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Imposto sobre grandes fortunas: uma análise à luz da Constituição Federal

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Agenda 15/08/2017 às 10:10

Analisa-se a possibilidade de regulamentação do IGF (imposto sobre grandes fortunas), assim como a sua importância no ordenamento brasileiro.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho surgiu da necessidade de analisar o sistema brasileiro atual no que se refere à carga tributária e a possibilidade de instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas.

Neste ponto, cada vez mais frequente é a discussão acerca do ajuste fiscal como forma de estabilizar as contas do país no cenário político econômico atual.

A partir do momento que o cenário político-econômico demanda cortes de gastos, surge a dúvida de como realizá-los sem sobrecarregar a população. Mudanças nas regras da Previdência Social, leis trabalhistas e até sugestão da volta de impostos como a CPMF já foram propostos e geraram muitas críticas ao governo.

Diante desse cenário, diversas propostas já foram consideradas para aumentar a renda estatal sem, no entanto, prejudicar o contribuinte que já arca com alta carga de impostos, grande parte dessa carga embutida, principalmente, nos bens consumidos no dia a dia.

Fato é que, no caso de eventual instituição do IGF, o fato gerador seria exatamente uma “Grande Fortuna”, o que quer dizer que a apenas a parte mais abastada das pessoas físicas e jurídicas sofreria a incidência do tributo, em um sistema proporcional onde classes que não possuíssem “grandes fortunas” estariam excluídas da hipótese de incidência.

Para tanto, se faz necessário analisar o Imposto sobre grandes fortunas sob uma perspectiva não só econômica, mas também social, bem como entender por que ainda não foi implementado no país apesar de sua expressa previsão na Constituição Federal de 1988.

Nessa toada, o artigo 153, inciso VII da Carta Magna afirma competir à União instituir impostos sobre grandes fortunas, nos termos de lei complementar. Tal disposição encontra-se na Seção III do referido diploma, sendo intitulada "DOS IMPOSTOS DA UNIÃO", sendo norma de eficácia limitada visto que depende de lei complementar.

No entanto, apesar de explícito, há grande polêmica doutrinária a respeito desse artigo, em relação ao qual autores de renome debatem sobre os eventuais benefícios da regulamentação do imposto, sendo que a maior preocupação gira em torno da alegada perda de investimentos e a “fuga de capitais” para outros países.

Por toda essa divergência, o IGF acaba por ser o único dos sete tributos previstos na Constituição que ainda não foi de fato implementado.

Daí a relevância do presente estudo. A demora na implementação da previsão constitucional, que já completa vinte e oito anos, faz questionar a respeito da eficácia das normas lá previstas, mesmo quando o cenário político constitucional e tributário do País procura mudanças e espera respostas.Por conta disso, o tema além de polêmico é cada dia mais atual.

A metodologia utilizada no presente trabalho recorrerá tanto à doutrina brasileira quanto ao direito comparado, sem a intenção de esgotar o tema, já que o Brasil ainda não passou pela experiência da instituição do IGF.

Será analisada, brevemente, a história dos tributos no Brasil e no mundo, desde os primórdios até os dias atuais, com a finalidade de obter um panorama do funcionamento da máquina estatal.

Assim, serão consideradas as divergências doutrinárias acerca do tema para que ao final se possa compreender a razão de o imposto não ter sido implementado até o momento.

Ademais, o foco do trabalho será exposto através da análise dos projetos de lei já elaborados no ordenamento jurídico brasileiro sobre o tema além de livros e artigos de aspecto científico ou não, visando melhor analisar o tema e sua repercussão.


2. BREVE HISTÓRICO DO IGF

2.1. Direito comparado

Apesar de polêmico, o Imposto sobre Grandes Fortunas não é uma novidade no ordenamento jurídico contemporâneo. Vários países já o regulamentaram, embora com formas e critérios diversos. Em alguns foi instituído e logo depois caiu em desuso ou foi abolido. Para analisar o que pode ser feito no Brasil é necessário ter um panorama geral do imposto pelo mundo.

Desde a Roma antiga[1] já se tributava o patrimônio, cujo dinheiro arrecadado era utilizado para custear o exército. Posteriormente passou-se a confiscar as heranças recebidas pelos solteiros e metade dos bens recebidos por pessoas casadas que não tinham filhos. Isso foi mantido através do tempo até as institutas do imperador Justiniano.

