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Responsabilidade tributária por infrações: instituto da denúncia espontânea e seus efeitos

Agenda 14/06/2018 às 13:00

O contribuinte que realiza a denúncia deverá arcar com o pagamento do tributo devido, com o acréscimo de juros de mora e correção monetária, mas ficará liberado do pagamento da penalidade.

A responsabilidade por infrações está prevista nos artigos 136 a 138 do Código Tributário Nacional (CTN) e significa a sujeição de alguém às consequências da prática de seus atos ou a responsabilidade pelo pagamento de multas, quando se descumpre uma obrigação. Em outras simplórias palavras, porém elucidativas, “se cometo uma infração, respondo por ela”[1].

Há duas modalidades de responsabilidade:

(i) a objetiva (art. 136, CTN), que é aquela que independe da presença do elemento subjetivo (dolo ou culpa). Nesse caso, portanto, responsabiliza-se quem quer que tenha praticado o ato ilícito (descumprimento das obrigações tributárias), desconsiderando-se a intenção do infrator, interessando, tão somente, a conduta formal[2]; e

(ii) a que incide na pessoa do agente (art. 137, CTN), aplicada como exceção, determinando a punição do próprio agente, e não do sujeito passivo (pessoa física que concretiza conduta ilícita por trás de pessoa jurídica, por exemplo), o sujeito passivo principal permanece como responsável pelo tributo devido no âmbito da obrigação tributária correspondente, porém, é o agente quem se submete à sanção imposta.

Diante do exposto e compreendida a responsabilidade por infrações, há uma hipótese prevista legalmente que exclui tal responsabilidade, a denúncia espontânea, que é o objeto deste trabalho. Passemos à sua análise.

A denúncia espontânea é um instituto de Direito Tributário inspirado na “desistência voluntária” e no “arrependimento posterior” do Direito Penal. Sua previsão expressa está no art. 138 do Código Tributário Nacional. Vejamos:

“Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.

Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração”.

Conforme visto no capítulo anterior, o artigo 136 do CTN nos ensina que a responsabilidade por infrações tributárias é objetiva, ou seja, independe da intenção do agente ou do responsável, não estando condicionada à conduta dolosa ou culposa.

Isto é: não há qualquer importância ou relevância se o contribuinte deixou de recolher o tributo por esquecimento ou por vontade própria, ainda que de boa-fé. Independentemente de qualquer motivação, ou da inexistência desta, a multa será aplicada ao caso concreto. 

As penalidades tributárias surgem com o objetivo primordial de evitar condutas que levem à supressão, ao descumprimento da obrigação tributária ou que dificultem a fiscalização dos órgãos responsáveis, que visam fundamentalmente o adimplemento do tributo.

O ideal seria que o contribuinte viesse espontaneamente cumprir e adimplir sua obrigação tributária, de maneira que não houvesse qualquer necessidade de sanção.

Desta ideologia surge o instituto da denúncia espontânea.

Em poucas palavras, a denúncia espontânea é o ato volitivo pelo qual o contribuinte confessa que cometeu infração tributária, frente à administração pública fiscal, seja principal ou acessória, com o intuito de livrar-se da responsabilidade por tal transgressão.

Trata-se de uma modalidade de procedimento administrativo preventivo, onde o contribuinte informa ao fisco que cometeu uma infração tributária, promovendo uma autodenúncia e, cumulando-a com o pagamento necessário, restará excluída a responsabilidade tributária pela prática da conduta reprovável.

Como perfeitamente nos ensina o professor Eduardo Sabbag:

“o instituto da denúncia espontânea, confissão espontânea ou autodenúncia, prevista no art. 138, permite que o devedor compareça à repartição fiscal, oportuno tempore, a fim de noticiar a ocorrência da infração e pagar os tributos em atraso, se existirem, em um voluntário saneamento da falta. Não se trata de ato solene, nem a lei exige que ela se faça dessa ou daquela forma. Trata-se de possibilidade legal para que o infrator se redima, confessando a violação ao Fisco. Apresenta, assim, similitude com a desistência voluntária e com o arrependimento eficaz, ambos do Direito Penal”.

