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Uma aproximação entre o pensamento queer e a criminologia

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Há a necessidade, por parte da criminologia, como ciência empírica e multifacetada, esse último aspecto demonstrado pelos influxos que as várias disciplinas têm em seus estudos, absorver os conhecimentos acumulados pelas teorias queers.

Resumo: Há a necessidade, por parte da criminologia, como ciência empírica e multifacetada, esse último aspecto demonstrado pelos influxos que as várias disciplinas têm em seus estudos, absorver os conhecimentos acumulados pelas teorias queers. O padrão heterossexista produz o ideal de masculinidade hegemônica violenta que se expressa sobre a forma de heterossexualidade compulsória, homofobia e misoginia. Não se deseja mais a impossível neutralidade científica produtora de modelos universais próprios da criminologia ortodoxa machista, que fazia referendar a heteronormatividade. Os processos criminalizantes ligados à orientação sexual e à identidade de gênero, que fazem com que esses indivíduos se tornem vulneráveis, não podem ficar à margem da criminologia.

 Palavras-chave: criminologia, teorias queers, homofobia.

Sumário: Introdução; 1 Teorias queers: método e rompimento com a sociologia ortodoxa; 2 Controle e cura: primeiras aproximações da diversidade sexual com a criminologia; 3 Criminologia queer; Conclusão; Referências bibliográficas.


Introdução

O filme “Out in the dark”, de Michael Mayer, trata do relacionamento afetivo entre um palestino e um israelita. O mote central do filme poderia ser a dissonância religiosa e o duro conflito entre dois povos, entretanto este só figura como plano de fundo para demonstrar a invisibilidade e a repulsa dirigidas à comunidade LGBT. A questão “tabu” do filme poderia ser amor versus religião, mas é o relacionamento gay, o desconforto provocado por aqueles com sexualidade e identidades de gênero tidas como “desviantes” da norma hetero.

Mas porque se falar de um filme sobre a realidade do oriente médio? O Brasil não é o país da tolerância, da alegria, do carnaval, que é produzido em grande parte por pessoas LGBTs? Os dados, porém, desmentem essa fantasia. Segundo estudo divulgado pelo Grupo Gay da Bahia, contendo o relatório de assassinatos de homossexuais no Brasil em 2013/2014, a cada 28 horas um homossexual é morto no Brasil, quase um por dia. Ainda, o país lidera o ranking mundial de assassinatos homo-transfóbicos com 40% do total de mortes notificadas no planeta. [1]

Urge, pois, aproximar os estudos queer da criminologia, que foi historicamente um mecanismo de poder para controle daqueles considerados com sexualidade desviante. Essa aproximação pode fazer com que o pensamento criminológico - que nas últimas décadas se notabilizou por romper com a criminologia positivista, denunciando a inefetividade das prisões, da política repressiva de drogas e elucidando o etiquetamento dos mais vulneráveis pelo sistema criminal - reconheça as vulnerabilidades da comunidade LGBT tanto frente aos crimes homofóbicos, quanto ao sistema criminal quando são ofensores.

Deste modo, o primeiro esforço deste ensaio é no sentido de entender o que trazem de novo as teorias queers e como elas rompem com o pensamento sociológico dominante, para, na sequência, mostrar o papel desempenhado criminologia positiva no controle e “cura” da diversidade sexual e das identidades de gênero. Ao fim, tentar-se-á demonstrar como as teorias queer podem significar um avanço na criminologia, juntamente com as perspectivas crítica e feminista, em direção a um pensamento mais plural que pode contribuir para a desmistificação da lógica heterossexista que permeia o sistema criminal e a sociedade.


1 Teorias queers: método e rompimento com a sociologia ortodoxa

O termo queer é um vocábulo de língua inglesa em origem utilizado como uma ofensa, associado à anormalidade e perversão, entretanto ele foi ressignificado pelos “estudos queer” de modo a elucidar a construção do processo de normalização, formatação de diversidades, por meio da desconstrução do mesmo.[2] Antes do advento e estruturação das teorias queers como integrantes dos estudos culturais[3], o discurso sociológico era permeado pela lógica heterossexista, ou seja, reproduzia a lógica binária a respeito das sexualidades não desviantes, naturalizando, assim, a heteronormatividade. [4]

No binarismo, os significados são organizados em uma dinâmica de presença e ausência, para definir o que seja heterossexual é preciso definir o que seja homossexual e opô-lo ao padrão. Assim também se estruturaria a lógica homofóbica, em que o homofóbico na construção de sua própria identidade nega o homossexual. Entretanto, segundo Judith Butler “Mesmo no polo da sexualidade inteligível, descobrimos que os polos binários que ancoram suas operações possibilitam zonas intermediárias e formações híbridas, sugerindo que a relação binária não exaure o campo em questão” [5].