Assim como Roma, Grécia e Egito instituíram impostos semelhantes desde os primórdios. Com o passar do tempo foi se tornando latente a insatisfação popular com os tributos, vez que nem todos concordavam e muito menos se beneficiavam, a exemplo dos mais pobres.

No mundo contemporâneo, pode-se citar a França, onde o “Impôt sur Les Grandes Fortunes” teve seu início em 1982, no governo de François Mitterrand, sendo revogado em 1986, e, em 1988, sob o mesmo governo foi proposto o “Impôt de Solidarité sur La Fortune - ISF”, com mecanismo parecido ao primeiro imposto, prometendo garantir o mínimo existencial aos mais pobres. Foi este imposto que inspirou a Constituição Brasileira de 1988 a incluir o IGF em seu diploma.

De acordo com Thomas Piketty[2]:

O imposto sobre as grandes fortunas foi introduzido na França em 1981,extinto em 1986, depois reintroduzido em 1988 sob a forma do imposto de solidariedade sobre as fortunas (ISF). Os valores de mercado têm, às vezes, variações bruscas que podem parecer arbitrárias, mas têm o mérito de fornecer a única base objetiva universalmente aceita para tal imposto. Com a condição, porém, de ajustar com regularidade as taxas e categorias de tributação e não deixar as receitas subirem automaticamente com as mudanças no mercado imobiliário; caso contrário, estaríamos expostos a revoltas fiscais, como ilustra a célebre Proposição 13 adotada na Califórnia em 1978 para limitar as altas uniformes do property tax.

Ainda na França[3], foi proposta em 2012 uma taxação extraordinária de 3%,incidindo sobre o patrimônio, exceto os bens profissionais, para quem tem rendimentos anuais superiores a certa quantia. Esta seria uma medida temporária adotada até que seja reduzido o déficit de 3% existente no país. A maior parte dos contribuintes atingidos pelo novo imposto eram pessoas idosas, sem dependentes e que viviam em regiões privilegiadas. As críticas francesas giram em torno do argumento de que o aumento é de 75% sobre os altos rendimentos, o que seria uma punição ao contribuinte mais abastado. Tal iniciativa gerou fortes reações e críticas para o governo.

Atualmente o sistema francês de taxação de fortunas funciona da seguinte forma[4]:

Há um total de seis alíquotas progressivas que variam de 0,55% a 1,8% e incidem sobre a riqueza líquida que exceder a 800 mil euros. Como alívio fiscal, uma vez pago o ISF, sua soma com o Imposto de Renda não pode ser superior a 50% da renda bruta. Outra redução importante é o fato de o imóvel de residência do contribuinte sofrer uma redução de 30% na avaliação, e as demais propriedades, se forem alugadas, entre 20% e 40% de desconto.

Na Alemanha, o IGF teve origem na Prússia mas posteriormente o Tribunal Constitucional Alemão considerou o imposto inconstitucional. Já nos Estados Unidos, Canadá, Inglaterra e Austrália após diversos estudos, optou-se por aperfeiçoar o Imposto de Renda em vez de criar o novo imposto. Itália, Irlanda e Japão chegaram a adotar o IGF, no entanto entenderam melhor abandoná-lo em razão do baixo custo benefício, já que a parcela da população atingida era pequena, não gerando montante suficiente para sua manutenção.

Cabe ressaltar que no ano de 2015, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama propôs um aumento de impostos para a classe mais rica[5], o que foi repudiado pelo congresso controlado por maioria de oposição. Lá o imposto sobre heranças é de cerca de 30%, contra 4% no Brasil.

Nesse panorama, merece especial destaque o caso da Suíça, que optou pela instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas, mas com uma alíquota reduzida de 1% que não tem grande impacto na carga fiscal. Pode-se dizer que neste caso houve sucesso, uma vez que este é o imposto mais antigo do país. Seguindo esse exemplo, outros países adotaram cargas baixas, eliminando o argumento de caráter confiscatório do tributo.

De acordo com o estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)[6]:

Na Suíça, o imposto é de competência dos cantões e das municipalidades, e as alíquotas podem ser progressivas ou não e se situam entre 0,2% e 1%. Elas podem variar de 0,2% no cantão de Nidwalden a 1% no cantão de Genebra. Na Suíça, os não residentes que não têm renda ou propriedade em território suíço estão isentos do Imposto de Renda e do WealthTax. Os limites de isenção são também variáveis, podendo ser de 50 mil a 200 mil francos suíços (US$ 56,8 mil a US$ 227,3 mil em setembro de 2011), conforme dispuser a legislação de cada cantão.

