~1. INTRODUÇÃO
A obra ‘A Problemática da Teoria Moral e Jurídica’ de Richard Posner aborda a diferença entre a moral ensinada nas universidades americanas (moralismo acadêmico) e a moral aplicada pelos empreendedores morais no dia a dia. Trata também da Teoria Moral como um todo, em que ele vai tentar desvendar e desmistificar o direito da relação com essa tal teoria moral.
Posner vai tratar no livro, sobre as principais questões normativas que afligem os juízes, e a relação dessas questões com a moral cotidiana, ou seja ‘com a moral’ dos moralistas acadêmicos. Demonstra que não são apenas os profissionais do direito que têm o papel de fazer o direito. É necessária a ajuda de outras disciplinas. O problema estar no local onde se pode encontrar e buscar tal ajuda com segurança, existindo dois caminhos extremos: a filosofia moral e o pragmatismo.
Os moralistas acham que os métodos da filosofia moral (em que o autor não considera válido, na prática, para a sociedade) devem ser usados para decidir as questões difíceis do direito, as questões em que há lacunas na lei. Já os pragmatistas (do mesmo grupo de Posner, principalmente) acreditam que tais métodos não têm funcionalidade nenhuma, tendo o juiz ao se deparar com uma situação em que a lei não lhe dar respaldo, nem há precedentes judiciais, recorrer ao senso comum e aos valores profissionais e pessoais, de sua intuição e opinião, que podem ser encontradas nos fatos.
Posner tece críticas aos moralistas acadêmicos e a Ronald Dworkin, afirmando que a filosofia moral e os princípios não servem, tanto para os juízes e estudiosos do direito no que tange às atividades judiciais e à formulação de doutrinas jusfilosóficas, quanto para qualquer pessoa interessada numa atividade normativa mesmo não tendo nada haver com o direito. O método adequado da investigação, para o autor, é aquele que utiliza o senso comum e as ciências sociais, facilitando com isso, a tomada de decisões pragmáticas.
Segundo Posner, as intuições morais não cedem, ou seja, é em vão um moralista acadêmico apresentar argumentos filosóficos (argumentos débeis para ele) com o intuito de persuadir uma pessoa, para que esta possa mudar suas concepções, suas crenças, seus comportamentos, pois tais intuições não têm nada haver com a racionalidade de alguns argumentos, e sim com a sensibilidade. E é essa a principal diferença entre os moralistas acadêmicos e os empreendedores morais, já que estes se utilizam de argumentos que mechem com o lado sentimental da pessoa, sendo esta a única forma de fazer com que alguém mude sua visão sobre determinada controvérsia moral, ou seja, conseguem persuadir sem utilizar argumentos racionais.
Posner também discorre sobre a Teoria moral, afirmando que esta não ajuda em nada no direito (principalmente porque as técnicas casuísticas e deliberativas aplicadas pelos teóricos morais são débeis demais), pois segundo ele não existem leis e crenças morais universais, e que estas não podem ser comparadas com as leis científicas, adotando assim uma postura relativista no que diz respeito à moral e de ceticista moral pragmático.
2. TEORIA MORAL
O conceito de moral para Posner vai de encontro ao conceito de moral para filósofos morais da Antiguidade e dos tempos Modernos e principalmente da Contemporaneidade. Moral seria variável, muda de um lugar pro outro, de uma época pra outra, ou seja, não é universal, sendo assim, inaplicável em casos judiciais ou da vida cotidiana. A moral é o conjunto de deveres para com os outros e para Posner, é inadmissível fazer da moral um objeto de investigação.
