1 IMUNIDADES DIPLOMÁTICAS E CONSULARES
No âmbito jurídico, o termo imunidade é utilizado no direito internacional e nas relações diplomáticas para definir garantia ou benefício em face do qual o agente imune seja desobrigado ao cumprimento de determinado ônus que são imperativos aos demais para assegurar que este possa desempenhar sua função com determinada independência[1]. Tal isenção ocorre por força normativa devendo ser legalmente prevista e aplicada pelos países que são signatários dos tratados internacionais que dispõem acerca de relações diplomáticas e consulares.
Conquanto as imunidades diplomáticas e consulares de hoje sejam aquelas previstas na Convenção de Viena Sobre as Relações Diplomáticas (1961), e na Convenção de Viena Sobre as Relações Consulares (1963) ratificadas no Brasil, respectivamente, nos Decretos nº 54.435 de 8 de junho de 1965 e nº61.078 de 26 de julho de 1967, estas imunidades concedidas àqueles que representam seus Estados de origem perante o território de outro Estado soberano são bem mais antigas do que a vigência destes dois tratados. Já na Antiguidade se podia verificar a existência de tratamento especial para os representantes e mensageiros dos povos primitivos através de regras estabelecidas pelo costume, onde os emissários de um determinado povo gozavam de segurança em terras estrangeiras quando em exercício de suas funções.
Assim, com a evolução do direito dos tratados e o consequente avanço das relações internacionais, o conceito de imunidade teve sua importância colocada em outro patamar, vez que hoje as imunidades diplomáticas existentes consistem, conforme Lima “na soma das isenções e prerrogativas concedidas aos agentes diplomáticos para assegurar-lhes, no interesse recíproco dos Estados, a independência necessária ao perfeito desempenho de sua missão”.
Sobre os privilégios e imunidades, Mazzuoli explica:
Com a finalidade de permitir aos agentes diplomáticos o exercício pleno e sem restrições dos deveres que lhes são inerentes, a representação dos Estados lhe outorgam certos privilégios e prerrogativas inerentes à função, sem os quais não poderiam livremente e com independência exercer os seus misteres.[2]
Após isso, já em 1815, direito diplomático e as prerrogativas dos diplomatas que, até então, eram tratadas com privilégios e garantias foram tratados no Congresso de Viena de 1815, conforme Rezek:
O direito diplomático e, mais exatamente, a questão dos privilégios e garantias dos representantes de certo Estado junto ao governo de outro, constituíram o objeto do primeiro tratado multilateral de que se tem notícia: o Règlement de Viena, de 1815, que deu forma convencional às regras até então costumeiras sobre a matéria.[3]
As imunidades, portanto, perfazem uma série de regras de conduta adotadas entre os países signatários destas convenções, regras essas que são obrigatoriamente devem ser obedecidas pelo governo do Estado acreditado (aquele estado que recebe o agente estrangeiro), desde que ministério local responsável seja devidamente notificado disso pelo Estado acreditante (aquele que envia o agente diplomático) nos termos do arts. 1º, “a” e 7º da Convenção de Viena Sobre as Relações Diplomáticas e arts. 10º, “1” e 19, “1” da Convenção de Viena Sobre as Relações Consulares, conforme abaixo:
Artigo 1
Para os efeitos da presente Convenção:
a) "Chefe de Missão" é a pessoa encarregada pelo Estado acreditante de agir nessa qualidade; [...]
Artigo 7
Respeitadas as disposições dos artigos, 5, 8, 9 e 11, o Estado acreditante poderá nomear livremente os membros do pessoal da Missão. No caso dos adidos militar, naval ou aéreo, o Estado acreditado poderá exigir que seus nomes lhes sejam prèviamente submetidos para efeitos de aprovação.[4][...]
ARTIGO 10º
Nomeação e admissão dos chefes de repartição consular
1. Os Chefes de repartição consular serão nomeados pelo Estado que envia e serão admitidos ao exercício de suas funções pelo Estado receptor. [...]
