normal que a Assembléia se dirigisse a toda a humanidade: ‘Não se trata aqui de fazer uma declaração de direitos unicamente para a França, mas para o homem em geral’." COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p.

22 "Os testemunhos da época e os historiadores estão de acordo em considerar que esse ato representou um daqueles momentos decisivos, pelo menos simbolicamente, que assinalam o fim de uma época e o início de outra, e, portanto, indicam uma virada na história do gênero humano." BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 9. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 85. Texto referente à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, francesa.

23 "Os direitos fundamentais, ao menos no âmbito de seu reconhecimento nas primeiras Constituições escritas, são o produto peculiar (ressalvado certo conteúdo social característico do constitucionalismo francês), do pensamento liberal-burguês do século XVIII, de marcado cunho individualista, surgindo e afirmando-se como direitos do indivíduo frente ao Estado, mais especificamente como direitos de defesa, demarcando uma zona de não-intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seu poder." SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 48.

24 "Vêm-nos à mente as cenas apavorantes descritas por Malthus, o mundo partindo-se ao meio, deixando vítimas em luta pela sobrevivência. Num tempo não muito distante e num lugar conhecido, aquilo tudo quase aconteceu. De 1929 a 1933, nos Estados Unidos, a mão invisível do livre mercado deu tapas na cara da prosperidade. O desemprego aumentou vertiginosamente de cerca de 3% para 25% e a renda nacional caiu à metade. As construções imobiliárias pararam. Muitos perderam suas casas e seus negócios. A quebra da Bolsa de Valores em 1929, com os corretores pulando para a morte, tornou-se simultaneamente o símbolo e a causa do declínio econômico posterior. Os exuberantes anos vinte perderam o ímpeto, deixando a renda de 1933 mais baixa do que a de 1922. Os trabalhadores engalfinhavam-se pelos poucos empregados disponíveis. As sopas dos pobres proliferaram. E a depressão psicológica acompanhou a depressão econômica." BUCHHOLZ, Todd G. Novas Idéias de Economistas Mortos: O moderno pensamento econômico. São Paulo: Tama, 1989. p. 218.

25 O fôlego deste trabalho não permite que se adentre na questão da implantação do socialismo. Alguns, no entanto, chamam o modelo da União Soviética de comunismo.

26 "O impacto da industrialização e os graves problemas sociais e econômicos que a acompanharam, as doutrinas socialistas e a construção de que a consagração formal de liberdade e igualdade não gerava a garantia do seu efetivo gozo acabaram, já no decorrer do século XIX, gerando amplos movimentos reivindicatórios e o reconhecimento progressivo de direitos atribuindo ao Estado comportamento ativo na realização da justiça social." SARLET, ob. cit. p.49.

27SANDRONI, Paulo (org.). Novo Dicionário de Economia. São Paulo: Best Seller, 1994. p. 127.

28 "Contudo, talvez um problema não possa ser resolvido por mercadores ou governos hábeis. O ser humano será capaz de acompanhar o ritmo das novas invenções, que tornam obsoletas atividades e cargos tradicionais? O ser humano será capaz de instruir-se com rapidez suficiente para lidar com a era do computador e do pós-computador? É muito provável que sim. Porém, quanto mais complexa se torna a sociedade, mais e mais pessoas passarão por entre as malhas das diferentes redes de segurança – os que têm deficiências psicológicas, físicas e intelectuais acabarão vacilando. É materialmente mais fácil mas psicologicamente mais difícil viver no mundo de hoje do que no de duzentos anos atrás. A vida numa cidade do século XX é mais dura para o espírito humano do que a vida numa fazenda jamais foi. É bastante fácil perder o pé no mundo moderno, ser levado pelo turbilhão de um fábrica e acabar como um vagabundo sem lar, como Charles Chaplin em ‘Tempos Modernos’". BUCHHOLZ, ob. cit. p. 306.

29 A teoria de PONTES DE MIRANDA, quantum despoticum, assinala para a instabilidade social. Ele traz o seguinte: uma sociedade que tem prevalentemente a religião dominando o ambiente é mais estável, a moral, um pouco menos e assim vai passando pela, arte, ciência (o ponto ideal), direito, política e economia. Esta última terá uma maior incidência de conflitos, fazendo com que o ambiente social seja instável. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Introdução a Política Científica. Rio de Janeiro: Forense, 1983.

