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A legalidade do poder normativo das agências reguladoras

Agenda 24/07/2017 às 13:46

Com base no estudo do poder normativo das agências reguladoras, o presente texto tem por escopo oferecer um estudo a respeito das características das agências em relação ao poder público.

Em sua obra “O direito das agências reguladoras independentes”, Marçal Justen Filho realizou um estudo de como se deu a origem das agências reguladoras, tanto no Brasil como nos países de língua inglesa. Logo de início o mesmo já destaca uma diferença terminológica que existe entre os países, pois nos países de língua inglesa adota-se o termo “Regulation” para identificar a atividade exercida pelo Estado e “Regulator” para qualificar o sujeito que a promove. No Brasil, esses termos seriam “Regulamentação” e “Regulamentador”.

Na obra do autor acima citado, diz-se que as agências reguladoras independentes foram instituídas no Brasil, na conjuntura da metodologia de liberalização efetivada em meados da década de 90, sendo qualificadas quão grandemente autarquias especiais.

Aduz que os primeiros institutos com essa aparência foram as agências de cunho federal inventadas para os campos da energia elétrica, telecomunicações e petróleo, assim sendo respectivamente criadas: ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações), ANP (Agência Nacional do Petróleo).

Em seguida, ainda em grau federal, foram inventadas a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), a ANS (Agência Nacional de Saúde Complementar), a ANA (Agência Nacional de Águas), a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), a ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), a ANCINE (Agência Nacional do Cinema) e a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil). Vale ressaltar que várias outras entidades constituíram a nível estadual e até mesmo a nível municipal.

Porém também há entidades instituídas já há algum período no Brasil, a qual possuem contornos bastante parecidos com as “novas agências”. Dentre elas estão: o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), o BC (Banco Central do Brasil) e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

Por conseguinte, afirma-se que todas essas entidades têm contornos próprios, apropriados aos concernentes setores as quais se inserem. Além do mais os seus regimes jurídicos hão de ser anexados nas Leis pelas quais são instituídas, bem como nos Decretos que as regulamentam. Usualmente consiste na doutrina do nosso país a declaração de que estaria inviável, ou no momento menos inoportuno o experimento de situar um regime jurídico único e uniforme, bem como uma lei universal a qual fosse aplicável as agências de forma geral.

Nesse mesmo entendimento, é corrente o preceito de que essas entidades criadas recentemente, não obstante tenham sido profundamente inspiradas nos moldes norte-americano e inglês, deprecam as necessárias adequações ao instituto do Direito brasileiro. É impossível, tendo em vista as características do sistema jurídico vigente no Brasil, implicar modelos antes concebido no estrangeiro.

Porém, é manifesta a tendência de produzir certo nível de uniformização ao instituto, ainda que para terminações metodológicas. Uma acepção possível para essas entidades, dentro dessa finalidade, foi consolidada por MARÇAL JUSTEN FILHO em sua obra que aborda o tema. Para esse estudioso, agência reguladora independente consiste em:

Uma autarquia especial, criada por lei para intervenção estatal no domínio econômico, dotada de competência para regulação de um setor específico, inclusive com poderes de natureza regulamentar e para arbitramento de conflitos entre particulares, e sujeita a regime jurídico que assegure sua autonomia em face da Administração direta.[1]

Logo, a instituição de entidades reguladoras que possuem competência favorável, com autonomia política em face do Poder central, busca conferir que a atividade regulatória seja exercida com ganhos em termos de eficácia, claridade e domínio, veemência técnica e confiabilidade, sem o controle indesejável dos cabimentos políticos ocupantes de cargos públicos.

O domínio eficaz do desempenho dessas entidades, destarte, é necessário e imperioso. Trata-se de alguma coisa essencial à sua própria vivência no cenário nacional. Com efeito, aduz que:

Não se pode admitir que a introdução de agências na organização administrativa brasileira seja instrumento para reduzir o controle social, político e jurídico sobre o exercício de competências estatais. A agência é uma forma de tornar o exercício das competências regulatórias estatais mais transparentes e controlável por parte da sociedade, não o oposto. Não se pode admitir que o Executivo, para impedir a fiscalização sobre suas decisões, veicule-as por meio de agências, dotadas de autonomia semântica.[2]

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Em síntese, nenhuma vantagem relacionado a termos de eficácia explica a eliminação da influência e da limpidez da atuação administrativa. A autoridade decorre da sistemática do apartamento de poderes atribuída pela Constituição brasileira. O policiamento não elimina a autonomia. Além disso, garante que as entidades regulatórias não ajam sem limites, porquanto, desvinculadas do fenecimento para o propósito que foram criadas. A seguir, as vantagens decorrentes da criação das agências administrativas independentes nunca poderão abonar qualquer tipo de barreira ou problema para a inspeção da sua atuação por parte dos órgãos e entidades dotadas de competência legal.

É manifesto que, ainda assim, a atividade regulatória estará à mercê dos erros e desvios intrínsecos a toda atividade governamental. Sendo um equívoco implicar que a mera criação das agências independentes, por si só, satisfaria para avalizar persecução dos desígnios acima citados. A instituição e a forma correta de emprego dos mecanismos de influência adequada consistem na exclusiva via para abolir, ou pelo menos abater de forma aceitável, essas deficiências.

A luz do texto acima mencionado, invoca-se na presente explanação o entendimento da obra Direito Administrativo Descomplicado, de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, que dissertam sobre as agências reguladoras, dizendo que “o estudo das agências reguladoras, portanto, está inserido na análise mais abrangente, e muito mais antiga da função regulatória do Estado, ou seja, da intervenção do Estado nas atividades econômicas em sentido amplo.”[3] A verdade é que, desde o fim do liberalismo clássico, todos os ordenamentos jurídicos do hemisfério ocidental reconhecem a necessidade de que o Estado intervenha em atividades exploradas pelo setor privado e, por essa razão conferem ao poder público inúmeros instrumentos para execução das diversas formas de intervenção estatal existentes.