ARTIGO 19º
Nomeação de membros do pessoal consular
Respeitadas as disposições dos artigos 20, 22 e 23, o Estado que envia poderá nomear livremente os membros do pessoal consular.[5]
Sidney Guerra, ainda define as imunidades no direito internacional
O direito internacional admite que algumas pessoas possam continuar, em deter- minados casos, sujeitas às leis civis e penais de seus Estados, gozando do direito denominado extraterritorialidade, ou seja, por uma ficção jurídica continuam fora do território.[6]
1.1 Papel das imunidades diplomáticas e consulares
Hoje, com o avanço do Direito Internacional público e, consequentemente, um respeito maior aos tratados entre Estados, as imunidades diplomáticas e consulares desempenham um papel que vai muito além da simples função (ainda que a mais importante) de garantir a inviolabilidade do agente, tornando, assim, a aplicação das imunidades e garantias um fator fundamental na relação entre Estados soberanos, sendo que, sem a existência e aplicação das imunidades diplomáticas e consulares, restam prejudicadas as relações exteriores entre as Nações. As imunidades diplomáticas possuem a importante função de garantir que a missão e o corpo diplomático tenham liberdade no exercício de suas funções.
É importante o conhecimento de que, ao contrário do que muitos pensam, as imunidades diplomáticas são prerrogativas atribuídas ao sujeito de direito internacional público (membro da missão), enquanto figura representante dos interesses do Estado acreditante e não são imunidades relativas à pessoa que ocupa determinado cargo da missão diplomática, mas sim à sua função abstrata. Ainda assim, as imunidades diplomáticas são alvo de controvérsia ao decorrer de décadas, sendo questionadas sempre que da ocorrência de algum incidente envolvendo membro da missão diplomática que, pelo exercício de suas funções, deixa de responder (ou não responde satisfatoriamente aos olhos do estado acreditado) por algum dano ou ato ilícito que supostamente tenha cometido. Ao contrário disso, conforme veremos no capítulo seguinte, existem hipóteses em que há a perda ou renúncia das imunidades, sendo então o agente diplomática julgado pelo seu estado de origem. [7]
No caso de um agente originário do estado acreditante, será julgado por este, enquanto um agente que faz parte do corpo da missão na condição de empregado, porém é natural do estado acreditado, será julgado por ele. Sobre finalidade da imunidade de jurisdição, nos explica Mazzuoli:
Em suma, a imunidade de jurisdição surge a fim de garantir a independência e estabilidade dos representantes de um Estado estrangeiro, baseada na ficção de extraterritorialidade. Seria como admitir que, da mesma forma que tais representantes são tomados por ficção como representantes do Soberano que os envia, também por ficção semelhante devem ser todos como estando fora do território do Estado em que atuam.[8]
Com esta definição, podemos compreender o motivo de a jurisdição do agente diplomático, via de regra, se delimitar ao seu Estado de origem, vez que tal agente, mesmo estando em serviço no estrangeiro, atua como se estivesse em uma extensão fictícia de seu território nacional.
Necessidade funcional. A tendência moderna é, no entanto, a de conceder privilégios e imunidades ao agente diplomático na base da “necessidade funcional”: as imunidades são outorgadas aos diplomatas por que, de outra forma, não poderiam exercer com independência e adequadamente sua missão. Fossem eles sujeitos à interferência legal e política ou à boa vontade do Estado acreditado ou de seus nacionais, poderiam ser influenciados por considerações de segurança e conforto num grau que os prejudicaria materialmente no exercício de suas funções.[9]
1.2 Principais Prerrogativas, imunidades e benefícios
O ponto central para análise do tratamento diferenciado que recebem os diplomatas de carreira é talvez as prerrogativas, imunidades e benefícios de que esses gozam, sendo que, dentre todas as imunidades, algumas se destacam como principais, não somente pelo tratamento que alcança ao agente diplomático, como também, pela importância que possuem para o desempenho satisfatório da Missão Diplomática. Neste trabalho, nos ocupamos em abordar as principais imunidades, uma vez que estas são as que justificam a necessidade da concessão do privilégio. Neste caso, iremos citar as inviolabilidades (da missão e pessoal), liberdade de movimento e comunicação e imunidade de jurisdição.
