AFINAL, PODE HAVER A RETENÇÃO DE PAGAMENTO DE SERVIÇOS PRESTADOS EM RAZÃO DA PERDA DAS CONDIÇÕES DE HABILITAÇÃO NO CURSO DA EXECUÇÃO DE CONTRATO ADMINISTRATIVO, NOTADAMENTE POR IRREGULARIDADE FISCAL PERANTE A FAZENDA PÚBLICA? UMA BREVE REFLEXÃO.
Ementa: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LICITAÇÕES E CONTRATOS. EXECUÇÃO CONTRATUAL. REQUISITO DE HABILITAÇÃO. REGULARIDADE FISCAL. MANUTENÇÃO DAS CONDIÇÕES DE HABILITAÇÃO NO CURSO DA EXECUÇÃO CONTRATUAL. DÉBITO COM A FAZENDA PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE DE RETENÇÃO DE PAGAMENTO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL.
É obrigação do contratado assegurar durante toda a execução do contrato as condições de habilitação exigidas na licitação, inclusive a regularidade fiscal.
Todavia, cumprida a prestação devida pelo contratado a contento, não se admite retenção de pagamento em razão da não manutenção da regularidade fiscal com a Fazenda Pública, por constituir ofensa ao princípio da legalidade!
Pois bem, a comprovação de regularidade fiscal perante a Fazenda Pública Federal, Estadual e Municipal constitui requisito de habilitação prévia nos procedimentos licitatórios e é necessária para que se verifique a idoneidade do pretendente, sua capacidade de cumprir as condições da futura contratação, a observância dos deveres referentes a tributos e contribuições gerados pela atividade a ser realizada e a probabilidade de inadimplência.
Nesse sentido, o comando previsto no §3º do artigo 195 da Constituição Republicana exige a comprovação da regularidade com a seguridade social de todos aqueles que contratam com o Poder Público, in verbis:
Art. 195. [...]
[...]
§3º A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.
Na mesma vertente, a norma contida no artigo 27, inciso IV, combinado com o artigo 29, inciso III, ambos do Estatuto Geral de Licitações e Contratos Administrativos – Lei nº 8.666/93, prescreve:
Art. 27. Para habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a:
[...]
IV – regularidade fiscal e trabalhista;
Art. 29. A documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista, conforme o caso, consistirá em:
[...]
III – prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal do domicílio ou sede do licitante, ou outra equivalente, na forma da lei; (Negritei)
Pela pertinência e atualidade da temática versada na espécie, peço venia para transcrever o magistério especializado de Jessé Torres Pereira Júnior, consubstanciado no seguinte teor:
“A regularidade fiscal igualmente soa como indispensável à garantia do cumprimento das obrigações porque, dependendo do montante do débito fiscal acaso pendente, e sujeito a cobrança forçada, estará o devedor economicamente comprometido para satisfazer aos encargos do contrato que celebrará, se vencedor na licitação. Ademais, a Constituição Federal, em seu art. 195, §3º, proíbe a contratação, pelo Poder Público, de empresas em débito com a seguridade social, o que implica vedação indireta a participar de licitação”. (Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública, p. 329, Negritei)
Observo, ainda, que, embora se trate de formalidade prévia, a referida exigência de ser mantida durante toda a execução do contrato ocorre em razão de sua essencialidade, consoante prevê o inciso XIII do artigo 55 da Lei nº 8.666/93, in verbis:
Art. 55. São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam:
[...]
XIII – a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação.
Além disso, pela interpretação sistemática das diversas normas administrativas insculpidas no referido diploma legal, notadamente os comandos previstos nos incisos I, IX, X e XI, todos do artigo 78 da Lei nº 8.666/93, a seguir transcritos, é possível concluir que o contrato poderá, até mesmo, ser rescindido pela Administração de acordo com o interesse público, se o particular deixar de preencher o requisito da regularidade fiscal no curso da execução do pacto firmado entre as partes, senão vejamos:
Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato:
I – o não cumprimento de cláusulas contratuais, especificações, projetos ou prazos;
[...]
IX – a decretação de falência ou a instauração de insolvência civil;
X – a dissolução da sociedade ou o falecimento do contratado;
XI – a alteração social ou a modificação da finalidade ou da estrutura da empresa, que prejudique a execução do contrato;
No entanto, apesar de ser possível a aplicação de sanções administrativas ou a rescisão contratual se o contratado não mantiver, durante toda a execução do contrato, as obrigações por ele assumidas e todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação, é preciso considerar que o estatuto das licitações não faz menção à retenção de pagamento após ter sido cumprida a prestação devida pelo particular. Isso porque, de modo geral, a principal obrigação da Administração nos contratos é pagar os preços pactuados pelos serviços prestados ou bens fornecidos, enquanto o particular tem o direito de, uma vez cumprida sua obrigação, receber o valor acordado como remuneração pela execução do contrato.
Ademais, não se pode perder de vista que a Administração Pública está submetida ao princípio da legalidade, base do Estado Democrático de Direito e garantia da sociedade, que a obriga a agir conforme determinação legal, por força do caput do artigo 37 da Lei Fundamental da República. Dessa forma, toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Não o sendo, a atividade é ilícita.
