1 INTRODUÇÃO
No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que todas as pessoas entre 12 e 18 anos são adolescentes (VIEIRA, 2007).
Há consenso, nos dias atuais, de que os adolescentes estão se envolvendo em práticas delituosas de proporções cada vez mais graves e com início cada vez mais precoce, ao mesmo tempo em que se tornam as maiores vítimas de violência (ASSIS; CONSTANTINO, 2005).
Vive-se, atualmente, um contexto onde a violência passa a fazer parte do nosso dia-a-dia, fazendo com que pessoas de bem, que agem conforme a legislação pátria, passem a ficar reféns da violência e tenham a necessidade de permanecer trancados em sua residência.
A situação torna-se mais gravosa quando se observa que essa violência, na maior parte das vezes é praticada por menores, que vivem às margens da sociedade, entregue as drogas, à exploração sexual, latrocínio e, até mesmo, homicídio, quando deveriam estar na escola, descobrindo valores éticos e cidadãs, para, num futuro não distante, ser devidamente inserido no meio social, tornando-se um cidadão de bem.
Julga-se que isso ocorre em decorrência do meio social em que vivem. Contudo, há outros fatores que também contribuem, tais como: o aumento do tráfico de drogas e armas, o desdém dos governantes em propor políticas públicas que auxiliem esses jovens infratores, principalmente para aqueles que possuem poucas condições financeiras, que, por sua vez, são os mais prejudicados.
Ao mesmo tempo, tem-se outro problema, a inserção do adolescente infrator no mercado de trabalho que passou por medidas socioeducativas. Pergunta-se: estariam as medidas socioeducativas sendo eficazes para inserção do adolescente infrator no mercado de trabalho?
O interesse em desenvolver o presente artigo encontra-se fundamentado nos inúmeros dados estatísticos referente à evolução dos ilícitos penais cometidos por crianças e adolescentes, que crescem a cada dia e que acabam se tornando em problemas sociais. Pretende-se, portanto, a realização de uma análise de forma reflexiva acerca dos aspectos econômico-sociais que cercam o mundo infracional juvenil e a sua inserção no mercado de trabalho.
O objetivo geral deste artigo será analisar a eficácia das medidas socioeducativas frente à inserção do adolescente infrator no mercado de trabalho. Especificamente, pretende-se: analisar quais adolescentes encontram-se mais suscetíveis a prática do ato infracional; demonstrar quais os mecanismos legais, no Estatuto da Criança e do Adolescente -ECA e em legislação extravagante, que auxiliam o adolescente infrator no processo de inserção no mercado de trabalho; verificar a eficácia das medidas, realizando um comparativo entre as medidas privativas de liberdade e as não privativas de liberdade e aferir quais formas de inclusão do adolescente autor de ato infracional, junto ao mercado de trabalho.
A metodologia deste artigo é a pesquisa exploratória, tendo como coleta de dados o levantamento bibliográfico de importantes teóricos e legislação do tema. A pesquisa foi realizada a partir das seguintes bases de dados: livros, revistas especializadas, repositórios acadêmicos, artigos, Código Penal e Estatuto da Criança e do Adolescente.
2 DO ADOLESCENTE AUTOR DE ATO INFRACIONAL
Em face da atual crise na segurança que vivencia-se hoje, muitas das grandes organizações criminosas, utilizam-se da fragilidade socioeconômica de alguns adolescentes que vivem à margem da sociedade, para induzi-los a prática de alguns ilícitos penais, com intuito preservar os que se encontram no topo da organização, associando a uma ideia de impunidade ao ato praticado pelo adolescente.
Tanto a violência sofrida, quanto a praticada por jovens, possui fortes vínculos com a situação de vulnerabilidade a que estão submetidos desde o nascimento, dificultando o acesso a oportunidades nos campos da saúde, educação, trabalho e lazer (NUNES, 2006).
Segundo Carrara (2008), desvantagem socioeconômica, condições de moradia impróprias, vizinhança violenta, histórico familiar de conduta infracional, predomínio de práticas parentais negativas, evasão escolar, uso de drogas, associação a grupos desviantes e dificuldades na apresentação de habilidades sociais congrega o emaranhado de condições consideradas como fatores de risco para o desenvolvimento de comportamentos antissociais e conduta infracional do adolescente.