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Outras nações em algum momento da história também chegaram a adotar o imposto, como por exemplo, Finlândia (abolido em 2006),e Suécia, instituído em 1947 (mas que existia na realidade como adicional do imposto sobre renda do capital desde os anos 1910) e abolido em 2007[7].

Basicamente, o argumento para retirá-lo do ordenamento o da transferência de capital para paraísos fiscais. Luxemburgo ainda encontra-se com o imposto vigente e possui alíquota de 0,5%. Na Espanha, o imposto foi abolido em 2008 mas reintroduzido em 2011. [8]

O imposto espanhol “se aplica a patrimônios tributáveis acima de 700.000euros (com 300.000 euros de dedução para a residência principal), e a taxa mais alta é de 2,5% (ela foi elevada a 2,75% na Catalunha)”[9].

O mesmo ocorreu com a Islândia, devido à crise financeira. Em resumo, os países Europeus que possuem atualmente, de alguma forma, a taxação aos mais ricos são: Holanda, França, Suíça, Noruega, Islândia, Luxemburgo, Hungria e Espanha.

Na América latina, tem-se como exemplo os países do MERCOSUL, a exemplo de Argentina e Uruguai. Segundo estudo do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), citado no PL 130/12, o imposto sobre a riqueza é responsável por 1,2% e 6,3%, respectivamente, do total da arrecadação tributária desses países. Com o passar do tempo, foram criando mecanismos mais complexos de tributação e fiscalização e houve, inclusive aumento de arrecadação e de contribuintes. [10]

Conforme explica o PL 130/12 que tramita no Congresso Nacional:

Se a adoção do IGF no Brasil implicasse em uma arrecadação de 1,2% do total da arrecadação tributária do País, percentual que se observa na Argentina, a arrecadação desse tributo seria de R$ 12,66 bilhões, segundo o último dado disponibilizado pela Receita Federal, que se refere ao ano de 2009. Esse valor corresponderia a quase um terço das necessidades de financiamento da saúde, estabelecido em R$ 45 bilhões quando da discussão da regulamentação da Emenda Constitucional n° 29 por esse Parlamento. Desta forma, o valor que potencialmente pode ser arrecadado pela adoção do IGF pelo Brasil não é desprezível e ajudaria a resolver o problema de financiamento do SUS.[11]

Na Argentina, o chamado “Impuesto sobre Bienes Personales” abrange o patrimônio das pessoas residentes no país, estejam localizados no país ou no exterior, além dos bens situados em território argentino pertencente à pessoas físicas ou jurídicas residentes no exterior.

Conforme explica o estudo do Instituto de Pesquisa econômica aplicada(IPEA)[12], atualmente na Argentina, “a Lei 23.966/1991 regula o imposto, o qual grava o patrimônio bruto com alíquotas progressivas entre 0,75% e 1,25% ao que exceder o limite de isenção de 305 mil pesos argentinos (US$ 72,5 mil).”

Já no Uruguai,a respeito do” Impuesto al Patrimonio” instituído em 1989, o estudo informa:

O imposto vem representando entre 4,1% e 6,5% das receitas do governo geral entre 1996 e 2010, sendo que a tributação do patrimônio de pessoas jurídicas equivaleu a 95% do total arrecadado em 2010. A arrecadação cresceu de 3,7 bilhões de pesos uruguaios em 1996 para 9 bilhões em 2010 (preços correntes de 2010). Porém, considerando-se apenas o total tributado do patrimônio de pessoas físicas, a arrecadação caiu de 624 milhões de pesos para 392 milhões no período.

A análise desses aspectos permite concluir que a exagerada concentração de renda é um problema mundial. De acordo com o Relatório da Distribuição Pessoal da Renda e da Riqueza da População Brasileira[13]por exemplo: Nos Estados Unidos 10% da população possui 47% da renda e, ainda, os 0,1% mais ricos possuem 7,5% da renda, segundo estudo realizado pela Secretaria de Política Econômica da Receita federal publicado em Maio de 2016.

