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Passado, presente ou futuro?

A mediação interdisciplinar como tuteladora da afetividade e personalidade no Direito de Família

As perguntas específicas devem receber respostas específicas; e se a série de crises que temos vivido desde o início do século XX pode nos ensinar alguma coisa é, penso, o simples fato de que não há padrões, nem regras gerais a que subordinar os casos específicos com algum grau de certeza.

[Hannah Arendt[1]]


I - Introdução

A família deixou de ser essencialmente uma relação econômica- contratual para ceder espaço à afetividade.

Novos acontecimentos surgem no direito de família, como por exemplo: criança gerada em útero de substituição, cuja mãe-portadora era ao mesmo tempo a avó. Bom, como ficaria a sucessão neste caso? Temos que pensar numa nova reorganização jurídica sobre a família.

No mês passado a justiça mineira publicou acórdão determinando que o pai indenizasse seu filho – hoje com 23 anos – já que esteve ausente a vida todo. Note-se que o valor da indenização neste processo é simbólico já que não há pagamento capaz de salvar a dor sofrida pelo abandono, a condenação é somente um alerta.

Esta ausência de afetividade na vida de milhões de criança espalhadas pelo Brasil já se apresenta como um fenômeno social alarmante: crianças na rua, prostituição infantil, deliquência juvenil, etc., ou seja, apresenta como um declínio da autoridade paterna e o enfraquecimento do estado.

Portanto, em prol da dignidade da pessoa humana, base de sustentação dos direitos humanos, a afetividade vem a ser um novo valor jurídico, elemento essencial e tão esquecido na sociedade materialista moderna, sendo que sua ausência fere a dignidade sim.

Esta decisão e este artigo questionarão muitas coisas, dentre elas o quanto fere um jovem se perguntando e não obtendo resposta para: "Pai, por que me abandonaste?"; "Marido, porque se foi?"; "Mulher, porque me traíste?", perguntas que só serão respondidas com a ajuda da mediação e do pleno entendimento do que seja dignidade da pessoa humana.


II. A dignidade humana

O respeito à dignidade humana passou a ser a tônica dos sistemas constitucionais, em anteposição ao estatismo prevalente no período anterior.

Vários códigos passaram a dedicar um capítulo aos denominados direitos da personalidade, que anteriormente não tiveram acolhida em razão da posição dos doutrinadores que não admitiam sua formulação positiva, com medo da exacerbação dos referidos direitos.

Dentre os Códigos que tratam positivamente dos direitos da personalidade temos: o suíço, o japonês, o iraniano, o grego, o egípcio, o português e o italiano.

A própria denominação de direitos da personalidade variou muito com o passar do tempo.

Vejamos primeiramente suas características[2].

Diz-se que os direitos da personalidade são o mínimo imprescindível para o ser humano desenvolver-se dignamente. Diz-se que são absolutos, extrapatrimoniais, intransmissíveis, imprescritíveis, indisponíveis, vitalícios e necessários.

Absolutos porque são de tal ordem que devem ser observados, respeitados por todos.

Extrapatrimoniais porque não se reduzem a dimensionamento de interesses, nem a avaliações econômicas.

São ditos imprescritíveis no sentido de que o exercício do direito pode se dar a qualquer momento na preservação de sua esfera de integridade, física ou moral.

Indisponíveis, porque o titular não pode se privar de seus direitos da personalidade, o que é muito mais do que intransmissibilidade, ou inalienabilidade. Bem por isso jamais poderão ser objeto de expropriação. Neste ponto, é mister lembrar que houve sistemas que permitiram a disposição desses direitos resultando na escravidão.

Importa salientar quanto à intransmissibilidade, que por ser inerente à pessoa, não se admite a transmissão nem "causa mortis".

Vitalícios porque integrados à vida do titular, e, enquanto esta existir, perduram seus direitos e "post mortem" – respeito ao cadáver, ou seja, sua imagem será preservada eternamente.

Necessários porque não se admite a ausência de qualquer um deles para o desenvolvimento da própria vida, são imprescritíveis à própria vida.

Eles podem, ademais, ser divididos em direitos à integridade física e em direitos à integridade moral.