1.3 Inviolabilidade da missão
Dentre todas as imunidades, talvez a mais importante delas seja a da inviolabilidade da missão diplomática que está prevista no artigo 22 da Convenção de Viena Sobre as Relações Diplomáticas, o qual dispõe da seguinte maneira:
Artigo 22:
1. Os locais da Missão são invioláveis. Os Agentes do Estado acreditado não poderão nêles penetrar sem o consentimento do Chefe da Missão.
2. O Estado acreditado tem a obrigação especial de adotar tôdas as medidas apropriadas para proteger os locais da Missão contra qualquer intrusão ou dano e evitar perturbações à tranqüilidade da Missão ou ofensas à sua dignidade.
3. Os locais da Missão, em mobiliário e demais bens nêles situados, assim como os meios de transporte da Missão, não poderão ser objeto de busca, requisição, embargo ou medida de execução. [10]
A maioria dos doutrinadores concorda que a inviolabilidade da missão é uma das prerrogativas de importância mais relevante para o desempenho das Missões diplomáticas, sobre isso, LIMA fala que a inviolabilidade da Missão que, em tempos remotos, era considerada uma extensão da própria inviolabilidade do agente diplomático, teve seu status mudado com a Convenção de Viena Sobre as Relações diplomáticas (CVRD) e passou a ser um atributo do estado acreditante concedido aos locais utilizados para sediar a Missão.[11]
Ainda sobre a inviolabilidade da Missão, Silva refere que esta regra é respeitada e referendada por todos os países signatários da CVRD, e igualmente a Silva, preceitua que a regra é válida em virtude do fato de os locais protegidos serem utilizados especificamente para sediar as atividades da Missão. Para silva, a inviolabilidade da Missão impõe ao estado acreditado concomitantemente duas obrigações em relação à sede da Missão, qual sejam a abstenção e proteção.
Enquanto a obrigação de abstenção consagrada no §1º do art. 22 da CRVD impede as autoridades locais de qualquer intervenção na sede da Missão sem a autorização do Chefe da Missão, a obrigação de proteção fruto do § 2º deste mesmo artigo é mais ampla, obrigando o Estado local a fornecer proteção e segurança à sede da Missão não poupando esforços para que para garantir que todas as atividades que devam ser desempenhadas na sede da Missão não sofram nenhuma interrupção motivada por ameaça à segurança de sua sede. Ressalta também que a esta imunidade é imperativa não somente ao Estado acreditado no qual se localiza a sede da Missão diplomática de governo estrangeiro, mas sim a todo e qualquer Estado, sendo que nenhuma nação deverá agredir a soberania de outra através de violação das sedes de suas Missões diplomáticas.[12]
A inviolabilidade da Missão é atributo que impede até mesmo determinados entes do Estado onde se localiza a sede de exercerem sua autoridade em alguns casos, como explica Mazzuoli:
Nesse sentido, não podem, policiais do estado acreditado, sem o consentimento do Chefe da Missão, invadir, a embaixada de país estrangeiro a fim de capturar certo individuo procurado, e lá asilado. Além de respeitar a inviolabilidade dos locais da missão, o Estado acreditante tem a obrigação especial de adotar todas as medidas necessárias para proteger tais locais contra qualquer intrusão ou dano e evitar as perturbações à tranquilidade da missão ou ofensas à sua dignidade.[13]
Entretanto, é necessário compreendermos a diferença entre a inviolabilidade da Missão diplomática e inviolabilidade da residência do agente diplomático. Essa imunidade/inviolabilidade, por sua vez, se encontra descrita no art. 30 da CVRD que dispõe da seguinte forma:
Artigo 30:
A residência particular do agente diplomático goza da mesma inviolabilidade e proteção que os locais da missão.
