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Apontamentos históricos e conceituais sobre direitos fundamentais

Agenda 03/08/2017 às 08:40

O artigo busca delinear o nascimento da ideia dos direitos fundamentais, sua construção histórica e ao final, estabelecer um diálogo sobre os conceitos e os limites do conteúdo das normas de direitos fundamentais sob a perspectiva da obra de Robert Alexy.

          

RESUMO

O artigo em questão busca delinear o nascimento da ideia dos direitos fundamentais, sua construção histórica e ao final, estabelecer um diálogo sobre os conceitos e os limites do conteúdo das normas de direitos fundamentais sob a perspectiva da obra de Robert Alexy.

Palavras-chave. Direitos Fundamentais, ponderação, discurso.

A construção histórico-filosófica da ideia de direitos fundamentais

É reconhecido a Kant o início da construção da subjetividade moderna, bem como a relação do sujeito com o Estado – a partir daí, bafejado com os princípios iluministas.

Kant separa os dois mundos do sujeito, o interno e o externo e dá a esses mundos significações distintas como também finalidades próprias:

“A distinção (não a separação) entre âmbito moral e âmbito jurídico foi, paradoxalmente, como se mencionou, resultado teórico do jusnaturalismo moderno. O que diz respeito ao direito, ao qual pertencem só as ações externas dos indivíduos, como tais relevantes para os outros. Essa tese, expressa, como se disse, por Cristiano Tomásio, encontra em Kant decisiva confirmação, mas em bases argumentativas diferentes. Kant define como moral uma ação que derive da boa vontade, e é boa a vontade que parta apenas do impulso da obediência ao dever moral, do imperativo categórico, o imperativo moral como único fim. O sujeito moral dá a si mesmo, autonomamente uma lei e a segue como tal: a ação não é cumprida para seguir outros fins (hipotético é o imperativo que prescreve uma ação como meio para conseguir objetivos particulares)(...)[1]

De tal modo que as relações do mundo jurídico perseguem objetivos distintos – mas não opostos – daqueles da consciência, ditados pelo imperativo categórico, criando mundos próprios que determinarão a ascensão do sujeito em contraposição – agora sim – ao Estado, com base na utilização da razão.

A consciência dita as leis internas, mas no âmbito externo as leis se projetam para a construção de um espaço de coexistência das liberdades de cada consciência.

(...) ... a imagem do homem defendida por Kant foi extremamente importante para o desenvolvimento posterior dos direitos de liberdade. Seu reconhecimento de que o homem como sujeito é ele próprio a causa de sua ação e decisão, e de que esta subjetividade distingue o homem dos animais, leva-o ao postulado fundamental da liberdade. Pela sua própria natureza o homem tem o direito de planejar a sua vida no âmbito da sua própria liberdade. Sem liberdade destrói-se a sua essência.”[2]

A construção dessa subjetividade despe o homem da sua relação antes necessária com os arquétipos anteriores, como o homem filho de Deus, o homem súdito, e o homem-escravo, pois que toda a fundamentação está na sua dignidade enquanto sujeito dotado de razão enquanto Homem.

A partir dessa fundamentação filosófica, os textos constitucionais filhos do Iluminismo, tais como a Declaração de Independência dos Estados Unidos e a Declaração dos Direitos do Homem, de 1789 passaram a reconhecer, em esfera jurídica e da própria constituição do Estado os direitos do homem que mais tarde, já no século XX, os alemães cunhariam com o termo fundamentais.