Importante também salientar que há diferença quanto ao método da sociologia da sexualidade e das teorias queers. Enquanto aquela, ao partir de uma oposição entre hetero e homossexual, é construtivista, esta prefere a desconstrução[6].

Assim, a posição estável ocupada pelos sujeitos sexuais é questionada, buscando compreender as estratégias sociais de normalização comportamental. As teorias queer veem na sexualidade um dispositivo histórico de poder. E quando esta é estudada, explora-se a heteronormatividade em dois significados: homofobia que se consubstancia nos processos de interdição e controle das relações afetivas homossexuais e padronização heteronormativa destes. [7]

Abandona-se o discurso minorizante, uma vez que queer não é tanto se insurgir contra a condição marginal, mas desfrutá-la, conforme aduz Olinson Coutinho Miranda: “[...] ser queer é pensar na ambiguidade, na multiplicidade e na fluidez das identidades sexuais e de gênero, mas, além disso, também sugere novas formas de pensar a cultura” [8].  Não pode se expressar por uma minoria, mas uma maioria silenciosa – porque englobam sexualidades diversas do padrão heteronormativo, ou seja, homossexualidade, bissexualidade, transexualidade-, que se politiza, transformando o gueto em território, o estigma em orgulho. Além disso, conforme sustentam Paulo César Garcia e Olinson Coutinho Miranda:

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[...] a teoria queer não abandona essas identidades e experiências, mas propõe um significado permanente aberto, fluido e passível de contestação, para que ocorra o encorajamento e surgimento de diferenças e a construção de uma cultura diversificada e plural. [9]

O discurso das teorias queer a favor da multiplicidade da sexualidade humana e da identidade de gênero não deve se restringir apenas ao campo dos estudos culturais e da sociologia, mas deve também exercer influência sobre o âmbito da criminologia, algo ainda incipiente no Brasil. O motivo dessa aproximação se deve à violência produzida pela norma heterossexista, denominada genericamente de homofobia.


2 Controle e cura: primeiras aproximações da diversidade sexual com a criminologia

A criminologia tem origem em duas correntes de pensamento tanto no positivismo biológico ou sociológico, quanto na denominada “Escola Clássica”, notadamente no pensamento de Francesco Carrara. Considerado por alguns o fundador da criminologia, Cesare Lombroso foi autor da obra inaugural do positivismo italiano “O homem delinquente”, sendo que um de seus seguidores, Raffaele Garofalo, usou a palavra criminologia para intitular uma de suas obras. Em verdade, o que fez surgir a criminologia como ciência foi a criação de diversos modelos explicativos da criminalidade resultado da síntese de um século em que esse fenômeno social foi amplificado. Não era clara nos primórdios da ciência criminal a separação entre direito penal e criminologia. [10]

Apesar desse destronamento de Lombroso como “pai” da criminologia, seus estudos sobre o criminoso tiveram influência nas ciências criminais, mais especificamente na nominada criminologia ortodoxa. Lombroso define o criminoso nato como “demente moral”, dentro dessas características distinguia-se a aflorada sexualidade, que frequentemente se manifestavam por desejos “antinaturais” [11], vê-se, assim, que a sexualidade destoante do padrão era um dos componentes do criminoso.