Seus documentos, sua correspondência e, sob reserva do disposto no parágrafo 3 do artigo 31, seus bens gozarão igualmente de inviolabilidade.[14]
Conforme Lima, “a inviolabilidade da Missão seria, assim, por direito próprio, enquanto a das residências do pessoal diplomático resultaria da inviolabilidade pessoal, nos termos do artigo 30”[15]. Nesse sentido, ele argumenta que a inviolabilidade do art. 30 por tratar do “agente diplomático” não protege apenas residência do embaixador, mas também a do pessoal técnico e administrativo da Missão que estiver devidamente credenciado junto ao estado acreditado. Desta forma, entende-se que existem duas inviolabilidades distintas na Convenção de Viena Sobre as Relações Diplomáticas, sendo que uma trata especificamente a sede da Missão a protegendo de quaisquer perturbações, enquanto a outra imunidade estende essa imunidade ao corpo da missão e seus familiares, garantindo assim que estejam seguros para exercer suas funções de forma tranquila e eficaz.
Mesmo com a existência das normas que dispõem sobre tais inviolabilidades, o assunto ainda é muito controverso quando se discutem situações extremas e casos em que a violação desse direito concedido pela CVRD pode ser necessário até mesmo para garantir a segurança do pessoal da Missão. Sobre isso, Silva comenta o clássico exemplo de um incêndio, em que, na teoria, o corpo de bombeiros deveria, primeiramente, pedir permissão ao Chefe da Missão diplomática para adentrar ao local com a finalidade de apagar o incêndio, caso contrário, se agindo previamente à autorização do Chefe da Missão, estariam ocorrendo e violação do art. 22 da CVRD. Situações desta monta imporiam um forte dilema, uma vez que vidas podem estar em risco e muitas vezes a repartição diplomática divide o mesmo edifício ocupado por outras entidades.
Silva cita também outros exemplos que podem acarretar dilemas no cumprimento dessa imunidade, como por exemplo terremoto e epidemia e, esclarece, por fim, que, em casos como o deste exemplo (que são raros), na maioria das vezes em que um agente do estado acreditado, por excesso de zelo ou desconhecimento de tal imunidade, infringe-a, para em caso de emergência violar a sede da missão, esses fatos são solucionados diretamente entre a Missão diplomática e a autoridade local sem maiores desdobramentos.
Em última instância, analisa que, mesmo se em nenhuma dessas circunstâncias o Chefe da Missão permitir a entrada das autoridades locais, o próprio Estado acreditante será prejudicado pela possibilidade de perda de seus arquivos e demais bens que guarneçam as dependências da chancelaria. [16]
1.4 Inviolabilidade pessoal
Junto à Inviolabilidade da Missão Diplomática, a Inviolabilidade Pessoal, tão importante quanto aquela protege a pessoa do agente diplomático nos termos do art. 29, que entabula o seguinte:
Artigo 29: a pessoa do agente diplomático é inviolável. Não poderá ser objeto de nenhuma forma de detenção ou prisão. O Estado acreditado trata-lo-á com o devido respeito e adotará tôdas as medidas adequadas para impedir qualquer ofensa à sua pessoa, liberdade ou dignidade. [17]
No que diz respeito à inviolabilidade pessoal que assiste o agente diplomático, SILVA entende que essa prerrogativa é a base para todas as demais e que mesmo em tempos remotos, desde a idade antiga já vem sendo aplicada. Como exemplo para isso, ele cita os emissários/mensageiros da idade antiga que transitavam entre diferentes povos sem que sofresse qualquer violação. Desta imunidade que, com o passar do tempo foi se estendendo ao domicílio do agente, mais tarde decorreria imunidade jurisdicional que iremos abordar neste capítulo.