“(...) A noção dos direitos do homem ou direitos humanos, quando surgiu no âmbito das revoluções liberais, distinguiu-se do conceito de cidadania. Enquanto a primeira referia-se a direitos de toda e qualquer pessoa humana, o segundo dizia respeito aos direitos dos membros de uma determinada coletividade política e, mais precisamente, de um Estado. Porém a ideia de direitos humanos importava também o direito de toda e qualquer pessoa de ter cidadania (‘um direito a ter direitos’) (...) Mais tarde, especialmente tendo em vista a influência da experiência tardia da Alemanha com o constitucionalismo, passou a ser usada a expressão ‘direitos fundamentais’ para referir-se a direitos positivados e garantidos nas constituições estatais. Mas o conteúdo desses incluíam tanto os direitos particulares de cidadania no sentido clássico quanto os direitos humanos. Passou a ser proposta, então, uma entre direitos fundamentais constitucionalmente garantidos pelos Estados e direitos humanos protegidos internacionalmente, estes afirmados inclusive contra os Estados. Os seus conteúdos, porém, entrecruzam-se na categoria de direitos civis, políticos, sociais e novos direitos (os coletivos e os referentes a ‘ação afirmativa’). (...) Tanto os direitos humanos quanto os direitos fundamentais dizem respeito à inclusão da pessoa e à diferenciação da sociedade. Os conteúdos praticamente coincidem. A diferença reside no âmbito das suas pretensões de validade. Os direitos fundamentais valem dentro de uma ordem constitucional estatal determinada. Os direitos humanos pretendem valer para o sistema jurídico mundial em níveis múltiplos, ou seja, para qualquer ordem jurídica existente na sociedade mundial (não apenas para a ordem jurídica internacional). É claro que existem utilizações práticas dessas expressões de maneira inversa: ‘Direitos (ou liberdades) fundamentais’ usados em tratados ou convenções supranacionais ou internacionais. ‘Direitos humanos’ empregados para o catálogo dos direitos positivados nas Constituições estatais. Mas, do ponto de vista teórico, as definições e diferenças apresentadas servem ao nosso argumento e encontram respaldo na prática jurídica dominante. (...)”[3]

Dessa construção histórico-filosófica, que o tempo e os processos históricos, cujas sementes foram plantadas em bom solo no Iluminismo, floresceram os direitos fundamentais em quase todas as constituições modernas, fulgurando no centro do constitucionalismo e do Estado modernos, como fundamento último e legitimador do próprio Poder.

No entanto, o reconhecimento puro e simples dos direitos fundamentais no texto constitucional não operou sozinho a sua efetivação no seio social. Diversas teorias sobre as normas de direito fundamentais, sua natureza e eficácia foram produzidas no decorrer do século XX, no entanto, aquela que mais marcou o pensamento jurídico de nosso tempo foi a obra “Teoria dos Direitos Fundamentais”[4] de Robert Alexy, a qual, adota-se para desnudar as características próprias das normas de direitos fundamentais.

A teoria de Alexy fundamenta-se na ideia de que a problemática dos direitos fundamentais pode ser explicada e funcionalizada pela distinção entre regra e princípio, e o entendimento que esses últimos têm como característica a generalidade e fluidez semântica, cujos conteúdos só podem ser desnudados com a aplicação do processo de ponderação ou sopesamento. Mas antes de adentrar à questão das normas de direitos fundamentais e como Alexy se propôs a resolver a questão, se faz necessário adentrar aos problemas das teorias internas e externas dos direitos fundamentais e da carga semântica nas regras e nos princípios e principalmente sobre qual seria o conteúdo dessas normas fundamentais.

O conteúdo e o limite dos direitos fundamentais

De certo modo, para efeitos didáticos, pode-se adotar duas posições distintas sobre o conteúdo dos direitos fundamentais

De um ponto de vista não-discursivista pelo menos no que diz respeito aos direitos fundamentais autores há, como o português José Carlos Vieira de Andrade, que trata o conceito destes direitos analisando-os sob o aspecto de seus limites, internos ou externos, adotando a tese da imanência do conteúdo dos direitos no próprio enunciado normativo.