Dois significantes temas emergiram dos escritos de Lombroso em relação à sexualidade. O primeiro é sobre os homens homossexuais (“pederastas”), que eram tidos como uma espécie de criminosos “doentes mentais” ou insanos, que padeciam de uma patologia inferior (Lombroso utilizava concepção do médico Krafft-Ebing, que definia a heterossexualidade como “natural”, sendo a homossexualidade uma inversão da normalidade).  Já no segundo, Lombroso descreve o feminino como sexo frágil, devido à ideologia do patriarcado que permeava a sociedade de sua época. Invocando princípios de determinismo biológico ele afirmava que a mulher não tem um erotismo tão pronunciado, por isso o “lesbianismo” era incomum. Ele descrevia essa forma de sexualidade como perversão sexual e estabelecia conexão entre esta e a prostituição, uma vez que sua concepção de criminalidade sexual era moldada por exigências da sociedade em que as mulheres haveriam de cumprir as expectativas de gênero. [12]

Salo de Carvalho afirma que a criminologia em seus primórdios era homofóbica, uma vez que utilizava a masculinidade heterossexual como padrão interpretativo do desvio, como se pode inferir:

Em um modelo de ciência (criminológica) ortodoxa, marcado por referências moralizadoras e normalizadoras, o ideal de masculinidade heterossexual é assumido como um dos principais recursos de interpretação do desvio e um critério para catalogação das patologias [...] é possível sustentar que a constituição científica da criminologia é homofóbica, assim como outras ciências correlatas que operam a patologização da diversidade sexual, notadamente a psiquiatria. [13]

A sexologia também foi um dos saberes que atuou como provedor de justificativas para a perseguição e punição dos desviantes, a partir da catalogação das sexualidades ou práticas sem função reprodutiva, ligando-se, assim, à psiquiatria e à criminologia, como aponta Richard Miskolci:

A sexologia ganhou força por meio da classificação e descrição de todos os desvios das funções reprodutivas. Inicialmente, suas relações com a psiquiatria institucionalizada, em particular com a vertente criminológica, tornaram-na um saber destinado ao poder, provedor de justificativas para a perseguição, controle e até aprisionamento dos que considerava perversos. [14]

No Brasil, final do século XIX, Nina Rodrigues, inspirado nos estudos da escola positivista italiana, já relacionava a homossexualidade a características delitivas[15]. Nas décadas de 20 e 30 começa a surgir no país uma preocupação médica-criminológica sobre homossexuais masculinos, tanto pela modernização que os papéis de gênero sofriam, exemplificada pela entrada da mulher com maior intensidade no mercado de trabalho e a início da visibilidade dos homossexuais nos grandes centros urbanos. Essas décadas, marcadas por um câmbio social, aproximaram a atenção desses profissionais às causas, controle e “cura” da homossexualidade, entendida como “degeneração social”, fruto da influência positivista na ciência brasileira. [16]

Segundo relata James Naylor Green, os primeiros estudos médico-legais relacionados à homossexualidade se ligaram, em certa medida, aos ideais propalados pelo movimento eugênico no Brasil, para “purificar” a sociedade brasileira de toda espécie de degenerados:

Até onde muitos dos doutores e advogados de classe média e alta podiam conceber, comunistas, fascistas, criminosos, negros degenerados, imigrantes e homossexuais deveriam ser contidos, controlados e, no caso destes últimos, se possível, curados. Os anos 30, assim, transformaram-se num campo de testes sobre qual o melhor meio de purificar a nação brasileira e purificar seus distúrbios sociais. [17]

Ainda, conforme esse mesmo autor, dois profissionais europeus influenciaram as noções brasileiras sobre homossexualidade e sua relação com raça, gênero, criminalidade e biologia: o italiano Cesare Lombroso, mencionado a pouco, e o espanhol Gregório Marañón. Inspirado nas técnicas antropométricas de Lombroso (em que a parte fenotípica era determinante para a caracterização criminoso), Leonídio Ribeiro desenvolveu um estudo no qual realizava medições das partes do corpo de presidiários a fim de comprovar a relação existente entre homossexualidade e distúrbios hormonais. Já Marañón reconhecia uma pré-disposição biológica à homossexualidade, já que os indivíduos “intersexuados” acumulavam características relacionadas ao masculino e feminino. Porém, essa “pré-disposição” poderia ser alterada pela moralidade, ética e repressão sexual, abrindo caminho para que a igreja propalasse a regeneração do homossexual, tido como moralmente degenerado. [18]

 Os estudos brasileiros médicos, legais e criminológicos desse período reproduziam a lógica de dominação masculina, heterossexista, uma vez que visavam à cura da feminilidade existente na biologia do homossexual masculino[19] - o que conduz à percepção nefasta da invisibilidade lésbica, que nem sequer recebia atenção desses esdrúxulos estudos-, bem como através da psicologia[20] e da moralidade (cristã) por isso é essencial estabelecer paralelo entre o feminismo (como uma das quebras existentes no paradigma criminológico), as teorias queers e a criminologia, a fim de romper com o pensamento patologizante da criminologia ortodoxa.


