A terceirização da mão-de-obra é o capítulo do Direito do Trabalho que mais dá margens a problemas levados à apreciação do Judiciário. Nem poderia ser diferente, pois se trata da negação de seus princípios formadores.
Atualmente existe uma limitação legal às atividades sujeitas à terceirização, segundo a natureza da atividade da empregadora. São terceirizáveis apenas as atividades meio, e vedadas para as atividades-fim. Atividade fim é a especialidade do negócio da empresa, e atividades secundárias e de apoio são consideradas atividade-meio.
Agora, porém, a toque de caixa, pretende-se alterar a lei para permitir a terceirização geral. Procura-se incluir na lei salvaguardas jurídicas que dificultem a abundância de processos trabalhistas causados pela terceirização.
Para identificar problemas, vejamos como se dá a relação.
O empregador contrata outro empregador para abastecer-lhe com mão-de-obra. O empregado do empregador contratado passa a ser o “terceirizado”, e não mais tratado como empregado na relação empregatícia cotidiana. Existe a relação de trabalho, mas sem o vínculo empregatício direto, este entregue a outro empregador.
De modo que a relação de confiança que deva se estabelecer naturalmente entre empregador e empregado fica relegada a um terceiro, aquele que paga salário ao empregado. Já aí existe um problema de alheamento, pois o empregado realiza seu trabalho sem muita preocupação com qualidade e produtividade, na medida em que pode ser substituído a qualquer instante, por qualquer razão.
O contratante de serviços certamente não pode exigir o quanto exigiria de um empregado seu, porque não lhe deve subordinação, apenas prestação de serviços; o empregado não conta com a perspectiva de progresso profissional, estando limitado por um vínculo externo.
A realidade da terceirização cria, assim, um círculo vicioso: com a precarização da mão-de-obra perde-se a produtividade, que é suprida por maior número de empregados “terceirizados”, e quantos mais, mais problemas. O contratante é obrigado a exigir mais qualidade de seu contratado e este, por sua vez, não tendo como suprir, recorre a esse aumento de oferta por ser a única medida possível. Se pagar maiores salários, maiores serão os custos a repassar ao empregador. Neste círculo vicioso cada qual experimenta alternativas que lhe pareçam razoáveis, surgindo daí a maioria dos problemas amplamente conhecidos e combatidos pela Justiça do Trabalho e por fiscalizações da autoridade do Trabalho e Emprego. Vem daí a conhecida sonegação fiscal, sonegação de direitos trabalhistas, acidentes do trabalho e outros.
Procura-se estabelecer em lei, de forma tanto forçada quanto equivocada, salvaguardas jurídicas para o empregador. De nada adianta – se um não paga, outro paga. O fornecedor de mão de obra (que para alguns não difere da figura do “atravessador”), premido pela concorrência e pela carga tributária legal, deixa de pagar impostos e direitos trabalhistas. Ora, de nada adianta a lei dizer que o contratante não é responsável por estes débitos, quando quem se beneficiou da mão-de-obra fora justamente o contratante. Nessa medida, não há como isentar-se das obrigações legais e fiscais. Ainda que por outros meios e artifícios, mas não deixará de arcar com a responsabilidade.
O que se vislumbra, em síntese, é a ampliação e reflexos dos problemas que sempre existiram em torno de terceirizações de mão-de-obra, tanto as típicas quanto as temporárias. Por mais que demagogias de fundo ideológico que ora defendem, ora condenem, terceirizações não é a solução para nada, especialmente para a satisfação da necessidade de criação de empregos.
De notar, por uma observação crítica, que a abertura das limitações que prendiam a terceirização acontece numa quadra histórica muito peculiar. A representação congressual nesses tempos nunca esteve tão particularizada e focada em interesses bem definidos. E esses interesses nunca estiveram tão distantes dos interesses dos trabalhadores; aliás, nunca foram tão avessos.
De qualquer forma, esteja como estiver a legislação, tudo o que envolve terceirização de mão-de-obra deve ser cercado por amplos cuidados. A prevenção de problemas nesse aspecto deve ser total porque, como pletora de problemas, as soluções podem ser custosas para o empregador.
O contrato deve ser avaliado juridicamente antes de assinado, e os pagamentos de faturas devem estar condicionados a demonstrativos hábeis a comprovar o cumprimento mensal e periódico das obrigações trabalhistas, tributárias e fiscais pelo fornecedor de mão-de-obra contratado. E as cobranças de providências feitas pelo contratante ao contratado devem ser fartamente documentadas, para assegurar-lhe isenções futuras.
De nada adianta o empregador cumprir regiamente suas obrigações diretas, se deixar de cobrar a mesma correção de seus parceiros empresariais. Aliás, se a intenção é a de isentar-se de problemas com a Justiça do Trabalho é adequado que não recorra a este tipo de contratação de mão-de-obra.
Prevenção de problemas
O problema maior na contratação de terceiros diz respeito às obrigações fiscais, tributárias e trabalhistas que são transferidas para a contratada. É a razão principal que leva o empregador a contratar e promover a terceirização.
Nisto, portanto, reside a fonte principal de problemas e por esta razão é aí que devam concentrar-se as atenções do contratante. Vejamos, pois.
As obrigações objetivas – fiscais, tributárias e trabalhistas – que o contratado possui são rigorosamente as mesmas que tem o contratante. Ou seja: registrar o empregado, pagar-lhe salários, apurar e recolher impostos, prestar informações ao Fisco, ao Ministério do Trabalho etc. Tudo o que um tem a obrigação de fazer ou outro também tem.
Desta forma, cabe ao contratante certificar-se de que o contratado esteja cumprindo regiamente suas obrigações com o empregado que está a prestar serviços em seu estabelecimento. Fiscalizar por seus meios. É assim porque qualquer irregularidade que esteja sendo praticada, por ação ou omissão, no futuro lhe será cobrada. E tanto pior se for algo relacionado a direitos trabalhistas do empregado que estejam sendo sonegados ou irregularmente tratados, particularmente relacionados ao Fundo de Garantia por tempo de serviço (FGTS) e direitos convencionais.
Para evitar esses problemas há duas recomendações básicas:
- O empregador deve obter a Convenção Coletiva de Trabalho (atual e renovações) da categoria profissional do terceiro e fiscalizar o cumprimento das cláusulas econômicas e sociais em relação ao empregado;
- Condicionar o pagamento de faturas à apresentação mensal das guias de recolhimentos de impostos e protocolos de entrega e cumprimento de informações sociais. Especialmente, exigir cópias da SEFIP/GFIP, que é a guia de informações e recolhimento mensal do fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS), e conferir se está sendo corretamente calculada e recolhida a parcela. Também deve exigir cópias de entregas do CAGED (cadastro geral de empregados admitidos e demitidos mensalmente), RAIS (relação anual de informações sociais) e DIRF (declaração de imposto de renda retido na fonte, anual).
É preciso levar em conta a realidade: o motivo mais forte que leva à contratação da terceirização é a transferência da obrigação de cumprir exigências e encargos legais geradas pela relação direta de emprego. Esta é a razão prática e objetiva pela qual é justificado este tipo de contratação interposta.
Já as razões subjetivas não estão protegidas de risco por esta forma de contratação. A relação de comunicação entre chefe e subordinado acontece no dia a dia, embora a lei pretenda fictamente afastar esta realidade. E da relação entre as pessoas podem surgir problemas que eventualmente irão ensejar demandas por danos morais, como assédio moral, sexual etc. De questões subjetivas, portanto, o empregador não estará isento pela contratação da terceirização.