Ainda conforme Silva:
A Convenção de Viena consagra a palavra, bem como o sentido que lhe tem sido emprestado ela doutrina e prática internacionais, isto é, de que o Estado acreditado tem a obrigação de impedir a prática de atos ofensivo, violentos ou injuriosos contra a pessoa ou dignidade do Agente diplomático por parte da autoridade ou particular, não podendo em nenhuma hipótese prendê-lo ou detê-lo. [18]
Assim sendo, deduz-se que o mesmo impedimento que restringe o Estado acreditado em seus atos contra a pessoa do Agente diplomático, se impõe também a obrigação de tal Estado proteger a pessoa desse Agente de quaisquer atos ofensivos que possa sofre. Importante salientar que esta imunidade, também neste caso, é necessário que se faça uma leitura do que pode ser ofensivo ao agente diplomático, sendo que o conceito de ofensividade intrínseco na CVRD é, nesse sentido, bastante amplo, todavia, o consagrado na inviolabilidade pessoal é que o agente diplomático não deverá ser preso e/ou detido por qualquer pessoa (particular ou autoridade) do estado onde está estabelecida a Missão e que é dever das autoridades locais assegurar o mesmo tratamento por parte de pessoas naturais de outros estados que por algum motivo ali se encontrem.
1.5 Liberdade de movimento
Outra importante prerrogativa de que goza o agente diplomático é a liberdade de movimento que está prevista no art. 26 da Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas da seguinte maneira:
Artigo 26: Salvo o disposto nas leis e regulamentos relativos a zonas cujo acesso é proibido ou regulamentado por motivos de segurança nacional, o Estado acreditado garantirá a todos os membros da Missão a liberdade de circulação e trânsito em seu território.[19]
A liberdade de movimento é, talvez, mais abrangente que as inviolabilidades à Missão e à Propriedade, uma vez que tal liberado garante que o agente diplomático possa transitar por qualquer lugar que não seja motivadamente proibido ou regulamentado. Sobre a liberdade de movimento, lima afirma que é uma ideia que surgiu no pós-guerra em 1948 em um momento que a antiga URSS demarcava diversas zonas com caráter proibitivo, onde a entrada deveria ser precedida de autorização ao ponto que países cujos agentes sofreram restrições de movimentação em determinados locais agiram com reciprocidade, delimitando locais igualmente proibidos. SILVS, desta forma, descreve o intuito do citado artigo como:
A intenção legislativa a elaboração do Artigo 26, era de que as proibições de ingresso em determinadas zonas de resultar de lei ou regulamento visando a todos os habitantes do país, e não, especificamente, aos agentes diplomáticos estrangeiros. Outrossim, restrição prevista deve ser a exceção, a regra é a liberdade de locomoção.[20]
Desta forma, entende-se que a liberdade de movimento não é para o agente diplomático um passe livre condicionado apenas a sua vontade de ir para qualquer lugar, mas sim, uma garantia de que este não terá contra si impostos impedimentos de movimentação que acarretem em prejuízo à sua função ou até mesmo o descriminem em face de outras pessoas naturais daquele Estado. Isso deve ser garantido ao agente, pois de outra forma ele poderia ser impedido de realizar seu trabalho, simplesmente pelo fato de não ter a mesma liberdade de movimentação que as pessoas nascidas em determinado país, o que além de descriminação é um embaraço criado ao trabalho realizado pela missão. Por óbvio, essa imunidade não se aplica ao copo técnico da missão que for composto por cidadãos do Estado acreditado, uma vez que esses já possuem naturalmente esta liberdade.
Contudo, isso de forma alguma significa que o agente diplomático pode locomover-se ou manter-se onde quiser. Locais privados ou que por motivos de segurança possuem alguma restrição de acesso até mesmo aos cidadãos daquele Estado podem ter seu acesso restrito também ao agente diplomático sem que isso configure violação ao art. 26 da CVRD.
Desta forma, a liberdade de movimento, seguindo o exemplo das demais imunidades e prerrogativas não é é um benefício supérfluo e indevido, mas sim uma garantia de liberdade no exercício da função diplomática.
