8. Da Rescisão Indireta como Forma de Proteção ao Empregado Assediado
A rescisão indireta do contrato de trabalho consiste no direito do empregado de rescindir o contrato em virtude de uma infração cometida pelo empregador, sem prejuízo do pagamento de verbas rescisórias e indenização ao empregado, saldo de salário, férias integrais e proporcionais, 13º proporcional, Multa de 40% e saque de Fundo de Garantia, aviso prévio indenizado e seguro-desemprego se possuir os requisitos para obtenção. Para reconhecimento da falta cometida pelo empregador deverá ser ajuizado processo judicial na Justiça do Trabalho com objetivo de comprovar as infrações cometidas pelo empregador.
Os tipos de infrações cometidas pelo empregador estão previstos na legislação, em que o empregado poderá considerar rescindido do contrato e pleitear a devida indenização, conforme o previsto no artigo 483, da Consolidação das Leis do Trabalho, Decreto-lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943, são por exemplo, praticar o empregador contra o empregado ou pessoas de sua família, ato lesivo a honra e a boa fama, e também os previstos nas letras “a” e “b” do Art.483, “a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato; b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo”.
Algumas infrações podem ser caracterizadas como assédio moral, se ocorrerem de forma continua e persecutória, causando prejuízos físicos os psíquicos ao trabalhador, gerando motivo para despedida indireta de acordo com cada caso, diante das provas apresentadas no processo. Uma das infrações descritas na lei é a exigência de serviços superiores às forças do empregado, como por exemplo, no caso em que o empregado é submetido ao trabalho pesado acima dos limites de peso e tolerância física. Como exemplo de reconhecimento judicial de rescisão indireta, o empregado que foi obrigado a trabalhar mesmo doente, após ter sofrido acidente de trabalho, com atestado médico, com o dedo quebrado.
Houve condenação da empresa empregadora no pagamento de R$30.000,00 de indenização por dano moral, no processo de nº 0000160-51.2012.5.04.0201, julgado pela 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, Relatora Tânia Regina Silva Reckziegel, Acórdão publicado em 27.11.2015. O ônus da prova da ocorrência de assédio moral incumbe ao assediado, nos termos do art. 818, da Consolidação das Leis do Trabalho. A inexistência de prova leva à improcedência do pedido de indenização por assédio moral e rescisão indireta e o juiz decidirá o caso como pedido de demissão do empregado, recebendo suas verbas rescisórias dessa forma. Embora a rescisão indireta seja considerada uma forma de proteção ao empregado assediado, à legislação não prevê qualquer tipo de estabilidade ao empregado assediado, que, mesmo sendo vítima de infração cometida pelo empregador e comprove o fato no Poder Judiciário, receberá a indenização, porém não terá garanta no seu emprego.
9. Considerações finais
No aspecto histórico, com a cultura das relações entre empregados e empregadores, o grande índice de casos de assédio moral no Brasil talvez tenha origem na forma de tratamento que era utilizada aos trabalhadores. Somente em 13.05.1888, a Lei Áurea aboliu a escravatura, mas, nos anos seguintes os negros e empregados mais pobres continuavam a ter um tratamento desigual na sociedade, o empregador ainda preservava a cultura de que o empregado era sua propriedade sem ter seus direitos humanos mínimos respeitados. Na mesma época, em que ainda havia escravos no Brasil, em outros países, por exemplo, França, Inglaterra e Espanha já existam leis trabalhistas e os trabalhadores lutavam por direitos, reivindicando mudanças na legislação.
A primeira Constituição que contemplou o Direito do Trabalho no Brasil, foi em 1934, com a influência do constitucionalismo social com a garantia de liberdade sindical, isonomia salarial, salário-mínimo, jornada de horas de trabalho, proteção ao trabalho da mulher e do menor, repouso semanal e férias anuais remuneradas. Ou seja, temos apenas 82 anos, desde o início do reconhecimento dos direitos trabalhistas pela Constituição Federal Brasileira. Mesmo com a garantia de direitos trabalhistas pela Lei e pela Constituição, a fiscalização das empresas e o Poder Judiciário ainda não tinham uma estrutura suficientemente organizada, com condições de coibir o desrespeito aos direitos dos empregados.
