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Viva voz e prova ilícita: decisão do STJ

Agenda 16/08/2017 às 12:10

Discute-se recente decisão do STJ sobre a ilicitude da prova obtida, mediante coerção, por meio de conversa ao celular no viva voz.

O STJ tem empregado uma louvável interpretação progressiva e ampla da Lei 9296/96, especialmente quanto à natureza das comunicações telefônicas abrigadas por suas regras, de acordo com seu artigo 1º.  

A decisão do STJ no HC 51.531 – RO (2014/0232367-7), sendo Relator o Ministro Nefi Cordeiro, equiparou, com acerto, mensagens de texto e conversas por whatsapp a comunicações telefônicas de qualquer natureza, mencionadas pela Lei 9296/96, exigindo-se ordem judicial para acesso e transcrição, sob pena de produção de prova ilícita.

A posição do STJ já tem influído no posicionamento dos Tribunais de Justiça, como, por exemplo, ocorreu com o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO – S. Crim – Rev. Crim. 428199 – 19.2015.8.09.0000 – rel. Lilia Monica de Castro Borges Escher – j. 21.09.2016 – public. 03.10.2016). Novamente foi afirmado que as conversações via whatsapp precisam de ordem judicial para acesso e transcrição.     

Por outro lado, o STJ, no RHC 75.800, julgado pela sua 5ª. Turma, decidiu que, havendo ordem de busca e apreensão judicial do celular, encontra-se implícita a autorização para a pesquisa do conteúdo de quaisquer materiais ali armazenados de interesse criminal. O mandado de busca e apreensão, permitiria, por indução lógica, a pesquisa dos dados. [1]

Em consonância perfeita com os julgados acima mencionados, voltou o STJ a decidir sobre tema polêmico. Trata-se de uma situação em que Policiais Militares abordaram um indivíduo que se mostrava nervoso. Ele estava de posse de um celular e recebeu uma ligação de sua genitora. Os Policiais Militares obrigaram o sujeito a colocar o celular no “viva voz” e, com isso, captaram a conversação dele com a mãe imediatamente, percebendo que ele buscaria drogas para fins de tráfico. Isso ocasionou a prisão em flagrante do suspeito e sua condenação em primeiro grau. No entanto, o TJRJ absolveu o réu porque considerou a prova ilícita. Entendeu aquele Tribunal Estadual que a situação é equiparável a uma interceptação telefônica sem ordem judicial. Também foi lembrado o direito do réu ou investigado a não autoincriminação. O Ministério Público manejou Recurso Especial perante o STJ, alegando que a situação não se assemelharia à interceptação telefônica, eis que ocorreu de inopino e não em investigação policial em curso. O Ministro Relator, Joel Ilan Paciornik, negou provimento ao recurso ministerial e foi acompanhado por unanimidade pelos demais membros daquele tribunal superior. Destacou o Ministro Relator a “conduta coercitiva” dos milicianos, atentatória ao direito de não produzir prova contra si mesmo:

“O relato dos autos demonstra que a abordagem feita pelos milicianos foi obtida de forma involuntária e coercitiva, por má conduta policial, gerando uma verdadeira autoincriminação. Não se pode perder de vista que qualquer tipo de prova contra o réu que dependa dele mesmo só vale se o ato for feita de forma voluntária e consciente” (STJ, REsp. 1630097, 5ª. Turma, Min. Rel. Joel Ilan Paciornik, j. 27.04.2017). [2]

Além do fato de que o “decisum” do STJ por último mencionado se harmoniza perfeitamente, e de forma absolutamente coerente com as posições anteriormente adotadas por aquela corte no HC 51.531 – RO e no RHC 75.800, exigindo para a quebra do sigilo de conversas via telefone celular, por quaisquer meios, ou ordem judicial ou anuência livre do interlocutor; há que destacar que no caso concreto sobreleva a questão do direito de não produzir prova contra si mesmo. É claro e evidente que o suspeito foi compelido “manu militari” a acionar seu viva – voz e compartilhar sua comunicação privada com os Policiais. A verdade é que nem mesmo de ordem judicial para tanto se pode cogitar. Tal ordem judicial seria violadora da Constituição no mesmo grau que o foi a atitude dos Policiais. Como poderia, mesmo um Juiz, determinar que o suspeito fosse obrigado a manter conversações em viva – voz na presença de investigadores, produzindo prova contra si mesmo? Nesse passo seria o mesmo que poder haver uma ordem judicial para obrigar o réu ou investigado a confessar, a fornecer materiais gráficos, a se submeter a exame de sangue, a teste de etilômetro etc.

