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Mitigação do direito à economia de tributos pela norma geral antielisiva: obscuridade, discricionariedade e insegurança jurídica

Agenda 05/08/2017 às 09:33

A elaboração de um dispositivo normativo cuja abrangência não é bem delimitada acarreta danos severos ao próprio ordenamento jurídico, principalmente quando se trata de norma dotada de instrumentos subjetivos e de aplicação genérica.

1. NORMA GERAL ANTIELISIVA COMO DEVER GERAL DE VEDAÇÃO À ELISÃO FISCAL

 

Conforme se depreende do texto do Parágrafo Único do Art. 116 do CTN, foi no intuito de cercear o planejamento tributário e, por consequência, aumentar a margem de arrecadação do fisco. A princípio, o que deveria ser considerada uma restrição somente à dissimulação do fato gerador, passou a ser uma restrição indistinta que alcança a transformação da natureza constitutiva da obrigação tributária.

 

2.1 OBSCURIDADE DA NORMA

 

As definições de dissimulação e transformação não expressam diferenças de forma nítida, e essa obscuridade é o que permite que a atuação da autoridade administrativa, capaz de desconsiderar atos ou negócios que aparentem dissimular o fato gerador, não fique restrita apenas à sonegação fiscal. Ou seja, a restrição ultrapassa o conceito da evasão fiscal e abarca, também, o conceito de elisão. A esta altura, cabe deixar claro que o Art. 167 do Código Civil estabelece as ocorrências das simulações em negócios jurídicos, evidenciando que a evasão fiscal difere-se do planejamento lícito justamente por conta de seu aspecto não-fictício.

 

Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

§ 1o Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:

I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;

II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;

III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.

§ 2o Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.2

 

Pois bem, quando o caso concreto abarca uma situação em que seja clara e evidente a classificação como prática fiscal evasiva ou elisiva, não existem dúvidas quanto ao procedimento a ser aplicado. O problema, no entanto, ocorre quando a configuração do caso estiver apenas implícita e carente de definição. Num destes casos, pode ocorrer de o enquadramento indicar um limiar entre a prática lícita e a punível. E se, em caso de evasão fiscal houver erro na aplicação da norma e for enquadrado como prática elisiva, haverá prejuízo ao fisco e, em seguida, imputação da responsabilidade ao agente. Ou, do contrário, quando uma prática elisiva não-fictícia, não dissimulada e lícita sofrer punição, o ônus pela obscuridade da norma estará recaindo sobre o contribuinte, ainda que este possua instâncias recursais no órgão administrativo competente.

 

2.2 O PODER DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA

 

Assim, a práxis da autoridade administrativa, ao não proceder com a devida distinção aos termos, faz com que a elisão fiscal beire a ilicitude. Com vistas a não permitir perdas de arrecadação ao erário, os órgãos administrativos responsáveis pela arrecadação emitem orientações para que a fiscalização atue de modo a inibir as práticas elisivas. Daí a expressão do dever geral de vedação à elisão fiscal.

 

Como dito acima, devido ao grau de incerteza e nebulosidade, existem diversas situações específicas que se enquadram num limiar entre a transformação do fato gerador para alcançar um regime de tributação mais vantajoso e as dissimulações com fito de economizar por meio da evasão. É notório que o legislador levou isto em consideração ao propor uma norma geral de combate à ocultação de fatos geradores, no entanto, a prática fiscalizatória demonstra que os apontamentos apenas aos fatos oponíveis à evasão não são devidamente aplicáveis.

 

Isto leva a crer que a atuação administrativa visa exercer um poder-dever na fiscalização tributária de modo a não admitir estratégias que permitam tanto a ocultação ou a descaracterização dos fatos tributáveis, quanto as que propiciem economia a partir de meios lícitos de planejamento tributário.

 

Em meio a essas complicações, o fisco não consegue abranger todo o espectro de atuação dos contribuintes, ao passo que não se percebe claramente o propósito negocial das operações. De fato, não existem critérios objetivos aptos a definir quais são ações com viés evasivo, e quais visam apenas a economia lícita de tributos através de planejamento tributário. Portanto, é de extrema importância o estabelecimento de critérios objetivos a fim de dirimir erros cometidos pelo fisco, quer seja por perda de receita, quer seja por ganho de receita através de incidência indevida ao planejamento.

