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A terceirização de atividade fim na Caixa Econômica Federal

Agenda 14/08/2017 às 15:10

Uma empresa pública pode terceirizar sua atividade fim ou isso afronta o princípio do concurso público?

I - A CEF ESTÁ IMPEDIDA PELA CONSTITUIÇÃO DE REALIZAR TERCEIRIZAÇÃO VISANDO ÀS ATIVIDADES FIM. 

A imprensa noticiou que a  Caixa Econômica não tem, no momento, a intenção de contratar trabalhadores terceirizados para executar as atividades-fim do banco, disse o presidente da instituição financeira, Gilberto Occhi. De acordo com ele, a mudança no regulamento interno da Caixa que abre brecha para esse tipo de contratação representou apenas uma adequação à nova legislação trabalhista.

“Essa mudança na regulamentação foi muito mais para adequar a legislação aprovada às regras da Caixa. Não significa dizer que temos intenção. Momentaneamente, não há intenção da Caixa de fazer nenhuma contratação terceirizada para algum tipo de posto de trabalho dentro do banco”, declarou Occhi após participar da cerimônia de assinatura da distribuição de parte dos lucros do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço aos trabalhadores.

Segundo Occhi, o banco apenas cumpriu uma obrigação legal ao mudar o regulamento interno. “Foi muito mais uma adequação à legislação. Isso é uma obrigação legal, normativa que a Caixa deveria adotar”, declarou.

Observe-se, em resumo, diante da noticia trazida à colação, que será caso de ajuizamento de ação civil pública ou de ação popular objetivando desconstituir eventual seleção que se realize por afronta à Constituição, no artigo 37 da Constituição Federal, que obriga a contratação de pessoal por concurso público e, ainda, no que concerne a Convenções da OIT na matéria.


II - A INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 13.429/17

Noticiou o site da PGR que o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que declare inconstitucional a Lei 13.429/2017, sancionada em março deste ano, que possibilita a contratação irrestrita de terceirizados na atuação finalística das empresas e em atividades permanentes. Para o PGR, a lei contraria o caráter excepcional do regime de terceirização e viola o regime constitucional de emprego socialmente protegido, além de esvaziar os direitos fundamentais conferidos ao trabalhador.

As alterações promovidas pela lei esvaziam os direitos fundamentais conferidos pela Constituição aos trabalhadores e vulneram o cumprimento, pelo Brasil, de normas internacionais, como a Declaração de Filadélfia, as Convenções 29 e 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Pacto de São José da Costa Rica, a Carta da Organização dos Estados Americanos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Há Inconstitucionalidade material – Na ação, Janot contesta o dispositivo que autoriza a terceirização irrestrita da atividade finalística de empresas privadas e de órgãos e entes da administração pública. Para ele, além de violar o regime constitucional de emprego socialmente protegido, a norma fere a função social das empresas, o princípio isonômico e a regra do concurso público nas empresas estatais exploradoras da atividade econômica.

Noticiou, outrossim, o site referenciado que, para  o PGR, também é inconstitucional a “ampliação desarrazoada” do regime de locação de mão de obra temporária, para atender atividades previsíveis e normais das empresas tomadoras do serviço (artigo 2º). Com a alteração, passa a ser possível o uso do trabalho temporário não apenas em situações imprevisíveis ou extraordinárias, mas para o atendimento de atividades permanentes, o que fere princípios constitucionais e desvirtua a finalidade desse tipo de contratação.

O PGR contesta, ainda, o dispositivo que triplica o prazo máximo do contrato de trabalho temporário com a mesma empresa (parágrafos 1º e 2º do artigo 10), passando de três para nove meses, o que corresponde a três quartos do ano. “À empresa tomadora torna-se factível utilizar permanentemente o trabalho temporário em todas as suas atividades intermitentes, periódicas ou sazonais, apenas administrando rodízio de contratos com o mesmo trabalhador”, sustenta.

Há inconstitucionalidade formal – Na inicial da ADI, o PGR também sustenta que a Lei 13.429/2017 é formalmente inconstitucional por vício de tramitação do projeto. Isso porque, segundo ele, a Câmara dos Deputados não apreciou, antes da votação conclusiva, o requerimento feito em 2003, pelo então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que pedia a retirada da proposta legislativa. Para o PGR, a recusa de apreciação do requerimento, por parte do Legislativo, afronta a divisão funcional dos poderes, visto que é garantia constitucional do presidente desistir da proposição e submeter ao Congresso tal pedido.