30 "Com a velocidade geral de movimento ganhando impulso – com a ‘compressão’ de tempo/espaço enquanto tais, como assinala David Harvey – alguns objetos movem-se mais rápidos que outros. ‘A economia’ – o capital, que significa dinheiro e outros recursos necessários para fazer as coisas, para fazer mais dinheiro e mais coisas – move-se rápido; rápido o bastante para se manter permanentemente um passo adiante de qualquer Estado (territorial, como sempre) que possa tentar conter e redirecionar suas viagens. Neste caso, pelo menos, a redução do tempo de viagem a zero produz uma nova qualidade: uma total aniquilação das restrições espaciais, ou melhor, a total ‘superação da gravidade’. O que quer que se mova a uma velocidade aproximada à do sinal eletrônico é praticamente livre de restrições relacionadas ao território de onde partiu, ao qual se dirige ou que atravessa." BAUMAN, Zygmunt. Globalização: As conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. p. 63.

31 "O que se pode efetivamente observar é o seguinte: com a crescente mudança nas relações entre os seres humanos e as forças naturais extra-humanas, estas últimas vão aos poucos perdendo terreno como elemento da noção de um ‘mundo externo’ oposto ao ‘mundo interno’ humano. Em lugar delas, o abismo entre a parte ‘interna’ do indivíduo e as outras pessoas, entre o verdadeiro eu interior e a sociedade ‘externa’, desloca-se para o primeiro plano. À medida que os processos naturais se tornam mais fáceis de controlar, parece que nossa relativa falta de controle sobre as relações entre as pessoas e, em particular, entre os grupos, bem como os insuperáveis obstáculos erguidos contra as inclinações pessoais pelas exigências sociais, se tornam muito mais perceptível. Desse modo, perpetua-se o símbolo metafísico da individualização crescente, a idéia que o indivíduo tem de que seu eu interior está isolado do mundo lá fora como que por um muro invisível..." ELIAS, Norbert. A Sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. p. 106.

32 A palavra coisa aqui significa: bem mensuravelmente econômico. O Prof. Alexandre Wunderlich, destaca de forma percuciente: "O homem é treinado para viver num mundo em que qualidade de vida significa quantidade de coisas. Hoje, não se é reconhecido pelo que se é, mas pelo que se tem." Sociedade de Consumo e Globalização: abordando a teoria garantista na barbárie. (Re) afirmação dos direitos humanos. In: Diálogos Sobre a Justiça Dialogal. CARVALHO, Salo de. e WUNDERLICH, Alexandre (Org.), Lumen Júris, 2002. p. 3.

33 Esta inversão, seguindo ainda KANT, tornou-se uma máxima: "... devo proceder sempre de maneira que eu possa querer também que a minha máxima se torne uma lei universal." KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos Costumes. Porto: Porto Editora, 1996. (grifo do autor)

34 "Desta forma, diante da recente renovação da ótica geométrica dos raios luminosos pela ótica ondulatória da radiação eletromagnética das partículas que veiculam a visão e a audição, assistimos ao surgimento de um último tipo de transparência: a transparência das aparências transmitidas instantaneamente à distância, trans-aparência que vem completar – e por assim dizer concluir – a transparência, natural, da atmosfera terrestre, ocasionando ao mesmo tempo uma espécie de duplicação estereoscópica das aparências sensíveis, da representação do mundo e portanto, indiretamente, da própria estética." VIRILIO, Paul. O Espaço Crítico Rio de Janeiro: ed. 34, 1999. p. 102. (grifo do autor)

35 "Podemos dar um passo adiante e dizer que a ‘colocação em ordem’, agora, se torna indistinguível da proclamação de sempre novas ‘anormalidades’, traçando sempre novas linhas divisórias, identificando e separando novos ‘estranhos’. ‘Vizinhos do lado’ inteiramente familiares e sem nenhum problema podem da noite para o dia converte-se em estranhos aterrorizantes, desde que uma nova ordem se idealiza; inventa-se um novo jogo no qual é improvável os vizinhos de ontem competirem placidamente, pela simples razão de que a nova ordem está prestes a transformá-los em estranhos e o novo jogo está prestes a eliminá-los – ‘purificando o local’. Fazer alguma coisa em torno do estranho passa a ser o verdadeiro centro das preocupações com a organização. Os estranhos já não são rotina e, desse modo, os meios rotineiros de conservar as coisas puras não são suficientes. Num mundo constantemente em movimento, a angústia que se condensou no medo dos estranhos impregna a totalidade da vida diária – preenche todo fragmento e toda ranhura da condição humana." BAUMAN, Zygmunt. O Mal-Estar da Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p. 20-21.