A educação em filosofia moral, quando consegue interferir na ideologia de alguém, normalmente leva esta a um ceticismo moral, pois expõem os alunos a tantos sistemas filosóficos e métodos de análise, que eles acabam não aderindo fielmente a nenhum, e acabam elaborando uma filosofia pessoal, ou seja, vão ‘justificar’ racionalmente suas ações, mesmo que estas transgridem a moral convencional. E é exatamente isso que também fazem os moralistas acadêmicos, de modo que escolhem os princípios que lhe agradam, e a partir daí, com sua intelectualidade, conseguem transformar essas preferências em ideologias a serem seguidas e assim, conseguem de alguma forma validar determinado tipo de conduta, isto é, quanto maior for a capacidade intelectual de uma pessoa (pensar, imaginar, analisar, criar), maior será sua capacidade de moldar suas crenças para que seus princípios façam o que é de interesse seu. Os estudantes de direito, por exemplo, chegam à universidade com uma mentalidade, com uma ideologia, e são transformados no decorrer do curso pelos professores, em que suas ideologias ao invés de se aprimorarem, são completamente destruídas por uma educação idealista por partes destes professores, que incentivam os ganhos materiais e não o progresso moral, ocorrendo assim um desvio de interesses. Com isso tudo, conclui-se que o maior aliado da moral é a ignorância, pois aqueles que não dispõem de conhecimento para fazer sua ‘própria moral’, não ameaçam a ‘moral universal’ vigente, já que não possuem ferramentas intelectuais necessárias para tal edificação.
3. MORALISMO ACADÊMICO
O moralismo acadêmico é a ética aplicada por professores universitários da atualidade. Os moralistas acadêmicos acreditam que o estudo da moral que há no meio universitário tem importante função no aperfeiçoamento dos juízos morais e do comportamento moral das pessoas. Esses moralistas são filósofos do direito ou políticos, sendo que alguns defendem um sistema moral completo (utilitarismo ou a ética kantiana). Todos eles, porém, querem que o direito siga os ensinamentos da teoria moral.
Posner, afirma que esses moralistas não têm preparo para direcionar o pensamento das pessoas. Primeiro porque, tais moralistas não se dedicam apenas ao moralismo acadêmico, e se envolvem também com questões filosóficas e jurídicas, como é o caso de Dworkin. Segundo porque, muitos dos fenômenos designados como morais podem ser explicados sem que se tomem as questões morais como base para tal explicação. Os princípios morais que são considerados universais podem ser considerados, segundo a visão de Posner, ‘uma roupagem vistosa de normas sociais prosaicas’ que variam evidentemente de lugar pra lugar, de sociedade para sociedade. O que realmente é universal são os sentimentos morais, que é tratado com ênfase pelos empreendedores morais, em que estes, diferentemente dos moralistas, têm a possibilidade de mudar, de aperfeiçoar o comportamento humano.
Mas se o papel dos moralistas acadêmicos é tão pífio, por que será que tais moralistas continuam sobrevivendo no meio acadêmico? As pessoas de modo geral se sentem atraídas pela carreira filosófica, pela carreira destinada a ciências humanas, além do desejo retórico dos órgãos do Estado de realizar papel agressivo na formação de políticas sociais. Todos esses motivos não se relacionam completamente com a real função que um moralista em tese deveria ter.
O moralista acadêmico não tem incentivo para ser um produto social útil, por isso resolve buscar sucesso no meio acadêmico, por meio da explicação de textos antigos e de pensamentos de filósofos passados. Possui uma vida de luxo, possui diversas regalias e mordomias, possui cargos vitalícios, não corre riscos profissionais, é um burguês na verdadeira acepção da palavra, se afastando cada vez mais dos moralistas mais antigos (como Platão e Aristóteles). Talvez por possuírem uma vida cômoda e confortável, os moralistas, não tendem a ter o mesmo papel de um empreendedor moral (talvez nem tenham a inspiração para ser como tal). Não são inovadores morais, não possuem o rótulo de heróis. Vivem num ambiente acadêmico impróprio para o ‘criar’ moral, numa democracia liberal, em que se torna muito difícil o surgimento de novos empreendedores, visto que não há uma inspiração, não há um encorajamento dos dissidentes, ou seja, precisa-se fazer com que aqueles de opiniões e argumentos contrários, procurem discutir o assunto e se aprimorar mais. Os moralistas possuem ideias razoáveis, boas, porém não conseguem vender essas ideias, não conseguem mudar o código moral, não conseguem reunir adeptos de uma nova maneira de pensar, para assim ter respaldo à frente da sociedade.