Com efeito, importante registrar que a comprovação da regularidade fiscal durante a execução do contrato não se encontra prevista entre as condições para o pagamento, consoante se verifica pela leitura do inciso XIV do artigo 40 da Lei nº 8.666/93, vazado nos seguintes termos, in verbis:
Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:
[...]
XIV – condições de pagamento, prevendo:
a) Prazo de pagamento não superior a trinta dias, contado a partir da data final do período de adimplemento de cada parcela;
b) cronograma de desembolso máximo por período, em conformidade com a disponibilidade de recursos financeiros;
c) critério de atualização financeira dos valores a serem pagos, desde a data final do período de adimplemento de cada parcela até a data do efetivo pagamento;
d) compensações financeiras e penalizações, por eventuais atrasos, e descontos, por eventuais antecipações de pagamentos;
e) exigência de seguros, quando for o caso; (Negritei)
Destarte, na medida em que a Lei de Licitações não contempla a possibilidade de retenção ou bloqueio de pagamento por parte da Administração Pública depois da execução satisfatória da prestação de serviços pelo fornecedor ou prestador, não há como se admitir conduta diversa, mesmo que o particular se encontre em dívida com a Fazenda Pública ou outras instituições, por se tratar de inquestionável desvio do objetivo buscado pela lei.
Sobre a matéria sob exame, reputo pertinente destacar o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça – STJ nas seguintes decisões:
1 – STJ. RMS 24.953/CE, em 04/03/2008. Rel. Min. Castro Meira. DJ 17/3/2008: [...] Pode a Administração rescindir o contrato em razão de descumprimento de uma de suas cláusulas e ainda imputar penalidades ao contratado descumpridor. Todavia, a retenção do pagamento devido, por não constar do rol do art. 87 da Lei nº 8.666/93, ofende o princípio da legalidade, insculpido na Carta Magna.
2 – STJ. REsp. 633.432/MG. Rel. Min. Luiz Fux, 22/02/2005: [...] Deveras, não constando do rol do art. 87 da Lei nº 8.666/93 a retenção do pagamento pelos serviços prestados, não poderia a ECT aplicar a referida sanção à empresa contratada, sob pena de violação ao princípio constitucional da legalidade. Destarte, o descumprimento de cláusula contratual pode até ensejar, eventualmente, a rescisão do contrato (art. 78 da Lei de Licitações), mas não autoriza a recorrente a suspender o pagamento das faturas e, ao mesmo tempo, exigir da empresa contratada a prestação dos serviços. (Negritei)
Da mesma forma, com fundamento na Súmula 222 do Colendo Tribunal de Contas da União – TCU, consubstanciada no seguinte teor, in verbis: “As Decisões do Tribunal de Contas da União, relativas à aplicação de normas gerais de licitação, sobre as quais cabe privativamente à União legislar, devem ser acatadas pelos administradores dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”, peço venia para transcrever a parte que interessa o entendimento pacificado daquela Corte de Contas federal, consubstanciado no Acórdão nº 964/2012, litteris: “[...] 9.2.3. Verificada a irregular situação fiscal da contratada, incluindo a seguridade social, é vedada a retenção de pagamento por serviço já executado, ou fornecimento já entregue, sob pena de enriquecimento sem causa da Administração”; portanto, de observância compulsória pelo Poder Público.
Como se vê, a interpretação do STJ, à qual me filio em razão dos seus profícuos fundamentos jurídicos, decorre do entendimento de que a retenção de pagamento em caso de não apresentação de certidão objeto desta análise, guardas as devidas proporções, equivale a uma “penalidade” não prevista no artigo 87 da Lei nº 8.666/93 e, como tal, obviamente, não cabe ao intérprete inovar as hipóteses em que o legislador assim não o fez – princípio da especificidade –, destarte, entendo que é vedada a retenção do pagamento se o contratado não mantiver a regularidade fiscal perante a Fazenda Pública, exceto na comprovada hipótese de inexecução total do objeto contratual ou não execução com a qualidade mínima exigida das atividades inerentes aos serviços, abrindo-se, entretanto, a possibilidade de eventual rescisão do instrumento com seus respectivos consectários.
Destarte, não restam dúvidas de que é necessária a comprovação de regularidade fiscal do licitante como requisito para sua habilitação, conforme preconizam os artigos 27 e 29 da Lei nº 8.666/93, exigência que encontra respaldo no §3º do artigo 195 da Constituição Federal, ou seja, as condições de habilitação auferidas nos torneios licitatórios ou nos procedimentos de contratação direta (dispensas ou inexigibilidade) devem, inclusive, permanecer durante toda a execução do contrato, nos exatos termos previstos no artigo 55, inciso XIII, da Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos.
Contudo, a Administração não pode negar a devida contraprestação pecuniária por bens ou serviços contratados que foram efetivamente prestados ou disponibilizados a contento, ainda que o fornecedor dos bens ou o prestador de serviço se encontre inadimplente com a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal, pois, além de não encontrar amparo legal, configuraria enriquecimento sem justa causa do Poder Público.
Portanto, nobres contratados, fiquem atentos em relação a esta particularidade para que não haja a retenção indevida dos correspondentes pagamentos dos serviços prestados e executados de forma satisfatória à Administração Pública.
OUTRAS DÚVIDAS: FIQUEM SEMPRE A VONTADE PARA ENTRAR EM CONTATO COM A NOSSA ASSESSORIA JURÍDICA.