“Os limites materiais, que definem o âmbito ou a esfera normativa de cada um dos direitos fundamentais, decorrem da interpretação dos preceitos constitucionais que os prevêem, sendo que estes, em regra, utilizam para o efeito conceitos indeterminados ou mesmo cláusulas gerais – a tarefa de delimitação do direito por interpretação desses conceitos cabe, como vimos, a todos os aplicadores da Constituição e, em última instância, aos juízes, delimitação que, aliás, em face do texto da norma, tanto pode saldar-se numa interpretação enunciativa, como numa interpretação restritiva ou mesmo numa interpretação ampliativa”[5]

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Chama-se teoria dos limites internos a concepção de que o conteúdo do direito fundamental é revelado pela interpretação e análise do texto em si, de forma autônoma, independente do conteúdo de outros enunciados normativos. Já quanto aos limites externos, compreende-se como aqueles limites em que o próprio direito partilha com outros sistemas, como a ordem pública, a ética, a moral, etc. São limítrofes com outros sistemas, distintos do mundo jurídico.

José Carlos Vieira de Andrade não adota Alexy. Os pressuspostos são claros. Na constituição portuguesa, por exemplo, não haveria espaço para a concepção alexyana, pois que se apresentaria uma delimitação já configurada dos direitos fundamentais e as possibilidades de solução de conflitos quanto da colisão entre seus conteúdos.

De certa forma, Vieira de Andrade abraça a teoria do suporte fático restrito dos direitos fundamentais, isto é, exclui de antemão algumas ações, estados ou posições jurídicas que venham a ser criadas pelo suporte fático desses direitos.

Assim a teoria do suporte fático restrito teria consequência direta de excluir possíveis condutas que seriam passiveis de proteção jurídica, e como decorrência para essa teoria, não existiriam direitos fundamentais a sopesar, bastaria apenas ao intérprete reconhecê-los no texto constitucional e daí também aferir seus limites.

Já para a teoria do suporte fático amplo, como defende, por exemplo, entre nós, Virgílio Afonso da Silva, não se pode excluir a priori condutas ou situações do suporte fático dado. O que de fato ocorre é que para essa teoria existem dois momentos para análise do direito fundamental.

A análise prima facie do conteúdo de um direito específico, que, após o sopesamento, na concretude da experiência é que se pode falar, em definitivo, em objeto de proteção jurídica. Assim é que Virgílio Afonso da Silva ataca a teoria interna por enquadrar os direitos fundamentais num modelo de suporte fático restrito, o que excluiria, de antemão, ações, posições ou situações jurídicas fundamentais, a princípio, passíveis de proteção jurídica.

“Já ficou claro, até aqui, que exclusões a priori, de condutas ou situações do âmbito da proteção dos direitos fundamentais é a tese central das teorias que se baseiam em um suporte fático restrito. As teorias que se baseiam em um suporte amplo, como a aqui defendida, rejeitam essa premissa. Claro que, a partir dessa constatação, a indagação necessária seria: o que, então, é protegido pelos direitos fundamentais? A resposta a essa pergunta, ao contrário do que ocorre com as teorias que se baseiam em um suporte fático restrito é, em geral, a própria definição daquilo que é definitivamente protegido; no segundo caso – suporte amplo  - definir o que é protegido é apenas um primeiro passo, já que condutas ou situações abarcadas pelo âmbito de proteção de um direito fundamental ainda dependerão eventualmente de um sopesamento em situações concretas antes de se decidir pela proteção definitiva ou não.”[6]

Cada uma dessas ideias (suporte fático restrito ou amplo) leva invariavelmente a teorias distintas sobre o direito fundamental. São reconhecidas como a teoria interna e externa do direito.

Quanto a teoria interna, ela busca explicar que o conteúdo do direito fundamental está delimitado em sua própria definição, de forma autárquica e suficiente. Não tira seu significado por aspectos externos, tal como colisão com outros direitos. Obedece à estrutura das regras (tudo ou nada) cuja técnica de aplicação vem a ser um modelo clássico de subsunção.

O sopesamento entre direitos fundamentais é estranho, portanto, ao conceito de teoria interna. Os direitos possuem delimitação própria, determinada, objetiva, fixando seus limites imanentemente.

Quanto à teoria externa, ela busca explicar a natureza desses direitos e suas restrições ao reconhecer uma concepção alargada de seu suporte fático. A estrutura alargada dos direitos fundamentais os dota de características de princípio, o que implica dizer que por sua natureza a colisão com outras normas é o que define o seu conteúdo, justificando a idéia de que ele retira o seu conteúdo do atrito com outros conteúdos normativos.