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De acordo com o exposto acima, estamos diante de uma espécie de incentivo para que o contribuinte cumpra a obrigação tributária, ainda que a destempo, ou seja, fora do prazo correto.

É importantíssimo mencionar que o real incentivo do instituto em questão é o afastamento da incidência da multa tributária.

A denúncia espontânea possui dupla função no ordenamento jurídico-tributário.

A função primária visa exonerar o Fisco de sua atividade de fiscalização, dispensando-se assim a inspeção por parte da Administração Tributária. A função secundária, por sua vez, resulta na exclusão da multa, favorecendo o contribuinte que, espontaneamente, declara-se irregular perante o Fisco.

Do ponto de vista do contribuinte, a função estratégica desse instituto é favorecê-lo com a exclusão da multa, em face da própria comunicação da infração: a denúncia espontânea produz a exoneração do pagamento da multa decorrente do descumprimento da obrigação. Ressalta que a obrigação confessada resta absolutamente incólume, não sendo de qualquer modo afetada pela confissão.

Isto posto, nota-se a duplicidade da função da denúncia espontânea, que, de um lado beneficia o Fisco, o qual pode deixar de fiscalizar o contribuinte, pois estaríamos diante de condutas “auto denunciativas e fiscalizadoras” e, de outro, beneficia o próprio contribuinte, pois delatando a sua situação irregular de forma espontânea, fica desobrigado no que tange a multa resultante de seu descumprimento primário.

Os efeitos jurídicos derivados da fruição deste instituto sofrem variações a depender da conduta adotada pelo contribuinte.

Se o contribuinte, depois de feita a denúncia, realiza prontamente o pagamento do valor devido e dos seus acréscimos, coincidindo este com o momento da confissão, está excluído do pagamento de multa, conforme rege o artigo 138 do Código Tributário Nacional.

Porém, se efetivando a denúncia, o contribuinte não realiza o pagamento do montante devido, nem adota providências que garantam sua intenção em adimplir a dívida, a confissão da infração perde seu sentido de ser, desaproveitando assim sua eficácia e deixando de produzir a exclusão da multa, eis que frustrada está a função do instituto.

Para que a denúncia ocorra, a legislação determina o cumprimento de alguns requisitos, quais sejam: existência de um ato infracional; inexistência de procedimento fiscalizatório sobre o ato; pagamento do tributo devidamente atualizado, inclusive com juros e multa; e, apresentação perante a autoridade administrativa competente das guias de tributação pagas para posterior exclusão do pagamento da multa (a lei não estipula uma forma solene para a denúncia espontânea).

Será tempestiva, então, a denúncia espontânea, sempre que ocorrida antes de qualquer procedimento administrativo fiscalizatório da infração. Sendo que neste sentido, havendo qualquer ação inequívoca do Fisco, no intuito de localizar infratores fiscais, afastar-se-á a possibilidade do benefício decorrente da confissão. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento fiscal relativo ao fato denunciado.

A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, nos casos de tributos cujo montante dependa de apuração.

O contribuinte que realiza a denúncia deverá arcar com o pagamento do tributo devido, com o acréscimo de juros de mora e correção monetária, mas ficará liberado do pagamento da penalidade. Ademais, já existe posicionamento sólido do STF no sentido de que a denúncia espontânea exclui tanto a multa moratória como a punitiva.

Caso o contribuinte apresente a guia de pagamento após iniciado o processo, será recebida não mais como denúncia espontânea, mas como mera confissão de dívida, o que por si só, não exclui a multa.

Ressalta, também, a impossibilidade de tratarmos de denúncia espontânea nos casos de parcelamento de tributo, pois o entendimento predominante é de que o parcelamento não é pagamento integral do tributo, mas sim parcial. Importante neste momento reforçar a ideia de que, para o pagamento do tributo devido (mais juros e correção) aceitar o instituto da denúncia espontânea, o débito deve ser integralmente pago.