36 "Pode-se compreender agora como a psiquiatria da pós-modernidade se constrói na direção definida da pesquisa e interesse clínico pelas perturbações funcionais do humor, sejam estas depressões ou síndrome do pânico, na medida em que nestas perturbações do espírito, o sujeito não consegue ser cidadão na sociedade do espetáculo. Com efeito, panicados e deprimidos são fracassados na cultura do narcisismo, pois não conseguem ocupar a cena teatral da sociedade com o peito inflado e o eu obeso de si mesmo e dizerem decididamente: Cheguei." BIRMAN, Joel. Mal-Estar na Atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação. São Paulo: Civilização Brasileira, 2001. p. 247.

37 "O Panopticon era um edifício em forma de anel, no meio do qual havia um pátio com uma torre no centro. O anel se dividia em pequenas celas que davam tanto para o interior quanto para o exterior. Em cada uma dessas pequenas celas, havia segundo o objetivo da instituição, uma criança aprendendo a escrever, um operário trabalhando, um prisioneiro se corrigindo, um louco atualizando sua loucura, etc. Na torre central havia um vigilante. Como cada cela dava ao mesmo tempo para o interior e para o exterior, o olhar do vigilante podia atravessar toda a cela; não havia nela nenhum ponto de sombra e, por conseguinte, tudo o que fazia o indivíduo estava exposto ao olhar de um vigilante que observava através de venezianas, de postigos semi-cerrados de modo a poder ver tudo sem que ninguém ao contrário pudesse vê-lo. Para Bentham esta pequena e maravilhosa astúcia arquitetônica podia ser utilizada por um série de instituições. O Panopticon é a utopia de uma sociedade e de um tipo de poder que é, no fundo, a sociedade que atualmente conhecemos – utopia que efetivamente se realizou. Este tipo de poder pode perfeitamente receber o nome de panoptismo. Vivemos em uma sociedade onde reina o panoptismo." FOUCAULT, Michel. A Verdade e as Formas Jurídicas. 3. ed. Rio de Janeiro: NAU Editora, 2002. p. 87. (grifo do autor)

38 "O controle de muitas necessidades humanas pela organização burocrática de grupos completos de pessoas – seja ou não uma necessidade ou meio eficiente de organização social nas circunstâncias – é o fato básico das instituições totais." GOFFMAN, Erving. Manicômios, Prisões e Conventos. 3. ed. São Paulo: Perpectiva, 1990. p. 18.

39 É relevante, sobre esse assunto, a explanação feita por ALTHUSSER, no livro Notas Sobre os Aparelhos Ideológicos do Estado. In: bibliografia.

40 "Por enquanto nós vimos como os economistas examinaram a lei do agravo e de propriedade, mas não há área do direito que os vorazes economistas tenham deixado intacta. O economista Gray Becker aplicou os princípios de Marshall ao direito de família e ao direito criminal. As questões são fascinantes. O modelo criminal de Becker postula que há criminosos que aparentemente pesam os custos e os benefícios de cometer delitos. Se o crime é um problema, sugere Becker, é porque o crime ‘compensa’. Então os economistas começaram a querer determinar o que é que impede um criminoso. Há duas variáveis que parecem ser mais importantes: (1) taxa de detenções e (2) rigor das penas. O efeito de impedimentos difere dependendo do tipo do crime. Em alguns tipos de crime, a polícia deveria se concentrar em prender o criminoso. Em outros casos, a taxa de detenções não amedronta os marginais. Entretanto, penas severas são capazes de assustá-los e desencorajá-los." BUCHHOLZ, ob. cit. p. 203-204 (grifo meu)

41 "A sociedade moderna difere das suas predecessoras pela sua atitude para consigo própria, mais individualista do que coletivista. Vê a manutenção da ordem social (isto é, a contenção da conduta humana dentro de certos parâmetros, e a previsibilidade do comportamento humano dentro desses parâmetros) como um ‘fim’: algo a ser mantido na ordem do dia, a ser considerado, discutido, cuidado, tratado, resolvido. A sociedade moderna não acredita que possa estar em segurança sem, consciente ou inconscientemente, tomar medidas para salvaguardar, antes de mais, a orientação e a vigilância da conduta humana: significam controlo social. Este, por sua vez, pode ser exercido de duas maneiras. Podemos colocar as pessoas numa situação que as impeça de fazer coisas que não queremos que façam; ou colocá-las numa situação que as encoraje a fazer coisas que queremos que façam." BAUMAN, Zygmunt. A Liberdade. Lisboa: Editorial Estampa, 1989. pp. 22-23.