Quanto aos relativos à integridade física destacam-se o direito a vida, o direito sobre o corpo e o direito ao cadáver.

Quanto aos relativos à integridade moral destacam-se o direito à honra, liberdade, privacidade e numa esfera mais estreita à intimidade, imagem, ao nome e direitos morais sobre as criações pela inteligência.

Retomemos a história dos direitos da personalidade.

A categoria, portanto, dos direitos da personalidade constitui-se, portanto, em construção recente, fruto de elaborações doutrinárias germânica e francesa da segunda metade do século XIX. Compreendem-se sob a denominação de direitos da personalidade, os direitos atinentes à tutela da pessoa humana considerados essenciais à dignidade e integridade.

Em síntese, observou Giorgio Giampiccolo[3]: o homem, como pessoa, manifesta dois interesses fundamentais: como indivíduo, o interesse a uma existência livre; como partícipe do consórcio humano, o interesse ao livre desenvolvimento da vida em relações. A esses dois aspectos essenciais do ser humano podem substancialmente ser reconduzidas todas as instâncias específicas da personalidade.

Sobre a constitucionalização dos direitos privados, verificamos que no Brasil é uma nova tendência (pós CF/88), já na Alemanha é antiga – pós II guerra.

No Brasil isso se dá, já que o direito brasileiro renasceu do período pós autoritário, onde as doutrinas constitucionais e civis cresceram e se dinamizaram muito.

Vejamos então se há ou não diferença entre os direitos fundamentais e os direitos da personalidade.


III - Relação da Constituição com o Novo Código Civil, abordando a dignidade da pessoa humana, os direitos fundamentais e a regulamentação dos direitos de personalidade.

O novo Código Civil seguiu os caminhos da Constituição Federal, ao adotar o princípio da sociabilidade como, junto com o da eticidade e operabilidade são valores essenciais que nortearam a alteração do Código Civil pátrio.

Neste diapasão devemos diferenciar os direitos fundamentais e os direitos de personalidade.

Muitos dos direitos fundamentais são direitos de personalidade mas nem todos os direitos fundamentais são direitos de personalidade, diz Canotilho. Os direitos de personalidade abarcam certamente os direitos de estado (por exemplo; direito de cidadania), os direitos sobre a própria pessoa (direito à vida, à integridade moral e física, direito à privacidade), os direitos distintos da personalidade (direito à identidade pessoal, direito à informática) e muitos dos direitos de liberdade (liberdade de expressão), Tradicionalmente, afastavam-se dos direitos da personalidade os direitos fundamentais políticos e os direitos a prestações por não serem atinentes ao ser como pessoa. Contudo, hoje em dia, os direitos fundamentais tendem a ser direitos de personalidade e vice-versa[4].

Canotilho entende que existe uma separação entre os dois direitos tendo em vista que a Constituição portuguesa reconhece os direitos fundamentais a pessoas coletivas e organizações (ex.: os direitos reconhecidos às organizações de trabalhadores na Constituição Portuguesa)[5].

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Enquanto Canotilho explica a diferenciação sob o enfoque de um estudioso do direito público, ou seja, analisando primeiramente o advento dos direitos fundamentais para depois analisar os direitos da personalidade, o civilista Gustavo Tepedino analisa o tema sob outro enfoque.

Durante o liberalismo, o indivíduo não encontrava limites nas relações jurídicas patrimoniais, cuidando o direito privado basicamente de estipular garantias para que o domínio fosse exercitado sem ingerência externa; e para que a transferência de riqueza (da propriedade, portanto) pudesse ser livre curso mediante a disciplina dos contratos. A lesão à integridade das pessoas era matéria do direito público, que asseguraria, com o direito penal, a repressão aos delitos.

Na medida em que a pessoa humana se torna objeto de tutela também nas relações de direito privado, com o estabelecimento de direitos subjetivos para a tutela de valores atinentes à personalidade, trataram os civilistas de definir a sua configuração dogmática, delineando-se um direito iluminado pelo paradigma do direito subjetivo privado, por excelência, o direito de propriedade.