Desta forma, compreende que a situação social vivenciada pelo adolescente pode vir a ser o motivador de um ato infracional, é uma contenda, porém é de suma importância para poder debelar a atual situação. Vários são os fatores que ensejam o adolescente à prática de ilícitos penais, como convívio social, ambiente familiar, dependência química e segundo Costa (2004):
A desigualdade social e de oportunidades, a falta de expectativas sociais, a desestruturação das instituições públicas e as facilidades oriundas do crime organizado. Todas essas causas não podem ser encaradas de forma deterministas, não considerando a participação ativa dos sujeitos envolvidos e suas vontades. No entanto, esses fatores contribuem para a ocorrência de delinquência e estão relacionados à observação da maior ou menor incidência de violência em grupos sociais, que vivem em determinadas circunstâncias sociais”. (COSTA, 2004, p.76)
O meio social vivenciado pelo adolescente é precário, não conseguindo, o adolescente, responder as reais necessidades. Portanto, muitas das vezes, é em meio a criminalidade que o jovem busca resultado positivos quanto a superação da realidade por ele vivenciada.
Nesse sentido, Shecaira (2008, p.125) proclama que:
Não importa a classe social do adolescente, mas sim o vínculo social determinado pelo envolvimento e empenho que ele tem com as diferentes instituições sociais. Quanto mais débil for a ligação com genitores, escola, amigos, vizinhos, menos o sujeito acreditará no valor convencional da lei e maior será a possibilidade de vir a delinquir.
Dito isto, percebe-se que adolescentes com ambiente familiar fragilizados, que vivem em meio à violência, ao alcoolismo, às drogas e ao baixo nível de escolaridade, são mais propensos à criminalidade.
Na ótica do Código de Menores, revogado posteriormente pela Lei nº 8.069/90, as causas da delinquência seriam provenientes de situação irregular, entendia que a privação de condições essenciais à sua subsistência conduzia à delinquência, visualizando o adolescente como objeto de medidas judiciais, sem analisar as causas que geravam as transgressões. O problema era abordado como uma soma de atos isolados e o adolescente responsabilizado por sua situação, adotando-se o tratamento punitivo ou repressivo, via intervenção judicial (CHAVES, 2003).
Em oposição a essa visão e, em atendimento ao princípio humanizante da nova lei, o Estatuto da Criança e do Adolescente ((BRASIL, 1990) baseia-se na situação de risco pessoal e social; com isso os adolescentes são vistos não mais como delinquentes mas apenas como infratores.
De acordo com o Estatuto, o infrator é aquele adolescente que pratica uma conduta que esteja prevista na lei como uma contravenção penal ou um crime (art. 103 do ECA), e quando executa um ato infracional lhe é aplicada medida socioeducativa prevista no ECA, de cunho totalmente pedagógico, com a finalidade ressocializante.
As medidas socioeducativas são tratadas no art. 112 do ECA, e a elas se somam quaisquer outras previstas no art. 101, incisos I a VI, que são aplicadas às crianças quando praticam ato infracional.
2.1 DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS APLICADAS AO ADOLESCENTE INFRATOR
No Estatuto da Criança e do Adolescente -ECA, o adolescente em conflito com a lei é definido como aquele entre 12 e 18 anos de idade que, em decorrência de transgressão às normas codificadas, cumpre medidas protetivas e/ou socioeducativas (BRASIL, 2008).
Faz parte também das prerrogativas do ECA, a distinção entre medidas socioeducativas de restrição e privação de liberdade. A decisão do juiz da Vara da Infância e Adolescência sobre qual medida socioeducativa será deferida ao adolescente depende da severidade do ato infracional e das condições do adolescente em cumpri-la (BRASIL, 2008).
Quando da pratica do ato infracional, o adolescente será submetido a medidas socioeducativas, consoante disposição constante no Art. 112 da Lei Federal nº 8.069/90 (BRASIL, 1990).