Então, ao longo dos anos, ainda ocorreram muitos casos de arbitrariedades contra os empregados e tratamento na forma de assédio moral pelo empregador que, na época, sequer era reconhecido como um direito. Nossos ancestrais, avós, por exemplo, vivenciaram essa transição, as mudanças nos direitos trabalhistas e conviveram com essa cultura. No Brasil ainda não existe uma lei trabalhista que defina o assédio moral no emprego, as indenizações nos processos trabalhistas são arbitradas com base no código civil brasileiro, que é fonte subsidiária do direito do trabalho, que define de uma forma genérica o dano moral, o que gera uma dificuldade para caracterização do assédio moral pelos juízes e para o arbitramento das indenizações.
O assédio moral afeta a saúde física em mental dos trabalhadores, podendo gerar acidente de trabalho quando o empregado fica afastado das suas funções, com problemas psicológicos, por recomendação médica, decorrentes das agressões sofridas com o assédio. Se ficar caracterizado acidente de trabalho pelo assédio moral com afastamento por recomendação médica superior a 15 dias, o empregado terá estabilidade de 12 meses no emprego. Os danos causados pelo assédio moral ao empregado podem causar o suicídio, manifestações psicossomáticas tais como distúrbios do sono, transtorno de estresse pós-traumático, transtorno de ansiedade, depressão, alcoolismo, morte súbita e síndrome de Bournot.
O único mecanismo de defesa contra o assédio moral ao empregado no Brasil previsto na Consolidação das Leis do Trabalho é a declaração da despedida indireta, prevista na legislação trabalhista, em que o empregado assediado pode requerer sua rescisão com o pagamento das verbas rescisórias, porém, não terá estabilidade no emprego, somente terá estabilidade de doze meses no emprego, se for comprovado, que o assédio moral causou acidente de trabalho com o devido afastamento por licença médica superior a 15 dias.
O ônus de comprovar judicialmente o assédio moral no emprego é do trabalhador que, na maioria das vezes, não consegue provas suficientes, pela dificuldade de conseguir testemunhas ao seu favor, considerando que os empregados que trabalham na empresa tem medo de testemunhar e perder o emprego. Esse fato gera um alto índice de processos improcedentes sobre o tema, por insuficiência de provas, embora atualmente existam outros meios de prova como filmagens, gravações, e-mail e outros meios eletrônicos de contato entre empregado e empregador que podem ser utilizados como prova.
Os valores de indenização vêm aumentando nos últimos anos, mas ainda não são suficientes para reparar casos mais graves e servir como exemplo para inibir o assédio moral nas empresas, principalmente para empresas de grande porte, tendo em vista que a maioria das sentenças por assédio moral aos empregados na Justiça do Trabalho tem variado entre R$5.000,00 e R$20.000,00. Os afastamentos por licença médica, de empregados que apresentam lesões físicas e psicológicas, pelas humilhações sofridas com o assédio moral, geram grande prejuízo para as empresas e para o Estado, que tem que arcar com o custeio do benefício previdenciário por meio do Instituto Nacional do Seguro Social, nas concessões de licença e auxílio-doença e auxílio-acidente por motivo de saúde.
O reconhecimento do assédio moral e a necessidade de combater essa prática estão contempladas em normas internacionais, pela União Européia e Organização Internacional do Trabalho, vários países, como por exemplo, França, Colômbia, Portugal, Alemanha, Espanha, Holanda, Suécia e Suíça, possuem legislação específica para a prevenção e o combate do assédio moral ao trabalhador, demonstrando a importância do tema. É necessário que seja regulamentado por lei o assédio moral no emprego no Brasil, para que os juízes tenham uma fundamentação direta da lei, sem precisar utilizar a analogia e a subjetividade de outras legislações. A criação de uma lei trabalhista, definindo o conceito do assédio moral e suas formas de indenização, traria mais segurança jurídica para empregados e empregadores e serviria como um elemento para prevenir a ocorrência de novos casos.
A criminalização do assédio moral no Brasil, com uma legislação específica na área penal, punindo os infratores, também é uma forma de coibir e prevenir o assédio moral no trabalho, responsabilizando os abusos e humilhações praticadas contra os empregados. Como exemplo, três países, França, Espanha e Colômbia, possuem lei penal sobre o assédio moral: por exemplo, o Código Penal francês, além da pena de prisão de até 01 ano, prevê multa de 15.000 Euros como punição ao assediador. Além de legislação, é necessário mudar e melhorar a cultura nas empresas da forma de tratamento do empregador ao empregado, a prevenção com o treinamento das pessoas que exercem funções de chefia nas empresas, com a conscientização sobre o tema. O apoio aos empregados assediados por profissionais da área de psicologia, pelos sindicatos das categorias profissionais e a fiscalização do Ministério do Trabalho nas empresas também são formas de coibir as práticas de humilhação aos empregados.
Referências
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