Thomas Piketty sintetiza[14] :

Essas tensões estão presentes de certa forma em todos os lugares: o imposto sobre o capital parece logicamente necessário em vista do crescimento das necessidades dos governos(considerando a prosperidade dos patrimônios privados e a estagnação das rendas, seria preciso ser cego para se abster dessa base fiscal, qualquer que seja a ideologia política no poder), mas difícil de implementar de forma correta em um país isolado. Resumindo, o imposto sobre o capital é uma ideia nova, que deve ser inteiramente repensada no contexto do capitalismo patrimonial globalizado do século XXI, tanto em termos de taxas de tributação como de suas modalidades práticas, por meio de uma lógica de troca automática de informações bancárias internacionais, de declarações pré-preenchidas e de valores de mercado

2.2. Tributos no Brasil

A origem dos tributos brasileiros[15] nasce com o seu próprio “descobrimento” pelos Portugueses. No regime de sesmarias, os cidadãos que viessem colonizar as terras já deviam pagar impostos à Portugal. Posteriormente surgiu o “quinto” e a “derrama” sobre a exploração de minérios em Minas Gerais e, com estes impostos considerados abusivos, começaram as revoltas que geraram a inconfidência mineira e o trágico destino de Tiradentes.

Em 1808 com a chegada da família real, o Brasil passou a ser a sede da Coroa. E para seu alto custo de manutenção e regalias, foram necessários mais impostos. Nessa época não era seguido nenhum critério, vários produtos eram tributados com bis in idem sobre bis in idem, a exemplo do açúcar que era tributado nada menos do que cinco vezes. Isso onerou a população durante tanto tempo e de tal forma que por fim ajudou a eclodir a revolução farroupilha cujos ideais políticos se aliaram à luta contra a alta tributação do Rio Grande do Sul, além Guerra de Canudos, onde era estimulado que os cidadãos não pagassem os tributos instituídos pelo Estado Republicano.

Nessa época, a finalidade dos tributos era exclusivamente o sustento estatal, sem transformar isso em qualquer benefício para a população, cuja função era apenas pagar. Esse conceito começou a ser modificado através da expansão dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade pregados pela revolução francesa.

Atualmente tem-se, em tese, que o objetivo dos tributos é garantir o bem-estar e justiça social, além de gerir as atividades do Estado. Nesse diapasão, a Constituição da República Federativa do Brasil prevê a instituição de sete tributos, sendo o Imposto sobre Grandes Fortunas o único que ainda não foi implementado.

A previsão de arrecadação que o IGF geraria no Brasil é de aproximadamente 100 bilhões de reais por ano se aplicado com uma alíquota de 1% sobre valores superiores a um milhão de reais. Essa é uma previsão feita por Amir Khair em entrevista para a Carta Capital.[16] Cabe ressaltar que a taxação superior à um milhão de reais já retiraria cerca de 95% da população da área de incidência.

Nessa mesma entrevista Khair afirma que a resistência dos mais ricos quanto à instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas é uma visão simplista de proteger sua renda, uma vez que a longo prazo, a má distribuição de renda acarreta maior fragilidade econômica nacional.

Ele considera que a instituição do IGF seria uma alternativa melhor do que a volta da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) e de outras propostas do ajuste fiscal proposto pelo governo. A lógica é simples. Com corte aos direitos trabalhistas, escassez de empregos e desestímulo ao consumo, não há circulação de dinheiro e a meta do governo não é alcançada.

Enquanto os produtos de consumos são excessivamente taxados no Brasil, o patrimônio é subtaxado. Assim como Khair, Thomas Piketty[17] também acredita que o IGF poderia ajudar reduzir os impostos sobre o consumo que no Brasil ultrapassam 50%, enquanto nos países desenvolvidos não passe de 30%.

2.3. Critérios norteadores do IGF

Os critérios norteadores do Imposto sobre Grandes Fortunas não foram elencados pela Constituição Federal. Essa se limitou a inseri-lo de forma genérica no ordenamento, afim de que possa incidir sobre o maior número possível de contribuintes. No entanto, a expressão “Grandes Fortunas” gera controvérsias.

Levando-se essa expressão a risca, não poderia ser tributado o patrimônio dos “ricos” e nem dos “milionários” por não possuírem exatamente uma “Grande Fortuna”. No entanto, é possível estabelecer algumas diretrizes gerais a partir da Lei 5.172/66-CTN, bem como no Projeto de Lei Complementar 277/2008[18]:

1) CRITÉRIO MATERIAL: Ser titular de fortuna em valor superior a R$ 2.000.000, expresso em moeda de poder aquisitivo.