Apesar de haver muita divergência doutrinária, a jurisprudência tem se posicionado no sentido de que o art. 138 do Código Tributário Nacional não é aplicável àquelas multas decorrentes de obrigação tributária acessória, mas apenas às multas decorrentes de obrigação principal. Vejamos:

“TRIBUTÁRIO. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. ENTREGA COM ATRASO DE DECLARAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES E TRIBUTOS FEDERAIS (DCTF). MULTA. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. INAPLICABILIDADE. 1. A denúncia espontânea não tem o condão de afastar a multa decorrente do atraso na entrega da Declaração de Contribuições e Tributos Federais (DCTF). 2. As obrigações acessórias autônomas não têm relação alguma com o fato gerador do tributo, não estando alcançadas pelo art. 138 do CTN. 3. Recurso provido”. (STJ - REsp: 591579 RJ 2003/0163553-0, Relator: Ministro João Otávio de Noronha, Julgado em 07/10/2004, Segunda Turma, DJe: 22/11/2004)

Mas, para fruição dos benefícios do instituto ora debatido, deve-se considerar a sua não aplicação quando se tratar de tributos lançados por homologação.

Isso porque os tributos em questão são apurados, declarados e pagos pelo próprio contribuinte (sujeito passivo da obrigação tributária), sem que haja prévia oitiva ou fiscalização da autoridade administrativa, só cabendo a este homologar os cálculos e o pagamento apresentado. São exemplos destes tributos: PIS, ICMS, ISS etc.

Ora, se cabe ao contribuinte declarar, calcular, pagar, apresentar de forma séria o tributo ao Fisco, não há que se falar em denúncia espontânea, vez que ao pagar o tributo este já teve a oportunidade de se pronunciar e confessar débitos existentes.

Entretanto, esse entendimento, fixado pela Súmula nº 360 do Superior Tribunal de Justiça, restringe, na prática, a aplicação da denúncia espontânea, em razão da grande maioria dos tributos no Brasil ter natureza homologatória, limitando a aplicação do instituto aos tributos lançados por ofício, como por exemplo, IPTU e IPVA.

Conclui-se, então, que a denúncia espontânea surge como um incentivo para o contribuinte ao prever a exclusão das multas incidentes sob o tributo inadimplido e, assim, excluindo a responsabilidade tributária. Além disso, projeta efeitos positivos ao Fisco que fica desobrigado de fiscalizar o devido pagamento do tributo objeto da denúncia.

Para que seja invocado tal “benefício” o credor deve confessar o débito antes de o Fisco instaurar qualquer providência, administrativa ou judicial, visando o adimplemento da operação em questão, e, além disso, deve pagar o tributo integralmente junto a confissão.

Frisa-se que os impostos passíveis de denúncia anônima são os lançados por ofício e apenas a multa decorrente da obrigação principal é afastada, permanecendo a multa decorrente de inadimplemento de obrigação acessória.

Os tributos alcançados pelo instituto são os lançados por ofício, ou seja, lançadas pelo Fisco e apenas pagos pelo contribuinte. Quando seu lançamento é por homologação (declarada pelo contribuinte), o ato de declarar o débito que teria em razão de tal tributo já é uma confissão e por isso, não é cabível dar oportunidade de denúncia espontânea se não houver o pagamento em tempo.

Como forma de incentivar o não descumprimento das obrigações tributárias, têm-se um instituto eficaz e consagrador dos valores considerados morais e idealizados para o “homem-médio”. Ainda, cuida de reduzir custos para a Administração Tributária que não precisará instaurar processos de fiscalização.


Notas

[1] SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 758.

[2] Esta é a regra geral, porém, há uma ressalva no art. 136 do CTN, em que, havendo lei própria, podem-se levar em conta os aspectos subjetivos excludentes ou atenuantes da punibilidade. 

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIUS, Carolina. Responsabilidade tributária por infrações: instituto da denúncia espontânea e seus efeitos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5461, 14 jun. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59359. Acesso em: 22 nov. 2024.

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