Dessas duas concepções, suporte fático amplo e restrito, da teoria interna e externa, liga-se a própria interna do que seria finalmente o conteúdo dos direitos fundamentais, são as chamadas teorias absoluta e relativa.

A teoria absoluta reconhece como núcleo essencial do direito fundamental como um objeto determinável em abstrato, decorrente da dignidade da pessoa humana existente em cada direito.

A teoria relativa reconhece a definição do que seja o conteúdo de um direito fundamental na medida em que se efetua o sopesamento de conteúdos normativos em choque ou valores em colisão. Daí que o conteúdo do direito fundamental não possa ser absoluto e comporta gradações frente a existência de outros direitos.

Enquanto os absolutistas propugnam pela existência de um conteúdo essencial do direito fundamental predeterminado não ponderável, retirado diretamente da força da regra da dignidade da pessoa humana, para os relativistas é o próprio sopesamento entre conteúdos normativos dos direitos que revelam o direito fundamental no caso concreto, que, portanto, é sempre relativo em face a outros direitos.

A preocupação de alguns absolutistas, tais quais Vieira de Andrade, parece repousar sobre a possibilidade do legislador poder afetar em sede de emenda constitucional, por exemplo, o conteúdo essencial dos chamados direitos fundamentais, daí a necessidade de se garantir, a priori, no próprio texto constitucional, a fixação de um mínimo reconhecível como direito essencial.

A estaticidade, digamos assim, da proposta absolutista, de fato, leva a uma consideração, a priori, e definitiva, do conteúdo normativo dos direitos fundamentais, sempre reconduzida à retórica da regra da dignidade da pessoa humana.

A teoria relativista, a princípio, parece oferecer uma solução mais adequada à questão da extração do conteúdo dos direitos fundamentais. Isto porque as Constituições modernas estão repletas do reconhecimento de valores e possibilidades que permitem as mais variadas concepções de vida de seus súditos: direito à liberdade, à propriedade, à saúde, à educação, admitem tantas situações jurídicas quanto possíveis na experiência social e é evidente que muitos destes direitos podem não coexistir predeterminados sendo necessário que no caso concreto haja a análise visa vis de todos eles e se determine uma possível solução para o conflito jurídico.

A teoria dos direitos fundamentais de Alexy

Alexy é um dos principais autores a que se pode filiar a teoria discursiva do direito, ou ainda, com certa prudência, identificá-lo como um daqueles autores cuja preocupação com o discurso jurídico sobressai em sua teoria.

Alexy, como os demais autores que se preocupam com a teoria do discurso, ainda que passando de pressupostos distintos, como Perelnan, busca a aplicação de uma teoria geral da argumentação jurídica que seja aplicada ao direito tenha delimitada sua atividade em referência à experiência jurídica.

O direito como discurso só pode admitir como ferramenta de aplicação o método dialético, isto é, o debate e a ponderação de argumentos e contra-argumentos tendo em vista uma solução que se pretenda verossímil sobretudo quando se coloca à frente do texto normativo situações jurídicas cujas quais refletem um suporte fático amplo.

Portanto, Alexy reconhece enunciados normativos que possuem um conteúdo de carga semântica baixa, do tipo “tudo ou nada”, “é ou não é”, cuja solução aponta para a aplicação da ferramenta da subsunção pura e simples.

No entanto, quando se fala do reconhecimento de direitos com conteúdo semântico amplo, com referência a direitos éticos, morais, como a liberdade, a segurança, a propriedade, a ideia da ferramenta da regra se demonstra inadequada porque sua estrutura de resolução, ou de solução jurídica, não comporta uma contraposição de posições distintas, a afeição de um discurso dialético, mas tão somente a aplicação vertical do texto ao fato.