Tais medidas possuem características híbridas, quais sejam, a reintegração social do jovem infrator e o caráter punitivo ou sancionatório. Destarte, tais características se conjugam para alcançar os ideais de reeducação e adimplência social do jovem.
Assim, Liberati (2006, p.102) afirma que:
A medida socioeducativa é a manifestação do Estado, em resposta ao ato infracional, praticado por menores de 18 anos, de natureza jurídica impositiva, sancionatória e retributiva, cuja aplicação objetiva inibir a reincidência, desenvolvida com finalidade pedagógico-educativa. Tem caráter impositivo, porque a medida é aplicada independentemente da vontade do infrator - com exceção daquelas aplicadas em sede de remissão, que tem finalidade transacional. Além de impositiva, as medidas socioeducativas têm cunho sancionatório, porque com sua ação ou omissão, o autor quebrou a regra de convivência dirigida a todos. E por fim, ela pode ser considerada uma medida de natureza retributiva, na medida em que é uma resposta do Estado à prática do ato infracional praticado.
Conquanto, é importante reconhecer sua particularidade quanto o Direito Penal, a seara criminal. Haja vista que, em que pese não estarem os adolescentes infratores sujeitos a lei penal, os mesmos não serão passíveis de impunidade e responderão, portanto, pelos seus atos, mediante as normativas constantes na Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
As medidas socioeducativas têm por finalidade a ressocialização do menor infrator, por intermédio de ações que reeduquem e o afastem do meio criminoso.
Dito isto, faz-se necessário uma avaliação quanto à eficácia das medidas, perscrutando, assim, se o propósito desejado estaria sendo efetivamente alcançado.
2.1.1 Das medidas socioeducativas não privativas de liberdade
A advertência (art. 115 do ECA) deverá ser aplicada em casos de infrações leves, primárias e sem efeitos nocivos à sociedade, sendo sua fundamental finalidade mostrar ao adolescente a existência de poderes que regulam a sociedade na qual estar inserido.
Segundo Volpi (1999, p. 23), a advertência constitui basicamente uma “medida admoestatória, informativa, formativa e imediata”.
Vale frisar que, para que surta efeitos pedagógicos reais, esta medida deve ser aplicada somente em casos de infrações leves e destinadas aos adolescentes que tenham uma boa percepção da ilicitude de seu ato, além do firme propósito de se afastar de condutas antissociais, ou seja, o adolescente deve demonstrar que a medida é suficiente para impedir a progressão de sua conduta.
Segundo Volpi (1999), estes requisitos devem ser observados pelo Magistrado para que o adolescente não adquira a sensação de impunidade ou que a lei protege aos que a infringem, quando de fato a função da advertência é alertá-lo para a sua conduta antissocial e educá-lo a não mais cometê-la, pois a sociedade, no momento da aplicação desta medida, está lhe dando mais uma chance de rever seus atos e voltar atrás.
Uma das maiores vantagens desta medida é o empenho da família junto ao adolescente, através de apoio para sua recuperação. Confiando na importância da garantia fundamental do direito à convivência familiar e comunitária e preservando o seu direito à liberdade.
Entretanto, ressalte-se a adequação que deverá ser observada entre o regime de autoridade utilizado pelo Magistrado e o direito fundamental ao respeito e a dignidade do adolescente, pois será preciso superar a tendência que estimula quem usa a autoridade e excede a limites incontroláveis. Isto porque o adolescente se apresenta em condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (art. 6º do ECA) e não pode ser exposta ou submetida a qualquer tipo de crueldade, violência ou opressão física ou moral (art. 5º do ECA).
A priori, quanto à eficácia da medida de advertência, esta se demonstra eficaz quando aplicada a atos infracional de menor gravidade e para adolescentes que consumaram o primeiro ato infracional.
Quando o ato infracional for cometido com reflexos patrimoniais, isto é, atingindo bens materiais públicos ou privados, o adolescente será obrigado a reparar o dano causado, podendo a autoridade determinar a restituição do bem, o ressarcimento do dano ou a compensação da vítima por outros meios. Volpi (1999, p.23) a caracteriza, como medida “coercitiva e educativa”, já que leva o adolescente a admitir o erro e restituí-lo, entretanto, quando o bem não puder ser restituído, o Magistrado poderá aplicar outra medida mais adequada.