2) CRITÉRIO ESPACIAL: Imposto de competência da União incidente sobre todo o território federal para aqueles com domicilio no Brasil, ou sobre o patrimônio ou espólio no país.

3) CRITÉRIO TEMPORAL: o imposto é computado de forma anual, conforme as regras de lançamento para tributação no Brasil.

4) CRITÉRIO PESSOAL:

SUJEITO ATIVO: União Federal.

SUJEITO PASSIVO: Pessoas físicas, domiciliadas no país, o espólio e a pessoa física ou jurídica domiciliada no exterior em relação ao patrimônio que tenha no país.

5) CRITÉRIO QUANTITATIVO:

BASE DE CÁLCULO: Valor do conjunto dos bens que compõe a fortuna diminuído das obrigações pecuniárias do contribuinte exceto as contraídas para a aquisição dos bens excluídos.

ALÍQUOTA: progressiva e variável em razão do valor patrimonial.

Outro ponto controvertido seria a alíquota aplicada. Conforme o demonstrado anteriormente, alíquotas menores têm demonstrado resultados mais positivos nos países que optaram pela instituição do tributo. No Brasil, fala-se de alíquotas variáveis entre 0,3% e 5%.

Ademais, o imposto de renda tem taxação de 27,5% da renda, o que é considerado baixo em relação com outros países que possuem taxação de cerca de 40%. [19] Por isso, retirar a renda do Brasil pode não ser uma boa escolha como se pensa.


3. INTER-RELAÇÕES ENTRE DIREITO TRIBUTÁRIO E DIREITO CONSTITUCIONAL

3.1. Correlação entre direito constitucional e tributário

Primeiramente há que se destacar o conceito de tributos no direito brasileiro para correlacionar com a previsão constitucional do Imposto sobre Grandes Fortunas.

O direito tributário gira em torno de três categorias básicas: Fato gerador, base de cálculo e vínculo jurídico.

Ao conceituar fato gerador, Amilcar Falcão afirma ser este um conceito fundamental e nuclear para o estudo do direito tributário.[20]

Fato gerador é, pois, o fato, o conjunto de fatos ou o estado de fato, a que o legislador vincula o nascimento da obrigação jurídica de pagar um tributo determinado.

Nesta definição estão mencionados, como elementos relevantes para a caracterização do fato gerador, os seguintes: a) a previsão em lei; b) a circunstância de constituir o fato gerador, para o Direito tributário, um fato jurídico, na verdade um fato econômico de relevância jurídica; c) a circunstância de tratar-se do pressuposto de fato para o surgimento ou a instauração da obrigação ex lege de pagar um tributo determinado.[21]

No tocante à base de cálculo, conceitua-se como a grandeza econômica ou numérica sobre a qual se aplica a alíquota para obter o quantum a pagar. Relaciona-se diretamente com o fato gerador, de modo que, segundo Amilcar Falcão, a inadequação da base de cálculo pode representar uma distorção do fato gerador e, assim, desnaturar o tributo. [22]

Já em relação ao vínculo jurídico, Eduardo Sabbag explica que no polo ativo (credor) se encontram os entes tributantes ou pessoas jurídicas de direito público interno, também conhecidos por Fiscos. No polo passivo (devedor) está o contribuinte, que é representado pelas pessoas físicas e jurídicas. [23]

A constituição brasileira não cria tributos em si, mas distribui competências entre os entes para que estes possam instituí-los. Assim, dispõe o artigo 146, III, alínea “a” do referido diploma [24] que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados na Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

Portanto, o estudo do direito tributário não é possível sem a análise do direito constitucional, visto que deste se extraem importantes princípios que serão analisados adiante, além das limitações ao poder de tributar, exemplo dos artigos 150 a 152 da Carta Magna. Nesse diapasão pode-se afirmar que a própria lei tributária não tem valor se for inconstitucional.