3 Criminologia queer

Há a necessidade, por parte da criminologia, como ciência empírica e multifacetada, esse último aspecto demonstrado pelos influxos que as várias disciplinas têm em seus estudos, absorver os conhecimentos acumulados pelas teorias queers. Em geral, os criminólogos têm ignorado ou não dado a devida atenção à orientação sexual, à identidade de gênero e às demais questões relacionados à comunidade LGBT.

De acordo com Jordan Blair Woods, essa ausência de interesse dos estudos criminológicos decorre dos seguintes fatos: a) nas últimas quatro décadas, notadamente nos Estados Unidos, cresceu o número de estudos sobre vitimologia LGBT, ou seja, crimes em que essa comunidade é vitimizada, sejam eles de discriminação ou violência doméstica, e não aqueles em que o queer atua como ofensor - no Brasil, apesar dos autos índices de crimes motivados por homofobia, praticamente são nulos os esforços no sentido de compreensão vitimológica desse fenômeno, que dirá dos crimes que sujeitos LGBTs atuem como ofensores -; b) a maioria dos estudos sobre sexualidade e gênero relacionados ao crime é anterior à década de 80 e nestes a homossexualidade é encarada como uma espécie de desvio sexual criminoso, uma psicopatologia, exemplificada nas leis anti-sodomia[21]; c) há pouco ou nenhum engajamento teórico nas quatro maiores vertentes criminológicas: biológica, psicológica, sociológica e crítica; afirmação que não se aplica às teorias feministas, que empreenderam estudos acerca da relação entre crime e gênero.[22]

Em consonância com o propalado por Salo de Carvalho, três movimentos rompem com o caráter patologizante da criminologia ortodoxa. O primeiro é representado pela teoria do etiquetamento de Becker (labeling approach) - esse primeiro movimento de percepção do condenado não mais como um “doente” foi derivado também dos Estudos da Escola de Chicago, notadamente com Sutherland – neste, a unidade fixa e estável do crime se dilui, pois o desvio é consequência de um processo de criminalização composto por seleção de condutas, aplicação de regras e punição do desviante, criminoso é aquele que recebe esse rótulo do sistema criminal. No destrinchar do processo de criminalização percebe-se que alguns são vulneráveis outros imunes à estigmatização desse sistema. [23]

A segunda quebra se dá por meio do feminismo, ou seja, da incidência das escolas feministas na criminologia. Não será mais o bárbaro e abjeto a emergir no espaço público e cometer crimes, como pintava a criminologia positiva, mas sim o “príncipe encantado” que será capaz de praticar os mais atrozes atos de violência como demonstram os estudos sobre violência de gênero no âmbito doméstico. À perspectiva de seletividade universalizante da teoria do etiquetamento é sobreposta à violência em âmbito privado e à vulnerabilidade do gênero feminino a esta, principalmente em razão da cultura patriarcal e opressora. Os estudos criminológicos feministas foram capazes de desvelar que a mulher é duplamente violentada pelo sistema criminal, porquanto a criminologia feminista não somente trabalhou no espaço privado, mas desvelou a violência institucional de gênero na elaboração, interpretação aplicação e execução da lei penal. Assim, não importa que papel a mulher ocupe no sistema criminal (vítima ou ré), ela sempre sofrerá as consequências deletérias deste, seja através da invisibilidade quando vítima (culpabilização da vítima nos delitos relacionados à violência sexual e doméstica) ou da dureza da punição quando sujeita ao processo criminalizante. [24]

O terceiro rompimento fica a cargo da criminologia crítica, o enfoque microcriminalizante (liberal) é substituído pelo macrocriminalizante (crítico). Diversos estudos dentro desta corrente demonstraram que inexiste diferença ontológica entre o delinquente e aquele que não delinque, uma vez que o bárbaro habita no homem civilizado. Percebe-se, assim, que a única vertente a superar essa dicotomia entre macro e micro criminalização é a feminista, não só trabalhando como o sistema punitivo afeta a mulher (macro), mas também as violências que concorrem em desfavor da mesma em âmbito doméstico e afetivo (micro).