Assim, Alexy, ao reconhecer a existência de enunciados normativos que demandam uma subsunção e outras com características próprias demandam aplicação de métodos distintos, cria sua teoria, na esteira de Dworkin, ao reconhecer que os princípios são estas normas cujo conteúdo, amplo, demandam a sua realização na maior medida possível, levando isso em conta a experiência social e a experiência jurídica. Ao princípio, Alexy dá a função de mandamento de otimização.

Alexy constrói toda a sua teoria dos direitos fundamentais sobre a idéia da dicotomia entre regras e princípios. Tanto a regra quanto princípios são normas, mas há de distingui-las quanto à espécie de cada uma delas. Busca em Hart e Dworkin a ideia de que o que as distingue é a generalidade ou elasticidade de conteúdo de cada uma delas, adotando a idéia de que a diferença entre regra e princípio, ao contrário de Hart, é qualitativa e adota um critério para distingui-los.

“O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes. Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais nem menos. Regras contem, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Isto significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau. Toda norma é uma regra ou um princípio.”[7]

Regras são normas que são ou não são satisfeitas, cuja abertura semâtica é baixo, diria, se analisada sob a perspectiva do direito como produto da linguagem. A regra é posta sob o limite da validade, por exemplo, ou vale ou não vale. Seus conflitos são resolvidos pelos critérios de temporalidade e especialidade.

“Um conflito entre regras somente pode ser solucionado se se introduz, em uma das regras, uma cláusula de exceção que delimite o conflito, ou se pelo menos uma das regras for declarada inválida. Um exemplo para um conflito entre regras que pode ser resolvido por meio da introdução de uma cláusula de exceção é aquele entre a proibição de sair da sala de aula antes que o sinal toque e o dever de deixar a sala se soar o alarme de incêndio. Se o sinal ainda não tiver sido tocado, mas o alarme de incêndio tiver soado, essas regras conduzem a juízos concretos de dever-ser contraditórios entre si. Esse conflito deve ser solucionado por meio da inclusão, na primeira regra, de uma cláusula de exceção para o caso do alarme de incêndio.”[8]

Já os princípios colidem entre si, mas ao colidirem não se tornam inválidos ou válidos. A relação é de precedência de um em relação ao outro. O fator determinante para se decidir qual precede qual é o peso de cada princípio e a regra ou técnica para revelar é a da ponderação ou sopesamento.

“As colisões entre princípios devem ser solucionadas de forma completamente diversa. Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com o outro, permitido -, um dos princípios terá que ceder. Isto não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta. Isso é o que se quer dizer quando se afirma que, nos casos concretos, os princípios têm pesos diferentes e que os princípios com maior peso tem precedência. Conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões entre princípios – visto que só princípios válidos podem colidir – ocorrem, para além dessa dimensão, na dimensão do peso.”[9]-[10]

Os princípios podem ser relativizados e é da sua própria estrutura que assim sejam. No entanto, esta regra de ponderação não é destituída de critério ou procedimento de justificação ou correção perante o discurso jurídico.

Alexy fundamenta tal regra como um dever de proporcionalidade que cumpre três etapas para se realizar. Ainda no mundo pré-jurídico, há que se analisar duas questões: a) a adequação - tal ou qual medida é própria para se dirigir a determinado fim?; b) a necessidade – a medida é a menos gravosa em relação a outras medidas?

Adentrando ao mundo jurídico, Alexy cria a sub-regra da proporcionalidade em sentido estrito. Feitas as análises de adequação e necessidade, o intérprete da colisão de direitos fundamentais deve sopesar entre as diversas possibilidades jurídicas e como produto de toda essa técnica de solução e resolução de colisão de direitos, a busca é pela realização ótima de todos os conteúdos normativos reconhecidos pela Constituição.

A assim chamada, portanto, Lei de Colisão de Alexy, reconhece, prima facie, uma igualdade de peso entre os diversos princípios, mas dá precedência a um deles no caso concreto, tendo em vista a otimização da realização máxima de cada princípio colidido.