Observa-se, porém, que a intenção não é a reparação do dano às partes, e sim despertar no adolescente, como parte do processo reeducativo, as consequências da infração praticada.
Tanto a restituição natural, como a indenização do dano, objetivam despertar e desenvolver o senso de responsabilidade do menor em face do outro e do que é seu. Ensina essa medida ao menor a dominar seu sentimento de cobiça e ganância, em face das consequências de seu ato ilícito (ALBERGARIA, 1991, p.123).
Assim sendo, pode-se afirmar que, à semelhança da medida de advertência, a obrigação de reparar o dano deve-se restringir a infrações leves e representar ganhos efetivamente pedagógicos para o adolescente, além de necessitar da presença dos pais ou responsável, para colaborar no acompanhamento dos seus passos. Um dos seus efeitos mais positivos, ocorre quando se consegue gerar o exercício da garantia fundamental do direito à educação.
Segundo Targino (2003), caso não seja verificado este ganho a partir da aplicação da medida, a melhor alternativa para o magistrado é a substituição por outra mais adequada, ou aquela mediante a qual o benefício pedagógico para o adolescente seja maior.
A mesma autora explica que, tendo em vista que o Estatuto considera primeiramente a pessoa do adolescente, preocupando-se com a formação de sua personalidade, é importante que a obrigação de reparar o dano seja aplicada de forma solene, em audiência, para que o adolescente compreenda, ou seja, tome consciência de forma clara e direta do quão prejudicial para ele e sua família foi o ato infracional praticado.
A aplicação da medida de reparação de dano, propicia a autocorreção do adolescente infrator, uma vez que se restará obrigado a reparar os danos decorrentes de seu ato ilícito. Ademais, a vítima sentira satisfeita e demonstrará um senso de punição, haja vista ter sido ressarcida de seu prejuízo.
Com relação a medida de prestação de serviços à comunidade, segundo Mezzomo (2004) esta é sem dúvida uma das medidas mais eficazes. É notório que a prestação de serviços à comunidade por parte do adolescente infrator, traz ao mesmo, reponsabilidade para exercitar as atividades, sendo bem prováveis as chances de ressocialização.
Segundo Nunes (2006), a medida de Prestação de Serviço à Comunidade – PSC, consiste no cumprimento de tarefas de interesse da comunidade em hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, por um período máximo de seis meses, com carga horária de oito horas semanais, incluindo sessões de atendimento com um assistente social ou psicólogo.
Elias (1994, p. 94) considera que “sem dúvida, é uma medida adequada, com salutar conotação pedagógica, pois seu principal efeito, a nosso ver, é de ordem moral”.
Segundo Albergaria (1991, p.124) a sua vantagem encontra-se na permissão ao adolescente infrator em “cumpri-la junto à família, no emprego e na sociedade. Propõe-se a evitar a contaminação institucional, como o hospitalismo, a avitaminose psíquica e a dificuldade para viver em sociedade. ”
Essa medida é melhor realizada quando existirem convênios entre os Juizados e os demais órgãos governamentais ou comunitários que permitam a inserção do adolescente em programas que preveem a realização dessas tarefas. O encaminhamento do jovem a estes órgãos deverá ser feito por prévia audiência admonitória, na qual recebe a orientação relativa ao cumprimento da medida, sendo cientificado de suas responsabilidades e dos objetivos buscados e que o descumprimento injustificado da medida poderá resultar a regressão da mesma (NUNES, 2006).
Na prática, esta medida implica tarefas que deverão ser realizadas gratuitamente pelo adolescente, com duração de oito horas semanais, num período máximo de seis meses em entidades assistenciais, hospitais, escolas e programas comunitários, e longe de lugares que por qualquer razão sejam maléficos, tanto do ponto de vista físico como moral. Esta estratégia deverá sempre afastar o adolescente dos trabalhos forçados, de acordo com o art. 112, parágrafo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Albergaria (1991, p.125) considera de extrema importância o consentimento do adolescente infrator no cumprimento da medida, “do contrário o seu trabalho será obrigatório, o que é proibido”. Com ela, o adolescente passa a desenvolver relações de solidariedade enquanto pode reafirmar-se como cidadão diante de sua conduta antissocial.