Com o feminismo a demonstrar a capacidade de inserção da discussão de gênero na criminologia, parece abrir espaço também a incidência das teorias queer, periféricas dentro da marginalidade ocupada pela criminologia nos cursos jurídicos do país. A criminologia queer tem seu objeto de estudo bem definido, a violência homofóbica, que pode adquirir três contornos: interpessoal, institucional e simbólica. Conforme apresenta Salo de Carvalho:

[...] creio que seria possível identificar três níveis de manifestação da violência heterossexista ou homofóbica: o primeiro, da violência simbólica (cultura homofóbica), a partir da construção social de discursos de inferiorização da diversidade; o segundo, da violência das instituições (homofobia de Estado), com a criminalização e a patologização das identidades não-heterossexuais; o terceiro, da violência interpessoal (homofobia individual), no qual a tentativa de anulação da diversidade se concretiza em atos de violência real.[25]

    Como já salientado, a homofobia não é apenas uma patologia individual (decorrente de uma neurose, um ódio a si mesmo), mas sim um dispositivo histórico de poder, de manutenção do padrão de masculinidade hegemônico que não só inferioriza o feminino, por meio da misoginia e do sexismo, mas também oprime a diversidade sexual e as várias identidades para além da diferença de gênero. Esse padrão heretossexista produz o ideal de masculinidade hegemônica violenta que se expressa sobre a forma de heterossexualidade compulsória, homofobia e misoginia. [26]

Não se deseja mais a impossível neutralidade científica produtora de modelos universais próprios da criminologia ortodoxa, que possivelmente escondia um ideal político liberal e machista, que fazia referendar a heteronormatividade (sim, as teorias queer representam a expressão acadêmica do movimento social LGBT, todas as posturas jurídico-acadêmicas também têm o seu viés político, quem insistir nessa suposta neutralidade, invariavelmente, fracassará). As grandes narrativas sobre o crime, o criminoso – incluindo os processos de criminalização e controle - e a criação de modelos totalizantes foi em parte assimilado pela criminologia crítica. [27]

Porém, numa sociedade plural e multifacetada a criminologia não pode ser hermética (talvez este nunca tenha sido seu ideal) deve, sim, sofrer influxos tanto do feminismo quanto do pensamento queer, a fim de se fragmentar, criando novos campos de diálogo. Essa fragmentação não vem em malefício da ciência criminológica, mas sim demonstra o caráter descentralizante e inovador deste saber. Os processos criminalizantes ligados à orientação sexual e à identidade de gênero, que fazem muitas vezes com que esses indivíduos se tornem vulneráveis à violência, particular ou institucional, não podem ficar à margem da criminologia.

Afirma-se, neste breve ensaio, que as teorias queers têm muito a oferecer à criminologia. As reflexões teóricas sobre a violência homofóbica podem gerar demandas criminalizantes - como é o caso do PLC 122/2006, recentemente sepultado com o arquivamento pelo Senado, que visava incluir a discriminação de orientação sexual e identidade de gênero na chamada Lei do Racismo (que já abarca outros tipos de discriminação, como a xenofobia) – desse modo, pensamos que a criminologia crítica e feminista tem algo a oferecer nesse aspecto, pois “[...] dispõe de ferramentas metodológicas capazes de avaliar os ônus e os bônus da criminalização, inclusive como forma de prevenir determinados efeitos perversos ínsitos às políticas criminais, sobretudo as punitivas”. [28]

Sobre os autores
Ana Luisa Imoleni Miola

Defensora Pública do Estado do Paraná

Ian Matozo Especiato

Advogado, mestrando em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP), bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), ex-integrante do Núcleo de Estudos Penais (NEP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIOLA, Ana Luisa Imoleni; ESPECIATO, Ian Matozo. Uma aproximação entre o pensamento queer e a criminologia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5188, 14 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59465. Acesso em: 27 dez. 2024.

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