As características da moderna atividade de um moralista impedem que este venha a se tornar um empreendedor moral. Os antigos moralistas (como Platão e Aristóteles, por exemplo) viveram numa época em que o conhecimento era menos especializado, muito fechado, em que poucos tinham acesso, em que a distância entre a teoria e a prática não era tão difícil de serem atingidas, e talvez por isso, suas ideias foram tão bem aceitas e pouco questionadas pela comunidade da época (a não ser claro por outros estudiosos). Atualmente, o filósofo moral está como afirma Posner, em uma ‘torre de marfim’, em que há uma separação evidente entre os pensamentos destes e as reais questões controvérsias do cotidiano, não há uma preocupação maior (ou pelo menos não demonstram) de resolver os enigmas morais.
4. PRAGMATISMO
Da mesma maneira que o relativismo positivista, o pragmatismo rejeita a possibilidade de um conhecimento absoluto da verdade sob o pretexto de que a distinção entre a verdade e o erro não repousa em base lógica, mas em simples conveniência, utilidade ou oportunidade. Somente valores práticos, que podem mudar com o tempo, são reconhecidos por esta corrente norte-americana.
Para Posner, que é um cético moral, os juízos objetivos sobre as teses e problemas que os teóricos morais querem propor não são confiáveis, aceitando o subjetivismo moral ao afirmar que a teoria moral é falha ao tentar explicar questões complicadas. Não há um padrão a ser seguido, não há uma lei universal, por isso, uma prática que pode ser válida para uma sociedade, pode ser condenável para outra, como no nazismo alemão, em que os nazistas foram sumariamente condenados, foram considerados imorais, mas pelo ponto de vista dos alemães, ou seja, pelas leis morais vigentes na Alemanha na época, era considerada uma prática normal. Portanto a teoria moral e o consequente trabalho dos moralistas configuram- se como infuncional.
Outro erro que os moralistas costumam cometer é o de comparar as leis morais com as leis científicas. Estas podem se sobressair às intuições que se opõem a ela, pois a sociedade de modo geral, respeita a autoridade da ciência, pois esta carrega consigo um caráter extremamente confiável por parte das pessoas. A ciência tem o poder de convencer os céticos, pois os seus instrumentos e métodos de persuasão podem ser percebidos pelos sentidos, e tudo que uma pessoa percebe pelos sentidos, fica mais fácil de ser aceito, visto que as intuições pertencem somente a aquela pessoa e essa intuição é vista como verdadeira para esta pessoa. Já no caso da moral é diferente, pois a intuição de uma pessoa sobre determinado assunto, pode ser diferente da intuição de outra. Como afirma Posner, não existem experimentos cruciais ou regularidades estatísticas capazes de validar um argumento moral, enquanto com a ciência, existe todo um aparato metodológico que testa e confirma determinada hipótese, tornando-se uma verdade para a comunidade, por isso a moral não pode ser comparada com a ciência. A maioria das pessoas aceita o que a teoria científica diz sobre temas que são encontrados na vida cotidiana. Diferentemente da teoria moral, que cada tema gera longas e intermináveis discussões.
5. EMPREENDEDORISMO MORAL
Normalmente, as pessoas adquirem sua acepção moral na infância, com o convívio social, sobretudo com as pessoas mais próximas. E uma vez aderida, a moral de cada pessoa normalmente não muda no decorrer do tempo, a não ser claro, pela atividade de um empreendedor moral. O empreendedor moral vai tentar alterar os limites do altruísmo (ações de um indivíduo que beneficiam outrem), para mais (Jesus Cristo) ou para menos (Hitler). Os empreendedores, diferentemente dos moralistas, conseguem modificar a moral íntima da pessoa, não por meio de argumentos racionais como aqueles, mas sim pela mescla de apelos aos interesses próprios com apelos emocionais, que nada tem haver com a racionalidade, e sim com o lado íntimo, interior, sentimental da pessoa. Assim, os empreendedores moldam as pessoas, fazem com que as pessoas pensem como eles querem, amem ou odeiam quem ou o que eles querem. Eles utilizam técnicas de persuasão que visam primeiramente o que eles julgam como melhor para si, ou seja, se utilizam do seu modo de vida para convencer as pessoas.
Outra pergunta que surge é: se há tanto debate sobre diversos assuntos de opiniões contrárias, fato que torna as pessoas mais inseguras sobre suas crenças e tradições, por que as pessoas não decidem aderir ao que dizem os filósofos morais? Para Posner, a resposta é simples, além da clara impotência destes em convencer as pessoas (ás vezes confundindo ainda mais), as intuições morais se fazem sentir com tanta força, que até mesmo os seres que sabem que suas ideias são impossíveis de confirmarem e de justificarem serão adeptos fiéis de suas ideologias.