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Sem previsibilidade legal, não há segurança jurídica. A observância de critérios objetivos assegura à autoridade administrativa o poder-dever de agir de forma determinada em hipóteses bem definidas e com uma margem menor de erro, bem como permite a atuação com base no valor constitucional da segurança jurídica pelo contribuinte. O escopo da norma, quando dotado de conteúdo jurídico assecuratório, permite que tanto o fisco quanto o contribuinte decidam entre agir ou não, definindo momentos adequados e modos adequados de atuação. De um lado, o órgão fiscalizador, com vistas a coibir perdas de receitas, do outro, o administrador, no intuito de afastar ou minimizar a incidência de tributos dentro na estrita legalidade.

 

Não pode-se dizer, contudo, que estabelecer normas positivadas e objetivas seja tarefa fácil. Além disso, a mera avaliação casuística pode ser complexa, caso não se tenha com clareza a existência de propósito negocial. Para se medir a complexidade das análises, pode-se usar um dos clássicos casos de compra e venda, por exemplo, quando o comprador e o vendedor de um imóvel promovem a constituição de uma sociedade com base na junção do valor com a propriedade imobiliária. Em seguida, a fim de burlar os custos com ITBI e IR, desfaz-se tal arranjo societário e cada um dos membros retoma sua cota de participação.

 

Evidentemente, o propósito negocial não se apresenta de forma explícita, sendo assim, justifica-se a prevalência da norma geral para controle, consulta e fiscalização de estratégias de planejamento tributário. Porém, há brechas para equívocos na via administrativa, uma vez que a possibilidade de recursos é bastante limitada. Quando o contribuinte ingressa na via judicial, nem sempre está sendo amparado por um órgão especializado, assim, a probabilidade de perdas é iminente, em face da complexidade material e da urgência na prestação da tutela jurisdicional.

 


2. MITIGACÃO DO DIREITO À ECONOMIA DE TRIBUTOS

 

4.1 PRINCÍPIOS DA NEUTRALIDADE E DA SOLIDARIEDADE EM FACE DO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO

 

Os fundamentos utilizados tanto pelo legislador quanto pela autoridade fiscal estão amparados por dois preceitos básicos presentes no contrato social e incorporados pela noção paradigmática de Estado Democrático de Direito.

 

De forma resumida, o Princípio da Neutralidade Fiscal, conforme disciplina Paulo Caliendo, reflete a ideia de que o tributo deve interferir o mínimo possível nas decisões de agentes econômicos, contanto que esse parâmetro não-intervencionista esteja relacionado à promoção dos direitos fundamentais e com um sistema tributário dotado de eficiência econômica. Isto é, trata-se de um dever negativo de intervenção no mercado, inclusive como meio para o desestímulo da elisão fiscal.

 

“As obrigações tributárias deverão ser entendidas como normas jurídicas possuidoras de homogeneidade sintática e heterogeneidade semântica. Mas não se preencherá a estrutura semântica de forma livre. Dentro da composição normativa, se verificará, dentre as diversas possibilidades de proposições prescritivas, qual a que mais se aproxima da ética material, da justiça fiscal.” CALIENDO, Paulo. Direito Tributário e Análise Econômica do Direito: uma visão crítica.

 

Em consonância com esse, floresce o Princípio da Solidariedade Tributária, defendido pelo doutrinador Marco Aurélio Greco, quando oportunamente aponta o planejamento tributário como sendo um instituto cuja finalidade de pagar menos tributos visa o bem estar do próprio contribuinte em detrimento do coletivo, visto que diminui a arrecadação estatal e onera os demais contribuintes.

 

Tal princípio faz parte do conteúdo constitucional presente no inciso I, do art. 3˚ da CF/88, que aborda os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, entre os quais, construir uma sociedade livre, justa e solidária. Este, portanto, é definido por Fernando Lemme Weiss como:

 

Os direitos fundamentais proclamados na Constituição somente são exercíveis se o Estado puder provê-los ou garanti-los, o que demanda recursos financeiros por parte da sociedade. A inclusão compulsória de todas as pessoas na estrutura de uma sociedade organizada, natural consequência da existência do Estado, faz com que todos sejam credores e devedores solidários dos direitos fundamentais, de forma irrenunciável.3

 

A ideia de Planejamento Tributário encontra-se diametralmente oposta aos referidos princípios, haja vista que a aplicação de ambos torna impraticável a elisão fiscal nos moldes do pleno exercício do direito à economia de tributos. Pois, de acordo com o Princípio da Neutralidade, a mera abstenção do Estado em combater a elisão fiscal, por si só, caracterizaria um incentivo ao planejamento tributário. Já segundo o Princípio da Solidariedade Tributária, o planejamento tributário fere a participação equânime dos indivíduos no Contrato Social ao possibilitar que, com o devido amparo técnico, a incidência tributária seja menor. Ou seja, a elisão fiscal, munida de mecanismos contábeis e jurídicos, fere o contrato social ao permitir que indivíduos com alta capacidade contributiva possam reduzir sua carga tributária apoiando-se em seus instrumentos técnicos dos quais a grande maioria dos contribuintes não dispõem.