Nas palavras de Eduardo Sabbag.[25]:

O poder de tributar (ius imperium) não é, assim, absoluto. Limita-se por regramentos que vêm refrear o exercício arbitrário da tributação, amoldando-o de acordo com a carga valorativa ínsita ao texto constitucional. De modo reflexo, a Constituição define o modus operandi do exercício desse poder, que deverá se dar de forma justa e equilibrada, sem provocar danos à liberdade e à propriedade dos contribuintes

3.2. Hierarquia das Leis no Direito Brasileiro

A Constituição Federal Brasileira é a Carta Magna do país e, por isso, está hierarquicamente acima das demais normas. Doutrinariamente, entre suas diversas classificações, está o fato de ser uma constituição rígida. Porém, isso não quer dizer que não possa sofrer alterações. A rigidez nesse caso se refere ao nível de dificuldade encontrado para aprovar uma Emenda Constitucional em relação à uma lei ordinária, por exemplo.

De acordo com Luís Roberto Barroso [26] é Constitucional toda e qualquer norma inscrita em uma Constituição rígida, que, dotada de supremacia, situa-se no vértice do ordenamento jurídico, servindo de fundamento de validade de todas as demais normas.

Assim entende o autor:

As normas constitucionais, como espécie do gênero normas jurídicas, conservam os atributos essenciais destas, dentre os quais a imperatividade. (...) Logo, a sua inobservância há de deflagrar um mecanismo próprio de coação, de cumprimento forçado, apto a garantir-lhe a imperatividade, inclusive pelo estabelecimento das consequências da insubmissão ao seu comando.

Na sistemática atual, uma lei ordinária é aprovada por maioria simples, enquanto uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) é aprovada por três quintos dos parlamentares, após dois turnos de discussão, conforme o artigo 60 § 2º CRFB/88.

Nas palavras de Marcelo Novelino[27]:

As Constituições rígidas são autênticos mecanismos contra majoritários, o que não significa serem antidemocráticas. Apesar de já ter sido definida como "governo da maioria", hoje a democracia não pode ser identificada apenas com a premissa majoritária.

Apesar da previsão expressa de reforma da Constituição, há limitações circunstanciais e materiais, conforme o artigo 60 da CRFB/88, parágrafos 1º e 4º respectivamente[28].Limitações temporais não foram impostas na atual Constituição.

Nesse diapasão há que se destacar as chamadas cláusulas pétreas, que podem ser expressas, decorrentes ou implícitas, não se concentrando apenas no § 4º do artigo 60 da CRFB/88, mas sim esparsas pelo texto Constitucional.Para explicá-las, Marcelo Novelino cita Stephen Holmes[29]:

As cláusulas pétreas funcionam como um “mecanismo de auto vinculação pelo qual a soberania popular coloca fora do alcance da vontade da maioria a possibilidade de suprimir aqueles direitos e princípios que constituem as condições para a própria realização da democracia”. Dessa forma,passam a funcionar não como um obstáculo, mas como um instrumento de habilitação da democracia.

No tocante às Leis Complementares, o legislador optou por afirmar expressamente no texto constitucional em quais matérias devem ser utilizadas, sendo, portanto, as leis ordinárias utilizadas em caráter de exclusão, ou seja,quando o legislador não optar pela lei complementar.

O Imposto sobre Grandes Fortunas é uma dessas hipóteses, elencando o artigo 153 da CRFB/88 que: “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:(...) VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar.”(grifei)

Para a aprovação de uma lei complementar é necessária maioria absoluta de votos. Tal maioria é composta pelo “primeiro número inteiro superior à metade”. Por exemplo, no Senado Federal, composto por 81 senadores, metade seriam 40,5 senadores, sendo certo que o primeiro número inteiro superior á metade é 41, portanto este é o quórum necessário para aprovação de uma lei complementar, o que deverá ocorrer também na Câmara dos Deputados.

Em números, a aprovação de uma LC exige o voto favorável de 41 senadores e de 257 deputados. Uma LO exige apenas a maioria simples dos presentes. Ou seja, enquanto a maioria absoluta é calculada sobre o total de membros, a simples é variável de acordo com os presentes.

3.3. Eficácia das normas

É necessário compreender a diferença entre normas constitucionais de eficácia plena, limitada e contida. Só assim é possível entender o porquê de o IGF estar previsto na Constituição, mas não ser cobrado.

Nem todas as normas constitucionais possuem o mesmo grau de aplicabilidade, conforme explica Gilmar Mendes[30]:

De fato, a Constituição não é um código, nem pretende tudo resolver nas suas disposições, como se fosse um sistema cerrado e bastante em si.

Percebe-se no Texto Constitucional, entretanto, que essa abertura à ação complementar e integradora do legislador não ocorre de modo sempre idêntico. Há, no conjunto das normas constitucionais, variações de grau de abertura às mediações do legislador.