42 "Nesta perspectiva, a sociedade não passa de um agregado de indivíduos, uma vez que não há um bem comum que possa ser assumido por todos como uma meta compartilhada, de modo a que a vida em sociedade possa ser como um empreendimento comum. Se cada indivíduo possui fins e valores que lhe são próprios, nada devendo à sociedade, não é difícil verificar o caráter anti-natural de toda forma de cooperação social, tornando os demais ou irrelevantes para a realização dos fins do indivíduo ou apenas meios para a implementação dos mesmos." BARZOTTO, Luis Fernando. Modernidade e Democracia. In: Anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito. São Leopoldo, UNISINOS, 2001. p. 142.

43 "Percebe-se nítida simetria entre as propostas político-criminais propugnadas pelos MLO e pelos arautos da ‘Tolerância Zero’: ambos postulam o incremento da repressão penal. Todavia, enquanto estes primam pela repressão à criminalidade de rua e bagatelar, entendendo como único meio de prevenção do caos e da desordem social, aqueles reivindicam alta punibilidade às graves lesões de bens jurídicos interindividuais (v. g. criminalidade de sangue, delitos sexuais e criminalidade patrimonial violenta)." CARVALHO, Salo de. As Reformas Parciais no Processo Penal Brasileiro. In: Anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito. São Leopoldo, UNISINOS, 2001. pp. 312-313.

44 "A administração de Bush e uma boa parte dos congressistas recentemente tomaram consciência desse problema. Para ganhar a guerra contra as drogas, ou pelo menos um armistício, os governos federal e estadual devem enfocar a procura. Quer dizer, punindo rigorosamente os usuários da droga, que podem ser insensíveis aos preços; mas podem ser mais sensíveis ao tempo de cárcere. É claro que um melhor aconselhamento e tratamento também deve estar disponível. Essas medidas devem vir acompanhadas da perseguição e punição para os traficantes de rua. Até que os americanos desistam de seu desejo pelas drogas, a guerra contra elas não pode ser ganha nas plantações ao sul de suas fronteiras, ou nos portos das fronteiras sulistas. Ela só pode ser ganha nas ruas das vilas e cidades americanas." BUCHHOLZ, ob. cit. p. 205. Visão, esta, de um economista norte-americano preocupado com as ditas drogas ilícitas que seu país não produz. No entanto, não tem a coragem ou capacidade de criticar a drogas lícitas que rendem aos Estados Unidos da América trilhares de dólares advindos de todo o mundo. Essa preocupação com as drogas ilícitas tem, também, um fundamento econômico já que eles não produzem e nem lucram com ela; além do mais, a classe que manipula no sentido de vender e traficar ostensivamente essas drogas é a pobre.

45 "A prisão, que vai se tornar a grande punição do século XIX, tem sua origem precisamente nesta prática para-judiciária da lettre-de-cachet, utilização do poder real pelo controle espontâneo dos grupos. Quando uma lettre-de-cachet era enviada contra alguém, esse alguém não era enforcado, nem marcado, nem tinha que pagar uma multa. Era colocado na prisão e nela devia permanecer por um tempo não fixado previamente. Raramente a lettre-de-cachet dizia que alguém deveria ficar preso por seis meses ou um ano, por exemplo. Em geral ele determinava que alguém deveria ficar retido até nova ordem, e a nova ordem só intervinha quando a pessoa que requisitara a lettre-de-cachet afirmasse que o indivíduo aprisionado tinha se corrigido. Esta idéia que se corrija, essa idéia paradoxal, bizarra, sem fundamento ou justificação alguma ao nível do comportamento humano tem origem precisamente nesta prática." FOUCAULT, ob. cit. p. 98.

46 "O que os povos democráticos ou em que o Estado é democrático e liberal têm de fazer, como fim principal, é diminuir a desigualdade humana. Os Homens são desiguais, mas é preciso que, em vez de continuar ou aumentar a desigualdade, se façam menos desiguais. Têm de ser preparados e educados, alimentados e vestidos, e terem casa, de modo que possam produzir mais, concorram para melhor sorte comum, a maior colaboração social e a menor criminalidade." PONTES DE MIRANDA, Democracia, Liberdade, Igualdade: Os três Caminhos. Campinas: Bookseller, 2002. p. 771.

Sobre o autor
Guilherme Camargo Massaú

especialista em Ciências Criminais pela PUC/RS, em Pelotas (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MASSAÚ, Guilherme Camargo. O contexto do desenvolvimento do pensamento de Loïc Wacquant: (no movimento repressivista "law and order"). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 473, 23 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5835. Acesso em: 23 nov. 2024.

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