Para intensificar o entendimento sobre o tema ora estudado, preleciona o ilustre Prof. Carlos Ari Sundfeld[4]:

Se o Estado abdicasse totalmente do poder de interferir na prestação de serviços públicos privatizados e na correspondente estrutura empresarial, correria o risco de assistir, passivamente, ao colapso de setores essenciais para o País, como o setor elétrico e o de telecomunicações. O Estado necessita, ainda, impedir práticas anticoncorrenciais, o que não pode, de forma nenhuma, ser deixado ao encargo da “mão invisível” do mercado. Existe, também, a necessidade de proteção dos interesses dos usuários e de assegurar a universalização dos serviços públicos, possibilitando que eles sejam prestados aos milhões de excluídos existentes no Brasil (pessoas sem acesso a saneamento básico, energia elétrica, meios de transporte coletivo, telefones etc.).[5]

Em vista desse processo, não é raro que seja feita alguma confusão entre o surgimento das atuais agências reguladoras e o movimento de privatização de empresas estatais.

Por conseguinte, cita-se agora a autora Maria Sylvia a qual diz que agência reguladora, em seu sentido amplo, seria, no direito brasileiro, qualquer órgão da Administração Direta ou entidade da Administração Indireta com função de regular a matéria específica que lhe está afetada. Se for entidade da Administração indireta, ela está sujeita ao princípio da especialidade, significando que cada qual exerce e é especializada na matéria que lhe foi atribuída por lei. Aliás, a ideia de especialização sempre inspirou a instituição das agências norte-americanas, como também foi uma das inspiradoras da instituição de autarquias no direito europeu-continental.

Dentro dessa função regulatória, considerada no duplo sentido assinalado pelo autor, pode-se considerar a existência de dois tipos de agências reguladoras no direito brasileiro:

a) as que exercem, com base em lei, típico poder de polícia, com a imposição de limitações administrativas, previstas em lei, fiscalização, repressão; é o caso, por exemplo, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), criada pela Lei nº 29.782, de 26- 1 -9 9, da Agência Nacional de Saúde Pública Suplementar (ANS), criada pela Lei nº 29.961, de 28- 1 -00, da Agência Nacional de Águas, criada pela Lei nº 29.984, de 1 7-7-00;[6]

b) as que regulam e controlam as atividades que constituem objeto de concessão, permissão ou autorização de serviço público (telecomunicações, energia elétrica, transportes etc.) ou de concessão para exploração de bem público (petróleo e outras riquezas minerais, rodovias etc.).[7]

As primeiras não são muito diferentes de outras entidades anteriormente existentes, como o Banco Central, o Cade, a Secretaria da Receita Federal, o Conselho Monetário Nacional. As segundas é que constituem novidade maior no direito brasileiro, pelo papel que vêm desempenhando, ao assumirem os poderes que, na concessão, permissão e na autorização, eram antes desempenhados pela própria Administração Pública Direta, na qualidade de poder concedente. E esse papel vem sendo assumido quando o objeto da concessão é um serviço público, como nas hipóteses elencadas no art. 21, XI e XII, da Constituição, e quando o objeto da concessão é a exploração de atividade econômica monopolizada, como nas hipóteses do art. 177.

Para finalizar o estudo das agências reguladoras, emerge-se agora o entendimento do autor José dos Santos sobre o assunto supra, o qual afirma que a qualificação legal expressa voltou à tona mais recentemente quando da instituição das autarquias de controle ou, se se preferir, das agências reguladoras. Realmente, houve menção expressa em várias leis. A Lei nº 9.427, de 26.12.1996, declara que a ANEEL é “autarquia sob regime especial” (art. 1º); a Lei nº 9.472, de 16.7.1997, reza que a ANATEL é autarquia submetida a “regime autárquico especial” (art. 8º); a Lei nº 9.478, de 6.8.1997, qualifica a ANP como sujeita ao “regime autárquico especial” (art. 7º); a Lei nº 9.782, de 26.1.1999, refere-se à ANVISA como sendo autarquia “sob regime especial” (art. 3º).[8]

A instituição das agências decorreu do denominado poder regulatório, pelo qual as entidades exercem controle basicamente sobre dois setores, ambos executados por pessoas da iniciativa privada: os serviços públicos, normalmente delegados por concessão, e algumas atividades econômicas privadas de relevância social.[9]


Notas

[1] O Direito das Agências Reguladoras Independentes. São Paulo: Dialética, 2002, p. 344; essa mesma definição é externada pelo autor em obra mais recente: Curso de Direito Administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 584.

[2] JUSTEN FILHO, Marçal. O Direito das Agências Reguladoras Independentes, cit., p. 593.

[3] ALEXANDRINO, Marcelo & PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado, cit., p. 183.

[4] SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2000.

[5] ALEXANDRINO, Marcelo & PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado, cit., p. 184.

[6] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, cit., p. 541.

[7] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, cit., p. 541.

[8] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, cit., p. 498.

[9] RICARDO MARCONDES MARTINS, com propriedade, denomina estas últimas de atividades privadas sob regime especial (Regulação administrativa à luz da Constituição Federal, Malheiros, 2011, p. 174).

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MESQUITA, Lucas Timbó Soares. A legalidade do poder normativo das agências reguladoras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5136, 24 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58986. Acesso em: 5 nov. 2024.

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