É importante frisar que a escolha das tarefas deve ser minuciosa e levar em consideração as aptidões dos adolescentes, isso porque uma das funções da medida é estimular a solidariedade, tanto do adolescente quanto da sociedade, que possui grande responsabilidade em relação a sua formação, e não simplesmente obrigá-lo a trabalhar, pois o ECA e a Constituição Federal garantem o direito ao respeito e a dignidade.
Além disso, a aplicação da medida deverá observar os horários escolares, de maneira que não prejudique a sua freqüência e, se por acaso o adolescente trabalhar, da mesma maneira e pelo mesmo motivo, a sua jornada de trabalho deverá ser respeitada.
Pode-se concluir, então, que essa é uma medida de extremo valor pedagógico e social, pois a própria comunidade além de responsável pelo adolescente, passa a ser beneficiária das ações executadas pelo agente que com sua conduta anterior a agrediu; além do que, a comunidade tomará ciência do fato, contribuindo na inibição de outros atos delinquentes e abrirá “perspectivas ao adolescente de conviver e sentir-se útil aos membros da comunidade, a partir daí, avaliando sua conduta infracional, redimir-se do ato cometido e conviver socialmente integrado” (Albergaria, 1991, p. 128).
A medida de Prestação de Serviço à Comunidade- PSC, é mais adequada nas situações nas quais os atos infracionais são considerados “mais leves” e as relações familiares estão preservadas.
Por derradeiro, a LA - Liberdade Assistida, que se trata de uma medida adversativa a provação de liberdade, possuindo um propósito de vigiar, orientar e tratar o menor, de forma a coibir a sua reincidência e obter a certeza da recuperação, conforme relata Oliveira (2003), na maioria das vezes não apresenta índices satisfatórios de eficácia, haja vista ser vista por alguns como uma medida que possibilita impunidade ao adolescente infrator. A falta de estrutura da rede de proteção é um dos grandes responsáveis pela ineficácia desta medida.
A medida de Liberdade Assistida -LA é adotada em casos de reincidência ou severidade do ato infracional (NUNES, 2006) e é fixada em um período mínimo de seis meses. A decisão do poder judiciário, quanto à escolha de aplicação de medidas de Liberdade Assistida -LA ou Prestação de serviço à comunidade- PSC, depende também da análise do contexto familiar do adolescente.
Nos casos de infrações mais graves ou quando os adolescentes encontram-se desvinculados de suas famílias, o juiz opta pela medida de Liberdade Assistida- LA, que implica em acompanhamento mais sistemático do assistente social ou psicólogo e encaminhamento da família a programas sociais (mediante avaliação da equipe multidisciplinar).
A lógica desta medida baseia-se em um período de prova, tanto que tem um tempo mínimo de vigência e tem como finalidade acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente em sua plena recuperação, por pessoa capacitada designada pelo Juiz da Infância e da Juventude, e por causa das peculiaridades de cada caso, poderá ser prorrogada revogada ou substituída, e quando do término do prazo, comprovado o seu ganho pedagógico, deverá ser extinta.
Vale destacar que a pessoa capacitada para acompanhar o adolescente infrator é um orientador designado para assisti-lo e supervisioná-lo em seu convívio social de maneira personalizada; segundo Milano e Nazir (1999, p.53) o orientador é o “guia do adolescente e de seus familiares”, devendo promover “socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes orientação e inserindo-os, se necessário, em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social”.
De acordo com os mesmos autores, o orientador possui algumas funções específicas que são: garantir a matrícula e a freqüência do adolescente à escola, encaminhar sua profissionalização para a futura inserção no mercado de trabalho. Cabe ainda ao orientador, participar da vida do adolescente, com visitas domiciliares, verificação de sua condição de escolaridade e de trabalho, impondo-lhe limite, noção de autoridade e afeto, oferecendo-lhe alternativas frente aos obstáculos próprios de sua realidade social, familiar e econômica.
Desta forma, o real comprometimento do orientador judiciário, para que a liberdade assistida possa, de fato, oportunizar condições de acompanhamento orientação e apoio ao adolescente inserido no programa.