Não existe uma fé equivalente nas teorias morais, em que cada filósofo pensa de uma maneira, entrando sempre em conflito, sendo este jamais solucionado da maneira adequada, pois não há técnicas para a formulação de um consenso em torno da investigação e da veracidade de proposições morais, por isso que existem tantas questões morais antigas que ainda não foram resolvidas, tanto é que quanto mais se aprofunda uma discussão moral, mais se entra em um desacordo. O problema é que sempre se pensa nos fins, nos resultados dos dilemas morais, esquecendo-se dos meios, isto é, de como se chega nesses fins morais. Já os cientistas sempre entram em consenso, sendo este o único fundamento de aceitação das proposições que pretendem ser verdadeiras. As teorias morais só se assemelham às teorias científicas fracassadas. O discurso moral tem caráter divergente, enquanto o científico tende a ser convergente.
5. CRÍTICA A DWORKIN
Dworkin afirma que os princípios morais negados por Posner, são válidos e devem ser levados em consideração no momento em que não há mais fontes do direito capaz de dar respaldo ao juiz no momento de uma decisão judicial, de modo que tais princípios interagem com as normas, fazendo parte do ordenamento jurídico que é formado a cada dia pela nova realidade da sociedade. As decisões judiciais estão vinculadas mais ao posicionamento judicial e ideológico do juiz do que a normas legislativas. Segundo ele, o Direito não é um catálogo de regras ou princípios, sendo majoritariamente uma atitude interpretativa e auto- reflexiva com elevado caráter construtivo.
O Direito deve ser considerado como uma integridade (composto pelas regras escritas e pelos princípios), sendo necessária a interpretação dos princípios. Por isso, Dworkin critica Posner, e vice-versa, sendo um contrário ao outro no que diz respeito ao que um juiz deve fazer no momento em que se cessam as fontes do Direito.
Dworkin propõe uma interpretação construtiva, atribuindo um propósito a um objeto ou a uma prática, para assim ser mais eficaz numa decisão. Enquanto para Posner, o juiz deve ter um caráter mais objetivo e menos interpretativo na análise de um caso.
6. CONCLUSÃO
A partir da discussão sobre o papel moral na sociedade contemporânea, percebe-se que a filosofia moral está muito academizada, muito racional, profissional. E isso faz com que os teóricos morais não tenham a criatividade necessária para poderem inventar técnicas de persuação que realmente funcionem, ao invés disso, se utilizam da racionalidade para tentar solucionar questões morais, uma vez que para tal problemática, é necessária a argumentação que envolva o jogo emocional das partes. Os únicos que conseguem tal proeza, são os empreendedores morais, visto que conseguem aliar sua própria imaginação com os sentimentos alheios, buscando sempre impor o que consideram adequado e o que consideram bom para si mesmo, através de argumentos não racionais para mudar sentimentos morais, e assim mudar o código moral.
A filosofia por ser um campo minúsculo da especulação do conhecimento, vai perdendo espaço para disciplinas mais especializadas, mais diretas. Os comentários de um filósofo não têm fundamento nenhum se comparados a de um profissional especializado em sociologia, por exemplo. Por isso não conseguem sucesso como outrora conseguiam, e segundo Posner não servem como forma de suporte numa decisão judicial, enquanto para Dworkin, a moral deve ser somada às leis, sendo o Direito uma integridade.
REFERÊNCIAS
SARCINELLI, M. Hitler: um estudo astrológico. Rio de Janeiro: Record: Nova Era, 2000.
GHIRALDELLI JR, P. História essencial da filosofia. São Paulo: Universos do livro, 2010. 112 p., v. 5.
FARIA, Renato Luiz Miyasato de. Entendendo os princípios através de Ronald Dworkin. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2460, 27 mar. 2010. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/14581>. Acesso em: 14 fev. 2013.
CAMARGO, J. L. (Trad.). A justiça de toga. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.
POSNER, R. A. A problemática da teoria moral e jurídica. CIPOLLA, M. B. (Trad.). São Paulo: WMF Martins Fontes