 

2.2. PRÁTICA DE PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO X APLICAÇÃO DE NORMA ANTIELISIVA GENÉRICA

 

Reiterando a afirmação acima, a ideia de Planejamento Tributário encontra-se diametralmente oposta aos métodos de aplicação da Norma Geral Antielisiva instituída pelo parágrafo único do Art.116 do Código Tributário Nacional. A lógica se perfaz seguindo a premissa de que a aplicação da norma, sem a existência de parâmetros objetivos, mitiga as possibilidades da prática de elisão ao passo que, contando apenas com a discricionariedade dos órgãos ficais, o contribuinte tende a optar por se abster do direito à economizar tributos para não se arriscar a incorrer num enquadramento por fraude fiscal.

 

Como contraponto, para que o direito à economia tributária seja exercido, é preciso tipificar as condutas elisivas de modo a vincular às punições apenas as que qualificarem evasão fiscal. Pois bem, percebe-se que tais aplicações estão opostas em um eixo que, ao passo que a aplicação da norma adquire prevalência e abrange o escopo de atuação do contribuinte, a prática do planejamento deixa de ser vantajosa e abre espaço para ações voltadas a abdicação aos negócios.

 

Historicamente, os países interessados em fomentar seu desenvolvimento industrial e econômico prestam auxílios e concedem incentivos às práticas empresariais, principalmente com incentivos tributários. Muitas vezes, oferecer um ambiente propício às práticas comerciais faz com que o maior beneficiado indireto seja o próprio Estado. Claramente, esse ponto de vista contém um viés liberal que muitas vezes não é tomado como parâmetro pelo governo. No entanto, é cabível discutir os efeitos de ações contrárias a isso, concluindo que vedar a prática elisiva e imputar a incidência tributária sem margem para escolhas é um incentivo ao abandono da atividade empresária no país.

 

Analogamente, um investidor decide alocar recursos em um produto local e, ao buscar por opções, percebe que há apenas o produto A, do qual não é possível alterar a forma nem sequer o conteúdo. A impossibilidade de optar pelo produto A ou por um outro produto B qualquer, quando nesse sistema há a necessidade de receber os referidos recursos, faz com que o leque de opções do investidor passe a ser alocar em A ou não alocar. Em seguida, parte para um outro local onde se faz possível a escolha entre mais de uma alternativa ou, quando não, a alteração da forma no produto investido.

 

Simplificando, o Estado que tanto declara seu interesse em ampliar suas receitas é o maior prejudicado ao coibir a prática da economia tributária, quando esta seria apenas a efetivação de um direito pleno e justificar tal vedação com base no argumento de que a grande maioria dos indivíduos não dispõe da técnica necessária para a prática elisiva é mitigar um direito de uns por conta da impossibilidade ampla de acesso aos meios para tal. Isto não soa como a decisão mais acertada, mas é nesse sentido que a legislação brasileira tem avançado ao proceder com a aplicação da norma geral antielisiva como um dever geral de vedação à elisão fiscal.

 


 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributáriai. São Paulo: Malheiros, 2008.

BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a outra modernidade. Trad. Sebastião Nascimento. São Paulo: Ed. 34, 2010

CALIENDO, Paulo. Direito Tributário e Análise Econômica do Direito: uma visão crítica.

GRECO, Marco Aurélio, artigo “A constitucionalidade do parágrafo único do art. 116 do CTN”, Planejamento tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2000. p. 194.

VILLELA, Luiz Alberto. Significado econômico da elisão tributária: perda de receita, distorções econômicas, deslocamento da carga tributária, repercussões na política fiscal e na justiça fiscal. Disponível em: http:// www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributarios/eventos/seminariointer/anaisseminariointerelisaofis2002.pdf

WEISS, Fernando Lemme. Princípios Tributários e Financeiros. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006. p. 119.

XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais 1978, p. 91.

 


Notas

1 Código Tributário Nacional – Redação dada pela Lei nº 5.172 de 25 de Outubro de 1966

 

 

2 Art. 167 / Código Civil - Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002

 

 

3 WEISS, Fernando Lemme. Princípios Tributários e Financeiros. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006. p. 119.

 

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VICTOR, Gleodes. Mitigação do direito à economia de tributos pela norma geral antielisiva: obscuridade, discricionariedade e insegurança jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5148, 5 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59498. Acesso em: 2 nov. 2024.

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