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A possibilidade de ingresso em Caixa Econômica Federal para o exercício de atividade fim agride o artigo 37 que determina a regra do concurso público.

Poder-se-ia dizer que o pessoal que ingressasse dessa forma seria tratado como interino.

Ao discorrer sobre o pessoal instável da administração, Hely Lopes Meirelles assim definiu cada uma dessas categorias: “Os interinos são funcionários nomeados em caráter provisório, em substituição a funcionários do quadro que se achem por qualquer motivo afastados, ou ainda, para preenchimento de cargo enquanto não provido por nomeação efetiva.” Pela própria natureza de sua nomeação verifica-se que a investidura interina não confere ao nomeado qualquer direito à permanência no cargo ou função. Assim, poderá, a juízo exclusivo e discricionário da Administração, ser dispensado ou exonerado, independente de justificativa em processo administrativo.

Ora, os servidores públicos temporários atendem a necessidade temporária de excepcional interesse público para a sua contratação.

Inicialmente, no ano de 1993, o assunto foi tratado pela Lei nº 8.745. Esta lei determinava que os órgãos da Administração Pública Federal Direta, Autarquias e Fundações Públicas podiam contratar servidores por tempo determinado, conforme seus dispositivos.

A lei considerava necessidade temporária de excepcional interesse público a assistência a situações de calamidade pública, o combate a surtos endêmicos, a realização de recenseamentos, a admissão de professor substituto e professor visitante, a admissão de professor e pesquisador visitante estrangeiro, e as atividades especiais nas organizações das Forças Armadas para atender a área industrial ou a encargos temporários de obras e serviços de engenharia.

O recrutamento dos temporários utilizava processo seletivo simplificado, sujeito a ampla divulgação, afastado o concurso público.

As contratações feitas para atender às necessidades decorrentes de calamidade pública não careciam da existência de processo seletivo.

As contratações de admissão de professor e pesquisador visitante estrangeiro, e as atividades especiais nas organizações das Forças Armadas para atender a área industrial ou a encargos temporários de obras e serviços de engenharia, podiam ser feitas baseadas na notória capacidade técnica ou científica do profissional, mediante análise do curriculum vitae.

Os servidores da Administração direta ou indireta, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como de empregados ou servidores de suas subsidiárias e controladas não podiam ser contratados temporariamente.

Os contratados temporariamente não podiam receber atribuições, funções ou encargos não previstos no respectivo contrato, ser nomeados ou designados, ainda que a título precário ou em substituição, para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança, nem terem a sua contratação renovada, exceto nos casos de assistência a situações de calamidade pública, mediante prévia autorização do Ministro de Estado ou Secretário da Presidência competente.

As infrações disciplinares atribuídas ao pessoal contratado nos termos desta eram apuradas por sindicância, concluída no prazo de trinta dias e assegurada ampla defesa.

O contrato firmado extinguia-se, sem direito a indenizações, pelo término do prazo contratual ou por iniciativa do contratado.

O contratado temporariamente tinha o tempo de serviço prestado contado para todos os efeitos.

A partir de 1995, o Presidente da República editou nada menos do que 46 Medidas Provisórias com a numeração 1.887, que, apreciadas pelo Congresso Nacional, originaram a Lei nº 9.849 de 26 de outubro de 1999 que trata do assunto primeiramente trabalhado pelo legislador na lei de 1993.

Publicada em uma edição extra do Diário Oficial da União em 27 de outubro do mesmo ano, a Lei nº 9849 alterou os arts. 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º e 9º da Lei nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993.

Outra Lei federal ordinária, a de número 10.667, de 14 de maio de 2003, também tratou do assunto inicialmente previsto pela Lei nº 8.745. A primeira modificou os arts 2º, 3º, 4º, 5º e 7º e 12 da lei de 1993.

As modificações realizadas para a contratação temporária de servidores públicos foram distintas.

Primeiramente destaca-se o acréscimo ao texto do art. 2º, inciso III, que previa a realização de recenseamentos como hipótese de necessidade de contratação temporária, da previsão de outras pesquisas estatísticas realizadas pela fundação IBGE.

Com relação a situação desses servidores temporários, Adilson Abreu Dallari (Regime constitucional dos servidores públicos, 2º edição, pág. 126) entendia que “deve ser estipulado o processo de seleção do pessoal a ser contratado, já que a temporariedade não justifica sejam postergados os princípios da isonomia, da impessoalidade e da moralidade”. Não seria necessário, para a sua contratação, o rigor de um concurso público, mas não poderia ser uma escolha pessoal, subjetiva, imotivada, sem qualquer critério objetivo.