1.6 Liberdade de comunicação
A liberdade de comunicação tem sua revisão legal no artigo 27 da CVRD que diz:
Artigo 27:
1. O Estado acreditado permitirá e protegerá a livre comunicação da Missão para todos os fins oficiais. Para comunicar-se com o Govêrno e demais Missões e Consulados do Estado acreditante, onde quer que se encontrem, a Missão poderá empregar todos os meios de comunicação adequados, inclusive correios diplomáticos e mensagens em códigos ou cifra. Não obstante, a Missão só poderá instalar e usar uma emissora de rádio com o consentimento do Estado acreditado;
2. A correspondência oficial da Missão é inviolável. Por correspondência oficial entende-se tôda correspondência concernente à Missão e suas funções;
3. A mala diplomática não poderá ser aberta ou retida;
4. Os volumes que constituam a mala diplomática deverão conter sinais exteriores visíveis que indiquem o seu caráter e só poderão conter documentos diplomáticos e objetos destinados a uso oficial;
5. O correio diplomático, que deverá estar munido de um documento oficial que indique sua condição e o número de volumes que constituam a mala diplomática, será, no desempenho das suas funções, protegido pelo Estado acreditado;
6. O Estado acreditante ou a Missão poderão designar correios diplomáticos " ad hoc ". Em tal caso, aplicar-se-ão as disposições do parágrafo 5 dêste artigo, mas as imunidades nêle mencionadas deixarão de se aplicar, desde que o referido correio tenha entregado ao destinatário a mala diplomática que lhe fôra confiada;
7. A mala diplomática poderá ser confiada ao comandante de uma aeronave comercial que tenha de aterrissar num aeroporto de entrada autorizada. O comandante será munido de um documento oficial que indique o número de volumes que constituam a mala, mas não será considerado correio diplomático. A Missão poderá enviar um de seus membros para receber a mala diplomática, direta e livremente, das mãos do comandante da aeronave.
A liberdade de informação, embora seja um possua um conceito que tenha se alterado muito com o passar dos anos, é ainda uma das principais imunidades, podendo ser comparada em caráter de relevância com a as inviolabilidades pessoa e da missão. A alteração no conceito deste dispositivo, dá-se especificamente pelas formas de comunicação expressas no art. 27 da CVRD e que hoje estão caindo em desuso, como a correspondência, por exemplo.
Por outro lado, mesmo com a modernização das formas de comunicação, é indispensável para o sucesso e segurança da missão que seja aplicada este dispositivo legal, ainda que de forma adaptada para as comunicação utilizadas na atualidade. Esta liberdade, deve ser aplicada para todas as formas de comunicação utilizadas, como telefone, e-mails, malotes, devendo o estado acreditado garantir essa liberdade e violabilidade do sigilo de comunicações. [21]
1.7 Imunidade civil, penal e tributária
Ao se aprofundar um pouco no estudo das imunidades diplomáticas, é possível perceber que não obstante o fato destas imunidades estarem devidamente previstas nas Convenções sobre as quais já falamos de forma breve, tais normas devem ser observadas na prática quanto à jurisdição civil e penal aplicada às transgressões que eventualmente forem cometidas pelo agente portador de determinada imunidade.
Apesar do fato de os agentes diplomáticos não poderem ser presos ou processados, devido às imunidades das quais gozam por força do art. 31, caput da CVRD, o governo local, no caso de o agente diplomático demonstrar alguma conduta ou ato tido como ilegal, poderá proceder à devida investigação com a finalidade de apurar os fatos e após remeter ao Estado acreditante para que este se julgar correto impute alguma punição ao agente infrator. Tal possibilidade está contemplada no parágrafo 4 do referido art. 31, sobre o qual nos explica Lima:
A imunidade de jurisdição penal não significa, porém, impunidade; assim como a imunidade de jurisdição civil não é sinônimo de irresponsabilidade. A CVRD previu em seu art. 31, parágrafo 4, que o agente diplomático não está isento da jurisdição do Estado acreditante, ou seja, responderá perante os tribunais de seu pais pelos ilícitos que, porventura, venha a praticar quando em função no exterior, desde que a ação seja transferida para aqueles tribunais.[22]
A imunidade de jurisdição, ou imunidade à jurisdição estatal, como também é conhecida, é, portanto a característica concedida por lei ao agente diplomático e que torna este imune a incidência da lei do estado acreditado. Esta prerrogativa já foi justificada através de diferentes teorias com o passar dos tempos, sendo que, destas, temos três principais teorias e uma delas efetivamente aceita pela doutrina e jurisprudência internacional.