Segundo Albergaria (1991) é indispensável o consentimento do adolescente para cumprir a medida, em respeito aos seus direitos fundamentais.
2.1.2 Das medidas socioeducativas privativas de liberdade
A medida de internação pode ser considerada a mais restritiva, visto que implica na privação completa de liberdade. De acordo com o ECA, a medida de internação só pode ser aplicada em caso de ato infracional grave, descumprimento de medida socioeducativa anterior ou quando o adolescente comete o mesmo ato infracional repetidas vezes. A medida de internação não pode exceder o período de três anos e a liberação será compulsória aos 21 anos (BRASIL, 1990).
Uma pesquisa realizada em 2012 pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2012) buscou traçar o perfil de 17,5 mil jovens, que cumpriam a medida socioeducativa de internação no Brasil. Foram realizadas consultas a 14.613 processos judiciais e entrevistas com adolescentes de todos os estados e Distrito Federal.
Os resultados demonstraram que 60% dos adolescentes entrevistados tinham entre 15 e 17 anos e que mais da metade (57%) não frequentava a escola antes de ingressar na unidade. A maioria dos adolescentes evadidos da escola parou de estudar ainda no Ensino Fundamental (87%). A metade dos adolescentes pesquisados (54%) era reincidente em ato infracional. Embora o roubo e o tráfico de drogas sejam as infrações que levaram a maior parte dos jovens ao cumprimento de medidas socioeducativas (60% dos entrevistados), a infração de homicídio foi o mais frequente entre os Reincidentes (CNJ, 2012).
As medidas privativas de liberdade, mesmo sendo, por diversas vezes, as mais almejadas pela sociedade, são também alvo de grande polêmica, uma vez que a atual estruturação institucional e técnica para acolhimento dos adolescentes infratores, poderia estar funcionando como “Escolas do Crime”.
A medida de semiliberdade possui como diferencial a saída do adolescente em período diurno para que o mesmo frequente a escola ou, até mesmo, trabalhe, sendo esta uma forma de ressocialização do adolescente, contudo, devido à falta de estrutura para o cumprimento da medida, bem como o fato de ser pouco sentenciada pelos juízes, tendo em vista os inúmeros casos de fugas. Dito isto, restou-se prejudicada a eficácia da medida de semiliberdade, haja vista a falta de capacitação técnica e políticas públicas que deveriam atender estes adolescentes. (SPOSATO, 2004).
Porém, Milano e Nazir (1999) entendem que o grande mérito seria evitar a internação e gerar a possibilidade do adolescente reiniciar seu convívio social com orientação constante e vigilância na busca da reeducação, ou seja, tudo os leva a readaptação gradativa, à comunidade, evitando, assim, transtornos psicológicos. Ele não é afastado totalmente do convívio social nem é deixado sozinho na comunidade.
A sua aplicação poderá ser decretada de imediato pelo Juiz da infância e da juventude, após o devido processo legal (art. 110 e 111 do ECA), ou como forma de transição entre o regime de internação e o meio aberto, quando o adolescente deixa de ser uma ameaça à sociedade, para que possa visitar os familiares, estar mais em contato com a sociedade e estudar.
Não implica afirmar que no regime de internação ele não possa estudar, ao contrário, o ensino é obrigatório; trata-se, ainda, da possibilidade dada ao adolescente de escolher o lugar onde quer estudar, pois por mais que a instituição ofereça diversidade de atividades, estas não são igualáveis àquelas oferecidas pela comunidade (TARGINO, 2003).
Faz-se necessário a observância dos requisitos dos arts. 114, 110, 111 do ECA, sem prejuízo de outros que venham a beneficiá-los, ou seja, requer plena garantia formal em relação à apuração do ato infracional e à igualdade na relação processual, além das garantias processuais, combinado com o art. 5º LV, da CF, das Regras Mínimas de Beijing, do art. 40 da Convenção Internacional dos Direitos das Crianças de 1989, bem como a regulamentação das medidas privativas de liberdade encontradas nos art. 124 e 125 do ECA.