Cogita-se, nesta esteira, que tais direitos pertencem à categoria dos direitos privados exatamente porque: a vida, a integridade física, a honra, a liberdade, satisfazem aspirações e necessidade próprias do indivíduo em si mesmo considerado, e inserem-se portanto, na esfera da ‘utilitas’ privada. Ao lado de tais direitos subjetivos privados conviveriam, assim, os direitos subjetivos públicos, também chamados direitos civis, os quais atenderiam às aspirações do indivíduo em face do estado, para protegê-lo das opressões oriundas da coletividade estatal, cujo objeto seria sempre o mesmo, embora diversificado nas suas manifestações. Quando o ordenamento considerasse que certas necessidades do homem possuem características tais a justificar a proteção do direito privado, além daquela que a ordem pública oferece para a tutela da pessoa humana estabelecia o respectivo direito subjetivo privado.

Daí considerar que: ‘os direitos humanos são, em princípio, os mesmos da personalidade; mas deve-se entender que quando se fala dos direitos humanos, referimo-nos aos direitos essenciais do indivíduo em relação ao direito público, quando desejamos protege-los contra as arbitrariedades do Estado. Quando examinamos os direitos da personalidade, sem dúvida nos encontramos diante dos mesmos direitos, porém sob o ângulo do direito privado, ou seja, relações entre particulares, devendo-se, pois, defende-los frente aos atentados perpetrados por outras pessoas.

Neste mesmo diapasão verificamos que os rígidos compartimentos do direito público e do direito privado nem sempre se mostram suficientes para a tutela da personalidade que, as mais das vezes, exige proteção do Estado e das sociedades intermediárias – família, empresa, associações – como ocorre, com freqüência, nas matérias atinentes à família, à inseminação artificial e à procriação assistida, ao transexualismo, aos negócios jurídicos relacionados com a informática, às relações de trabalho em condições degradantes, e assim por diante.

Sobre a regulamentação dos direitos de personalidade deferida ao legislador ordinário não significa uma reserva legal ilimitada. À legislação infraconstitucional, tanto em matéria de direito civil, como de direito do trabalho, acidentário ou previdenciário, por exemplo, só é permitido impor restrições às garantias individuais ou sociais na medida em que a disciplina normativa encontre justificativa na própria dignidade da pessoa humana.

Portanto, em relação ao direito da personalidade a distinção entre direito público e privado não deve ser analisada como antigamente e sim como uma nova forma de pensar estruturado na dignidade da pessoa humana, ou seja, tanto no direito público como no privado o objeto a ser resguardado é o homem, então ao meu ver não existe mais fronteiras entre um e outro.

O objeto e a titularidade, então, das duas teorias são idênticas, ou seja, a preservação do ser humano, do seu valor maior: sua dignidade.

Neste diapasão nasce novas formas de conjugalidade e parentalidade, como: paternidade homoparental, filho na reprodução assistida, famílias uniparentais, a produção independente e a caracterização, pela jurisprudência alternativa da união estável entre homossexuais.


IV. Afetividade e Personalidade no Direito de Família.

Em decisão única, ainda, no Brasil o Tribunal de Justiça de Minas Gerais entendeu que o princípio da afetividade estrutura os direitos da personalidade.

EMENTA – INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS – RELAÇÃO PATERNO-FILIAL – PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE

O dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno (dano – art.186), que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável (responsabilidade civil subjetiva – art. 927), com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana. (Ap. Cível 408.550-5 de 01.04.2004).

Neste diapasão a Dra. Giselle Groeninga[6] traz em seu artigo: entre o público e o privado, família a idéia que não existe mais fronteiras entre o público e o privado, com a maior diversidade nas constituições familiares, os conflitos têm cada vez mais ganho o espaço público.

Uma importante modificação que assistimos, diz a autora, é o cair por terra de uma certa ilusão da família. Cada vez mais emergem as questões de violência, física e psíquica, não só contra as mulheres e crianças, mas também contra os homens no que tange ao exercício da função paterna, como assistimos em uma crescente queixa ao impedimento das chamadas visitas. Alarmantes os crimes cometidos por menores contra os menores, que vão desde o abandono à violência sexual, realidade que os especialistas apontam com freqüência.