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Na realidade, a escuta pelos milicianos da conversa em “viva voz” somente se assemelha à interceptação telefônica, mas com ela não se confunde, isso porque, para que esta ocorra, é necessário que nenhum dos dois interlocutores saiba do terceiro que ouve a conversa. No caso enfocado, o suspeito sabia da presença dos milicianos, apenas a outra interlocutora é que não sabia. Portanto, a situação se assemelha mais ao que se pode denominar de “escuta clandestina ou telefônica”. Nela, um dos interlocutores, sem a ciência do outro, permite o acesso e/ou a gravação dos diálogos telefônicos por terceiros. O STF (HC 75.338, Min. Rel. Nelson Jobin) atribuiu legalidade a todas as gravações e acessos obtidos com a autorização de um ou de ambos interlocutores ou por eles mesmos realizadas. [3]

Houve uma lacuna lamentável na Lei de Interceptações Telefônicas com relação a captações e gravações que não entram no conceito restrito de “interceptação telefônica”, mas que podem ocorrer como meio de coleta de prova. Grinover afirma que “o legislador perdeu uma boa oportunidade de regulamentar o assunto, que normalmente vem tratado, no direito estrangeiro, juntamente com a disciplina das interceptações”. [4]

Quer parecer, porém, que ponto fulcral neste caso ora julgado pelo STJ, quanto ao “viva voz”, assenta-se não tanto na possibilidade de acesso ao conteúdo da conversa, eis que não se trata de interceptação telefônica. Também, como já visto, pouco importa a existência ou não de ordem judicial. O que tem relevo é tão somente, nestes casos, a voluntariedade do interlocutor que autoriza a escuta de sua conversa privada. Assim sendo, por exemplo, quando vítimas de extorsão, mediante sequestro, autorizam as gravações e escutas em prol da liberação de um ente querido, não há ilegalidade nas captações. Mas, em situações como a retratada no caso julgado pelo STJ, fica patente que o suspeito não consentiu na escuta livremente e com a devida informação das consequências de sua deliberação, de modo que o ponto básico está mesmo na violação do direito a não autoincriminação. Isso é o que realmente torna ilícita toda a prova colhida, além de tudo aquilo que dela tenha derivado (“fruit of the poisonous tree doctrine”). Por isso, agiu com absoluto acerto o Ministro Relator, inclusive no ponto em que dá maior destaque à questão da ausência de voluntariedade e liberdade de escolha do suspeito no momento da captação de sua conversa.


REFERÊNCIAS

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Interceptação Telefônica. 3ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

__________. Whatsapp e Investigação Criminal: Reserva de Jurisdição e entendimento do STJ. Disponível em www.jusbrasil.com.br, acesso em 28.04.2017

GRINOVER, Ada Pellegrini. O Regime Brasileiro das Interceptações Telefônicas. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, p. 112 – 126,  IBCCrim, n. 17, ,  Jan./Mar. 1997.

PARA quinta turma, é nula prova obtida a partir da escuta não autorizada da ligação em viva – voz. Disponível em www.jusbrasil.com.br , acesso em 28.04.2017.


Notas

[1] Tais decisões já foram tratadas em trabalho antecedente ao qual se remete o leitor para maior aprofundamento: CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Whatsapp e Investigação Criminal: Reserva de Jurisdição e entendimento do STJ. Disponível em www.jusbrasil.com.br, acesso em 28.04.2017. Neste artigo será examinada outra decisão mais recente do STJ a respeito da escuta de conversas em viva – voz.

[2] PARA quinta turma, é nula prova obtida a partir da escuta não autorizada da ligação em viva – voz. Disponível em www.jusbrasil.com.br , acesso em 28.04.2017.

[3] CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Interceptação Telefônica. 3ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 32 – 33.

[4] GRINOVER, Ada Pellegrini. O Regime Brasileiro das Interceptações Telefônicas. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, IBCCrim, n. 17,  Jan./Mar. 1997, p. 115. 

Sobre o autor
Eduardo Luiz Santos Cabette

Delegado de Polícia Aposentado. Mestre em Direito Ambiental e Social. Pós-graduado em Direito Penal e Criminologia. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial em graduação, pós - graduação e cursos preparatórios. Membro de corpo editorial da Revista CEJ (Brasília). Membro de corpo editorial da Editora Fabris. Membro de corpo editorial da Justiça & Polícia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Viva voz e prova ilícita: decisão do STJ. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5159, 16 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59753. Acesso em: 25 dez. 2024.

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