A primeira teoria surgida, muito antes das convenções de Viena, já no séc. XVI, é a teoria da Extraterritorialidade, na qual o agente e a missão são imunes por considerar-se que a missão diplomática, e até mesmo ele, agente são uma extensão do território do Estado acreditante. Essa teoria deixou de ser aceita já no início das reuniões do Conselho da Liga das Nações, conforme explica Lima:
No entender da comissão de peritos para a codificação do Direito Internacional, nomeada Conselho da Liga das Nações, a noção de extraterritorialidade, quer seja considerada como uma função, quer seja interpretada de acordo com o sentido literal, do termo, não oferece na fundamentação satisfatória de para conclusões de orem prática.[23]
Portanto, percebe-se que a teoria que embasa as imunidades na possibilidade de considerar a extraterritorialidade da missão e do agente é falha, não sendo aceita, mesmo que defendida por alguns ainda nos dias de hoje, não é considerada extensão do território de um Estado a sua representação perante um Estado estrangeiro.
A segunda teoria, e que até bem pouco tempo era aceita, era a do caráter de representatividade, onde o agente possuía a imunidade de jurisdição simplesmente por estar a serviço de um Estado soberano e, portanto, representando este e que por ser representante de um Estado soberano, devia ter o mesmo respeito concedido para aquele. Todavia, esta teoria não está mais sendo reconhecida nos dias de hoje pela jurisprudência e doutrinadores. [24]
Por último, temos a teoria do interesse da função, que hoje é a teoria aceita pela maioria da jurisprudência internacional e doutrinadores. Esta teoria, trata de reconhecer que tais privilégios e imunidades, somente são concedidos para garantir que o agente desempenhe sua função, o que é de interesse de ambos os Estados, pois de outra forma, sequer manteriam relações. Esta teoria deixa claro que, em hipótese alguma, as prerrogativas e imunidades devem servir para benefício do agente enquanto indivíduo, mas sim para assegurar o que esse desempenhe suas funções para o bem da coletividade. [25]
Desta forma, entende-se que se trata da teoria mais adequada, pois, a função de haver missões diplomáticas e tratados internacionais em momento algum é privilegiar um grupo de indivíduos, mas sim, buscar o bem da coletividade.
1.7.1 Imunidade Civil
A imunidade de jurisdição civil concedida ao agente diplomático é a prerrogativa que torna o agente diplomático imune à jurisdição local.
Ao se aprofundar um pouco no estudo das imunidades diplomáticas, é possível perceber que, não obstante o fato de estas imunidades estarem devidamente previstas legalmente nas Convenção de Viena Sobre as Relações diplomáticas, como veremos aqui, isso não isenta o agente diplomático de cumprir as normas do Estado local. A imunidade de jurisdição civil.
1.7.2 Imunidade Penal
A imunidade de jurisdição penal é, talvez, uma das mais controversas para a opinião pública:
Aplica-se, outrossim, o disposto no art. 31, parágrafo 4, da CRVD que evita que a imunidade de jurisdição criminal do agente diplomático venha a significar impunidade. Na prática, observa-se, de igual modo, ceticismo quanto à retomada da ação penal nos tribunais do Estado acreditante. As consequências morais e administrativas da ação do Estado acreditado, podem, no entanto, constituir sanção efetiva contra o agente faltoso. [26]
Todavia, é importante lembrar que essa imunidade não visa a tornar o agente diplomático inatingível por possíveis punições de suas condutas ilegais, ao passo que as autoridades legais poderão apresentar queixa formal ao Estado de origem deste agente e caberá ao Estado decidir se irá efetivamente acusar de alguma forma o agente faltante.