Há normas densas, em que a disciplina disposta pelo constituinte é extensa e abrangente, dispensando ou pouco deixando para a interferência do legislador no processo de concretização da norma.

E complementa:

Essa diferença de abertura e densidade das normas constitucionais afeta o grau da sua exequibilidade por si mesmas e dá ensejo a uma classificação que toma como critério o grau de autoaplicabilidade das normas.

Nota-se que as normas de alta densidade são completas, estão prontas para a aplicação plena, não necessitam de complementação legislativa para produzir todos os efeitos a que estão vocacionadas.

Nesse diapasão, são três as espécies de eficácia das normas Constitucionais.

Normas de eficácia plena são aquelas que produzem efeitos por si só, isto é, possuem autoexecutoriedade. Reúnem em si todos os requisitos necessários para uma aplicação direta, imediata e integral.

Gilmar Mendes exemplifica citando artigos da Constituição[31]:

A essa categoria são muitas vezes assimilados os preceitos que contêm proibições, que conferem isenções e os que estipulam prerrogativas. É de eficácia plena o art. 12, I, que qualifica como brasileiros "os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país”.

Da mesma forma,o art. 14, § 1º, I que torna obrigatório o voto para os maiores de 18 anos.

Já as normas de eficácia limitada, também chamadas de normas de eficácia relativa, complementável, podem produzir efeitos por si só, mas não plenamente. Para exercer sua função de forma integral, é necessário que seja complementada por uma outra norma infraconstitucional. Por isso, é correto afirmar que a norma limitada é de aplicabilidade mediata e reduzida.

De acordo com Gilmar Mendes[32]:

O terceiro grupo de normas constitucionais compõe a classe das normas Constitucionais de eficácia limitada (ou reduzida). Estas somente produzem os seus efeitos essenciais após um desenvolvimento normativo, a cargo dos poderes constituídos. A sua vocação de ordenação depende, para ser satisfeita nos seus efeitos básicos, da interpolação do legislador infraconstitucional. São normas, pois, incompletas, apresentando baixa densidade normativa.

Nessa categoria de normas se listam as de princípio institutivo, referentes às que contêm um apanhado geral, um início de estruturação de instituições, entidades e órgãos.

Por fim, as normas de eficácia contida, são aquelas que podem ter seu alcance restringido por norma infraconstitucional em razão, por exemplo, dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Enquanto não existe tal norma, aquela possui eficácia plena. Gilmar Mendes[33] ensina que “são destacadas da classe das normas de eficácia plena pela só circunstância de poderem ser restringidas, na sua abrangência, por deliberação do legislador infraconstitucional.”

Assim sintetiza Luís Roberto Barroso [34]:

Normas de eficácia plena são as que receberam do constituinte normatividade suficiente à sua incidência imediata e independem de providência normativa ulterior para sua aplicação. Normas de eficácia contida são as que receberam, igualmente, normatividade suficiente para reger os interesses de que cogitam, mas preveem meios normativos (leis, conceitos genéricos, etc.) que lhes podem reduzir a eficácia e aplicabilidade. Por último, normas de eficácia limitada são as que não receberam do Constituinte normatividade suficiente para sua aplicação integral e imediata, estando reservada ao legislador ordinário a tarefa de completar a regulamentação das matérias nelas traçadas em princípio ou esquema.

Feita essa distinção, conclui-se que a norma que trata do Imposto sobre Grandes Fortunas possui eficácia limitada, uma vez que depende de outra norma regulamentadora para produzir seus efeitos. Além do art. 153, VII da Constituição Federal, tal imposto também é mencionado no art. 80, III do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que determina compor o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza o produto da arrecadação do Imposto sobre Fortunas.

Ora, se a norma é constitucional e possui eficácia limitada, argumenta-se que a inércia legislativa dá ensejo a Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão (ADO), que inclusive, no caso do IGF, já foi proposta e será tratada mais a fundo no decorrer deste trabalho.

Sobre a autora
Monica ElJaick

Advogada, formada pela UCAM -Nova Friburgo, Pós graduação em Direito Público pela UCAM e em Direito Contemporâneo pela Faculdade São Luis

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ELJAICK, Monica. Imposto sobre grandes fortunas: uma análise à luz da Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5158, 15 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59247. Acesso em: 22 nov. 2024.

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