O homem mudou, o direito, a sociedade e a família, também. Distingue-se vários níveis de relações dentro da família, as afetivas, as patrimoniais, as do exercício dos papéis e as dos direitos e deveres, mas sempre com um só objeto o homem e sua intimidade. Porque dizer só homem, é coisificar a humanidade, mas nós nos diferimos por termos intimidades diferentes.

A intimidade é de cada um, tendo em vista os laços afetivos, a família, a sociedade, a psique, a formação, ou seja, a afetividade que cada um de nós temos no nosso dia-a-dia.

Voltemos a analise da Apelação.

Trata-se de recurso de apelação interposto por um menor púbere representado por sua mãe contra a r. sentença que, nos autos da ação de indenização por danos morais ajuizada contra seu pai, julgou improcedente o pedido inicial, ao fundamento de que inexistente o nexo causal entre o afastamento paterno e o desenvolvimento de sintomas psicopatológicos pelo autor.

Sustenta o apelante, em síntese, que o conjunto probatório presente nos autos é uníssimo ao afirmar a existência do dano resultante da ofensa causada pelo apelado. Afirma que a dor sofrida pelo abandono é profundamente maior que a irresignação quanto ao pedido revisional de alimentos requerido pelo pai. Aduz que o tratamento psicológico ao qual se submete há mais de dez anos advém da desestruturação causada pelo abandono paterno. Pugna, ao final, pelo provimento do recurso.

A relação paterno-filial em conjugação com a responsabilidade possui fundamento naturalmente jurídico, mas essencialmente justo, de se buscar compensação indenizatória em face de danos que pais possam causar a seus filhos, por força de uma conduta imprópria, especialmente quando a eles é negada a convivência, o amparo afetivo, moral e psíquico, bem como a referência paterna ou materna concretas, acarretando a violação de direitos próprios da personalidade humana, magoando seus mais sublimes valores e garantias, como a honra, o nome, a dignidade, a moral, a reputação social, o que, por si só, é profundamente grave.

O juiz Unias Silva reconheceu que a responsabilidade em comento deve cingir-se à civil e, sob este aspecto, deve decorrer dos laços familiares que matizam a relação paterno-filial, levando-se em consideração os conceitos da urgência da reparação do dano, da re-harmonização patrimonial da vítima, do interesse jurídico desta, sempre prevalente, mesmo à face de circunstâncias danosas oriundas de atos dos juridicamente inimputáveis.

No seio da família da contemporaneidade desenvolveu-se uma relação que se encontra deslocada para a afetividade. Nas concepções mais recentes de família, os pais de família têm certos deveres que independem do seu arbítrio, porque agora quem os determina é o Estado.

Assim, a família não deve mais ser entendida como uma relação de poder, ou de dominação, mas como uma relação afetiva, o que significa dar a devida atenção às necessidades manifestas pelos filhos em termos, justamente, de afeto e proteção.

Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência e não somente do sangue.

No estágio em que se encontram as relações familiares e o desenvolvimento científico, tende-se a encontrar a harmonização entre o direito de personalidade ao conhecimento da origem genética, até como necessidade de concretização do direito à saúde e prevenção de doenças, e o direito à relação de parentesco, fundado no princípio jurídico da afetividade.

O princípio da efetividade especializa, no campo das relações familiares, o macroprincípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da Constituição Federal), que preside todas as relações jurídicas e submete o ordenamento jurídico nacional.

No estágio atual, o equilíbrio do privado e do público pauta-se exatamente na garantia do pleno desenvolvimento da dignidade das pessoas humanas que integram a comunidade familiar.

Ademais, no que respeita à dignidade da pessoa da criança, o artigo 227 da Constituição expressa essa concepção, ao estabelecer que é dever da família assegurar-lhe "com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária", além de colocá-la "à salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão". Não é um direito oponível apenas ao Estado, à sociedade ou a estranhos, mas a cada membro da própria família.

Assim, depreende-se que a responsabilidade não se pauta tão - somente no dever alimentar, mas se insere no dever de possibilitar o desenvolvimento humano dos filhos, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana.