1.7.3 Imunidade Tributária
A imunidade tributária está revista no art. 23, parágrafos 1º e 2º da Convenção De Viena Sobre as Relações Diplomáticas e prevê a isenção de taxas e impostos, para o estado acreditante e o chefe da missão, conforme abaixo:
Artigo 23:
1. O Estado acreditante e o Chefe da Missão estão isentos de todos os impostos e taxas, nacionais, regionais ou municipais, sôbre os locais da Missão de que sejam proprietários ou inquilinos, excetuados os que representem o pagamento de serviços específicos que lhes sejam prestados.
2. A isenção fiscal a que se refere êste artigo não se aplica aos impostos e taxas cujo pagamento, na conformidade da legislação do Estado acreditado, incumbir as pessoas que contratem com o Estado acreditante ou com o Chefe da Missão.[27]
Além disso, está também previsto no mesmo tratado em seu art. 34 esta mesma isenção por parte de seus agentes:
Artigo 34: O agente diplomático gozará de isenção de todos os impostos e taxas, pessoais ou reais, nacionais, regionais ou municipais, com as exceções seguintes:
a) os impostos indiretos que estejam normalmente incluídos no preço das mercadorias ou dos serviços;
b) os impostos e taxas sôbre bens imóveis privados situados no território do Estado acreditado, a não ser que o agente diplomático os possua em nome do Estado acreditante e para os fins da missão;
c) os direitos de sucessão percebidos pelo Estado acreditado, salvo o disposto no parágrafo 4 do artigo 39;
d) os impostos e taxas sôbre rendimentos privados que tenham a sua origem no Estado acreditado e os impostos sôbre o capital, referentes a investimentos em emprêsas comerciais no Estado acreditado.
e) os impostos e taxas que incidem sôbre a remuneração relativa a serviços específicos;
f) os direitos de registro, de hipoteca, custas judiciais e impôsto de selo relativos a bens imóveis, salvo o disposto no artigo 23.[28]
Porém, conforme Rezek, sobre o instituto da imunidade tributária contempla algumas exceções, uma vez que mesmo que tanto a missão quanto o agente diplomático sejam isentos de determinados tributos por força de diferentes artigos da Convenção de Viena Sobre as Relações Diplomáticas, ambos acabam por pagar tributos cobrados de forma indireta e que estão contemplados no valor pagos por bens e serviços. [29]
No mesmo sentido, segundo Silva, essa isenção consagrada no art. 23 da CRVD tenha sua natureza no fato de a Missão Diplomática ter seu caráter representativo de um estado estrangeiro, e, portanto, não devendo obediência à jurisdição do Estado acreditado, ressalta-se a aplicação desta imunidade, na prática, contempla algumas exceções, uma vez que, deve-se observar a espécie de tributo que iria recair sobre à Missão. Portanto, para saber de quais tributos são ou não devidos, é necessário diferenciar-se a isenção de taxas da missão da imunidade do agente, para que possamos saber quais tributos são direta ou indiretamente devidos ou objeto de isenção.[30]
Desta forma, entende-se que, quanto à inserção da isenção tributária, dentre o rol de imunidades e prerrogativas diplomáticas, isto foi realizado com cautela e de forma acertada, uma vez que, se a imunidade fosse absoluta, acarretaria diversos problemas ao estado acreditado. Se esta imunidade fosse absoluta, uma missão que aluga um imóvel em Estado estrangeiro culminaria na isenção do pagamento de impostos deste imóvel (que muitas vezes devem ser pagos pelo proprietário e não pelo locatário).
Outro problema grave que isso acarretaria é uma brecha para não cumprimento da legislação tributária do Estado acreditado, pois tudo o que a missão diplomática e seus agentes comprassem, deveria ter deduzido o valor dos impostos, o que dificultaria a administração de seus fornecedores, dando margem, inclusive, para fraudes fiscais realizadas por entes privados mal intencionados. Pensando nesse, e em outros casos, é O que a alguns países, inclusive, criaram legislações específicas para falar da isenção tributária de entidades públicas estrangeiras.