Mas, veja-se bem, é preciso atender ao espírito da Constituição Federal, evitando um arrombamento dessa abertura que é dada para contratação dos servidores temporários, impedindo que essa contratação temporária sirva, como já serviu antes da Constituição de 1988, para contornar a exigência do concurso público levando á admissão indiscriminada de pessoal, em detrimento do funcionalismo público.

Mas, de toda sorte, a contratação somente seria feita a título excepcional para atender a necessidades urgentíssimas da Administração. Não mais que isso.

Em síntese, é nula a contratação de servidor sem a prévia observância de prévia aprovação em concurso publico. Não há geração de quaisquer efeitos jurídicos válidos em relação aos empregados eventualmente contratados, ressalvados os direitos à percepção dos salários referentes ao período trabalhado, e, nos termos do art. 19 – A da Lei 8.036/90, ao levantamento dos depósitos efetuados no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS.

MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL

Não há que se falar em mutação constitucional para admitir esse tipo de contratação via terceirização de atividades fins em empresa pública que exerce um serviço público.

Bem analisa Uadi Lammêgo Bulos (Constituição Federal Anotada, São Paulo, Saraiva, 6ª edição, pág. 53) que as Constituições sofrem mudanças, além daquelas previstas formalmente. Isso não é apenas através do mecanismo instituído através da reforma que os preceitos constitucionais vão e devem ser modificados para aderirem às exigências sociais, políticas, econômicas, jurídicas do Estado e da comunidade.

Por mutação constitucional denomina-se o processo informal de mudança da Constituição, por meio do qual são atribuídos novos sentidos, conteúdos até então não ressaltados à letra da Constituição, quer através da interpretação em suas diversas modalidades e métodos, quer por intermédio da construção bem como dos usos e dos costumes constitucionais.

Uma mutação constitucional não pode ultrapassar os limites da nova correlação de forças que está em contradição com a anterior e o texto constitucional.

Evidente que tais alterações devem ocorrer de tal modo que possam ser suportados pelo texto original da Constituição, sob pena de incorrer em quebra constitucional.

Portanto, o próprio sistema constitucional também vem a ser um limite à mutação constitucional, visto que a mudança social não vai além desse sistema, fazendo com que a mutação constitucional seja sempre parcial, nunca atingindo toda Constituição, caso contrário ter-se-ia uma revogação tácita da Carta Maior.

Por outro lado, caso haja mudança social, ou seja, uma nova conjuntura política ocorra de tal forma que necessite de uma alteração no texto constitucional, o caminho seria a reforma formal da Constituição (Daniel Francisco Nagao. Economia e Mutação Constitucional. 2008. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo. p. 50-53).

Em face do modelo de Konrad Hesse, seguido no Brasil por Anna Cândido Ferraz e José Afonso da Silva, conclui-se pela não existência de mutações inconstitucionais, visto que nesses casos estaríamos perante uma quebra constitucional, que é ato inexistente. O que é chamado de mutação inconstitucional é, portanto, quebra da constituição, visto que a mutação busca uma solução de continuidade da Constituição e não sua ruptura, como bem concluiu Daniel Marinho Corrêa (Parâmetros da mutação constitucional).

Diante disso, a nova correlação de forças surgida em um determinado momento social e o próprio texto constitucional são os limites da mutação constitucional.

Em geral, a mutação constitucional é uma adaptação do texto constitucional à nova realidade política. Na interpretação não existe mudança da realidade social, mas uma escolha do aplicador da norma dentre uma gama de possibilidades decorrentes desta, sempre respeitando o texto da lei. Na interpretação, a escolha e a concretização da norma são realizadas dentro da realidade social existente. Nota-se que não precisa ocorrer uma mudança na realidade social.

A mutação constitucional necessita de uma alteração da conjuntura política. Buscando adequar o texto para uma nova força normativa, ou, até mesmo, aplicando ou reduzindo essa força da norma constitucional genuína, enquanto que a alteração de interpretação é singela correção pontual, não implicando alteração, ampliação ou redução de força normativa do texto, como expõe Daniel Francisco Nagão Menezes (obra citada, pág. 69 e 70).

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A terceirização de atividade fim na Caixa Econômica Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5157, 14 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59721. Acesso em: 2 nov. 2024.

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