É extremamente importante ressaltar que a parte final do § 2º do art.120 do Estatuto, assegura aos adolescentes, que cumprem a medida de semiliberdade, as normas e princípios que regulam o regime de internação, pois é considerada como uma medida restritiva de liberdade e institucionalizante.
Em última apreciação, a medida socioeducativa de internação. Depois de esgotadas todos as formas já descritas de medidas socioeducativas, e não podendo enquadrar o adolescente infrator em nenhuma delas para a busca de uma melhor formação na sua personalidade, deve-se recorrer à privação de sua liberdade. Significa dizer que para que seja imposta esta medida, a infração cometida pelo adolescente deverá ser grave.
A internação é uma medida de restrição da liberdade pessoal, isto porque as atividades externas estão sob o arbítrio da equipe técnica (§ 1º, art.121, ECA) da entidade de internação e dependem da autorização judicial, no entanto, a realização de atividades socioeducativas é obrigatória durante a internação.
Conforme Volpi (1999, p.16), a internação “não é em si a medida socioeducativa, é a condição para que ela seja aplicada”. Ou seja, a medida de internação é aplicada visando-se garantir os direitos dos adolescentes e aplicadas as medidas pedagógicas na busca de um melhor desenvolvimento físico, psíquico, e social. Por isso é permitida a transição da medida de internação para a semiliberdade e ainda para a liberdade assistida, até que o adolescente tenha cumprido as medidas socioeducativas aplicadas pelo Magistrado e alcançando o seu objetivo.
Uma vez que o objetivo do Estatuto não é afastar as crianças e adolescentes do convívio social e familiar; ao contrário, as medidas anteriormente expostas esclarecem que o ECA busca novos caminhos para a reintegração do adolescente, também o objetivo da medida de internação não é agravar a situação do adolescente que se encontra privado de sua liberdade, e sim, libertá-lo, não só da medida, mas também das dificuldades sócio psicológicas que o levaram a delinquir.
Não se deve perder de vista o fato de que a privação deverá respeitar os requisitos exigidos pelos art 122, 123, 124 e 125, todos do ECA, além das garantias fundamentais e processuais, e ser executada da melhor maneira pedagógica28 possível, zelando-se pela integridade física e mental do adolescente, já que a medida de internação também deverá ter um cunho pedagógico.
Assim sendo, o Magistrado deverá aplicá-la, respeitando três princípios básicos: o da excepcionalidade, da brevidade (art. 121, § 2º do ECA), e do respeito à condição de pessoa em desenvolvimento. O princípio da excepcionalidade estabelece que a internação só deverá ser aplicada como último recurso à reeducação do adolescente infrator, ou seja, nos casos de infração cometida com violência ou grave ameaça.
O adolescente a quem é aplicada a medida de internação só deverá ter restrito o seu direito de ir e vir, e não os outros garantidos a todos pelo ECA e pela Constituição Federal: “consiste a internação em afastar temporariamente o adolescente do convívio sócio-familiar, colocando-o em instituição, sob responsabilidade do Estado.” (PEREIRA, 1996, p.572)
O princípio da brevidade corresponde ao tempo da duração da medida, que não poderá ultrapassar três anos (§ 3º, art. 121 do ECA), além de dever ser reavaliada periodicamente a cada seis meses pelo Juiz da Infância e Juventude, cabendo ressaltar que ao completar 21 anos (§ 5º, art. 121 do ECA), o adolescente deverá ser liberado compulsoriamente.
Priorizando-se o processo de recuperação dos adolescentes, pode-se entender essa avaliação periódica a cada 6 meses (§ 2º, art.121 do ECA) como sendo um dos principais suportes para que o Juiz possa observar o adolescente e saber se está se desenvolvendo ou não, ou até mesmo para substituir a medida por outra mais branda na busca de um melhor desenvolvimento do adolescente.
Por fim, temos o princípio do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, como consagrado no artigo 227, § 3º inciso V, da CF; consiste na obrigação do Estado em zelar pela integridade física e mental dos internos, coibindo abusos, vexames ou constrangimentos à pessoa do adolescente custodiado, cabendo ao Estado, entretanto, adotar as medidas adequadas de contenção e segurança (art 125 do ECA).