Em síntese, verificamos que os fatos explicam, o porquê da decisão. Até os seis anos de idade, o apelante, manteve contato com seu pai de maneira razoavelmente regular. Após o nascimento de sua irmã, a qual ainda não conhece, fruto de novo relacionamento conjugal de seu pai, este se afastou definitivamente. Em torno de quinze anos de afastamento, todas as tentativas de aproximação efetivadas pelo apelante restaram-se infrutíferas, não podendo desfrutar da companhia e dedicação de seu pai, já que este não compareceu até mesmo em datas importantes, como aniversários e formatura.

De acordo com o estudo psicológico, constata-se que o afastamento entre pai e filho transformou-se em uma questão psíquica de difícil elaboração para o apelante, interferindo nos fatores psicológicos que compõem sua própria identidade; e nas folhas 72 dos autos o filho, no caso apelante, questiona: o que seria um pai?

Assim, o juiz mineiro entendeu sob o prisma do princípio da dignidade da pessoa humana, princípio este estruturado pelo princípio afetivo, que o dano sofrido pelo filho, em relação à sua dignidade, a conduta ilícita praticada pelo pai (art. 186 – omissão - c.c art. 927 Código Civil), ao deixar de cumprir seu dever familiar de convívio e educação, a fim de, através da afetividade, formar laço paternal com seu filho, e o nexo causal entre ambos.

Desta forma, o juiz mineiro fixou uma indenização de duzentos salários mínimos.

Trouxe este caso e os ideais de uma psicóloga, mestranda em direito civil na USP – Giselle Groeninga, para demonstrar o quão difícil é conceituar direito da personalidade, já que é um tema que envolve emoção.

Segundo o Professor Goffredo da Silva Telles, na festejada obra da querida Professora Maria Helena Diniz[7]: "a personalidade consiste no conjunto de caracteres próprios da pessoa. É, portanto, objeto de direito", ou seja, são valores subjetivos que não temos como explicar são meus e ponto.

A Desembargadora Maria Berenice Dias que defende, também, que o afeto merece ser visto como uma realidade digna de tutela[8]:

Quem se lembra dos filhos havidos fora do casamento? Já nasciam marginalizados pela sociedade e por aqueles que os colocaram no Mundo. Quem lembra da mulher deflorada? Quem lembra do desquite? Quem lembra dos direitos da mulher no começo do século XX?

Quais eram os meios de tutela dos direitos da personalidade naquela época?

Mesmo assim continuamos a viver numa sociedade patriarcal regida simples e puramente pela razão, mas aos poucos vemos mudanças no comportamento social é o caso das sentenças reconhecendo a relação homoafetiva.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou que é possível o processamento e o reconhecimento de união estável entre homossexuais, ante princípios fundamentais insculpidos na Constituição Federal que vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo. O Desembargador José Ataídes Siqueira descreveu: "é justamente agora, quando uma onda renovadora se estende pelo mundo, com reflexos acentuados em nosso país, destruindo preceitos arcaicos, modificando conceitos e impondo a serenidade científica da modernidade do trato das relações humanas, que as posições devem ser marcadas e amadurecidas, para que os avanços não sofram retorscesso e para que as individualidades e coletividades, possam andar seguras na tão almejada busca da felicidade, direito fundamental de todos (Ap. 598362655, j. 01.03.2000).

No caso do casamento, encontramos julgados que privilegiam o sentimento do que o contrato: "Ementa: SEPARAÇÃO JUDICIAL – INEXISTÊNCIA DE AMOR. A inexistência de amor autoriza a separação, não a imputação de culpa pelos desentendimentos do casal (TJSP, AC270.393-4/2-00, Des. Carlos Stroppa, j. 4.9.2003).

Portanto, os direitos da personalidade, estruturados pelos princípios da dignidade da pessoa humana e afetividade são universais, e cabe a nós advogados defende-los. Mas lembramos sempre que toda interpretação é intersubjetiva e o que vale para mim pode não ter o mesmo valor para os outros, mas mesmo assim os outros devem respeitar a minha interpretação, isso é boa-fé objetiva, afetividade, dignidade e personalidade.