A ideia que fundamenta a sua teoria da ponderação dos direitos fundamentais associa-se à teoria da argumentação jurídica, que tem como ponto de partida a própria argumentação geral de fundamentos racionais tendentes a correição das ideias postas organizadas e avaliadas por critérios específicos. No entanto, há que se observar que o discurso racional fundante de proteção aos direitos fundamentais não esgota sua riqueza no status de produto do discurso – é preciso ir além. Mas para onde?

Quando o intérprete do texto se depara com enunciados normativos colisíveis e opera regras de superação – sopesamento – desse choque, ainda que busque fundamentar procedimentalmente sua decisão de privilegiar um direito fundamental em distinção a outro, não se correrá o risco de troca de um deus positivista – de mármore – por uma outra deidade, de vento? Onde a resposta correta?

Conclusão

A construção histórica dos direitos fundamentais, imbricada na ascensão da subjetividade e do discurso dos direitos humanos já é um processo que perdura há três séculos.

O processo de construção e sua fundamentação última, se é que possível, no entanto, continua em aberto, oferecendo campo fértil aos filósofos e aos juristas de coragem o duro trabalho de proteger o homem de si mesmo, na utópica – será? – e de uma de suas construções mais fantásticas, o Estado.

Diversas teorias são apresentadas como fundantes da operacionalização de um direito complexo, tumultuado, porque diz respeito aos mais intrínsecos desejos e impulsos humanos. No entanto, o que se percebe que sem a luz da razão e de um discurso racional que dialogue sem barreiras na comunidade e perante o Estado, a problemática e a teoria proposta para a resolução da questão dos direitos fundamentais restará como bela filosofia encadernada, porém empoeirada nas bibliotecas do tempo.

BIBLIOGRAFIA

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Editores, 2ª ed., 2015.

FLEINER-GERSTER, Thomas. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2013.

MICHAEL, Lothar; MORLOK, Martin. Direitos Fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2016.

SILVA, Virgílio Afonso. O conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a eficácia das normas constitucionais. Revista de Direito do Estado 4. 2006.

PALOMBELLA, Gianluigi. Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

VIERA DE ANDRADE, José Carlos. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Almedina: Coimbra, 3ª ed., 2004.


[1] PALOMBELLA, Gianluigi. Filosofia do Direito, p. 63.

[2] Fleiner-Gerster. Teoria Geral do Estado, p. 109.

[3] NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo, p. 249-250, 253-254.

[4] Jurista alemão, cujo pensamento filosófico é marcado pela preocupação com a fundamentação racional das decisões jurídicas, e cuja obra seminal, “Teoria dos Direitos Fundamentais”, publicado primeiramente em 1985, em alemão, e em diálogo com a obra de Dworkin vem propiciando frutíferas discussões sobre a natureza e funcionalidade dos princípios no sistema jurídico.

[5]Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, p. 292-293.

[6]O conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a eficácia das normas constitucionais”, p. 34

[7]Teoria dos Direitos Fundamentais”, p. 90-91.

[8] Idem, p. 92

[9] Idem, p. 93/94.

[10] MICHAEL, Lothar; MORLOK, Martin. Direitos Fundamentais. p. 61: “Das regras, distinguem-se os princípios de maneira essencial: se um princípio colide com um princípio contrário, então um desses princípios não se impõe plenamente conforme uma regra de colisão, excluindo o outro, pelo contrário, procura-se deixar que ambos os princípios se devolvam o máximo possível. (...) Mas, em princípio, o que conta, é que nenhum dos dois princípios que se encontram em conflito é totalmente sacrificado, deste modo, os princípios são preceitos de otimização. Eles almejam ser sempre realizados o melhor possível na situação em concreto. Neles encontram-se, pois, um motivo de perfeição que não pode ser, contudo, restringido por princípios concorrentes. Os princípios não se impõem de maneira absoluta, mas conduzem à ‘relações condicionais de primazia’. (...)”

Sobre o autor
Fabio Mariano

Mestrando em Direito pela PUC/SP. Ex-Diretor-Presidente da Agência Reguladora de Saneamento Básico de São Bernardo do Campo/SP. Advogado

Informações sobre o texto

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