V. Meios de Tutela dos Direitos da Personalidade

O acórdão de Minas Gerais, analisado acima, contém uma passagem onde diz: "neste contexto, ainda que se pese o sentimento de desamparo do autor em relação ao lado paterno, e o sofrimento decorrente, resta ao apelante (filho), para além da indenização material pleiteada, a esperança de que o genitor se sensibilize e venha a atender suas carências e necessidades afetivas".

Bom, com a ação judicial ele, neste caso o filho, já ingressou e obteve, até, resultado favorável, mas note-se que quanto a psique do rapaz ele ainda não entende o porquê foi "eleito" a ser rejeitado pelo seu pai.

Esse problema, trauma, que acompanhará ele pelo resto de sua vida, faz com os meios de tutela disponíveis não sejam eficazes para elaborar essa situação traumática.

A mediação familiar não é uma assistência psicológica das partes, prática profissional que exige formação em saúde mental, que não pode ser imposta às pessoas em conflito, pois depende de uma decisão pessoal submeter-se a uma psicoterapia. Trata-se de uma atividade que exige um tempo do Judiciário, que não tem competência para exercício de atividades clínicas, a mediação familiar, portanto trabalha a comunicação humana, cujo efeito poderá ter efeitos terapêuticos, por aliviar o sofrimento ao conter a angústia.

Este instituto familiar não se confude com a arbitragem, em que as partes em conflito, no exercício da autonomia da vontade, elegem uma terceira pessoa, neutra e imparcial – o árbitro -, autorizando-a a tomar uma decisão que obrigará os envolvidos no conflito. Diferentemente da arbitragem a mediação pode ser utilizada nos casos de direito indisponível.

Em síntese, a mediação examinada sob a ótica da técnica da comunicação é um método fundamentado, teórica e tecnicamente, por meio do qual uma terceira pessoa, neutra e especialmente treinada, ensina os mediandos a despertarem seus recursos pessoais para que consigam transformar o conflito.

A mediação interdisciplinar constitui uma ferramenta capaz de promover a reorganização do conflito, a partir de um saber que toma por empréstimo os saberes de outras disciplinas, integrando-os num conhecimento de um nível hierarquicamente superior.

O Judiciário, instituição extremamente importante, para a democratização do país deve ser tido como um poder paralelo à mediação que é o único meio eficaz de desconstituir traumas como o casamento sem amor, o porquê do abandono do lar, o abandono do filho, as desavenças familiares causadas pela paridade entre mulheres e homens, as desavenças oriundas da paridade entre pais e filhos.

Importante, se faz notar que o Judiciário é o único, também, que poderá cessar ameaça ou lesão a direito da personalidade, bem como dar provimento a uma possível perdas e danos. Portanto, a medida cautelar, a ação de indenização, o "habeas corpus", o mandado de segurança são meios eficazes para tutelar esses direitos no sentido "stricto sensu", no causa de traumas psíquicos somente a mediação poderá ajudar as partes a elaborarem determinadas questões.

Quando, no acórdão acima analisado, o filho – em uma passagem – diz, que mesmo se ganhasse a causa o que ele mais queria era restabelecer o vínculo novamente com o pai. Como o Judiciário poderá tutelar a afetividade, a personalidade e a dignidade desta pessoa?

Defendo, por fim, que os direitos da personalidade na esfera familiar não são aqueles dados pelo vínculo sangüíneo e sim aqueles afetivos-psíquicos que só podem ser tutelados via a mediação.


Notas

1 ARENDT, Hannah. Responsabilidade e julgamento. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 07.

2 LOTUFO, Renan. Curso avançado de direito civil: vol. 1: parte geral, São Paulo: RT, 2002, pp.81-83.

3 "apud" Tepedino, Gustavo, op. cit., p. 25.

4 CANOTILHO. J.J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Lisboa, p. 489.

5 CANOTILHO. J.J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Lisboa, p. 489.

6 GROENINGA, Giselle. "Entre o público e o privado, família", Boletim do IBDFAM n°25, 2004, p. 07,

7 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2002, 23.

8 "In" www.mariaberenicedias.com.br

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUILHERME, Luiz Fernando Vale Almeida. Passado, presente ou futuro?: A mediação interdisciplinar como tuteladora da afetividade e personalidade no Direito de Família. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 480, 30 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5865. Acesso em: 5 nov. 2024.

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